LCA, a poupança de R$ 460 bi do agronegócio
que sai do seu bolso
COM UM VOLUME de
recursos que alcançou R$ 459,03 bilhões em 2023, as Letras de Crédito do
Agronegócio, ou LCA, disponibilizam mais dinheiro ao agro brasileiro do que o
Plano Safra, o principal instrumento público de financiamento do setor no país,
que em sua mais recente edição ofertou ao segmento R$ 364,22 bilhões. Mas, ao contrário da política pública, os recursos das LCAs
são privados. E o caminho que leva essa bolada do bolso do investidor
individual para o de um fazendeiro, empresa ou até para uma mega indústria de
commodities possui travas pouco claras para evitar que o dinheiro acabe
financiando o desmatamento.
“É difícil de pensar
que esse dinheiro não chegue ao agro irresponsável”, afirma Fabio Alperowitch,
sócio da FAMA Investimentos, especializado em investimentos ESG – sigla para
designar corporações com preocupações ambiental, social e de governança. “Alguém
está financiando tudo isso. Há sérios problemas do agro irresponsável, e os
critérios não estão sendo o bastante para evitar isso.”
A LCA é um título
emitido por uma instituição financeira usado para captar recursos para
participantes da cadeia do agronegócio. Ela pode ser destinada a produtores
rurais ou empresas – pode financiar a expansão de um frigorífico, por exemplo.
Na agência bancária, a
LCA normalmente é descrita pelo gerente como aquele dinheiro que você entrega
ao banco para o banco emprestar ao agro com a promessa de rendimento futuro
acima da poupança. Para os investidores pessoas físicas, é uma das alternativas
de um leque de possíveis aplicações. Concorre com CDBs, fundos multimercado e
LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), entre outros tipos de investimento. Um
dos principais atrativos da LCA é a isenção de imposto de renda sobre os
rendimentos.
O interesse do
investidor individual tem crescido, como mostram os dados do Boletim de Finanças Privadas do Agro: entre dezembro de 2022 e dezembro de 2023, o estoque acumulado
da LCA registrou um aumento de 36%. Em relação a dezembro de 2021, o
crescimento foi de 158%. O estoque é o valor captado no mercado e disponível
para ser aplicado no agro – uma espécie de poupança do setor.
Apesar do nome, nem
todo o recurso necessariamente vai parar no agro, mas esse percentual também
vem aumentando. Até a safra passada (2022/2023), os bancos eram obrigados a
manter 35% do bolo total obtido com LCAs aplicados no agronegócio. Já na safra
mais recente (2023/2024), esse índice passou a ser de 50%.
Com taxas críticas de desmatamento e emissões no setor, como saber se o seu investimento em LCA, na ponta da linha, não está ajudando a agravar esses problemas? Não dá para saber.
·
Políticas não são uniformes
Quando o investidor
entrega seu dinheiro em troca de um título LCA, o recurso se incorpora aos
montantes aplicados por milhares de outros investidores como se fosse tudo
depositado numa grande “piscina”. Quando o banco resolve emprestar para alguém
da cadeia do agro, recorre ao dinheiro disponível na “piscina” para viabilizar
o financiamento.
Dessa forma, se um
banco emprestou a algum desmatador ilegal, por exemplo, todos que haviam
comprado título e contribuído para o nível da “piscina” tiveram ao menos uma
parcela pequena de seus recursos ajudando a financiar a irregularidade.
“O banco pode ter uma
política [de cuidado ambiental] escrita no papel. Mas quais são os meios de
implementação dessa política na prática? Ele possui um processo no qual, em
determinadas etapas, seja possível fazer a aferição das características do
tomador? Possui e usa ferramentas de monitoramento por satélite? Alguém checa o
MapBiomas (iniciativa que alerta sobre qualquer perda de vegetação nativa
detectada pelos sistemas de monitoramento)?”, questiona o sócio da ERM NINT,
empresa de consultoria e avaliação ESG do Grupo ERM, Gustavo Pimentel.
A Repórter
Brasil questionou bancos e descobriu que uma das principais fragilidades é
a falta de uniformidade nos procedimentos de controle dos cinco maiores bancos do país (veja abaixo).
Algumas instituições
financeiras apontam para verificações mais rígidas mesmo após a concessão do
empréstimo ao produtor rural. Outras colocam atenção apenas no momento da
concessão do financiamento, com análises prévias.
“É preciso que as
linhas que são subsidiadas tenham cada vez critérios ambientais fortalecidos”,
defende Pimentel, da ERM NINT. “Ao longo do tempo foram sendo adicionados
alguns critérios, mas só para tirar o ‘bandidão’. Muita gente fica naquele meio
do caminho: o cara que desmatou um pouquinho ali, desmatou e não compensou,
eventualmente faz descarte inadequado de embalagem de agrotóxico. Então você
tem outras ‘transgressões menores’ que, no acumulado, acabam fazendo com que a
gente tenha dificuldades nas práticas socioambientais médias do agro”,
completa.
O economista também
defende que haja mais financiamento para produtores que queiram se regularizar
e resolver seus passivos ambientais. “O que o produtor ou o agro olha é a
diferença no custo relativo. Se para fazer um negócio bem feito eu tenho que
percorrer um processo burocrático muito maior e o ganho de taxa, de custo, não
é significativo, eu fico aqui no lugar onde estou”, observa.
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Como agem os 5 maiores bancos do país
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Banco do Brasil
Garante não financiar
“clientes que descumpram a legislação socioambiental, a exemplo de responsáveis
por desmatamento ilegal” e que consulta a lista de embargos do Ibama antes da
concessão do crédito. “Exige-se dos tomadores de crédito a apresentação de
documentos que comprovem a regularidade socioambiental dos empreendimentos,
tais como licenças, outorga d’água, autorização de desmatamento em consonância
com os limites expressos no Código Florestal Brasileiro, dentre outros
documentos.”
·
Bradesco
Diz que utiliza
cruzamento de dados na análise de crédito, “que recusa as operações conforme os
indícios identificados”. Entre as ferramentas listadas, estão listas públicas
que dispõem sobre prática de crimes ou danos socioambientais, imagens de
satélite das áreas financiadas, e “visitas prévias de campo por engenheiros
agrônomos para avaliação de financiamentos concedidos em áreas localizadas na
região Amazônica”.
·
Caixa
Informa que “bloqueou
mais de 1.800 solicitações de crédito rural por indício de desmatamento” depois
que passou a utilizar a ferramenta MapBiomas na análise de suas operações, em
fevereiro de 2023. E que as “ações de responsabilidade socioambiental […] não
se encerram com a concessão do crédito rural, visto que as operações são
submetidas a processos de manutenção, bem como a revisitação das bases de dados
de cadastros negativos dedicados ao tema, durante a vigência do
contrato”.
·
Santander
Afirma ter acesso a
“um serviço de monitoramento diário por satélite que faz a cobertura de cerca
de 18 mil propriedades rurais que receberam financiamento ou foram dadas em
garantia” e que segue a “regulamentação aplicável e com base nas melhores
práticas socioambientais”.
As respostas completas
dos bancos podem ser lidas aqui. A assessoria de imprensa do Itaú Unibanco informou que o banco
não enviaria comentários à reportagem.
·
Critérios são insuficientes
Estudos recentes de
organizações como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa
do Consumidor) e Florestas & Finanças demonstram
que apesar dos discursos dos bancos, o controle sobre o destino do dinheiro
ainda é muito falho, incapaz de coibir totalmente ilegalidades como o
desmatamento ao longo da produção agropecuária.
Um dos principais
questionamentos é que os critérios utilizados olham muito para trás, para
verificar embargos em listas públicas do Ibama e do trabalho análogo a
escravidão, por exemplo, mas não se atentam aos riscos de descumprimento de
boas práticas socioambientais após a assinatura do financiamento.
Cada vez mais, o
próprio mercado vem tentando responder à necessidade de controlar os diversos
elos que levam ao financiamento do desmatamento. Em maio de 2023, por exemplo,
a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) publicou um regulamento que estabelece um protocolo comum para a gestão do
risco de desmatamento ilegal nas
operações de crédito com frigoríficos.
Já o Banco Central
publicou em junho uma resolução que atualiza o Manual do Crédito
Rural, instrumento que reúne os critérios que
precisam ser seguidos para que instituições financeiras possam conceder
empréstimos a empresas e produtores agrícolas.
Pelas novas regras, os
bancos não podem realizar empréstimos para propriedades que não estiverem
inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que tiverem áreas sobrepostas a
terras públicas ou que estejam embargadas nas listas do Ibama ou outros órgãos
ambientais estaduais.
Essas decisões foram
anunciadas logo após a União Europeia apertar o cerco em sua legislação para a
importação de produtos que possam estar
ligados ao desmatamento, como madeira e pecuária.
A intenção soa
positiva, mas os atuais sistemas de prevenção e proteção ainda não parecem
suficientes para afastar a possibilidade de desmatamento associadas a operações
financiadas por instrumentos como a LCA.
Em novembro de 2023,
um levantamento feito pelo Radar Verde, iniciativa do Imazon e do instituto O
Mundo Que Queremos, mostrou que 92% dos frigoríficos na Amazônia não
controlam ou não apresentam controle sobre a origem da carne que adquirem.
Outro estudo do Imazon divulgado em novembro mostra que, sem rastreabilidade, a
pecuária na Amazônia pode levar ao desmatamento de 3 milhões de hectares até
2025. Ou seja, o ano previsto na nova regulação da Febraban. Assim, mesmo com a
nova regra, o intervalo até que sua implementação seja exigida pode acarretar
essa enorme quantidade de desmatamento.
Estar cadastrado no
CAR também não é garantia de que uma propriedade rural esteja em conformidade
com critérios ambientais. Segundo dados do Observatório do Código Florestal
(OCF), em 2022, quando o Código completou dez anos, só 0,4% dos imóveis cadastrados tinham sido
validados. Significa que em 99,6% dos casos, as
informações, que são autodeclaradas pelo proprietário, careciam de validação
por parte dos órgãos ambientais. É a validação que certifica se a propriedade
está, de fato, de acordo com o Código ou se precisa de restauração de passivos.
“Todos os bancos falam
que são ESG. Todos os grandes investidores dizem que são ESG. Então por que as
emissões estão em recorde histórico? Por que todos os macro indicadores [do
meio ambiente] estão piorando?”, provoca Alperowitch, com a autoridade de quem
atua dentro do mercado financeiro.
Fonte: Repórter Brasil
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