Logística e transporte podem atrasar
transição energética no Brasil
O Brasil se
comprometeu a zerar a emissão de gases de efeito estufa até 2050, porém um dos
grandes empecilhos para cumprir a meta é o setor de transporte de cargas e
logística.
De acordo com dados da
Confederação Nacional dos Transportes (CNT), mais de 60% do transporte de
cargas no país é realizado via malha rodoviária. Os caminhões utilizam, em sua
maioria, combustíveis fósseis. Sem ação direcionada, a conta não fecha.
“O transporte de
carga, olhando para as grandes fontes de emissão, é o primeiro do setor
energético”, explica David Tsai, coordenador de projetos no Instituto de
Energia e Meio Ambiente. “Depois vem o transporte de passageiros, depois a
indústria, em seguida a produção de combustíveis, e por fim uso o
residencial/comercial e o setor elétrico”, afirma.
Segundo as projeções
do Plano Decenal de Expansão de Energia 2029, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o
transporte de cargas deve aumentar 3,4% ao ano até 2029. O relatório pondera
que “a demanda do transporte de carga continua muito concentrada no uso do óleo
diesel B, já que não se projeta, no horizonte do presente estudo, um amplo
desenvolvimento de projetos em fontes substitutas para veículos pesados”.
A dependência no país
do transporte de mercadorias via malha rodoviária já ficou evidente em algumas
situações, como na greve dos caminhoneiros, realizada em 2018. A paralisação
começou por causa do aumento do preço do óleo diesel, e teve dez dias de duração.
Em praticamente todas as cidades brasileiras foi relatada falta de produtos
básicos nos supermercados, de gasolina nos postos, dentre outros suprimentos.
As perdas somadas, de diferentes setores, ultrapassaram os 70 bilhões de reais.
Quais são, então, os
planos do país para reduzir a dependência de caminhões movidos a óleo diesel na
logística nacional?
Em nota, o Ministério
dos Transportes afirmou que “assegurar um forte crescimento no transporte de
cargas por meio do sistema ferroviário irá garantir que a infraestrutura
planejada leve em conta oportunidades de gerenciar riscos climáticos”, e que a
“profunda descarbonização do setor de transporte terrestre de cargas pode ser
alcançada também pela combinação da transferência modal com estratégias que
tragam a eficiência energética”.
A nota diz ainda que
“a alocação de instrumentos financeiros está promovendo soluções menos
intensivas em carbono”, e “impulsionando iniciativas inovadoras para incorporar
cláusula de obrigação de infraestrutura resiliente e sustentável em novos
contratos de concessões rodoviária e ferroviária”.
·
Defasagem de
investimentos
Para uma mudança em
médio prazo, o país precisa diversificar sua composição de transporte, e para
isso são necessários investimentos.
De acordo com estudo do Fórum Econômico Mundial, com dados
de 2019, o Brasil ocupa 71º lugar no ranking de qualidade de infraestrutura de
transportes, dentre 141 países.
Isso não significa
apenas estradas esburacadas, mas também a falta de investimento, o que
compromete as possibilidades de uma frota moderna e de soluções para ampliação
de infraestrutura para outros modais.
No relatório “Avaliação da Infraestrutura no Brasil”, desenvolvido pelo Banco Mundial, aponta-se que a defasagem de
investimentos no setor de transportes no país é de aproximadamente R$ 4
trilhões.
De acordo com Marcus
Quintella, diretor da FGV Transportes, para que haja diminuição da frota
rodoviária e ampliação da infraestrutura, o governo federal precisa aumentar a
fatia do orçamento. “Temos que investir 4% do PIB e não chegamos a 0,7% por
ano, estamos muito longe do investimento físico em infraestrutura”, afirma.
O principal banco de
fomento para o investimento em logística no Brasil, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), reconhece o baixo orçamento
destinado para melhorias.
“De fato, o
investimento em mobilidade e logística caiu nos últimos anos, mas hoje isso é
prioridade do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e
nos grandes setores. O objetivo mais rápido é eletrificar as frotas de ônibus.
Embora o investimento seja maior num ônibus elétrico, o custo de manutenção é
menor. Essa é uma das nossas prioridades,” ressalta Luciana Costa, diretora de
Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES.
·
Malha ferroviária
longe do ideal
Fica clara a
necessidade do Brasil utilizar mais trens para o escoamento de sua produção.
Vagões de locomotivas têm mais eficiência energética,
pois emitem menos poluentes pelo peso que conseguem transportar. O plano de
melhoria, porém, é lento.
“A malha ferroviária
brasileira hoje é fortemente sustentada pelo minério. Temos uma malha de 30 mil
quilômetros, dos quais apenas 10 mil são operacionais; um terço está
transportando carga, sendo 75% de minério. A primeira coisa que precisamos
fazer é mudar o perfil das malhas, para que nossas ferrovias possam transportar
o agronegócio e cargas em geral”, diz Quintella.
O recurso para o setor
é baixo e a expansão é longa e demorada, como pontua a Luciana Costa: “Do ponto
de vista da malha ferroviária, o Brasil tem um gap de
infraestrutura grande. Ferrovia é mais complexo e muito difícil de sair do
papel”.
O Ministério dos
Transportes afirmou em nota que “a publicação do novo Marco Legal das Ferrovias permite
o aumento dos investimentos privados no setor ferroviário, pois a medida reduz
a burocracia para a construção de novas ferrovias e inova no aproveitamento de
trechos ociosos e na prestação do serviço de transporte ferroviário”. O
ministério, porém, não detalha o plano de ampliação das ferrovias.
“Hidrovias e ferrovias
emitem menos CO2 por quilômetro percorrido, mas é claro que
devemos tomar cuidado com os impactos locais e outras implicações ambientais.
Ao expandir a malha, é preciso controlar o uso da terra em torno daquela área,
para não gerar desmatamento”, pontua Tsai.
·
Eletrificação da frota
depende de infraestrutura
Uma solução especulada
para a mitigação dos danos causados pelo transporte é o aumento da
eletrificação da frota rodoviária.
O Ministério do Meio
Ambiente afirmou, por meio de nota, que a eletrificação da frota é parte da
solução. “O MMA coordena a elaboração do novo Plano Nacional sobre Mudança do
Clima, o Plano Clima […]. Entre os oito planos setoriais de mitigação haverá
iniciativas para cidades, transportes e energia, por exemplo. Os planos estão
em construção, e a eletrificação da frota é parte da solução para a
transformação ecológica brasileira”, pontuou.
Sobre os
investimentos, a nota esclarece que o Fundo Clima foi retomado em 2023 com o
aporte de R$ 630 milhões para financiar projetos de mitigação e adaptação à
crise climática. Este ano, estão garantidos pelo menos R$ 10,4 bilhões com a
emissão de títulos verdes pelo governo federal”.
A eletrificação da
frota enfrenta também desafios, principalmente em curto prazo. “A primeira
questão que se coloca é a infraestrutura energética no Brasil. A menos que
consideremos o deslocamento apenas dentro da cidade, não teremos problema, mas
para longas distâncias dependemos da infraestrutura ao longo da rodovia, e não
é simplesmente ter uma tomada elétrica. Quando você começa a carregar e
demandar energia em determinados pontos, você mexe com toda a estrutura de
transmissão de energia. Quem fará esse investimento?”, provoca Eberaldo
Almeida, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás.
“Acho difícil imaginar
um futuro elétrico, primeiro porque são baterias muito grandes, precisam de
autonomia e o tempo de carregamento é grande. E para fazer isso, precisamos de
uma infraestrutura bastante custosa. É difícil imaginar, pelos elementos que
temos hoje, que seja tranquilo introduzir isso”, conclui Tsai.
·
Hidrogênio Verde e
biocombustíveis
Especialistas enxergam
uma possível saída nos combustíveis menos poluentes. O hidrogênio verde pode
ser o substituto do diesel. “Uma possibilidade é o hidrogênio verde, porque ele
iria demandar uma bateria menor. E a recarga dele é um combustível gasoso, de
modo que poderia usar a infraestrutura atual. É uma alternativa para grandes
distâncias e tempo de carregamento restrito também”, pontua Tsai.
Mas apesar dos grandes
investimentos anunciados para o país, a indústria do hidrogênio verde ainda não
está estabelecida, e são muitos
os desafios, especialmente no armazenamento e
transporte do combustível.
O transporte e
distribuição de cargas por aviões no Brasil ainda é incipiente e representa
pouco na fatia dos modais. O querosene para avião também é um combustível
poluente, mas novas maneiras de abastecimento estão sendo desenvolvidas. O
Combustível para Aviação Sustentável (SAF, sigla em inglês para Sustainable
Aviation Fuel), tem grande potencial de desenvolvimento em território nacional.
“Com um setor com um
horizonte bem definido pela frente com a meta de descarbonização até 2050, a
Associação do Transporte Aéreo Internacional (IATA, sigla em inglês para
International Air Transport Association) avalia que serão necessárias 24 mil
toneladas de SAF em 2030 para que as emissões zero no setor sejam alcançadas em
2050 – e, para 2024, a estimativa é de uma produção de 1,5 tonelada”, diz André
Defaver, consultor da Honeywell, empresa especialista em soluções para
combustíveis.
No Congresso
brasileiro, pautas sobre a diminuição do impacto da frota terrestre estão em
discussão. Um deles é o projeto de lei do “Combustível do Futuro”,
apresentado em fevereiro de 2023, que, se aprovado, autoriza o Conselho
Nacional de Política Energética (CNPE) a aumentar a mistura obrigatória do
biodiesel (derivado de óleos vegetais) no diesel para 25%, a partir de 2031.
O Ministério de Minas
e Energia disse em nota que “a Política Nacional de Biocombustíveis cria
incentivos para que os consumidores substituam combustíveis fósseis por
biocombustíveis sustentáveis” e reforçou que o Brasil “se comprometeu a
aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para
aproximadamente 18% até 2030”.
Na nota, o ministério
admite, porém, que “o país deverá chegar em 2030 consumindo 58% mais gasolina e
óleo diesel do que consumiu em 2005”.
O Brasil tem expertise
na produção do etanol, já que ainda nos anos 1970 estabeleceu o Programa
Nacional do Álcool (Pró-Álcool). Isso foi fundamental para que o país
descarbonizasse sua matriz energética, tendo hoje quase metade (47,7%) da sua
energia limpa – alto índice, se comparado a apenas 15% da média mundial. O
ciclo completo do etanol da cana-de-açúcar é até 90% menos poluente quando
comparado à gasolina.
No final de 2023, o
governo federal instituiu uma medida provisória lançando o programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que amplia as exigências de sustentabilidade da frota
automotiva. O programa promete injetar R$ 19 bilhões no setor até 2028, para
promover uma logística sustentável. Pontos como tributação diferenciada,
incentivos para pesquisa e desenvolvimento de tecnologia verde serão alvos de
incentivos fiscais.
“A transição
energética no Brasil é uma situação ainda incipiente, que depende de uma série
de conjunturas logísticas. Não adianta falar disso enquanto eu dependo das
rodovias, em mais de 60%, para o transporte de carga”, finaliza Quintella.
Fonte: Mongabay
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