PEC que turbina salários de juízes é
retrocesso e ignora reforma, afirmam analistas
A proposta que turbina
salários de juízes, promotores, delegados da Polícia Federal, defensores e
advogados públicos é vista por parte dos analistas como um retrocesso que
coloca em risco o equilíbrio fiscal, aumenta a disparidade entre as carreiras
públicas e ignora a necessidade de uma reforma.
Na quarta-feira (17),
a chamada PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Quinquênio foi aprovada na
CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado e deve entrar na pauta de
votações do plenário para as cinco sessões de discussão previstas em regimento.
A proposta altera a
Constituição para garantir aumento de 5% do salário para as carreiras
contempladas a cada cinco anos, até o limite de 35%. A atuação jurídica
anterior dos servidores públicos --na advocacia, por exemplo-- poderá ser usada
na contagem de tempo.
A PEC original tratava
apenas de juízes e membros do Ministério Público, mas o relator, senador
Eduardo Gomes (PL-TO), incluiu defensores públicos; membros da advocacia da
União, dos estados e do Distrito Federal; e delegados da Polícia Federal.
Para Gustavo
Fernandes, professor de administração pública da FGV EAESP (Escola de
Administração de Empresas de São Paulo), parte do problema se deve pela
coexistência de regras diferentes, com estados mantendo o quinquênio após a
retirada no âmbito federal.
"Também nunca se
atacou a questão da produtividade", diz Fernandes. "Houve uma pressão
inflacionária em toda máquina, os servidores ficaram sem reajuste. Como parte
dos magistrados já está no teto, busca-se uma alternativa para recompor as
perdas da inflação."
Segundo ele, a PEC é
uma volta ao passado, enquanto o ideal seria fazer uma reforma que crie a
estrutura de carreira, com indicadores de produtividade e etapas para ascender.
Já para o juiz federal
aposentado e ex-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil)
Fernando Mendes, defensor da proposta, a aprovação seria um passo fundamental
para a valorização da carreira da magistratura federal.
"Com essa parcela
de valorização a cada cinco anos, se restabelece um sentido de carreira. Nos
últimos anos, muitos juízes federais deixaram a função para exercer outras
atividades, como a advocacia. Uma magistratura forte e independente pressupõe uma
atividade bem remunerada."
Mendes, que hoje atua
como advogado, acrescenta que é preciso fazer uma leitura correta do que
representa a magistratura federal. São cerca de 2.000 juízes federais, e a
proposta que vem do senador Pacheco é justa, avalia.
"Como um juiz
federal pode mudar até cenários econômicos a partir de uma decisão, precisamos
ter um profissional com boa remuneração."
Por outro lado, a
vice-presidente do conselho diretor do República.org, Vera Monteiro, define a
PEC como "uma excrescência". "Um dos problemas do nosso Estado é
a enorme distância entre quem ganha muito e quem ganha pouco", diz.
O instituto divulgou
nesta sexta-feira (19) um manifesto em que critica a PEC e afirma que o Brasil
já é um campeão mundial da disparidade de remuneração no setor público.
"Metade dos
servidores brasileiros recebe salário igual ou menor a R$ 3.400 mensais.
Precisamos, sim, repor perdas salariais, depois de 42% de inflação desde 2016
--mas quinquênios e supersalários não são a maneira de fazê-lo", afirma o
texto.
"Se fosse
possível aumentar o teto para todo mundo seria bom, mas não há espaço fiscal
para isso. Uma reforma administrativa exige permanente revisão, mais
transparência nas regras de remuneração e avaliação de desempenho",
ressalta a especialista em direito administrativo.
Os especialistas
ouvidos pela reportagem concordam que faz sentido que a PEC preocupe o ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, e dificulte o equilíbrio fiscal.
O governo monta uma
estratégia para tentar barrar a votação. Isso porque há cálculos que apontam um
impacto de até R$ 42 bilhões por ano nas contas públicas.
Segundo estudo do CLP
(Centro de Liderança Pública), apenas cerca de 32 mil trabalhadores seriam
beneficiados, aumentando a desigualdade e fazendo com que muitos ganhem acima
do teto do funcionalismo.
De acordo com a
entidade, não procede um dos principais argumentos de quem defende a PEC, como
o que diz que a evolução remuneratória no Poder Judiciário é baixa, de modo a
não atrair talentos.
• Líder do governo diz que PEC pode
'quebrar o país'
O líder do governo na
Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), afirmou na sexta-feira (19) que a
proposta em tramitação no Congresso Nacional, que turbina o salário de juízes e
promotores, vai "quebrar" o país.
A declaração aconteceu
após uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com ministros da
área política e líderes do governo, para discutir o risco de avanço da
pauta-bomba no Congresso Nacional e também a relação com o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O almoço no Palácio do
Planalto não estava previsto inicialmente na agenda de Lula. Participaram, além
de Guimarães, os ministros-chefes da Secretaria de Relações Institucionais,
Alexandre Padilha (PT), da Casa Civil, Rui Costa (PT) e da Secom (Secretaria de
Comunicação Social), Paulo Pimenta (PT). Também estavam presentes os líderes do
governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e no Congresso, Randolfe Rodrigues
(sem partido-AP).
"Se essa PEC
prosseguir, ela vai quebrar o país, quebra o país e quebra os estados. Quebra o
país e quebra os estados. Não tem o menor fundamento, na minha opinião",
afirmou Guimarães após o encontro.
"A PEC do
Quinquênio é um desserviço ao país. O país não suporta uma PEC dessa. O impacto
é brutal. Quebra os estados e a união. Então vamos, é evidente, barrar na
Câmara. Minha decisão não é porque o presidente pediu isso, não. É porque eu
considero que, enquanto a gente está fazendo esse esforço, que votamos marco
fiscal, as medidas arrecadatórias moralizadoras, ver uma PEC do Quinquênio. De
onde tiraram isso?", acrescenta.
Guimarães também
afirmou que a prioridade na próxima semana será a votação do Perse (Programa
Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) de 2024 a 2026 e das propostas de
regulamentação da reforma tributária.
Ø
TSE elege sucessor de Moraes na presidência
em meio a críticas de Elon Musk
O Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), hoje presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, vai realizar
a eleição para escolher o novo chefe da Corte no dia 7 de maio. A atual
vice-presidente, ministra Cármen Lúcia, deve assumir o cargo. O novo presidente
do tribunal será o responsável pela condução das eleições de outubro.
Para a definição, o
voto secreto dos magistrados é depositado em urna eletrônica e o escolhido
preside o TSE por dois anos. Em 16 de agosto de 2022, Moraes tomou posse com a
responsabilidade de atuar durante as eleições daquele ano, defendendo o sistema
eleitoral e combatendo a desinformação.
No início de abril, em
reunião com os presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) do País, a
vice-presidente do tribunal, que relatou as novas regras que vão conduzir as
eleições municipais, disse que “o Brasil inteiro estará olhando para a Justiça
Eleitoral” neste ano. As resoluções aprovadas em fevereiro dizem respeito,
entre outros temas, ao uso da inteligência artificial (IA), deep fake e lives.
A ministra defendeu
também que o “imenso processo democrático” que o pleito representa requer
“intenso trabalho” de todas as instâncias da Justiça Eleitoral. O TSE
inaugurou, em março, o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e
Defesa da Democracia, mais uma medida para combater a veiculação de notícias
falsas e discursos de ódio, preconceituosos e antidemocráticos que podem afetar
as eleições.
O atual presidente
deixará o cargo em meio a críticas do empresário Elon Musk, que alega suposta
“censura” com base no “Twitter Files Brasil”, arquivos internos do X (antigo
Twitter). O documento argumenta que Moraes e a própria Corte exigiram detalhes
pessoais sobre usuários “da oposição”, violaram a política da plataforma,
“censuraram” unilateralmente parlamentares e tentaram transformar as políticas
de moderação de conteúdo da rede social em uma arma contra apoiadores do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
• Juízes afastados pelo CNJ recorrem ao
STF e dizem que medida foi "excessiva e inadequada"
Os juízes federais
Loraci Flores de Lima e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz recorreram ao STF
(Supremo Tribunal Federal) contra a decisão do CNJ (Conselho Nacional de
Justiça) que os afastou de suas funções no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da
4ª Região), em 16 de abril.
O mandado de segurança
foi protocolado na quinta-feira (18) e distribuído ao ministro Flávio Dino. Até
a tarde deste domingo (21), o ministro não tinha analisado o caso.
Para os magistrados
afastados, a medida foi "excessiva e inadequada". "O afastamento
de desembargadores federais que nunca tiveram em sua vida profissional qualquer
registro de fato desabonador não só configura afronta à independência judicial,
como põe em xeque o próprio Estado Democrático de Direito", diz trecho do
mandado, assinado pelo advogado Nefi Cordeiro.
Flores de Lima e Lenz
foram afastados no bojo de uma reclamação disciplinar aberta de ofício em
setembro do ano passado pelo corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão, que também
realiza uma correição em todos os gabinetes de juízes ligados à Operação Lava Jato,
tanto na primeira instância, na 13ª Vara de Curitiba, quanto na segunda
instância, na 8ª Turma do TRF-4.
De acordo com Salomão,
os dois juízes teriam descumprido ordem do STF ao julgarem, em setembro do ano
passado, as exceções de suspeição do juiz Eduardo Appio, que atuou na 13ª Vara
de Curitiba entre fevereiro e maio de 2023.
Na ocasião, Flores de
Lima e Lenz, além de um juiz convocado, Danilo Pereira Júnior, declararam Appio
suspeito para atuar na Lava Jato e anularam todas as decisões dele em processos
ligados à operação.
Alguns dos atos de
Appio anulados pelos três juízes na 8ª Turma do TRF-4 integravam ações penais
que já estavam suspensas por determinação do STF. Assim, para Salomão, os
juízes federais, por via transversa, "impulsionaram -com consequências
práticas relevantes- processos que estavam suspensos por força de decisão"
de ministros da corte máxima.
"A decretação de
nulidade de todas as decisões proferidas pelo juiz federal Eduardo Appio, em
todos os processos da denominada Operação Lava Jato, resultaram, concretamente,
por exemplo, no restabelecimento da validade de mandados de prisão contra Raul
Schmidt Felippe Júnior e contra Rodrigo Tacla Duran, anteriormente revogados
por decisões do magistrado declarado suspeito", cita Salomão, em sua
decisão.
A defesa dos juízes
federais contesta Salomão e diz que o julgamento das exceções de suspeição não
tem relação com as ações penais suspensas pelo STF.
Acrescenta que a
decisão que tornou Appio suspeito foi tomada há sete meses e já é objeto de
recurso judicial. "Não se pode pela via disciplinar controlar a decisão
judicial, que precisa ser prolatada pela livre consciência e convencimento
judicial", escreve Nefi Cordeiro.
Sobre o afastamento
temporário, o advogado diz que houve cerceamento de defesa e reforça que
"não há fato grave, sequer configurador de infração disciplinar, menos
ainda que exija imediata resposta social".
"No mínimo, ante
a longa e imaculada ficha funcional dos magistrados impetrantes, exigir-se-ia
prova convincente do ânimo de descumprir ordens judiciais, por um devido
processo administrativo contraditório", continua a defesa.
No dia 15 de abril,
Salomão determinou o afastamento cautelar de quatro juízes federais ligados à
Operação Lava Jato. Além de Flores de Lima e Lenz, também os magistrados Danilo
Pereira Júnior e Gabriela Hardt. No dia seguinte, o plenário do CNJ referendou
apenas o afastamento de Flores de Lima e Lenz, revogando a decisão individual
do corregedor sobre Danilo e Gabriela.
Danilo, que é juiz de
primeira instância, mas foi convocado em alguns momentos para atuar na 8ª
Turma, é o atual juiz titular da 13ª Vara de Curitiba. Já Gabriela é juíza
substituta e atuou na 13ª Vara em alguns períodos, como quando Sergio Moro
deixou a magistratura para virar ministro de Bolsonaro, no final de 2018.
Fonte: FolhaPress
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