Legado da Operação Escudo: recorde de
assassinatos, casos de tortura e movimentações suspeitas na Cúpula da PM de SP
A carnificina de
Tarcísio nomeada “Operação Escudo” foi encerrada no dia 1° de abril com o saldo
de ter sido a operação policial com o maior número de mortes desde o Massacre
de Carandiru, em 1992. De acordo com os números oficiais, 56 pessoas foram assassinadas
pelas incursões. Segundo evidências e testemunhas, muitas delas em execuções
sumárias. Torturas, invasões de casa, destruições de câmeras e intimidações a
familiares de feridos pelos PMs também foram práticas recorrentes durante a
operação, denunciada por diferentes entidades. Mesmo assim, o feito foi
elogiado pelo governador do estado de São Paulo, Tarcisio de Freitas
(Republicanos) e o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite. Ao longo
do mês de março, protestos e audiência públicas condenaram e exigiram o fim da
operação.
O fim da operação foi
anunciado seis dias depois da morte de Edneia Fernandes, de 31 anos e mãe de
seis filhos. Edneia foi assassinada por uma “bala perdida” disparada por, ao
que tudo indica, um policial militar. Um dia antes de Edneia, o jovem Matheus Souza
Santos, de 21 anos, também foi executado por PMs. Testemunhas relatam
claramente que o jovem estava desarmado quando foi assassinado e que gritou que
“não trabalhava na boca [de fumo, tráfico]” antes de ser atingido pelos tiros
dos policiais.
Concomitantemente à
Operação Escudo, todo o estado de São Paulo passou por uma alta de mortes por
violência policial. Na Baixada Santista, o aumento foi de 427% se comparado ao
primeiro trimestre do ano passado, enquanto em todo o resto do estado a alta foi
de 86%. Em números reais, isso significa um salto de 106 para 197 mortes em SP,
e de 15 para 79 na Baixada Santista. São mortes causadas por PMs de serviço,
mas também de folga.
Em meses anteriores, a
Operação Escudo, também chamada de operação verão, já havia sido denunciada por
outras violações. Moradores da região denunciaram ao longo das incursões que
era comum ter as casas invadidas pelos PMs. “Teve uma família, que eu atendi,
que o policial entrou na casa da pessoa, começou a revirar a casa toda e pediu
pra mulher: ‘fala pra essa criança calar a boca, senão eu vou te matar aqui na
frente dela’. As crianças não podem ver policial que já começam a tremer e a
chorar. É revoltante”, relatou a ativista Fran L’esraistre à Ponte Jornalismo.
Uma outra casa
invadida foi a da família do deficiente visual Hildebrando Simão Neto e do
jovem Davi Gonçalves Dias. Ambos estavam em casa, junto com a família, quando
os PMs invadiram a residência. Com exceção de Simão e Davi, todos foram
expulsos da casa. Do lado de fora, ouviram os tiros que executaram,
sumariamente, os dois.
Além de executarem
moradores a sangue frio em sua guerra reacionária contra o povo, os policiais
recorrentemente eram denunciados pelas alterações das cenas de execuções.
Organizações como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública denunciaram que a
padronização vista nos registros de ocorrência levantavam suspeitas para essas
alterações.
Mesmo com esse saldo,
o secretário da Segurança Pública paulista declarou que a operação “cumpriu
seus objetivos” e que “o combate será constante”. Semanas antes, quando
confrontado com as provas inquestionáveis das violações e execuções, o
governador Tarcisio apoiou a operação e debochou dos relatórios. “Temos muita
tranquilidade sobre o que está sendo feito, então o pessoal pode ir na ONU, na
Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse.
Tarcisio de Freitas e
Guilherme Derrite celebraram números da ação. Foto: Reprodução/Governo do
Estado de SP
Reformas suspeitas e
‘exército pessoal’
A Operação Escudo
também foi atravessada por movimentos suspeitos entre as cúpulas do governo do
estado de São Paulo e da PM. No final de fevereiro, Tarcísio e Derrite trocaram
34 dos 63 coroneis da PM paulista, em um movimento que favoreceu a ala linha dura
da cúpula, mais próxima de Derrite.
Além do novo
subcomandante, amigo próximo de Derrite, três outros oficiais da nova cúpula
foram integrantes da Rota, batalhão “de elite” da PM de SP, responsável pela
Operação Escudo e do qual Derrite participou, cultivando laços. Foi uma
movimentação suspeita, que levou à cúpula da PM, para o comando de
postos-chave, militares comprometidos politicamente e fisiologicamente com o
governo reacionário de Tarcísio de Freitas.
“Isso mostra bastante
a essência dessa movimentação que o Tarcísio está fazendo aqui em São Paulo:
ele quer uma polícia cada vez mais próxima, como se já não fosse o suficiente,
mas também quer uma polícia cada vez mais próxima dessa política policial bélica”,
apontou o advogado e pesquisador Almir Felitte, em entrevista à Ponte
Jornalismo.
Ademais, Derrite tem
beneficiado militares da “linha dura” próximos a si com cargos na própria
Secretaria de Segurança Pública (SSP), articulando um verdadeiro “exército
pessoal”. Ao longo do ano passado, também marcado por uma sanguinária Operação
Escudo, Derrite aumentou o número de militares assessores da SSP de 183, em
novembro de 2022, para 243, em novembro de 2023 (um mês antes do início da nova
operação). O número é maior do que o efetivo policial de 91,2% das cidades de
SP, segundo o jornal monopolista Folha de São Paulo.
Ao que tudo indica, e
como já foi admitido por Derrite, o governo não pretende encerrar a guerra
reacionária contra o povo, marcada pelas chacinas sucessivas do povo pobre,
principalmente preto.
Por outro lado, como
registrado em protestos posteriores à primeira operação escudo e durante à
segunda edição, os moradores das periferias paulistas têm elevado a luta e as
denúncias contra a violência policial. A intensificação dessa luta popular,
independente e combativa contra a guerra civil reacionária contra o povo,
aliada a diversos setores das massas populares de todo o estado de SP, se
destaca como um caminho importante para a derrota dos planos reacionários e
sanguinários do governo reacionário do novo candidato a chefete da
extrema-direita, Tarcísio de Freitas.
A resposta chocante de Derrite sobre
número de mortos na Operação Verão
O secretário de
Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, afirmou que desconhecia o
número total de mortos na Operação Verão, na Baixada Santista, a mais letal
desde o Massacre do Carandiru, e que foi encerrada nesta segunda-feira (1°).
"Eu nem sabia que
eram 56, eu não faço essa conta", afirmou Derrite, durante agenda na
capital paulista com o prefeito Ricardo Nunes (MDB).
"Pra mim, o ideal
é que não fosse nenhuma, mas no mundo real em que a gente vive, a negligência
do combate ao crime organizado no Brasil e no estado de São Paulo chegou num
ponto que qualquer viatura policial vai sofrer disparo de arma de fogo",
acrescentou o secretário.
• Operação Verão
A Operação Verão,
antes chamada de Operação Escudo, deixou 56 mortos entre janeiro e março deste
ano. Somada com a primeira fase, que aconteceu no ano passado, são mais de 80
mortes.
A operação foi alvo de
críticas por entidades de direitos humanos devido à violência e alta
letalidade. Em relatório feito por 13 organizações, relatos de moradores
apontaram execuções sumárias, torturas, obstrução de justiça, invasões de
domicílio e abordagens policiais violentas. A operação chegou a ser denunciada
na Organização das Nações Unidas (ONU) duas vezes, uma em setembro do ano
passado e outra em março deste ano.
Na sexta-feira (29), a
operação fez a primeira vítima de bala perdida.Edneia Fernandes Silva, de 31
anos, foi morta com um tiro após a chegada de três policiais que faziam
patrulhamento de moto, na Praça José Lamacchia, no bairro Bom Retiro, na Zona
Noroeste de Santos. Ela deixou 6 filhos.
Já nesta segunda-feira
(1°), um vídeo, gravado por um morador, mostrou policiais disparando 188 tiros
de fuzil contra três "suspeitos" no Morro Nova Cintra, em Santos.
Mesmo com o fim da
operação, o secretário informou que a segurança na Baixada Santista receberá um
reforço significativo. Um contingente de 341 policiais militares, entre
soldados, cabos e sargentos, passará a atuar permanentemente na região.
Ademais, há previsão para o aumento do número de policiais civis, com a
formação de novos agentes ainda em 2024.
PM de Tarcísio: Tchutchuca com Porsche,
violenta com cadeirante pobre. Por Antonio Mello
Dois acontecimentos
seguidos, em locais e com pessoas de classes sociais bem diferentes, mostram
como age a PM do governador Tarcísio de Freitas.
Cena 1
Na madrugada de
domingo, 31 de março, o estudante e empresário Fernando Sastre de Andrade Filho
pilotando seu Porsche, avaliado em mais de R$ 1 milhão, em alta velocidade,
entrou em cheio na traseira de um carro de aplicativo matando o motorista
Ornaldo da Silva Viana, de 52 anos.
A mãe do jovem chegou
ao local e pediu aos policiais de Tarcísio para levar o filho ao hospital,
porque ele estava com um pequeno ferimento na boca. Os PMs autorizaram, sem nem
ao menos realizarem um teste de bafômetro.
A mãe e o jovem não
foram ao hospital onde afirmaram que iriam, e o estudante só deu as caras
ontem, quando se apresentou com advogados e conseguiu liberação da Justiça para
responder pelo crime em casa.
Cena 2
Corte rápido para
outro local, agora na periferia de São Paulo. A mesma PM de Tarcísio aborda
violentamente um jovem negro e sua família, inclusive o pai cadeirante.
Em duas cenas, o
retrato nu e cru da Polícia Militar de Tarcísio de Freitas: toda tchutchuca e
respeitadora dos direitos dos milionários. Violenta e assassina com os pobres e
pretos da periferia.
Tarcísio e a ‘riodejaneirização’ de SP em
ação da PM com 188 tiros de fuzil. Por Henrique Rodrigues
No dia em que a
Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) anunciou o fim
da Operação Verão, que deixou 56 mortos em pouco menos de dois meses na Baixada
Santista, após dois PMs terem sido mortos em comunidades da região, um vídeo estarrecedor
viralizou nas redes sociais ao mostrar policiais disparando 188 tiros de fuzil
na Vila Progresso, em Santos, com o argumento de que tentavam capturar três
suspeitos que teriam reagido à bala a uma incursão das forças de segurança.
Cenas desse tipo se
tornaram comuns nos meios de comunicação brasileiros nas últimas décadas, tendo
como pano de fundo sempre localidades do Rio de Janeiro, onde o “enfrentamento”
da PM com o crime organizado tomou ares de filme de guerra. Rajadas, explosões,
projéteis traçantes e paredes de imóveis totalmente furadas como peneiras se
banalizaram, enquanto as mortes de civis inocentes por balas perdidas, ou
confundidos, se somam às milhares com o passar dos anos.
Esse era um tipo de
episódio exclusivamente registrado no Rio, unidade federativa onde há anos
optou-se por tal forma de ação, que na prática não traz resultado positivo
algum. Não enfraquece o crime, pelo contrário, o fortalece, e ainda instala o
terror nesses bairros pobres. Tarcísio de Freitas, que nos últimos anos foi
alvo de piadas por ser um carioca da gema sem qualquer relação com São Paulo ao
se lançar candidato a governador (e que inacreditavelmente foi eleito sem
sequer conhecer o mínimo sobre o estado), parece estar decidido a implantar tal
modus operandi estúpido e sangrento em terras paulistas, haja visto o que está
fazendo no litoral para obter lucro político, sob o puritano e cretino
argumento de que a polícia reagirá “de forma dura” sempre que for atacada.
As ocorrências com PMs
disparando tiros e mais tiros com o moderno fuzil belga FN Scar 7.62 se
multiplicaram na Baixada Santista do início de fevereiro para cá. Na maior
parte das ocorrências com registros de mortes, o emprego dessas armas de guerra
longas virou um ponto comum. Uma liderança do PCC morta no Guarujá, um outro
“torre” em Santos, em pleno carnaval, vários suspeitos que foram “abatidos” em
morros de algumas cidades da região, enfim, sempre estavam lá os fuzis sendo
acionados. Para os incautos, bem como para os que se fazem de ingênuos, uma
“demonstração de força” e de que a PM “não dá moleza” para os bandidos. Um ledo
e estúpido engano.
Ao banalizar esses
confrontos que não resultam em nada de positivo, o próprio crime organizado
passa a agir com mais violência, passa a atirar sem hesitar em qualquer
circunstância e ainda reforça seus paióis. A exemplo do que ocorreu e segue
ocorrendo no Rio, assim como em algumas localidades do México, sair desfilando
nas ruas com ‘caveirões’, os famigerados blindados para incursão em favelas e
morros, assim como descarregar pentes e pentes de balas de fuzil, não
ocasionará uma vitória sobre a delinquência organizada, tampouco acabará com
sua lucrativa renda oriunda do narcotráfico. Os conflitos só aumentarão, a
violência não retrocederá um milímetro e os inocentes mortos e aterrorizados se
multiplicarão. Esse é o motivo óbvio e simples que faz com que a maior parte
dos governos (minimamente responsáveis) do mundo não embarquem em tal aventura.
Mas Tarcísio de
Freitas, não. Ele quer essa ‘riodejaneirização’ de São Paulo. Coloca os
‘caveirões’ do GER e os quase-tanques do Choque para descer a serra, além de
encher as comunidades mais pobres das cidades litorâneas de unidades de elite
armadas até os dentes, como se estivesse prestes a entrar nas ruas de Mossul,
na Síria. Bala pra todo lado, corpos espalhados no chão, sangue escorrendo
pelas sarjetas. Só que nesse bojo morreu garçom que estava de folga, garoto
cego acusado de ser traficante, funcionário de farmácia que descia a Anchieta
para pegar uma praia, mãe de seis filhos que esperava o caçula cortar o cabelo
no salão instalado numa praça movimentada, à luz do dia.
A burguesia e os
pobres sem consciência de classe, enfeitiçados pela seita bolsonarista e
excitados quase que sexualmente pelos estampidos dos disparos, gritam
esfuziantes. Os megatiroteios com rajadas e mais rajadas de fuzil os fazem
sentir uma espécie de senso de vingança que nem eles mesmos sabem explicar, sem
contar com o fato de que aciona a verve infantilizada do tesão por armas e
fardas. Tudo vira um grande episódio do Tropa de Elite, e agora ali, em sua
cidade até então ‘pacata’.
O problema é que,
quando a criminalidade organizada passar a fazer assaltos simples a comércios e
transporte público em bairros mais “nobres” usando os tais ‘bondes’ (dezenas de
criminosos juntos em comboio, utilizando dois ou três veículos) e empregando
fuzis e metralhadoras, como já acontece há anos no Rio de Janeiro, esses
entusiastas dos tiroteios terão um inferno para chamar de seu bem na porta de
casa. Só então eles vão perceber ao que levou a “política de segurança” de
Tarcísio de Freitas.
Fonte: A Nova
Democracia/Fórum
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