terça-feira, 23 de abril de 2024

João Filho: Não se engane, o golpismo no Brasil está mais vivo do que nunca

NÃO SE ENGANE: o golpismo está  mais vivo do que nunca. Não importa que o 8 de janeiro tenha fracassado, com muitos golpistas presos. O golpismo é um estado de espírito permanente do bolsonarismo e faz parte da essência do que é a extrema direita hoje no Brasil e no mundo. 

Bolsonaro foi cuspido do Planalto pelas urnas, mas o espírito golpista permanece vivo nele, em seus aliados e em uma base eleitoral de cegos, guiados por uma máquina robusta e cada vez mais experiente na produção de falsas narrativas. 

Não subestimemos a força do golpismo. A coisa chegou num nível tão avançado que nem a iminente prisão de Bolsonaro irá pará-lo. Pelo contrário, o terreno já foi preparado pela indústria das fake news e a provável detenção do seu maior líder servirá como justificativa para a narrativa de que vivemos sob uma ditadura do judiciário. Essa máquina azeitada de mentiras ganhará um mártir para incrementar seus conteúdos.

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Nas últimas duas semanas, ficou claro o poder dos bolsonaristas em pautar o debate público, contando com uma rede de apoio internacional de fascistas empenhados em fazer do Brasil um laboratório da destruição da democracia. Presenciamos a grande farsa do caso Twitter Files, articulada pelo bolsonarismo em conjunto com o bilionário golpista Elon Musk e parlamentares reacionários dos EUA. 

A estratégia de divulgação dos documentos foi meticulosamente pensada, com picaretas disfarçados de jornalistas soltando teasers do suposto escândalo a conta gotas, prendendo a atenção do público e criando grande expectativa para a revelação de uma tramoia de grandes proporções. 

Mas, como já era de esperar, os bombásticos arquivos secretos anunciados por Musk eram pura balela. Nada mais são do que documentos enviados pelo Supremo Tribunal Federal, o STF, ao Twitter, pedindo a remoção de contas e conteúdos golpistas e criminosos. Não há absolutamente nada de ilegal ali. Não há uma vírgula sequer nos documentos que comprove o suposto autoritarismo de Alexandre de Moraes. Pelo contrário, os documentos comprovam que o ministro agiu dentro da lei para coibir vários crimes cometidos por bandidos golpistas. Até grupos abertamente neonazistas tiveram conteúdos removidos por ordem do STF. É essa a liberdade de expressão que essa gente tanto defende. 

A farsa tramada com Musk veio casada com a convocação de uma nova manifestação liderada por Bolsonaro com o objetivo de intimidar o judiciário e dificultar sua prisão. Não importa se o Twitter Files foi desmascarado ponto a ponto – o estrago já está feito. 

Ele já surtiu o efeito de mobilizar os bolsonaristas teleguiados pelos smartphones e qualquer desmentido será tratado como uma defesa do “ditador Alexandre de Moraes”. O bolsonarismo agora conta com o apoio entusiasmado do dono de uma rede social que, apesar de pouco numerosa, é a mais importante no debate político.  É um jogo difícil para os democratas.

Mais uma vez, governadores, parlamentares e militantes bolsonaristas encherão as ruas e demonstrarão sua força política. É ridículo ver tanta gente embriagada por uma farsa tão capenga e amadora, mas evitemos a chacota. 

Essa legião de zumbis é numerosa, tem grande capacidade de encher as ruas e pode causar estragos além dos que já causaram. O espírito golpista segue rondando o estado de direito e em busca de brechas para corroê-lo paulatinamente para, por fim, destruí-lo. 

O golpismo atuou nesta semana em muitas frentes. Outra movimentação golpista ocorreu dentro do parlamento. O ministro da Defesa, José Múcio, e o comandante do Exército, general Tomás Paiva, participaram de uma reunião da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. Deputados bolsonaristas não tiveram qualquer pudor em pedir abertamente aos comandantes das Forças Armadas o descumprimento de decisões judiciais e até um golpe militar. 

Na primeira fileira, bem de frente para os comandantes, o deputado Coronel Chrisóstomo, do PL, exigiu aos berros: “Se a ordem for absurda, não importa que polícia e quem mandou, não deixem os militares sem emprego”. 

Já o deputado Marcel Van Hattem, do Novo, que teve papel destacado na articulação golpista com Musk e com parlamentares americanos, humilhou o comandante do Exército ao insinuar que ele tem medo do STF:  “É Alexandre de Moraes que manda nas Forças Armadas brasileiras. Não é a Constituição (…) o senhor tem medo de Alexandre de Moraes. Todos aqui têm medo de Alexandre de Moraes”. 

Em outro momento, o bolsonarista se dirigiu ao comandante do Exército aos gritos: “A farda de nada serve. Enfrentem o ditador. (…) Mauro Cid está preso ilegalmente e Vossa Excelência nada faz”. Incitar o Exército à insubordinação tem nome: crime. 

Van Hattem chegou ao cúmulo do absurdo ao acusar os comandantes das Forças Armadas de respeitarem as decisões judiciais que levaram militares golpistas à prisão. O que é isso senão uma defesa aberta de um golpe militar? Tudo isso na nossa cara, dentro do parlamento, à luz do dia. É com essa liberdade e desenvoltura que o golpismo continua cometendo seus crimes por aí. 

Até quando essa caravana golpista vai continuar desafiando a democracia brasileira? Como interromper esse movimento golpista permanente? São perguntas difíceis de responder. A democracia brasileira se vê diante de um nó que parece impossível de desatar. Os golpistas continuarão arrastando o debate público para longe das questões técnicas e jurídicas e o trazendo para o campo das narrativas. 

Essa é a única saída que a extrema direita enxerga no horizonte para evitar ou, pelo menos, vender caro a prisão de Bolsonaro. Está dando certo e nos próximos meses continuaremos sendo bombardeados por falsas bombas, narrativas delirantes com apoio internacional e zumbis fascistoides se manifestando nas ruas. 

 

Ø  O ataque de Elon Musk. Por Luis Felipe Miguel

 

Elon Musk decidiu partir para o ataque. Está ameaçando descumprir decisões da justiça brasileira relativas ao Twitter (que só ele chama de “X”). Diz que vai perder dinheiro, mas que “princípios” são mais importantes.

A gente finge que acredita. Como as outras vozes da extrema direita da qual Elon Musk se tornou corifeu, há muita conversa sobre princípios, mas procurando um pouco se acha a motivação real: grana.

O jornalista Luís Nassif juntou os pontos. Os agentes da Fundação Lemann no MEC montaram um edital relativo à informatização das escolas com exigências aleatórias que só a Starlink, de Elon Musk, poderia atender.

Jorge Paulo Lemann, o saqueador das Lojas Americanas e líder, como disse Luís Nassif, de um curioso grupo de bilionários que entram “apenas com indicações, não com dinheiro”, está interessado em fazer negócios com Jorge Paulo Lemann, Elon Musk. Por isso o agrado.

Mas o esquema vazou e o MEC retificou o edital, eliminando a pegadinha que beneficiava a Starlink. Por isso Jorge Paulo Lemann, Elon Musk está bravo e resolveu revidar.

A única dúvida é se os ataques foram combinados com o bolsonarismo ou se (o que é mais provável) o bilionário decidiu por conta própria sabendo que a extrema direita local acompanharia de ouvido.

A reação de Elon Musk é mais um dos riscos gerados pelo fato de que organizações monopolísticas, privadas, estrangeiras e com ânimo de lucro se tornaram a grande arena em que o debate público ocorre.

O bilionário nascido na África do Sul se singulariza por seu jeito destemperado e modos de criança mimada. Participa de reuniões de negócios intoxicado, responde tuítes com emoji de cocô, é adepto de bravatas, traumatiza seus filhos ao batizá-los de forma bizarra (“X Æ A-12”, “Exa Dark Sideræl”, “Techno Mechanicus Tau”). Mas Mark Zuckerberg e Larry Page, para citar apenas dois exemplos, são igualmente predatórios e danosos à democracia.

As plataformas sociodigitais são experimentos de modulação de comportamento em massa. As consequências em termos de qualidade do debate público, segurança e saúde mental (sobretudo de crianças e jovens), sustentabilidade ambiental ou preservação de direitos não importam – o que elas desejam é lucro e poder.

A doutrina liberal da liberdade de expressão, que ainda hoje funda muitas de nossas expectativas, incluía dois pressupostos que hoje estão erodidos.

O primeiro é que seria possível operar como se, em regra, os falantes agissem de boa fé. Isso não é mais sustentável num ambiente de mentiras deslavadas disseminadas em ritmo industrial.

O segundo é que o debate aberto promoveria a vitória das posições mais sólidas, melhor embasadas, com maior aderência à realidade.

Por isso, muito da crítica ao velho sistema da mídia corporativa apontava na direção de ampliar a pluralidade de vozes, a fim de que os diversos interesses sociais disputassem com maior condição de igualdade na esfera pública.

A comunicação guetificada das plataformas, com suas “bolhas” independentes, muda por completo a situação.

É necessário ter critérios os mais claros possíveis sobre a linha divisória entre conteúdos legítimos e ilegítimos. A solução não é deixar tudo ao arbítrio de Alexandre de Moraes – nem, muito menos, de Elon Musk ou Mark Zuckerberg.

Mas não basta isso. É preciso também regular o funcionamento dos algoritmos e regular o modelo de negócios das plataformas, a fim de reduzir seu império sobre os usuários.

Não é só a mentira que ameaça a democracia. O controle sobre os comportamentos também. Sem cidadãos autônomos, ela não é capaz de sobreviver.

 

Ø  Musk usa Brasil para desgastar Biden e facilitar a volta de Trump ao poder. Por Roberto Nascimento

 

É triste constatar o verdadeiro motivo de os deputados do Comitê Jurídico da Câmara norte-americana publicarem documentos sigilosos da Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil, de 2020 até 2024.

Não existe preocupação deles com a política brasileira. O interesse é prejudicar o governo democrata de Joe Biden e enfraquecer o presidente na disputa de poder contra o republicano Donald Trump, nas eleições de outubro deste ano.

O fato concreto é que o Comitê Jurídico é dominado por deputados do Partido Republicano, que são ligados ao empresário Elon Musk.

Ao aceitarem fazer uma parceria com o bilionário, eles não tinham qualquer interesse no Brasil. Apenas aproveitaram a oportunidade para enfraquecer Joe Biden, por apoiar o atual governo brasileiro, inclusive se manifestou contra o golpe tramado para melar as eleições de 2022.

Elon Musk também é republicano e está nessa jogada para derrubar o presidente democrata. Por isso, denuncia com tanta insistência uma suposta censura que estaria sendo implantada no Brasil, para deixar mal o presidente Biden, pelas boas relações que mantém com o governo Lula.

SEMPRE O LUCRO 

Há também as razões empresariais. As empresas de Elon Musk mamam nas tetas do governo norte-americano, sim, têm contratos bilionários com estatais, como a NASA (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço), para as viagens espaciais. Segundo um dos acordos, a NASA terá cinco missões espaciais com a SpaceX, empresa de Elon Musk. Desde o final de 2020 a SpaceX já recebeu cerca de US$ 5 bilhões por prestar os serviços.

Há outros contratos com empresas de Musk, numa vergonhosa teia de interesses políticos e comerciais, que explicam melhor esse súbito interesse de Musk pelo Brasil.

Não queremos nem aceitamos a censura que ele denuncia, assim como não aceitamos que o país seja usado no jogo sujo da política norte-americana.

 

Fonte: The Intercept/Brasil 247/Tribuna da Internet

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