sábado, 20 de abril de 2024

Falas de Lavrov revelam que Rússia está cansada de subterfúgios do Ocidente, dizem analistas

As declarações do ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, em entrevista à Sputnik nesta sexta-feira (19), deixaram claras tanto as bandeiras de diplomacia que a Rússia sustenta há décadas quanto as novas realidades do mundo multipolar, apontaram os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Em sua entrevista, Sergei Lavrov sublinhou temas que vão desde o conflito na Ucrânia, as sanções econômicas impostas pelo Ocidente, até a subordinação deste aos Estados Unidos e a recusa em aceitar a Rússia em sua ordenação mundial.

"A Rússia sempre esteve disposta a negociar", afirmou Amanda Harumy, doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (Prolam/USP) e secretaria executiva da Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (Oclae).

A fala da pesquisadora, em resposta à situação atual do conflito ucraniano, pode ser extrapolada para todas as iniciativas russas pelo menos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, apontou Fred Leite Siqueira Campos, professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Rússia (Prorus).

Quando terminou a Grande Guerra pela Pátria, afirmou, "a União Soviética, liderada por Stalin, se colocou à disposição para fazer parte da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]". "Da mesma forma, quando houve a dissolução da União Soviética, [Vladimir] Putin se colocou à disposição da Rússia fazer parte da OTAN."

"E em todos esses processos, em todas essas épocas, foi negada a participação da Rússia, porque essa retórica é importante para o Ocidente."

·        Por que a retórica russofóbica é tão forte?

Uma coisa que as pessoas devem entender, aponta Campos, é que desde — quando se constituiu um ator global importante, há mais ou menos 300 anos —, uma "cortina de ferro" se ergueu nessa fronteira.

"A importância da Rússia, sua independência e sua riqueza, tanto em termos materiais quanto em termos humanos, sempre constituiu uma ameaça às potências ocidentais."

"Ora a Inglaterra, ora a Alemanha, ora os Estados Unidos" profetizam essa retórica que, segundo ele, é incorporada e repetida ao longo dos tempos como forma de excluir a Rússia da mesa de discussão dos grandes atores mundiais.

"É mais fácil, dadas as questões europeias e americanas de dominação e colonialismo, tentar excluir e diminuir a Rússia", disse Campos.

Até mesmo por conta desse receio de incluir a Rússia, o país cresceu de forma independente, "sem fazer o jogo dos Estados Unidos, como fazem a Alemanha, o Reino Unido e a França, que obedientemente seguem os norte-americanos".

"A Rússia não é esse país, ela nunca foi esse país. A Rússia é um país independente, ela tem uma política externa independente, ela tem as suas estratégias independentemente do restante do mundo."

·        Sanções ocidentais saíram pela culatra

Em sua entrevista, um dos pontos mais criticados por Lavrov foram as sanções ocidentais, não porque elas prejudicaram a economia russa, mas sim por demonstrarem a "postura beligerante" e "histérica" do Ocidente.

"Eles estão intensificando essas sanções de forma absolutamente imprudente, sem sequer pensar em qual será o resultado", afirmou Lavrov.

"Nós nos reunimos e decidimos não depender delas em todas as áreas nas quais elas podem limitar nosso desenvolvimento e, de preferência, em todas as outras áreas também."

Para Harumi, o objetivo das sanções é claro: "sufocar economias que eles declarem inimigas". No entanto, a Rússia "não ficou isolada economicamente, pelo contrário, conseguiu reorganizar sua economia e, hoje, é um país que tem uma economia mais estável, inclusive, do que outros países".

A opinião é compartilhada por Campos que destacou que o resultado das sanções não foi nem de perto o esperado. "Você tem uma Europa cheia de problemas econômicos, com taxas de crescimento pífias, enquanto a Rússia tem crescimento de quase 4% ao ano."

·        Bravatas ocidentais na Ucrânia

Outro ponto de grande destaque na entrevista de Lavrov foi o conflito ucraniano. Segundo os analistas, as falas do Lavrov deixaram claras a disposição da Rússia em negociar um processo de paz, porém o país já está cansado das artimanhas ocidentais.

O ministro lembrou que as tratativas de Istambul foram utilizadas pelo Ocidente como forma de desacelerar o avanço russo e montar uma contraofensiva. Dessa vez, afirmou Lavrov, "nós não vamos fazer pausa nenhuma nas ações militares durante as negociações".

Para Harumi, as falas de Lavrov também ressaltam o controle que a Federação da Rússia tem de "ditar o ritmo conflito". "A Rússia sempre esteve disposta a negociar", apontou. No entanto, diz a pesquisadora, "a reivindicação da Ucrânia, muitas vezes, é mais complexa".

Não só o presidente ucraniano decretou uma proibição impedindo qualquer tratativa de paz com a Rússia, como exige o retorno de territórios russos, como a Crimeia, Lugansk e Donetsk para o controle de Kiev, algo que é impensável para Moscou.

A Rússia vem negociando com o Ocidente sobre questões de paz na Ucrânia há dez anos, ressaltou Campos. "Além de querer a paz, a Rússia é, inclusive, muito paciente. Fez acordo em Minsk, chamou a ONU, chamou os países do Ocidente..."

"A belicosidade, a animosidade e os interesses econômicos são todos do Ocidente. Existe uma dissociação clara, uma dissonância completa entre o discurso e a prática do Ocidente."

Segundo Campos, agora temos "outra realidade" de dez anos atrás. "Agora, as posições, os ganhos e as questões pertinentes à Rússia estão mais bem alicerçadas", afirmou, ressaltando ainda que a Federação da Rússia está cansada desse jogo de subterfúgios ocidentais.

"Esse processo de se fazer uma propaganda negativa com relação à Rússia é uma arma que o Ocidente vem usando há muito tempo", disse". No entanto, com o desenvolvimento do BRICS e as alianças russas, fica cada vez mais claro a falsidade por trás dessas alegações.

"A Rússia vem procurando alianças, construção amigável, mundo multipolar, e se a gente olhar bem, é o Ocidente que faz algo belicoso."

¨      'Não há mais fé na Ucrânia', comenta Lavrov possíveis negociações com Kiev

Insistência do Ocidente no tema de infligir uma derrota à Rússia reflete agonia e histeria, diz Lavrov.

"Agitar esse tema de derrotar a Rússia, sublinhando o significado existencial dessa derrota para o futuro do Ocidente, isso reflete não tanto uma postura beligerante, quanto agonia e histeria", disse Lavrov durante a entrevista.

O Ocidente continua aumentando irracionalmente as sanções sem pensar nos resultados, disse o chanceler da Rússia.

"Eles estão intensificando essas sanções de forma absolutamente imprudente, sem sequer pensar em qual será o resultado, e o resultado já era óbvio desde os primeiros dias, mesmo antes da operação militar especial [...] Nós nos reunimos e decidimos não depender delas em todas as áreas nas quais elas podem limitar nosso desenvolvimento e, de preferência, em todas as outras áreas também."

"Além do medo de perderem a hegemonia, eles também estão sendo muito francos, talvez sem nem mesmo perceberem que estão sendo francos dessa forma, deixando claro que os Estados Unidos estão no comando, e que todos eles estão subordinados aos Estados Unidos", continuou ele.

Moscou prefere sempre negociações a guerras e brigas, disse Sergei Lavrov, em comentários ao tópico sobre possíveis negociações para a resolução do conflito na Ucrânia.

O chefe do MRE russo afirmou que as garantias de segurança à Ucrânia em Istambul não cobriam a Crimeia e Donbass e eram muito sérias. Falando sobre negociações com ucranianos, Lavrov afirmou que Moscou não tem mais fé neles e que a Rússia não vai fazer mais pausa nas ações militares, caso as negociações comecem.

"Mas, diferentemente da história de Istambul, nós não vamos fazer pausa nenhuma nas ações militares durante as negociações. O processo deve continuar", disse Lavrov.

Lavrov afirmou que a Rússia tem total confiança na necessidade de continuar a operação militar especial na Ucrânia: "Estamos lidando com a Ucrânia exatamente porque há uma ameaça para nós".

A "fórmula de paz" de Zelensky deve ser colocada de lado para começar a discutir os fundamentos de uma solução com que a Rússia possa concordar. Ao mesmo tempo, a Suíça não se encaixa à Rússia como lugar para ter negociações de paz sobre a Ucrânia, aponta Lavrov.

A Rússia não se assustará com o discurso de derrota estratégica que se ouve no Ocidente, pelo contrário, essa retórica fortaleceu o país, disse o ministro.

"Se formos colocados em uma situação em que devemos ser simplesmente derrotados estrategicamente, destruídos essencialmente como um ator global, eles não conseguem entender que não ficaremos assustados", disse Lavrov.

Ele observou que, ao contrário da Rússia, os países que fazem ameaças à Rússia ficariam assustados se ameaças semelhantes "com a mesma fúria e a mesma ferocidade" fossem feitas em sua direção.

Rússia não tem motivo nenhum para atacar a OTAN, afirmou Lavrov. Os políticos ocidentais contam sobre os planos da Rússia de "atacar a OTAN" na esperança de assustar os eleitores e continuar seu curso político.

Lavrov comenta o medo dos países europeus do que a Rússia vai atacar a Europa: "Isso é um plano esperto, [pois] é preciso obter dos parlamentos o dinheiro para continuar a guerra na Ucrânia."

Quanto às tensões no Oriente Médio, Moscou informou a Tel Aviv através de canais diplomáticos que o Irã não quer uma escalada, afirmou o chanceler russo. Sergei Lavrov ressaltou ainda que Teerã não possui armas nucleares e que a AIEA confirmou isso. O chefe do MRE russo apontou que os discursos sobre o desejo do Irã de obter armas atômicas servem para desviar a atenção do que está acontecendo na Faixa de Gaza.

¨      Setor de armas da Ucrânia tem crescimento frustrado por escassez de recursos e ataques, diz mídia

Desde o começo da operação russa na Ucrânia, empresas nacionais e estrangeiras de armas vêm tentando aumentar a produção em território ucraniano, no entanto, o setor tem encontrado diversas dificuldades, segundo a agência britânica Reuters.

A agência indica que algumas empresas estão lutando para financiar a produção e ao mesmo tempo têm medo de serem alvo de mísseis russos.

Os proprietários dizem que investiram seu próprio dinheiro para sobreviver e mudaram de local às suas próprias custas para ficar à frente da inteligência russa, e estão agora a instar o governo a reduzir o que descrevem como burocracia excessiva em torno da compra de armas.

Vários também querem poder exportar, argumentando que o governo não tem condições de comprar toda a sua produção, relata a mídia.

De acordo com o ministro das Indústrias Estratégicas ucraniano, Aleksandr Kamyshin, a produção anual potencial do complexo militar-industrial está entre US$ 18 bilhões (R$ 94 bilhões) e US$ 20 bilhões (R$ 104 bilhões).

O governo da Ucrânia, sem dinheiro, só pode financiar cerca de um terço desse montante, disse o ministro à mídia em uma entrevista. Isto compara-se aos US$ 120 bilhões (R$ 627 bilhões) de ajuda militar recebida dos aliados durante o conflito a maior parte em equipamento e não em dinheiro.

"Temos a maior luta em uma geração [...] se olharmos, por exemplo, para os projéteis de artilharia do calibre da OTAN, a capacidade de produção dos EUA e da União Europeia juntos é inferior às nossas necessidades", disse Kamyshin.

Alguns fabricantes dizem que estão tendo dificuldades para arrecadar fundos, um problema agravado por um processo de compras governamentais que, segundo eles, é lento e complicado.

"A primeira ameaça que os fabricantes enfrentam quando começam a trabalhar é a burocracia da esfera militar e das compras", disse Vladislav Belbas, CEO da Ukrainskaya Bronetekhnika, um dos poucos fabricantes ucranianos que produz veículos blindados e projéteis de artilharia.

Belbas citou o fato de o Ministério da Defesa apenas fazer encomendas para o ano em curso, dificultando a capacidade dos fabricantes de planejarem a longo prazo.

Quatro fabricantes que produzem diversas armas destacaram uma série de questões: esperar meses para descobrir se o Estado estava interessado em comprar, ser transferido entre departamentos do Ministério da Defesa e das Forças Armadas e não ter garantias de vendas futuras que os ajudassem a planejar a produção.

Além das dificuldades financeiras, fabricar armas na Ucrânia durante um conflito em grande escala é repleto de riscos.

A mídia conta que ao visitar uma fábrica de armaduras ucranianas, se encontrou com o chefe "Ruslan", nome escolhido para manter seu anonimato. Sua fábrica, que emprega cerca de 100 pessoas e fabrica veículos blindados e morteiros, estava em processo de desativação e transferência para outro local.

Ruslan disse que isso acontece porque eram necessárias instalações maiores para acomodar mais funcionários, bem como para dificultar a localização da fábrica pelos russos. Alguns fabricantes de armas mudam de local a cada três meses por motivos de segurança.

"Dos [fabricantes] com quem falo, nenhuma empresa privada recebeu compensação [estatal] pela realocação", disse Vladislav Belbas.

Outro problema enfrentado pelos fabricantes é a ameaça de cortes de energia, à medida que ataques danificam a infraestrutura energética enquanto a Ucrânia fica sem munições.

"Em 2022-2023, não tivemos eletricidade durante dois terços das nossas horas de trabalho – é claro que, nessas condições, é muito difícil fabricar qualquer coisa", disse Belbas.

No entanto, uma fonte do governo disse que os fabricantes atualmente não têm problemas com o fornecimento de energia e que, se cortes de energia em massa precisarem ser implementados, eles "serão desligados por último".

 

Fonte: Sputnik Brasil

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