sexta-feira, 26 de abril de 2024

'Não fazemos convites homossexuais': o que diz a lei sobre negar venda por orientação sexual

Um desabafo do casal Henrique Nascimento, de 29 anos, e Wagner Soares, de 38 anos, viralizou nas redes sociais depois que uma loja se negou a fabricar os convites de casamento deles por serem homossexuais.

Em entrevista ao UOL, o casal mostrou as conversas que teve com a empresa. A justificativa do Jurgenfeld Ateliê, localizado no interior de São Paulo, para negar o pedido foi a de que eles não fazem produções "homossexuais".

"Peço desculpas por isso, mas nós não fazemos convites homossexuais. Seria bacana você procurar uma papelaria que atenda sua necessidade", disse a loja ao casal, por meio de um aplicativo de mensagens.

A BBC News Brasil procurou a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e advogados especialistas em direito do consumidor para entender até que ponto um comerciante pode negar a execução de um serviço.

A reportagem também procurou a Jurgenfeld, mas não recebeu um posicionamento até a publicação desta reportagem. A BBC também procurou Henrique e Wagner para comentarem o caso, mas também não obteve retorno.

Segundo o Procon, o Artigo 39, inciso 2 do Código de Defesa do Consumidor prevê que o comerciante não pode escolher para quem vende seus produtos.

O órgão considera essa distinção como "prática abusiva recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes".

O Procon indica ainda que as pessoas que sofrerem discriminação como o casal Wagner e Henrique devem registrar um boletim de ocorrência. Ainda é possível entrar com uma ação para ressarcimento dos danos morais causados pela situação.

De acordo com o Procon, o estabelecimento até pode segmentar a área de atuação dele, desde que isso não ocorra de maneira discriminatória.

Mesmo nos casos de segmentação, o comércio deve informar de maneira clara e precisa qual serviço ele presta.

•        Distinção de clientes

O diretor de relações institucionais do Idec, Igor Britto, afirma que é necessário fazer uma campanha para reforçar às empresas que elas não devem distinguir seus clientes.

"Quem decide abrir uma empresa não decide quem será seu cliente. Quem escolhe a empresa é a pessoa consumidora e não o contrário. Isso não é uma estratégia de marketing, é uma regra prevista em lei", diz.

Britto explica que, se a empresa tem produto em estoque, ela não pode recusar vendê-lo a nenhuma pessoa que faça oferta para comprá-lo. E cita o caso do casal Wagner e Henrique.

"Não importam as convicções, posições, ideologias ou visões de mundo do empresário: todas as pessoas possuem o direito de ser atendidas em suas demandas de consumo quando a empresa possui capacidade para atendê-las. A homofobia é crime no Brasil e também uma violação gravíssima às normas consumeristas", diz.

Ele explica que a empresa precisa ser penalizada e que inclusive o Procon pode aplicar desde uma multa até interditar o estabelecimento, caso haja reincidência.

•        Em quais situações a empresa pode negar um pedido do cliente?

De acordo com o Procon, os comerciantes podem negar atender a um pedido que seja um crime. Por exemplo, uma loja de bolos pode se recusar a personalizar um de seus produtos com o símbolo de uma facção criminosa.

Segundo o órgão de defesa do consumidor, esse tipo de pedido pode ser recusado porque faz apologia a um crime.

Daniela Uchôa Zaire, advogada especialista em direito do consumidor, reforça que a distinção com base nos clientes é crime. Trata-se de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

"Um fornecedor de serviços não pode se recusar a vender ou prestar serviços a um consumidor que queira comprar e, isso é independente de cor, religião ou sexualidade. Na esfera criminal, a pena prevista é de 1 a 3 anos de multa e na esfera civil pode haver uma indenização por danos morais", diz.

De acordo com Vitória Tedeschi, advogada especialista em direito penal e do consumidor, as empresas têm o direito de recusar a realização de serviços que vão contra os princípios éticos, morais ou que possam configurar práticas ilegais, desde que essa recusa não seja discriminatória.

Como exemplo, a reportagem questionou se uma confeitaria poderia se recusar a produzir um bolo com o símbolo de uma facção criminosa.

"Essa recusa não seria considerada discriminatória, pois está relacionada à natureza do conteúdo que pode ser considerado ofensivo ou ilegal. Nesse sentido, a empresa deve se basear na ética, valores ou até mesmo em normas legais para justificar a recusa", explica.

 

       As polêmicas que enterraram 'primeiro e maior' festival do sexo na conservadora Coreia do Sul

 

Lee Hee Tae tinha grandes esperanças para seu festival de sexo, que ele orgulhosamente classificou como o "primeiro e maior" da Coreia do Sul.

Ele imaginou 5 mil fãs reunidos para ver seus atores e atrizes pornôs japoneses favoritos, que estavam sendo transportados para o evento marcado para o fim de semana passado.

Haveria um desfile de moda "bondage", uma exposição de brinquedos sexuais e alguns jogos para adultos, que envolviam estourar balões entre os corpos das pessoas.

Mas faltando apenas 24 horas para o início do evento, o festival foi cancelado.

A Coreia do Sul é conhecida por sua abordagem conservadora em relação ao sexo e ao entretenimento adulto. A nudez pública e os shows de striptease são proibidos e é ilegal vender ou distribuir pornografia pesada, embora não seja crime consumi-la.

"Praticamente todos os países desenvolvidos têm um festival de sexo, mas aqui na Coreia do Sul nem sequer temos uma cultura de entretenimento adulto. Quero dar os primeiros passos para criar uma", disse Lee Hee Tae, cuja empresa Play Joker produzia um tipo de pornografia mais leve e legalizada antes de entrar para a organização de eventos.

Um mês antes, grupos de defesa dos direitos das mulheres da cidade de Suwon, onde o evento seria realizado, saíram para protestar. Acusaram o festival de explorar as mulheres num país onde a violência de gênero é endêmica.

Argumentaram que este não era um festival destinado a ambos os sexos. A publicidade fortemente feminina e com pouca roupa sugeria que os portadores de ingressos provavelmente seriam predominantemente homens.

O prefeito local condenou o evento que estava previsto para acontecer perto de uma escola primária e as autoridades ameaçaram revogar a licença do espaço caso o festival fosse realizado. O salão contratado então desistiu de sediar o festival.

Frustrado, mas imperturbável, o Lee mudou de local, mas uma cadeia semelhante de eventos ocorreu. As autoridades locais acusaram o festival de "promover uma visão distorcida do sexo" e insistiram no cancelamento.

Em seguida, Lee tentou levar o evento para um navio atracado em um rio em Seul. Mas, após pressão do município, o locador do barco desistiu.

A cada passo, Lee teve que reduzir o festival à medida que os detentores de ingressos exigiam reembolso, o que lhe custou centenas de milhares de dólares.

Quase sem opções, ele encontrou um pequeno bar subterrâneo no bairro chamativo de Gangnam, em Seul, com capacidade para cerca de 400 pessoas. Desta vez ele manteve o local em segredo.

O conselho do bairro de Gangnam escreveu a cada uma das suas centenas de restaurantes avisando-os de que seriam fechados se organizassem o festival, acusando-o de ser "moralmente prejudicial". Mas o bar se manteve firme.

Então, no dia anterior, as estrelas pornôs japonesas desistiram. A agência delas disse que a reação ao festival "atingiu o auge" e as mulheres estavam preocupadas com a possibilidade de serem atacadas e até esfaqueadas.

Do seu escritório em Gangnam, Lee disse à BBC que estava chocado que os acontecimentos tivessem tomado "um rumo tão impensável", acrescentando que tinha recebido ameaças de morte.

"Fui tratado como um criminoso sem ter feito nada de ilegal", disse, afirmando que o festival se enquadrava bem nos limites da lei. Não deveria haver nudez ou atos sexuais, semelhante a um evento que ele realizou no ano passado, que recebeu pouca publicidade.

A Play Joker já realizou acrobacias que chamaram a atenção no passado. No ano passado, uma mulher desfilou pelas ruas de Seul vestindo apenas uma caixa de papelão, convidando os transeuntes a colocarem as mãos dentro e tocarem seus seios.

Lee diz que quer desafiar as atitudes da Coreia em relação ao sexo e à pornografia, que estão presas ao passado.

"As autoridades são hipócritas. Se você entrar na internet, todo mundo estará compartilhando pornografia, mas as pessoas se desconectarão e fingirão que são inocentes. Por quanto tempo mais vamos continuar com esse fingimento?"

Embora sites pornográficos internacionais populares não possam ser acessados na Coreia do Sul, a maioria sabe como usar VPNs da internet para ignorar restrições.

O grupo que protestou contra o evento original, a Linha Direta Feminina de Suwon, descreveu o cancelamento do festival como um "triunfo".

"Independentemente do que digam os organizadores, não era uma celebração do sexo, mas sim uma exploração e objectificação das mulheres, e a indústria do sexo encoraja a violência contra as mulheres", disse Go Eun-chae, diretora da linha direita que presta apoio às vítimas de violência doméstica.

Go e outras organizações de direitos das mulheres na Coreia argumentam que o país tem um problema de violência sexual que necessita de atenção urgente.

"Isso permeia a nossa cultura", disse ela, acrescentando que os homens tinham oportunidades infinitas de expressar livremente a sua sexualidade sem precisar de um festival para fazer isso.

Bae Jeong-weon, professora de Sexualidade e Cultura na Universidade Sejong, disse que um dos problemas do festival é que ele é voltado principalmente para o público masculino.

"Há muita violência contra as mulheres aqui e por isso as mulheres são muito mais sensíveis às questões de exploração", disse ela. Num inquérito de 2022 realizado pelo Ministério do Gênero do governo, mais de um terço das mulheres disseram ter sofrido agressão sexual.

"Na Coreia do Sul, temos um histórico de falar sobre sexo de forma negativa, em termos de violência e exploração, em vez de como um ato positivo e agradável", acrescentou Bae.

Em Gangnam, onde o festival aconteceria, os moradores do bairro, em sua maioria mais jovens, pareciam divididos de acordo com seu gênero. "Não é pornográfico e eles não estão fazendo nada ilegal, então não acho que deveria ter sido impedido", disse Moon Jang-won, um trabalhador de TI.

Lee Ji-yeong, uma mulher de 35 anos, disse que simpatizava com os vários conselhos e sentia "repulsa no festival por comercializar sexo".

Mas a maioria concordou que, ao proibir o festival, as autoridades tinham exagerado.

"Esta proibição foi uma decisão de políticos conservadores antigos que querem atrair eleitores mais velhos", disse Yoo Ju, de 34 anos.

"Esta geração ainda acredita que o sexo deve ser escondido", continuou ela, acrescentando que as atitudes dos jovens em relação ao sexo estavam mudando e que ela e os seus amigos falavam abertamente sobre o assunto.

A política na Coreia do Sul ainda é em grande parte guiada por valores conservadores e tradicionais, e as autoridades já foram acusadas de exagerar, sufocando a diversidade.

No ano passado, o Conselho Municipal de Seul impediu a realização de um evento do Orgulho Queer na praça principal da cidade, após a oposição de grupos cristãos.

O governo também ainda não aprovou uma lei anti-discriminação que proteja tanto a comunidade queer como as mulheres, que enfrentam preconceitos significativos.

A controvérsia sobre o festival de sexo fez com que estas duas questões da diversidade sexual e da igualdade de gênero se entrelaçassem, com os organizadores argumentando que as autoridades estavam impedindo as pessoas de se expressarem livremente e mulheres afirmando que os seus direitos estavam sendo violados.

As autoridades terão de descobrir como lidar com este dilema complicado. A Play Joker disse à BBC que planeja tentar novamente organizar o festival em junho, só que desta vez maior, com Lee afirmando agora ter vários políticos ao seu lado.

No fim de semana, o prefeito de Seul divulgou um comunicado em seu canal no YouTube afirmando que a cidade "não tinha intenção de se envolver no futuro" com esse tipo de festival.

 

Fonte: BBC News

 

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