terça-feira, 23 de abril de 2024

PEC que turbina salários de juízes é retrocesso e ignora reforma, afirmam analistas

A proposta que turbina salários de juízes, promotores, delegados da Polícia Federal, defensores e advogados públicos é vista por parte dos analistas como um retrocesso que coloca em risco o equilíbrio fiscal, aumenta a disparidade entre as carreiras públicas e ignora a necessidade de uma reforma.

Na quarta-feira (17), a chamada PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Quinquênio foi aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado e deve entrar na pauta de votações do plenário para as cinco sessões de discussão previstas em regimento.

A proposta altera a Constituição para garantir aumento de 5% do salário para as carreiras contempladas a cada cinco anos, até o limite de 35%. A atuação jurídica anterior dos servidores públicos --na advocacia, por exemplo-- poderá ser usada na contagem de tempo.

A PEC original tratava apenas de juízes e membros do Ministério Público, mas o relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), incluiu defensores públicos; membros da advocacia da União, dos estados e do Distrito Federal; e delegados da Polícia Federal.

Para Gustavo Fernandes, professor de administração pública da FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo), parte do problema se deve pela coexistência de regras diferentes, com estados mantendo o quinquênio após a retirada no âmbito federal.

"Também nunca se atacou a questão da produtividade", diz Fernandes. "Houve uma pressão inflacionária em toda máquina, os servidores ficaram sem reajuste. Como parte dos magistrados já está no teto, busca-se uma alternativa para recompor as perdas da inflação."

Segundo ele, a PEC é uma volta ao passado, enquanto o ideal seria fazer uma reforma que crie a estrutura de carreira, com indicadores de produtividade e etapas para ascender.

Já para o juiz federal aposentado e ex-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) Fernando Mendes, defensor da proposta, a aprovação seria um passo fundamental para a valorização da carreira da magistratura federal.

"Com essa parcela de valorização a cada cinco anos, se restabelece um sentido de carreira. Nos últimos anos, muitos juízes federais deixaram a função para exercer outras atividades, como a advocacia. Uma magistratura forte e independente pressupõe uma atividade bem remunerada."

Mendes, que hoje atua como advogado, acrescenta que é preciso fazer uma leitura correta do que representa a magistratura federal. São cerca de 2.000 juízes federais, e a proposta que vem do senador Pacheco é justa, avalia.

"Como um juiz federal pode mudar até cenários econômicos a partir de uma decisão, precisamos ter um profissional com boa remuneração."

Por outro lado, a vice-presidente do conselho diretor do República.org, Vera Monteiro, define a PEC como "uma excrescência". "Um dos problemas do nosso Estado é a enorme distância entre quem ganha muito e quem ganha pouco", diz.

O instituto divulgou nesta sexta-feira (19) um manifesto em que critica a PEC e afirma que o Brasil já é um campeão mundial da disparidade de remuneração no setor público.

"Metade dos servidores brasileiros recebe salário igual ou menor a R$ 3.400 mensais. Precisamos, sim, repor perdas salariais, depois de 42% de inflação desde 2016 --mas quinquênios e supersalários não são a maneira de fazê-lo", afirma o texto.

"Se fosse possível aumentar o teto para todo mundo seria bom, mas não há espaço fiscal para isso. Uma reforma administrativa exige permanente revisão, mais transparência nas regras de remuneração e avaliação de desempenho", ressalta a especialista em direito administrativo.

Os especialistas ouvidos pela reportagem concordam que faz sentido que a PEC preocupe o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e dificulte o equilíbrio fiscal.

O governo monta uma estratégia para tentar barrar a votação. Isso porque há cálculos que apontam um impacto de até R$ 42 bilhões por ano nas contas públicas.

Segundo estudo do CLP (Centro de Liderança Pública), apenas cerca de 32 mil trabalhadores seriam beneficiados, aumentando a desigualdade e fazendo com que muitos ganhem acima do teto do funcionalismo.

De acordo com a entidade, não procede um dos principais argumentos de quem defende a PEC, como o que diz que a evolução remuneratória no Poder Judiciário é baixa, de modo a não atrair talentos.

•        Líder do governo diz que PEC pode 'quebrar o país'

O líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), afirmou na sexta-feira (19) que a proposta em tramitação no Congresso Nacional, que turbina o salário de juízes e promotores, vai "quebrar" o país.

A declaração aconteceu após uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com ministros da área política e líderes do governo, para discutir o risco de avanço da pauta-bomba no Congresso Nacional e também a relação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O almoço no Palácio do Planalto não estava previsto inicialmente na agenda de Lula. Participaram, além de Guimarães, os ministros-chefes da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), da Casa Civil, Rui Costa (PT) e da Secom (Secretaria de Comunicação Social), Paulo Pimenta (PT). Também estavam presentes os líderes do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).

"Se essa PEC prosseguir, ela vai quebrar o país, quebra o país e quebra os estados. Quebra o país e quebra os estados. Não tem o menor fundamento, na minha opinião", afirmou Guimarães após o encontro.

"A PEC do Quinquênio é um desserviço ao país. O país não suporta uma PEC dessa. O impacto é brutal. Quebra os estados e a união. Então vamos, é evidente, barrar na Câmara. Minha decisão não é porque o presidente pediu isso, não. É porque eu considero que, enquanto a gente está fazendo esse esforço, que votamos marco fiscal, as medidas arrecadatórias moralizadoras, ver uma PEC do Quinquênio. De onde tiraram isso?", acrescenta.

Guimarães também afirmou que a prioridade na próxima semana será a votação do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) de 2024 a 2026 e das propostas de regulamentação da reforma tributária.

 

Ø  TSE elege sucessor de Moraes na presidência em meio a críticas de Elon Musk

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), hoje presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, vai realizar a eleição para escolher o novo chefe da Corte no dia 7 de maio. A atual vice-presidente, ministra Cármen Lúcia, deve assumir o cargo. O novo presidente do tribunal será o responsável pela condução das eleições de outubro.

Para a definição, o voto secreto dos magistrados é depositado em urna eletrônica e o escolhido preside o TSE por dois anos. Em 16 de agosto de 2022, Moraes tomou posse com a responsabilidade de atuar durante as eleições daquele ano, defendendo o sistema eleitoral e combatendo a desinformação.

No início de abril, em reunião com os presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) do País, a vice-presidente do tribunal, que relatou as novas regras que vão conduzir as eleições municipais, disse que “o Brasil inteiro estará olhando para a Justiça Eleitoral” neste ano. As resoluções aprovadas em fevereiro dizem respeito, entre outros temas, ao uso da inteligência artificial (IA), deep fake e lives.

A ministra defendeu também que o “imenso processo democrático” que o pleito representa requer “intenso trabalho” de todas as instâncias da Justiça Eleitoral. O TSE inaugurou, em março, o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia, mais uma medida para combater a veiculação de notícias falsas e discursos de ódio, preconceituosos e antidemocráticos que podem afetar as eleições.

O atual presidente deixará o cargo em meio a críticas do empresário Elon Musk, que alega suposta “censura” com base no “Twitter Files Brasil”, arquivos internos do X (antigo Twitter). O documento argumenta que Moraes e a própria Corte exigiram detalhes pessoais sobre usuários “da oposição”, violaram a política da plataforma, “censuraram” unilateralmente parlamentares e tentaram transformar as políticas de moderação de conteúdo da rede social em uma arma contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

•        Juízes afastados pelo CNJ recorrem ao STF e dizem que medida foi "excessiva e inadequada"

Os juízes federais Loraci Flores de Lima e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz recorreram ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que os afastou de suas funções no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), em 16 de abril.

O mandado de segurança foi protocolado na quinta-feira (18) e distribuído ao ministro Flávio Dino. Até a tarde deste domingo (21), o ministro não tinha analisado o caso.

Para os magistrados afastados, a medida foi "excessiva e inadequada". "O afastamento de desembargadores federais que nunca tiveram em sua vida profissional qualquer registro de fato desabonador não só configura afronta à independência judicial, como põe em xeque o próprio Estado Democrático de Direito", diz trecho do mandado, assinado pelo advogado Nefi Cordeiro.

Flores de Lima e Lenz foram afastados no bojo de uma reclamação disciplinar aberta de ofício em setembro do ano passado pelo corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão, que também realiza uma correição em todos os gabinetes de juízes ligados à Operação Lava Jato, tanto na primeira instância, na 13ª Vara de Curitiba, quanto na segunda instância, na 8ª Turma do TRF-4.

De acordo com Salomão, os dois juízes teriam descumprido ordem do STF ao julgarem, em setembro do ano passado, as exceções de suspeição do juiz Eduardo Appio, que atuou na 13ª Vara de Curitiba entre fevereiro e maio de 2023.

Na ocasião, Flores de Lima e Lenz, além de um juiz convocado, Danilo Pereira Júnior, declararam Appio suspeito para atuar na Lava Jato e anularam todas as decisões dele em processos ligados à operação.

Alguns dos atos de Appio anulados pelos três juízes na 8ª Turma do TRF-4 integravam ações penais que já estavam suspensas por determinação do STF. Assim, para Salomão, os juízes federais, por via transversa, "impulsionaram -com consequências práticas relevantes- processos que estavam suspensos por força de decisão" de ministros da corte máxima.

"A decretação de nulidade de todas as decisões proferidas pelo juiz federal Eduardo Appio, em todos os processos da denominada Operação Lava Jato, resultaram, concretamente, por exemplo, no restabelecimento da validade de mandados de prisão contra Raul Schmidt Felippe Júnior e contra Rodrigo Tacla Duran, anteriormente revogados por decisões do magistrado declarado suspeito", cita Salomão, em sua decisão.

A defesa dos juízes federais contesta Salomão e diz que o julgamento das exceções de suspeição não tem relação com as ações penais suspensas pelo STF.

Acrescenta que a decisão que tornou Appio suspeito foi tomada há sete meses e já é objeto de recurso judicial. "Não se pode pela via disciplinar controlar a decisão judicial, que precisa ser prolatada pela livre consciência e convencimento judicial", escreve Nefi Cordeiro.

Sobre o afastamento temporário, o advogado diz que houve cerceamento de defesa e reforça que "não há fato grave, sequer configurador de infração disciplinar, menos ainda que exija imediata resposta social".

"No mínimo, ante a longa e imaculada ficha funcional dos magistrados impetrantes, exigir-se-ia prova convincente do ânimo de descumprir ordens judiciais, por um devido processo administrativo contraditório", continua a defesa.

No dia 15 de abril, Salomão determinou o afastamento cautelar de quatro juízes federais ligados à Operação Lava Jato. Além de Flores de Lima e Lenz, também os magistrados Danilo Pereira Júnior e Gabriela Hardt. No dia seguinte, o plenário do CNJ referendou apenas o afastamento de Flores de Lima e Lenz, revogando a decisão individual do corregedor sobre Danilo e Gabriela.

Danilo, que é juiz de primeira instância, mas foi convocado em alguns momentos para atuar na 8ª Turma, é o atual juiz titular da 13ª Vara de Curitiba. Já Gabriela é juíza substituta e atuou na 13ª Vara em alguns períodos, como quando Sergio Moro deixou a magistratura para virar ministro de Bolsonaro, no final de 2018.

 

Fonte: FolhaPress

 

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