João Filho: Não se engane, o golpismo no
Brasil está mais vivo do que nunca
NÃO SE ENGANE: o
golpismo está mais vivo do que nunca. Não importa que o 8 de janeiro
tenha fracassado, com muitos golpistas presos. O golpismo é um estado de
espírito permanente do bolsonarismo e faz parte da essência do que é a extrema
direita hoje no Brasil e no mundo.
Bolsonaro foi cuspido
do Planalto pelas urnas, mas o espírito golpista permanece vivo nele, em seus
aliados e em uma base eleitoral de cegos, guiados por uma máquina robusta e
cada vez mais experiente na produção de falsas narrativas.
Não subestimemos a
força do golpismo. A coisa chegou num nível tão avançado que nem a iminente
prisão de Bolsonaro irá pará-lo. Pelo contrário, o terreno já foi preparado
pela indústria das fake news e a provável detenção do seu maior líder servirá
como justificativa para a narrativa de que vivemos sob uma ditadura do
judiciário. Essa máquina azeitada de mentiras ganhará um mártir para
incrementar seus conteúdos.
Nas últimas duas semanas,
ficou claro o poder dos bolsonaristas em pautar o debate público, contando com
uma rede de apoio internacional de fascistas empenhados em fazer do Brasil um
laboratório da destruição da democracia. Presenciamos a grande farsa do caso
Twitter Files, articulada pelo bolsonarismo em conjunto com o bilionário
golpista Elon Musk e parlamentares reacionários dos EUA.
A estratégia de divulgação dos documentos foi
meticulosamente pensada, com picaretas disfarçados de jornalistas soltando
teasers do suposto escândalo a conta gotas, prendendo a atenção do público e
criando grande expectativa para a revelação de uma tramoia de grandes
proporções.
Mas, como já era de
esperar, os bombásticos arquivos secretos anunciados por Musk eram pura balela.
Nada mais são do que documentos enviados pelo Supremo Tribunal Federal, o STF,
ao Twitter, pedindo a remoção de contas e conteúdos golpistas e criminosos. Não
há absolutamente nada de ilegal ali. Não há uma vírgula sequer nos documentos
que comprove o suposto autoritarismo de Alexandre de Moraes. Pelo contrário, os
documentos comprovam que o ministro agiu dentro da lei para coibir vários crimes cometidos por
bandidos golpistas. Até grupos abertamente neonazistas tiveram
conteúdos removidos por ordem do STF. É essa a liberdade de expressão que essa
gente tanto defende.
A farsa tramada com
Musk veio casada com a convocação de uma nova manifestação liderada por
Bolsonaro com o objetivo de intimidar o judiciário e dificultar sua prisão. Não
importa se o Twitter Files foi desmascarado ponto a ponto – o estrago já está
feito.
Ele já surtiu o efeito
de mobilizar os bolsonaristas teleguiados pelos smartphones e qualquer
desmentido será tratado como uma defesa do “ditador Alexandre de Moraes”. O
bolsonarismo agora conta com o apoio entusiasmado do dono de uma rede social
que, apesar de pouco numerosa, é a mais importante no debate político. É
um jogo difícil para os democratas.
Mais uma vez,
governadores, parlamentares e militantes bolsonaristas encherão as ruas e
demonstrarão sua força política. É ridículo ver tanta gente embriagada por uma
farsa tão capenga e amadora, mas evitemos a chacota.
Essa legião de zumbis
é numerosa, tem grande capacidade de encher as ruas e pode causar estragos além
dos que já causaram. O espírito golpista segue rondando o estado de direito e
em busca de brechas para corroê-lo paulatinamente para, por fim, destruí-lo.
O golpismo atuou nesta
semana em muitas frentes. Outra movimentação golpista ocorreu dentro do
parlamento. O ministro da Defesa, José Múcio, e o comandante do Exército,
general Tomás Paiva, participaram de uma reunião da
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.
Deputados bolsonaristas não tiveram qualquer pudor em pedir abertamente aos
comandantes das Forças Armadas o descumprimento de decisões judiciais e até um
golpe militar.
Na primeira fileira,
bem de frente para os comandantes, o deputado Coronel Chrisóstomo, do PL,
exigiu aos berros: “Se a ordem for absurda, não importa que polícia e quem
mandou, não deixem os militares sem emprego”.
Já o deputado Marcel
Van Hattem, do Novo, que teve papel destacado na articulação golpista com Musk
e com parlamentares americanos, humilhou o comandante do Exército ao insinuar
que ele tem medo do STF: “É Alexandre de Moraes que manda nas Forças Armadas
brasileiras. Não é a Constituição (…) o senhor tem medo de Alexandre de Moraes.
Todos aqui têm medo de Alexandre de Moraes”.
Em outro momento, o
bolsonarista se dirigiu ao comandante do Exército aos gritos: “A farda de nada
serve. Enfrentem o ditador. (…) Mauro Cid está preso ilegalmente e Vossa
Excelência nada faz”. Incitar o Exército à insubordinação tem nome:
crime.
Van Hattem chegou ao
cúmulo do absurdo ao acusar os comandantes das Forças Armadas de respeitarem as
decisões judiciais que levaram militares golpistas à prisão. O que é isso senão
uma defesa aberta de um golpe militar? Tudo isso na nossa cara, dentro do
parlamento, à luz do dia. É com essa liberdade e desenvoltura que o golpismo
continua cometendo seus crimes por aí.
Até quando essa
caravana golpista vai continuar desafiando a democracia brasileira? Como
interromper esse movimento golpista permanente? São perguntas difíceis de
responder. A democracia brasileira se vê diante de um nó que parece impossível
de desatar. Os golpistas continuarão arrastando o debate público para longe das
questões técnicas e jurídicas e o trazendo para o campo das narrativas.
Essa é a única saída
que a extrema direita enxerga no horizonte para evitar ou, pelo menos, vender
caro a prisão de Bolsonaro. Está dando certo e nos próximos meses continuaremos
sendo bombardeados por falsas bombas, narrativas delirantes com apoio internacional
e zumbis fascistoides se manifestando nas ruas.
Ø O ataque de Elon Musk. Por Luis Felipe Miguel
Elon Musk decidiu
partir para o ataque. Está ameaçando descumprir decisões da justiça brasileira
relativas ao Twitter (que só ele chama de “X”). Diz que vai perder dinheiro,
mas que “princípios” são mais importantes.
A gente finge que
acredita. Como as outras vozes da extrema direita da qual Elon Musk se tornou
corifeu, há muita conversa sobre princípios, mas procurando um pouco se acha a
motivação real: grana.
O jornalista Luís
Nassif juntou os pontos. Os agentes da Fundação Lemann no MEC montaram um
edital relativo à informatização das escolas com exigências aleatórias que só a
Starlink, de Elon Musk, poderia atender.
Jorge Paulo Lemann, o
saqueador das Lojas Americanas e líder, como disse Luís Nassif, de um curioso
grupo de bilionários que entram “apenas com indicações, não com dinheiro”, está
interessado em fazer negócios com Jorge Paulo Lemann, Elon Musk. Por isso o
agrado.
Mas o esquema vazou e
o MEC retificou o edital, eliminando a pegadinha que beneficiava a Starlink.
Por isso Jorge Paulo Lemann, Elon Musk está bravo e resolveu revidar.
A única dúvida é se os
ataques foram combinados com o bolsonarismo ou se (o que é mais provável) o
bilionário decidiu por conta própria sabendo que a extrema direita local
acompanharia de ouvido.
A reação de Elon Musk
é mais um dos riscos gerados pelo fato de que organizações monopolísticas,
privadas, estrangeiras e com ânimo de lucro se tornaram a grande arena em que o
debate público ocorre.
O bilionário nascido
na África do Sul se singulariza por seu jeito destemperado e modos de criança
mimada. Participa de reuniões de negócios intoxicado, responde tuítes com emoji
de cocô, é adepto de bravatas, traumatiza seus filhos ao batizá-los de forma
bizarra (“X Æ A-12”, “Exa Dark Sideræl”, “Techno Mechanicus Tau”). Mas Mark
Zuckerberg e Larry Page, para citar apenas dois exemplos, são igualmente
predatórios e danosos à democracia.
As plataformas
sociodigitais são experimentos de modulação de comportamento em massa. As
consequências em termos de qualidade do debate público, segurança e saúde
mental (sobretudo de crianças e jovens), sustentabilidade ambiental ou
preservação de direitos não importam – o que elas desejam é lucro e poder.
A doutrina liberal da
liberdade de expressão, que ainda hoje funda muitas de nossas expectativas,
incluía dois pressupostos que hoje estão erodidos.
O primeiro é que seria
possível operar como se, em regra, os falantes agissem de boa fé. Isso não é
mais sustentável num ambiente de mentiras deslavadas disseminadas em ritmo
industrial.
O segundo é que o
debate aberto promoveria a vitória das posições mais sólidas, melhor embasadas,
com maior aderência à realidade.
Por isso, muito da
crítica ao velho sistema da mídia corporativa apontava na direção de ampliar a
pluralidade de vozes, a fim de que os diversos interesses sociais disputassem
com maior condição de igualdade na esfera pública.
A comunicação
guetificada das plataformas, com suas “bolhas” independentes, muda por completo
a situação.
É necessário ter
critérios os mais claros possíveis sobre a linha divisória entre conteúdos
legítimos e ilegítimos. A solução não é deixar tudo ao arbítrio de Alexandre de
Moraes – nem, muito menos, de Elon Musk ou Mark Zuckerberg.
Mas não basta isso. É
preciso também regular o funcionamento dos algoritmos e regular o modelo de
negócios das plataformas, a fim de reduzir seu império sobre os usuários.
Não é só a mentira que
ameaça a democracia. O controle sobre os comportamentos também. Sem cidadãos
autônomos, ela não é capaz de sobreviver.
Ø Musk usa Brasil para desgastar Biden e facilitar a volta de
Trump ao poder. Por Roberto Nascimento
É triste constatar o
verdadeiro motivo de os deputados do Comitê Jurídico da Câmara norte-americana
publicarem documentos sigilosos da Supremo Tribunal Federal e do Tribunal
Superior Eleitoral do Brasil, de 2020 até 2024.
Não existe preocupação
deles com a política brasileira. O interesse é prejudicar o governo democrata
de Joe Biden e enfraquecer o presidente na disputa de poder contra o
republicano Donald Trump, nas eleições de outubro deste ano.
O fato concreto é que
o Comitê Jurídico é dominado por deputados do Partido Republicano, que são
ligados ao empresário Elon Musk.
Ao aceitarem fazer uma
parceria com o bilionário, eles não tinham qualquer interesse no Brasil. Apenas
aproveitaram a oportunidade para enfraquecer Joe Biden, por apoiar o atual
governo brasileiro, inclusive se manifestou contra o golpe tramado para melar
as eleições de 2022.
Elon Musk também é
republicano e está nessa jogada para derrubar o presidente democrata. Por isso,
denuncia com tanta insistência uma suposta censura que estaria sendo implantada
no Brasil, para deixar mal o presidente Biden, pelas boas relações que mantém
com o governo Lula.
SEMPRE O
LUCRO
Há também as razões
empresariais. As empresas de Elon Musk mamam nas tetas do governo
norte-americano, sim, têm contratos bilionários com estatais, como a NASA
(Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço), para as viagens espaciais.
Segundo um dos acordos, a NASA terá cinco missões espaciais com a SpaceX,
empresa de Elon Musk. Desde o final de 2020 a SpaceX já recebeu cerca de US$ 5
bilhões por prestar os serviços.
Há outros contratos
com empresas de Musk, numa vergonhosa teia de interesses políticos e
comerciais, que explicam melhor esse súbito interesse de Musk pelo Brasil.
Não queremos nem
aceitamos a censura que ele denuncia, assim como não aceitamos que o país seja
usado no jogo sujo da política norte-americana.
Fonte: The
Intercept/Brasil 247/Tribuna da Internet
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