Falas de Lavrov revelam que Rússia está
cansada de subterfúgios do Ocidente, dizem analistas
As declarações do
ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, em entrevista à Sputnik
nesta sexta-feira (19), deixaram claras tanto as bandeiras de diplomacia que a
Rússia sustenta há décadas quanto as novas realidades do mundo multipolar, apontaram
os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
Em sua entrevista,
Sergei Lavrov sublinhou temas que vão desde o conflito na Ucrânia, as sanções
econômicas impostas pelo Ocidente, até a subordinação deste aos Estados Unidos
e a recusa em aceitar a Rússia em sua ordenação mundial.
"A Rússia sempre
esteve disposta a negociar", afirmou Amanda Harumy, doutoranda em relações
internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina
da Universidade de São Paulo (Prolam/USP) e secretaria executiva da Organização
Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (Oclae).
A fala da
pesquisadora, em resposta à situação atual do conflito ucraniano, pode ser
extrapolada para todas as iniciativas russas pelo menos desde o fim da Segunda
Guerra Mundial, apontou Fred Leite Siqueira Campos, professor e pesquisador da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Grupo de Estudos
e Pesquisa sobre a Rússia (Prorus).
Quando terminou a
Grande Guerra pela Pátria, afirmou, "a União Soviética, liderada por
Stalin, se colocou à disposição para fazer parte da OTAN [Organização do
Tratado do Atlântico Norte]". "Da mesma forma, quando houve a
dissolução da União Soviética, [Vladimir] Putin se colocou à disposição da
Rússia fazer parte da OTAN."
"E em todos esses
processos, em todas essas épocas, foi negada a participação da Rússia, porque
essa retórica é importante para o Ocidente."
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Por que a retórica russofóbica é tão forte?
Uma coisa que as
pessoas devem entender, aponta Campos, é que desde — quando se constituiu um
ator global importante, há mais ou menos 300 anos —, uma "cortina de
ferro" se ergueu nessa fronteira.
"A importância da
Rússia, sua independência e sua riqueza, tanto em termos materiais quanto em
termos humanos, sempre constituiu uma ameaça às potências ocidentais."
"Ora a
Inglaterra, ora a Alemanha, ora os Estados Unidos" profetizam essa
retórica que, segundo ele, é incorporada e repetida ao longo dos tempos como
forma de excluir a Rússia da mesa de discussão dos grandes atores mundiais.
"É mais fácil,
dadas as questões europeias e americanas de dominação e colonialismo, tentar
excluir e diminuir a Rússia", disse Campos.
Até mesmo por conta
desse receio de incluir a Rússia, o país cresceu de forma independente,
"sem fazer o jogo dos Estados Unidos, como fazem a Alemanha, o Reino Unido
e a França, que obedientemente seguem os norte-americanos".
"A Rússia não é
esse país, ela nunca foi esse país. A Rússia é um país independente, ela tem
uma política externa independente, ela tem as suas estratégias
independentemente do restante do mundo."
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Sanções ocidentais saíram pela culatra
Em sua entrevista, um
dos pontos mais criticados por Lavrov foram as sanções ocidentais, não porque
elas prejudicaram a economia russa, mas sim por demonstrarem a "postura
beligerante" e "histérica" do Ocidente.
"Eles estão
intensificando essas sanções de forma absolutamente imprudente, sem sequer
pensar em qual será o resultado", afirmou Lavrov.
"Nós nos reunimos
e decidimos não depender delas em todas as áreas nas quais elas podem limitar
nosso desenvolvimento e, de preferência, em todas as outras áreas também."
Para Harumi, o
objetivo das sanções é claro: "sufocar economias que eles declarem
inimigas". No entanto, a Rússia "não ficou isolada economicamente,
pelo contrário, conseguiu reorganizar sua economia e, hoje, é um país que tem
uma economia mais estável, inclusive, do que outros países".
A opinião é
compartilhada por Campos que destacou que o resultado das sanções não foi nem
de perto o esperado. "Você tem uma Europa cheia de problemas econômicos,
com taxas de crescimento pífias, enquanto a Rússia tem crescimento de quase 4%
ao ano."
·
Bravatas ocidentais na Ucrânia
Outro ponto de grande
destaque na entrevista de Lavrov foi o conflito ucraniano. Segundo os
analistas, as falas do Lavrov deixaram claras a disposição da Rússia em
negociar um processo de paz, porém o país já está cansado das artimanhas
ocidentais.
O ministro lembrou que
as tratativas de Istambul foram utilizadas pelo Ocidente como forma de
desacelerar o avanço russo e montar uma contraofensiva. Dessa vez, afirmou
Lavrov, "nós não vamos fazer pausa nenhuma nas ações militares durante as
negociações".
Para Harumi, as falas
de Lavrov também ressaltam o controle que a Federação da Rússia tem de
"ditar o ritmo conflito". "A Rússia sempre esteve disposta a
negociar", apontou. No entanto, diz a pesquisadora, "a reivindicação
da Ucrânia, muitas vezes, é mais complexa".
Não só o presidente
ucraniano decretou uma proibição impedindo qualquer tratativa de paz com a
Rússia, como exige o retorno de territórios russos, como a Crimeia, Lugansk e
Donetsk para o controle de Kiev, algo que é impensável para Moscou.
A Rússia vem
negociando com o Ocidente sobre questões de paz na Ucrânia há dez anos,
ressaltou Campos. "Além de querer a paz, a Rússia é, inclusive, muito
paciente. Fez acordo em Minsk, chamou a ONU, chamou os países do
Ocidente..."
"A belicosidade,
a animosidade e os interesses econômicos são todos do Ocidente. Existe uma
dissociação clara, uma dissonância completa entre o discurso e a prática do
Ocidente."
Segundo Campos, agora
temos "outra realidade" de dez anos atrás. "Agora, as posições,
os ganhos e as questões pertinentes à Rússia estão mais bem alicerçadas",
afirmou, ressaltando ainda que a Federação da Rússia está cansada desse jogo de
subterfúgios ocidentais.
"Esse processo de
se fazer uma propaganda negativa com relação à Rússia é uma arma que o Ocidente
vem usando há muito tempo", disse". No entanto, com o desenvolvimento
do BRICS e as alianças russas, fica cada vez mais claro a falsidade por trás
dessas alegações.
"A Rússia vem
procurando alianças, construção amigável, mundo multipolar, e se a gente olhar
bem, é o Ocidente que faz algo belicoso."
¨ 'Não há mais fé na Ucrânia', comenta Lavrov possíveis
negociações com Kiev
Insistência do
Ocidente no tema de infligir uma derrota à Rússia reflete agonia e histeria,
diz Lavrov.
"Agitar esse tema
de derrotar a Rússia, sublinhando o significado existencial dessa derrota para
o futuro do Ocidente, isso reflete não tanto uma postura beligerante, quanto
agonia e histeria", disse Lavrov durante a entrevista.
O Ocidente continua
aumentando irracionalmente as sanções sem pensar nos resultados, disse o
chanceler da Rússia.
"Eles estão
intensificando essas sanções de forma absolutamente imprudente, sem sequer
pensar em qual será o resultado, e o resultado já era óbvio desde os primeiros
dias, mesmo antes da operação militar especial [...] Nós nos reunimos e
decidimos não depender delas em todas as áreas nas quais elas podem limitar
nosso desenvolvimento e, de preferência, em todas as outras áreas também."
"Além do medo de
perderem a hegemonia, eles também estão sendo muito francos, talvez sem nem
mesmo perceberem que estão sendo francos dessa forma, deixando claro que os
Estados Unidos estão no comando, e que todos eles estão subordinados aos
Estados Unidos", continuou ele.
Moscou prefere sempre
negociações a guerras e brigas, disse Sergei Lavrov, em comentários ao tópico
sobre possíveis negociações para a resolução do conflito na Ucrânia.
O chefe do MRE russo
afirmou que as garantias de segurança à Ucrânia em Istambul não cobriam a
Crimeia e Donbass e eram muito sérias. Falando sobre negociações com
ucranianos, Lavrov afirmou que Moscou não tem mais fé neles e que a Rússia não
vai fazer mais pausa nas ações militares, caso as negociações comecem.
"Mas,
diferentemente da história de Istambul, nós não vamos fazer pausa nenhuma nas
ações militares durante as negociações. O processo deve continuar", disse
Lavrov.
Lavrov afirmou que a
Rússia tem total confiança na necessidade de continuar a operação militar
especial na Ucrânia: "Estamos lidando com a Ucrânia exatamente porque há
uma ameaça para nós".
A "fórmula de
paz" de Zelensky deve ser colocada de lado para começar a discutir os
fundamentos de uma solução com que a Rússia possa concordar. Ao mesmo tempo, a
Suíça não se encaixa à Rússia como lugar para ter negociações de paz sobre a
Ucrânia, aponta Lavrov.
A Rússia não se
assustará com o discurso de derrota estratégica que se ouve no Ocidente, pelo
contrário, essa retórica fortaleceu o país, disse o ministro.
"Se formos
colocados em uma situação em que devemos ser simplesmente derrotados
estrategicamente, destruídos essencialmente como um ator global, eles não
conseguem entender que não ficaremos assustados", disse Lavrov.
Ele observou que, ao
contrário da Rússia, os países que fazem ameaças à Rússia ficariam assustados
se ameaças semelhantes "com a mesma fúria e a mesma ferocidade"
fossem feitas em sua direção.
Rússia não tem motivo
nenhum para atacar a OTAN, afirmou Lavrov. Os políticos ocidentais contam sobre
os planos da Rússia de "atacar a OTAN" na esperança de assustar os
eleitores e continuar seu curso político.
Lavrov comenta o medo
dos países europeus do que a Rússia vai atacar a Europa: "Isso é um plano
esperto, [pois] é preciso obter dos parlamentos o dinheiro para continuar a
guerra na Ucrânia."
Quanto às tensões no
Oriente Médio, Moscou informou a Tel Aviv através de canais diplomáticos que o
Irã não quer uma escalada, afirmou o chanceler russo. Sergei Lavrov ressaltou
ainda que Teerã não possui armas nucleares e que a AIEA confirmou isso. O chefe
do MRE russo apontou que os discursos sobre o desejo do Irã de obter armas
atômicas servem para desviar a atenção do que está acontecendo na Faixa de
Gaza.
¨ Setor de armas da Ucrânia tem crescimento frustrado por escassez
de recursos e ataques, diz mídia
Desde o começo da
operação russa na Ucrânia, empresas nacionais e estrangeiras de armas vêm
tentando aumentar a produção em território ucraniano, no entanto, o setor tem
encontrado diversas dificuldades, segundo a agência britânica Reuters.
A agência indica que
algumas empresas estão lutando para financiar a produção e ao mesmo tempo têm
medo de serem alvo de mísseis russos.
Os proprietários dizem
que investiram seu próprio dinheiro para sobreviver e mudaram de local às suas
próprias custas para ficar à frente da inteligência russa, e estão agora a
instar o governo a reduzir o que descrevem como burocracia excessiva em torno
da compra de armas.
Vários também querem
poder exportar, argumentando que o governo não tem condições de comprar toda a
sua produção, relata a mídia.
De acordo com o
ministro das Indústrias Estratégicas ucraniano, Aleksandr Kamyshin, a produção
anual potencial do complexo militar-industrial está entre US$ 18 bilhões (R$ 94
bilhões) e US$ 20 bilhões (R$ 104 bilhões).
O governo da Ucrânia,
sem dinheiro, só pode financiar cerca de um terço desse montante, disse o
ministro à mídia em uma entrevista. Isto compara-se aos US$ 120 bilhões (R$ 627
bilhões) de ajuda militar recebida dos aliados durante o conflito a maior parte
em equipamento e não em dinheiro.
"Temos a maior
luta em uma geração [...] se olharmos, por exemplo, para os projéteis de
artilharia do calibre da OTAN, a capacidade de produção dos EUA e da União
Europeia juntos é inferior às nossas necessidades", disse Kamyshin.
Alguns fabricantes
dizem que estão tendo dificuldades para arrecadar fundos, um problema agravado
por um processo de compras governamentais que, segundo eles, é lento e
complicado.
"A primeira
ameaça que os fabricantes enfrentam quando começam a trabalhar é a burocracia
da esfera militar e das compras", disse Vladislav Belbas, CEO da
Ukrainskaya Bronetekhnika, um dos poucos fabricantes ucranianos que produz
veículos blindados e projéteis de artilharia.
Belbas citou o fato de
o Ministério da Defesa apenas fazer encomendas para o ano em curso,
dificultando a capacidade dos fabricantes de planejarem a longo prazo.
Quatro fabricantes que
produzem diversas armas destacaram uma série de questões: esperar meses para
descobrir se o Estado estava interessado em comprar, ser transferido entre
departamentos do Ministério da Defesa e das Forças Armadas e não ter garantias de
vendas futuras que os ajudassem a planejar a produção.
Além das dificuldades
financeiras, fabricar armas na Ucrânia durante um conflito em grande escala é
repleto de riscos.
A mídia conta que ao
visitar uma fábrica de armaduras ucranianas, se encontrou com o chefe
"Ruslan", nome escolhido para manter seu anonimato. Sua fábrica, que
emprega cerca de 100 pessoas e fabrica veículos blindados e morteiros, estava
em processo de desativação e transferência para outro local.
Ruslan disse que isso
acontece porque eram necessárias instalações maiores para acomodar mais
funcionários, bem como para dificultar a localização da fábrica pelos russos.
Alguns fabricantes de armas mudam de local a cada três meses por motivos de
segurança.
"Dos
[fabricantes] com quem falo, nenhuma empresa privada recebeu compensação
[estatal] pela realocação", disse Vladislav Belbas.
Outro problema
enfrentado pelos fabricantes é a ameaça de cortes de energia, à medida que
ataques danificam a infraestrutura energética enquanto a Ucrânia fica sem
munições.
"Em 2022-2023,
não tivemos eletricidade durante dois terços das nossas horas de trabalho – é
claro que, nessas condições, é muito difícil fabricar qualquer coisa",
disse Belbas.
No entanto, uma fonte
do governo disse que os fabricantes atualmente não têm problemas com o
fornecimento de energia e que, se cortes de energia em massa precisarem ser
implementados, eles "serão desligados por último".
Fonte: Sputnik Brasil
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