Indígenas Yanomami retiram garimpeiros de
área por conta própria
Um grupo formado por
12 garimpeiros [dez homens e duas mulheres] foi flagrado e rendido nesta
terça-feira (23) por indígenas Yanomami no garimpo intitulado “Malária”,
localizado na região do Homoxi, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Os
invasores foram escoltados e entregues pelos indígenas a policiais da Força
Nacional que fazem segurança de servidores do Distrito Sanitário de Saúde
Indígena (Dsei) Yanomami, no território. Nesta quarta-feira (24), os
garimpeiros foram encaminhados para a Polícia Federal, em Boa Vista (RR),
segundo informações do Ministério dos Povos Indígenas dadas à Amazônia Real.
O presidente da
Associação Yanomami (Urihi), Junior Hekurari, disse à Amazônia Real que o grupo
de aproximamente 30 indígenas resolveu ir pessoalmente ao garimpo para retirar
os invasores, por não aguentarem mais a contaminação das águas pelo uso do mercúrio
e por estarem cansados de aguardar que as forças policiais retirem os
invasores. “Os Yanomami não querem mais ver a água suja. Os garimpeiros estão
sujando o rio”, disse Herukari.
Em um ofício enviado a
autoridades federais, como Ministério Público Federal e Fundação Nacional do
Índio (Funai) pela Associação Yanomami Urihi, os indígenas expõem a revolta
pela contaminação das águas da Terra Indígena por mercúrio, metal pesado utilizado
na mineração de ouro. A Urihi divulgou imagens ainda nesta terça do momento em
que os indígenas levam os garimpeiros até a Força Nacional.
“A morosidade da
extrusão de garimpeiros nas regiões mais isoladas do território, tem sujeitado
suas comunidades à violência de criminosos, com especial impacto sobre os seus
meios de sustentabilidade”, diz trecho do ofício, obtido pela reportagem.
No início deste mês, a
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou o estudo revelando os níveis de
contaminação por mercúrio em indígenas e peixes no território, em particular na
área dos Ninam, um subgrupo Yanomami.
De acordo com Júnior
Hekurari, os indígenas, armados de arco e flecha, andaram por aproximadamente
duas horas até chegar ao local onde os garimpeiros estavam. “Os Yanomami foram
lá [no garimpo] porque cansaram de esperar pela polícia. Porque há muito tempo
já informamos por meio de relatórios, até coordenadas passamos para a Polícia
Federal e não fizeram nada”, conta. Os garimpeiros foram entregues a policiais
da Força Nacional que atuam na segurança de servidores federais, que atuam na
saúde indígena, no polo base de Homoxi.
O líder indígena avisa
que ações como essa, comandada pelos próprios Yanomami vão continuar. “Tem
outros grupos de Yanomami indo a outros garimpos também. Estou bem preocupado
com a situação. A nossa preocupação é que os garimpeiros revidem. Temo por retaliações
por parte dos garimpeiros contra os Yanomami”, desabafa Hekurari.
O alerta da liderança
indígena não é por acaso, já que a tensão entre garimpeiros e indígenas vem
crescendo nos últimos meses. No início deste ano, cinco garimpeiros foram
mortos na TIY, que fica dentro do município de Alto Alegre (distante 91 quilômetros de Boa Vista).
Os dois primeiros,
José Winicios Feitosa de Oliveira e Adriano Domingues da Silva, foram dados
como desaparecidos no dia 4 de fevereiro. Quatro dias depois foi a vez dos
garimpeiros Josafá Vaniz da Silva, de 52 anos; Luiz Ferreira da Silva, de 50
anos; e da cozinheira Elizangela Pessoa da Silva, de 43 anos. De acordo com os
familiares, eles teriam sido mortos num suposto ataque a flechadas de indígenas
Yanomami.
Em janeiro, a Hutukara
Associação Yanomami divulgou uma nota técnica alertando para a expansão do
garimpo a partir de meados de 2023 no território. A região de Homoxi é uma das
áreas onde a atividade ilegal continuava intensa e de forma recorrente. No documento,
a Hutukara pediu a criação de estratégias de combate com base nos novos métodos
aplicados pelos invasores, que para burlar a fiscalização estão entrando na
área Yanomami pelo território venezuelano pelo Alto Orinoco, Shimada Ocho, Alto
Caura, Santa Elena.
“Se no primeiro
semestre, o conjunto de operações e medidas de controle de acesso ao território
contribuíram para a saída de boa parte dos invasores (estima-se que algo em
torno de 70% a 80% do contingente de 2022), no segundo semestre, com o
relaxamento das ações de repressão, especialmente depois que as forças armadas
assumiram um maior protagonismo nas operações, observou-se a reativação e a
intensificação da exploração em diversas zonas”, diz trecho da nota.
• Contaminação
No início deste mês, a
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou o estudo “Impacto do mercúrio em áreas
protegidas e povos da floresta na Amazônia: Uma abordagem integrada
saúde-ambiente”, que mostra como o metal está impactando a vida e a saúde dos
indígenas.
Na ocasião, os
pesquisadores analisaram 47 exemplares de peixes, de 14 espécies diferentes.
Conforme o estudo, todas as amostras apresentaram contaminação por mercúrio.
De acordo com os
pesquisadores, a análise do risco atribuível ao consumo de pescado revelou que
a ingestão diária de mercúrio excede em três vezes a dose de referência
preconizada pela Environmental Protection Agency U.S. EPA (sigla em inglês para Agência de Proteção
Ambiental dos Estados Unidos).
O estudo serviu para
apontar também a presença de níveis de mercúrio acima do nível 1 da Resolução
Conama 454 (teores de Hg de 0,344 mg/kg na amostra de sedimento coletada no rio
Mucajaí; e 1,386 mg/kg na amostra coletada na região antes da Cachoeira da Fumaça).
• Desintrusão
O enfrentamento à
crise humanitária e sanitária na Terra Indígena Yanomami teve início em janeiro
de 2023, quando o primeiro escalão do governo federal desembarcou em Boa Vista,
Roraima. Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu a retirada
total dos garimpeiros. “O que eu posso dizer para você é que não vai existir
mais garimpo ilegal e eu sei da dificuldade de tirar o garimpo ilegal. Eu sei
que já se tentou outras vezes tirar e eles voltam, mas nós vamos tirar.
Lamentavelmente, eu não posso dizer para você até quando, o que eu posso dizer
é que nós vamos tirar”, disse o presidente respondendo a questionamento de
Amazônia Real, à época.
“Pudemos presenciar
realmente o estado de calamidade que o território vive. É um cenário de guerra.
A nossa unidade de Saúde Indígena, nosso povo lá de Surucucu, assim como a
nossa casa aqui em Boa vista são praticamente campos de concentração”, descreveu
à época o então titular da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), Ricardo Weibe
Tapeba.
De fato, o governo
federal realizou inúmeras ações desde então, com o fechamento do espaço aéreo
na Terra Indígena; além de diversas operações conjuntas entre Polícia Federal,
Ibama e Funai para desmontar a estrutura dos garimpeiros em campo. Em outras frentes,
a Polícia Federal também realizou uma série de operações para combater os
financiadores do garimpo clandestino em terra indígena.
Apesar de ter gasto no
primeiro ano de governo mais de 1 bilhão de reais para tentar equacionar o
problema, o problema com o garimpo na Terra Indígena Yanomami parece longe do
fim.
A reportagem da
Amazônia Real procurou o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, a
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério dos Povos
Indígenas (MPI) para comentarem o caso. A reportagem procurou ainda o
Ministério da Justiça e Segurança Pública para saber o que foi feito em relação
aos garimpeiros, já que a Força Nacional está sob a jurisdição da pasta.
Único órgão a
responder à reportagem, o Ministério dos Povos Indígenas disse que desde o fim
de fevereiro, quando foi iniciado o trabalho conjunto de 31 órgãos e
instituições do Governo Federal sob a coordenação da Casa de Governo de
Roraima, foram feitas 442 operações de combate ao garimpo.
“O Governo considera
que a destruição da logística e dos materiais usados no garimpo é a forma mais
eficiente de resolver a questão, aos poucos, já que se trata de um território
imenso e de um problema complexo”, disse a nota.
O MPI disse ainda que
nos últimos dois meses, foram destruídos 75 acampamentos de garimpeiros, 263
motores usados nos garimpos, 57
geradores de energia, 17 balsas, 45 mil litros de óleo diesel e 15 toneladas de
cassiterita. “Também foram apreendidos 115 kg de mercúrio e 28 antenas de
internet Starlink; todos itens utilizados nos garimpos”, finalizou a nota.
No primeiro ano da
gestão do terceiro mandato de Lula (PT), o número de óbitos entre Yanomami
cresceu 5,8%, atingindo 363 casos. Foram 20 a mais do que em 2022, último ano
do governo Bolsonaro (PL). Em 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB),
morreram 240 indígenas. Sob Bolsonaro (PL) foram 263 mortes em 2019; 334 em 2020;
354 óbitos em 2021 e os 343 do ano retrasado.
Para o governo Lula, o
motivo do número de mortes pode ter relação com a subnotificação dos casos, no
governo anterior.
• Índios desconhecidos provocam surpresa
O aparecimento de 8
índios, de uma tribo desconhecida, em uma mata ao sul da Terra Indígena (TI)
Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, um dos territórios amazônicos mais desmatados
durante o governo ultrarreacionário de
Jair Bolsonaro e generais, causa surpresa e preocupação na Fundação Nacional
dos Povos Indígenas (Funai) e ativistas.
O grupo de indígenas
surgiu na floresta há pouco tempo, dezembro passado, e foi visto por 2
trabalhadores que estavam construindo um curral perto do rio São Miguel. Os
índios, todos homens adultos e portando “arcos e flechas bem grandes” estavam
nus e tinham adornos na cintura.
Segundo o site Agência
Pública, eles ficaram parados em pé, apenas observando, a cerca de 200 metros.
O contato visual durou cerca de 15 minutos, quando então os índios, talvez
assustados pela vinda de uma motocicleta, retornaram à mata. Desde então, não
houve mais notícias sobre eles.
• Vida em sobressalto e fuga
Avisada por moradores,
uma equipe da Funai, liderada por Fabrício Amorim da Frente de Proteção
Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau, foi ao local e “confirmou vestígios, rastros e
restos de comida” na área florestada.
Há registro sobre a
existência dos chamados “índios isolados” naquela região e por isso a entidade
se preocupa. Funcionários dizem que a postura de
evitar enfrentamentos
com pessoas brancas fez com que tais isolados não sofressem tanta perseguição e
violência como em outros casos. Mesmo assim, “eles vivem em sobressalto,
alertas para a presença de invasores em suas terras; é uma situação de fuga constante”.
• Flechada no indigenista
A Funai ainda não sabe
se o grupo avistado faz parte dos “Isolados do Cautário”, dos quais um
integrante, em 2020, disparou uma flecha que atingiu o peito e matou um
importante indigenista, o servidor da
Funai Rieli Franciscato, quando ele observava alguns deles à distância.
Rieli tentava evitar
um atrito entre os isolados e a população não-indígena na zona rural de
Seringueiras. O local da sua morte fica a cerca de 70 km do ponto em que o
grupo foi visto em dezembro.
• O mistério: quem são eles?
O grupo da região do
(Rio) Cautário circula pelo centro e sul da TI e conforme texto de Clara Roman,
do Instituto Socioambiental/ISA, é o maior dos três agrupamentos de isolados da
área. Deles, muito pouco se sabe. “A gente não sabe que língua esses indígenas
falam, a que grupo linguístico pertencem. Quanto mais a gente conhece sobre
eles, mais se distancia dos outros povos que vivem no entorno e do que tem
descrito na literatura”, explicou uma vez Rieli Franciscato, em entrevista.
O indigenista sempre
encontrava vestígios deles no alto da Serra de Uopianes. Do cume, de 600 metros
de altitude, os isolados podiam avistar S.Francisco do Guaporé, a cidade mais
próxima, e observar a civilização não-indígena vizinha.
“Eles sabem de tudo
que está a volta. Então se não estabeleceram contato, é porque não tem vontade
e a gente tem que respeitar a vontade deles”, afirmava ele.
O Sistema de Proteção
aos Índios Isolados e de Recente Contato (SPIIRC), do governo federal,
compreende ações organizadas por 11 unidades descentralizadas.
Os registros atuais
dos povos indígenas isolados estão distribuídos em 86 territórios: 54 Terras
Indígenas e 24 Unidades de Conservação (15 federais e nove estaduais). Há,
ainda, 8 áreas sem nenhum mecanismo de proteção. Há 114 povos isolados hoje
(mas apenas 28 confirmados).
• Vitória sobre os massacres
Os povos indígenas
brasileiros (incluindo as dezenas de tribos isoladas), podem ser considerados
hoje grandes vitoriosos em sua luta por “existir e persistir”. Isso
lembrando-se da guerra contra eles desatada pela ditadura militar-civil
fascista iniciada em 1964 e repetida por Bolsonaro e generais.
Ao longo de décadas,
os Uru-Eu-Wau-Wau e seus vizinhos foram alvos de massacres vindos dos brancos.
Mas foi a partir de 1970, com o Programa de Integração Nacional (PIN) e depois
com o Polonoroeste, nos 1980, que os golpistas militares criaram uma política
de ocupação da área. Até 1985, cerca de 40 mil famílias receberam lotes do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Rondônia.
Tinham como base a
abertura de lotes para agropecuária no meio da floresta,levando trabalhadores
pobres do sul e centro do país. Foi uma tentativa de fazer uma “reforma
agrária” sem tocar nos interesses e nas terras dos ricos proprietários. O
problema é que a Amazônia não estava vazia, mas ocupada pelos povos originários
– além de outros trabalhadores da floresta, como seringueiros e extrativistas.
Já atingidos por séculos de invasões, vários povos indígenas foram dizimados
por essas frentes migratórias. Porém muitos sobreviveram e hoje comemoram sua
resistência.
Fonte: Amazônia Real/A
Nova Democracia
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