Luiz Filgueiras: Que esquerda teria
morrido?
A
socialdemocrata perece; e a revolucionária tem influência reduzida. Todas
sofrem com o novo lulismo — ainda conciliador, e agora mais frágil. Mas algo é
certo: a ultradireita continua viva e a esquerda, se morta ou não, precisa
reviver.
- Origem e significado de “esquerda” e “direita”
A dicotomia
esquerda-direita, como referência para a análise e caracterização da disputa
política e de seus sujeitos, nasceu, como se sabe, durante a Revolução Francesa
de 1789, para identificar e qualificar dois campos políticos opostos presentes
na Assembleia Nacional, designando respectivamente, os apoiadores da revolução
(sentados à esquerda do seu presidente) e os partidários do rei (sentados à
direita).
Posteriormente, ao
longo do século XX, marcado pela disputa capitalismo-socialismo, essa dicotomia
passou a separar, de um lado, comunistas, socialistas, sociais-democratas e
anarquistas e, do outro, liberais, neoliberais, conservadores e reacionários. Os
primeiros defendendo a superação do capitalismo ou, pelo menos, a sua reforma e
políticas públicas de bem-estar social de redução da desigualdade e defesa dos
trabalhadores e dos segmentos mais frágeis da sociedade. Os segundos defendendo
o capitalismo sem restrições, a (des)regulação econômica pelo mercado, a
desigualdade concebida como inevitável (uma lei natural), o indivíduo e a
propriedade e inciativa privada acima da sociedade.
A partir do fim da
Guerra Fria, com o desmoronamento do chamado “socialismo real”, as forças
políticas de direita, com seus aparelhos ideológicos, passaram a difundir que
havia ocorrido uma vitória definitiva do liberalismo (“o fim da história”) e,
como consequência, decretaram a inutilidade de se balizar e compreender a
disputa política tendo por referência a dicotomia esquerda-direita. No entanto,
agora no século XXI, caracterizado politicamente pela crise da democracia
liberal, a ascensão da estrema direita neofascista-neoliberal, fenômeno de
massa de amplitude mundial, recolocou, abertamente, essa dicotomia
político-ideológica como fato incontornável do cenário político.
O pequeno resumo acima
sobre a origem e o significado da dicotomia esquerda-direita evidencia duas
coisas: 1- O campo da esquerda é constituído por forças políticas que, embora
unificadas na crítica ao capitalismo, são muito diferentes no que se refere aos
seus objetivos (reforma e/ou revolução) e a forma de alcançá-los. 2- Embora,
desde sempre, insuficiente para caracterizar a forças políticas em disputa,
essa dicotomia sempre esteve presente, apesar do “transformismo” da
socialdemocracia a partir das duas últimas décadas do século XX – ao aceitar
como inevitável as reformas neoliberais, normalizando-as, e, quando no governo,
executar as mesmas políticas econômicas dos governos neoliberais.
- A esquerda está morta ou morrendo? De qual esquerda está se
falando?
O recentíssimo debate
sobre a “morte da esquerda”, para ter alguma consequência política, necessita
deixar claro de que esquerda está se falando. Se a morte se referir a sua
fração hegemônica, a socialdemocracia dos países centrais, e a sua reprodução
(muito) desidratada nos países periféricos (de capitalismo dependente), esse é
um fenômeno que pode ser constatado desde as duas últimas décadas do século
passado. Do ponto de vista temporal, primeiramente lá e depois aqui na
periferia.
Uma das suas
consequências é a instauração de uma recorrente instabilidade política em todos
os países, com trocas (substituição) sucessivas de governos de esquerda
transformista e governos de direita neoliberais, ambos incapazes de responderem
aos problemas e dificuldades da maioria da população. A outra consequência,
derivada dessa primeira, foi justamente a ascensão da extrema direita
neofascista de massa, que também não tem solução para os mesmos problemas e
dificuldades, típicos da nova forma financeirizada assumida pelo capitalismo,
mas que trava a disputa político-ideológica cotidianamente em todos os âmbitos
da sociedade – elegendo bodes expiatórios e mobilizando permanentemente a sua
militância agressiva, dentro e fora das redes sociais.
E a parte minoritária
da esquerda, que programaticamente (retoricamente ou não) deseja superar o
capitalismo, morreu também? Essa é uma resposta mais difícil de ser dada.
Primeiro: a sua influência na sociedade e no parlamento é muito pequena.
Segundo: uma parte dela, talvez a maior, está capturada pela lógica eleitoral
e, significativamente, recolheu a bandeira do socialismo, rendendo-se à
“correlação de força” desfavorável. Terceiro: tem uma capacidade de mobilização
diminuta, que expressa sua fraca inserção no mundo do trabalho e nas periferias
das grandes cidades; é uma esquerda sem massa, que fica mais evidente quando se
observa a capacidade de mobilização da extrema direita.
Em suma, a dita
esquerda revolucionária, embora não esteja morta, vem sofrendo um processo de
adaptação e recuo que a está levando ao suicídio, ao abandonar, esconder ou
relativizar o seu objetivo estratégico (o socialismo), submetendo-o à sua
tática conjuntural fortemente pautada pelas eleições. Em sentido contrário, a
extrema direita explicita, de forma unificada, tática e estratégia: defesa
radical do capitalismo e destruição de qualquer forma de democracia (não apenas
a liberal), através de um movimento de massa que trava a luta
político-ideológica em todos os campos.
- O terceiro governo Lula e a morte da esquerda
No Brasil, essa
relação não coloca em questão a importância da vitória eleitoral de 2022 sobre
o neofascismo, bem como o papel fundamental desempenhado por Lula. O que deve
ser colocado em discussão é a natureza do governo Lula e a atuação política do
PT e de seus eventuais satélites. Em particular, destacando-se o caráter
despolitizante e seletivamente mobilizador do “lulismo”.
Como nos seus dois
governos anteriores, o terceiro governo Lula se caracteriza por tentar
conciliar a contradição capital-trabalho em um país periférico; de um lado, não
agride, estruturalmente e no fundamental, os interesses do grande capital e da
grande propriedade territorial e, de outro, executa políticas sociais que podem
ser acomodadas e admitidas conjunturalmente pelo neoliberalismo.
Para atingir esse
objetivo: 1- Aceita e normaliza o Padrão de Desenvolvimento Liberal-Periférico
(PDLP), cuja expressão maior é a entrega da área econômica à agenda neoliberal,
apesar de, mais uma vez, ser comandada por um quadro do PT. 2- Busca um maior
crescimento econômico, flexibilizando o tripé macroeconômico (metas de
inflação, superávit fiscal primário e câmbio flutuante), que permita o
gerenciamento das contradições. 3- De outro lado, tenta controlar as ditas
áreas sociais (educação, saúde, habitação e assistência social), fortalecendo
políticas e programas desidratados pelo governo anterior e criando novos, além
de tocar (retomar) projetos de infraestrutura. 4- Concilia com o status
quo militar, tentando apaziguar as forças armadas, sem enfrentar, de
fato, a sua formação política autoritária, o seu caráter golpista e a sua
subordinação ao imperialismo. Exemplo paradigmático foi a determinação de Lula
para dentro do governo, mas acatada na prática pelo PT e seu entorno, de
desmobilizar qualquer iniciativa, nos 60 anos do Golpe Militar de 1964, que
pudesse confrontar as forças armadas; além do cancelamento da criação do Museu
da Memória e dos Direitos Humanos.
No entanto,
diferentemente dos governos anteriores de Lula, o atual enfrenta uma situação
bem mais desfavorável para a conciliação: 1- Está, em boa medida, tutelado pelo
“Centrão”, que esvaziou muito a capacidade do poder executivo em controlar e
executar o orçamento fiscal. 2- Tem que lidar com a extrema direita
neofascista, vulgo bolsonarismo, mas se recusa a fazer o enfrentamento de
massa; procurando sempre trazer o debate e o confronto para a arena eleitoral.
3- Tem avançado no aprofundamento do PDLP, a exemplo do projeto de lei
regulando o trabalho dos motoristas uberizados; com Lula chegando a afirmar que
“os trabalhadores não querem mais a CLT”.
Nesse contexto, o
transformismo da parte hegemônica da esquerda, agora fundido com o “lulismo”,
perdeu ainda mais a sua capacidade de mobilização, agora dependente da
orientação de Lula e de seu governo. A mobilização política de massa passou a
ser instrumentalizada de forma seletiva, não a partir dos interesses primários
das massas, mas das necessidades e urgência política do governo. A exemplo das
alianças e acordos, em andamento, visando as eleições municipais deste ano.
Em suma, esse quadro
não evidencia nenhuma surpresa do que se poderia esperar de Lula, e de seu
Partido, tendo por referência os seus dois governos anteriores; mas explicita
uma maior conciliação com os interesses da direita neoliberal, já anunciada
desde a formação da frente ampla eleitoral. Mas, o que é mais grave, confronta
a extrema direita neofascista, e sua oposição no parlamento, como se ela fosse
fundamentalmente semelhante à oposição neoliberal dos seus dois governos
anteriores. Coisa que não é, pois aquela atenta, permanentemente, com apoio e
participação de massa, contra a democracia e o Estado de Direito.
Tendo em vista essas
circunstâncias, cresce a possibilidade de retorno da extrema direita ao poder,
bolsonarista ou não, nas eleições de 2026; como ocorreu na Argentina e em
Portugal mais recentemente, assim como o favoritismo de Trump na eleição deste
ano nos EUA. Por isso, mais do que nunca a esquerda, em especial a que defende
a superação do capitalismo, precisa renascer ou continuar vivendo.
Ø
Exército investigou 46 militares que
assinaram carta pró-golpe
O Exército brasileiro
investigou 46 oficiais por transgressão disciplinar. Os suspeitos teriam
assinado uma carta, em 2022, para pressionar o então comandante do
Exército, general Freire Gomes (foto em destaque), a endossar um
golpe de Estado. O fato foi revelado pelo G1 e confirmado
pelo Metrópoles, via Lei de Acesso à Informação.
Apesar de confirmar os
processos internos de apuração, o Exército se negou a informar “a identidade,
os dados funcionais e pessoais desses militares, e as respectivas punições
disciplinares” para preservar “a hierarquia e a disciplina” e manter a privacidade.
Ao fim, a força armada
reafirmou “compromisso institucional com a legalidade, reiterando sua posição
institucional com a devida apuração do fato em questão, a fim de manter os mais
elevados padrões de hierarquia e disciplina”.
·
Carta golpista
O documento assinado
pelos oficiais do Exército foi batizada de “Carta ao Comandante do Exército de
Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro” e acabou sendo enviada para o celular do coronel Mauro Cid, então
ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Covardia, injustiça e
fraqueza são os atributos mais abominados para um soldado. Nossa nação, aquela
que entrega os maiores índices de confiança às Forças Armadas, sabe que seus
militares não a abandonarão”, dizia um trecho.
Conforme a coluna de Guilherme Amado, do Metrópoles, o documento pode ter sido originado a
partir de uma reunião em um salão de festas da Asa Norte, em Brasília, em 28 de
novembro de 2022, após a eleição do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Durante depoimento, em
março deste ano, Freire Gomes confirmou à Polícia Federal (PF) que esteve em
encontros com Bolsonaro para tratar de minutas golpistas, em resposta à vitória
de Lula.
Segundo o
ex-comandante do Exército, Bolsonaro tinha pronto um documento para decretar
Estado de Defesa e criar uma comissão de regularidade eleitoral com o objetivo
de apurar a legalidade do processo de votos.
Fonte: Outras Palavras/Metrópoles
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