EXTREMA DIREITA: As caras e a sincronia da
Internacional Fascista
Elon Musk não inventou
nenhuma tecnologia de redes sociais, ele comprou o antigo Twitter e criou o seu
X das ruínas daquele modelo. O bilionário, especialista em adquirir boas ideias
e bons contratos governamentais nos EUA, recentemente colocou em marcha sua
refundada preocupação com a qualidade da liberdade de expressão no Brasil.
Compartilhando (já que parece não ser mais de bom tom usar o verbo retweetar)
um dito Twitter Files de alguns jornalistas já queridinhos do mundo
conspiratório, o bilionário não somente buscou se posicionar na política, mas o
fez quase como se fosse um Chefe de Estado.
Seria, então, Musk um
representante político dos EUA? Ou da sua África do Sul, onde nasceu ainda no
regime do apartheid? Na verdade, Musk deseja surfar na onda de algo que já está
debilitado, e que foi inaugurado no passado pelo Facebook, atual Meta: a ideia
de tentar colocar as redes sociais como uma superestrutura global, mais
relevante que os governos soberanos dos países em que atua. O bilionário não se
porta como quem quer ser presidente dos EUA, se parecendo mais com um
pretendente Secretário-Geral da ONU, de preferência num período em que a
governança global viveu seu auge, e não no triste momento atual de baixa.
Musk representa essa
nova extrema direita que quer revolução, o que não é exatamente uma
novidade, já aconteceu na primeira metade do século XX. Na época, também houve
um intuito de internacionalização, já que as forças da Alemanha Nazista, por
exemplo, lutavam contra resistentes dos países que invadiam, lado a lado com o
seu grupo de colaboradores locais. Depois desse período, o mundo viveu a Guerra
Fria e, ainda em rebote cultural dessa época, vivemos sob a constante
possibilidade do mal internacional corromper por dentro as
sociedades livres, pias e tão conservadoras. Só que nessa narrativa da Guerra
Fria, os que poderiam fazer isso não eram os fascistas internacionais, senão as
tais infiltrações comunistas. Esses espantalhos foram criados
porque a esquerda, durante a maior parte do século XX, manteve vivas as chamas
de um ideário internacionalista, que anda junto com boa parte do ideário
marxista até hoje.
Contudo, essa esquerda
revolucionária internacional que exporta subversão não existe mais – lembrando
que, em muitos lugares onde se venderam paranoias sobre sua atuação, jamais
existiu com toda essa relevância. A atual grande internacional volta a ser a
internacional fascista Musk parece se interessar em ser o Secretário-Geral
do Faschintern.
Após revelar em entrevistas nos EUA que acredita em algumas teorias conspiratórias altamente
influenciadas pela ideologia neofascista, como as da Grande
Substituição ou as cooperações globalistas (que pouco diferem dos
discursos nazistas do começo do século XX sobre o judeu internacional),
o bilionário africâner-estadunidense agora atua como um protagonista
internacional da desestabilização de governos que estão ativamente combatendo
os avanços do ódio fascista em seus territórios. No caso, a bola mais preciosa
da vez é o Brasil.
Para um homem que
antes já havia sido sincero demais nas redes sociais ao dizer que os EUA
“golpeiam quem quiserem”, e que os espectadores deveriam “lidar com essa
realidade”, referindo-se à situação criada na Bolívia (e suas reservas de
lítio) em 2019/2020, é natural que Musk faça pressão pelos seus interesses
econômicos no Brasil. No entanto, talvez o interesse em manter abertas as vias
da extrema direita no país seja até mais importante.
Com a até agora muito
provável vitória de Donald Trump neste ano, o cenário internacional que
favoreceu o Brasil na vitória contra o golpe extremista no ano passado muda
drasticamente. Com a Casa Branca ocupada por Trump, uma política de
desestabilização das instituições brasileiras ganharia outra cara. É justo
dizer que nem tudo acontece devido a influências externas, mas é mais difícil
defender que, no Golpe Civil-Militar de 1964, o fato de haver um porta-aviões
chegando às águas do Nordeste, com autorização do então presidente americano
Lyndon B. Johnson, não tenha sido um dos fatores que mais pesou no apoio de
alguns generais brasileiros à subversão.
A extrema direita se
mostra (novamente) internacionalista, e assiste ansiosa à possibilidade de um
importante líder original dessa nova onda, Trump, voltar à presidência de seu
país. Enquanto isso, o outro lado desse rio parece acéfalo ao reagir a esse movimento,
possivelmente por se recusar a aceitar um papel que não lhe agrada.
REVOLUÇÃO
E INSTITUCIONALIDADE – UMA ESQUERDA DO STATUS QUO?
Em 15 de março, o
presidente Lula disse, em um discurso em Porto Alegre, o seguinte: “a
democracia está correndo risco, possivelmente porque nós mudamos de
comportamento. A esquerda e os setores progressistas antes criticavam o
sistema, na hora que eles ganham as eleições, passam a fazer parte do sistema,
e a direita que fica fora, vira contra o sistema”. Com este discurso, é
compreensível que Lula possa desagradar muitas pessoas com um histórico de
esquerda, mas é necessário olhar mais a fundo o que foi dito pelo
presidente.
A esquerda é e sempre
foi contra o sistema? Só é possível responder a essa pergunta se deixarmos
claro qual é o sistema. A esquerda na Espanha do começo do século XX, por
exemplo, era o governo legítimo derrubado por um general fascista, depois de
uma sangrenta guerra civil. A esquerda no Chile em 1973 era um governo
democraticamente eleito que foi aviltado por um Golpe Civil-Militar, com os já
conhecidos patrocinadores internacionais, em nome de se inaugurar uma das
ditaduras mais violentas da América Latina. Além disso, se esse rio tem
realmente dois lados, na margem contrária à extrema direita haverá muitos tipos
de pessoas, todas reconhecidas como de esquerda pela margem
raivosa e revolucionária nos seus planos de inspiração
fascista.
Ainda assim, os
movimentos de extrema direita subversivos na Espanha e na América Latina, no
auge de se mobilizarem e se legitimarem derrubando governos democráticos e
populares, ou recusavam a denominação ou se colocavam como um tipo muito
específico de revolucionários. Na realidade, clamam por uma
suposta institucionalidade inerente, que teria sido roubada
pela conspiração da esquerda (todos da outra margem do rio),
quando ela ganha as eleições (que somente poderiam ser justas quando eles
ganham). Corte para o presente: Musk afirma que Alexandre de Moraes influenciou
as eleições para garantir a vitória de Lula. É a mesma cartilha, apenas
atualizada para os novos meios.
A direita subversiva e
golpista na Espanha, por exemplo, era reconhecida como os nacionais na
guerra civil, contra os vermelhos republicanos. O problema é
que quem representava legitimamente a nação espanhola naquele momento eram
os vermelhos. Até os EUA sabiam disso naquele período, ao
menos antes de um embaixador ultramontano (denominação espanhola para grupos
ultracatólicos) convencer o presidente Eisenhower a tragar o fascista de Madri.
Por que então se conta a história dessa maneira? Em parte, porque a direita
vencedora é quem costuma contá-la primeiro, deixando algumas bases que quase
sempre nos esquecemos de questionar. Mas, isso também acontece porque as
esquerdas têm talento em se esconderem do título de representantes de quaisquer
instituições, como se isso as tirasse legitimidade. Voltemos à atualidade: os
movimentos contra o Supremo Tribunal Federal dizem defender a constituição do
Brasil de verdade, contra o comunismo de Moraes e
de Lula. Perfis próximos a Musk nos EUA literalmente começaram a ventilar a
ideia de que o governo brasileiro é ilegítimo e oprime os reais patriotas.
Outra vez vemos como as táticas são semelhantes.
Afinal, se já está
estabelecido que a extrema direita internacionalista quer derrocar as
instituições que não representam os seus ignorados valores,
onde se diferem dos movimentos de Franco na Espanha, ou de Pinochet no Chile?
Não é a primeira vez que a direita se internacionaliza e não será a primeira em
que subverte as próprias instituições para recontar a história como se eles
fossem os contrarrevolucionários, se vencerem. Os militares
brasileiros também beberam dessa fonte, afinal, diziam que não eram golpistas,
mal gostando de ser reconhecidos como “revolucionários”, fazendo isso só ao
defender que foram aqueles que com a revolução conseguiram implantar uma
contrarrevolução.
A esquerda e os
democratas, no entanto, não costumam ter muito carinho pelo papel institucional
perdido, quando são golpeados. Defendem a memória dos caídos e o legado
dos assassinados pelos autoritarismos, mas não seus governos institucionais
aviltados per se. Para além de serem injustificáveis as ações
violentas de golpistas das direitas “revolucionárias”, por que teimamos em
comprar seus discursos sobre os governos que eles derrubaram? Os próprios
democratas deveriam ser os primeiros a rechaçar as narrativas de que é da sua
própria debilidade que nasce a arma que atira em seu coração. Falta realismo em
compreender que a Segunda República Espanhola, o governo de Salvador Allende no
Chile, ou os governos de João Goulart e de Dilma Rousseff no Brasil, não caíram
por serem ruins, mas porque foram desestabilizados e golpeados. Bons governos
também caem pela força da bala, da traição e das relações internacionais. Um
golpe não se dá em quem merece.
Estaríamos discutindo
que o governo Lula foi débil em seus oito dias de administração se o Golpe
Bolsonarista tivesse ganho na pancada? Dizer que a esquerda deve
se reconhecer institucionalmente não é dizer que ela não deve reformar e tomar
para si as instituições nos valores que ela traz à política e à democracia do
mundo. É reafirmar que não deve temer fazer isso. Quanto ao lado neofascista do
rio, há de se perguntar que espaço as instituições que só existem livremente na
democracia devem dar a estes movimentos. Se não está na capacidade atual dos
democratas brasileiros impedir a pantomima no Senado Federal, em que os
jornalistas extremistas do caso Twitter Files se refastelaram em dizer absurdos e conspirações de pura
paranoia, a mídia deveria abrir espaços para dissenso sobre esse ponto? Da
mídia que estiver daquele lado do rio, não se pode esperar nada de diferente.
Contudo, à mídia que quer se colocar no lado da institucionalidade nacional e
da democracia, cabe questionar se parece razoável buscar uma isenção entre o
fuzil e o corpo que recebe o tiro.
TÁTICAS DO
INTERNACIONALISMO DA EXTREMA DIREITA
As próprias táticas do
internacionalismo de extrema direita já indicam quais aspectos das instituições
querem atacar para recriar o Estado à sua imagem e semelhança, e isso tampouco
é uma novidade histórica. Os exemplos mais comuns são: reverter a possibilidade
de o governo atuar em temas que consideram imutáveis, impedir que o poder
judiciário atue livremente e garantir que o sistema de representação de
minorias parlamentares não funcione nos poderes legislativos. No caso
discutido, por exemplo, o grande objetivo de Musk e dos bolsonaristas é frear o
avanço da regulamentação das mídias digitais no Brasil, o que lhes faria perder
muito do dinheiro que ganham impulsionando extremismos, além de seus principais
canais para promover a desestabilização institucional necessária para a
sua contrarrevolução.
É importante lembrar
também que, no Brasil, essas táticas são crescentes desde 2013, quando surgiram
protestos massivos convocados pela internet, sem liderança ou pauta clara,
servindo como uma ótima forma de desestabilizar um governo. Os tratoraços deste
ano na Europa, não por acaso, começaram a ser organizados também pela internet,
sem liderança clara e com a pauta difusa, se negando a efetivamente negociar os
temas com o governo e se colocando como instrumentos muito úteis para a
desestabilização destes. Quem os apoia na Europa? Majoritariamente as extremas
direitas e as direitas tradicionais que não se contiveram nos
anseios de pular neste mesmo barco, como são os casos da Espanha e de Portugal.
No Brasil de 2013, hoje se percebe que rapidamente se esqueceu da pauta do
transporte público e se ficou só com o Fora Dilma. De que lado do rio estão
esses movimentos de desestabilização da institucionalidade? O fato de estarem
presentes a mais tempo serve de alerta de que essa ressurreição da extrema
direita não é de hoje. Também reforça a necessidade ainda maior de lidar com
uma realidade mais que efetiva em subverter a normalidade institucional de um
país.
Inclusive, essas
organizações de extrema direita não se contêm em atuar apenas em governos
abertamente “de esquerda”. Querem forçar também governos de centro ou de
centro-direita a comprarem suas pautas, convidando seus líderes para
dentro do aparato estatal. Os governos de cunho conservador que resistiram
a isso foram sangrados nos mesmos moldes com que se atacou os governos de
esquerda. Emmanuel Macron, na França, foi empurrado mais ainda à
direita por táticas deste tipo.
Na Espanha, Alberto
Núñez Feijóo, líder do PP (Partido Popular), virou o maior entusiasta do
discurso extremista, vendo-o como a única forma de frear o crescimento que
parecia imparável do Vox, a extrema direita. Sua tática funcionou, seu partido
cresceu nas últimas eleições, com o discurso “anticomunista” aplicado contra o
presidente Pedro Sánchez. Contudo, Feijóo não chegou a maiorias e abraçou de
vez essa ala política extremista, fazendo com que todas as outras forças do
país lhe fechassem as portas.
No Brasil, o
lavajatismo pariu um ovo de serpente que depois o engoliu. Contudo, não é como
se seus expoentes não estejam até hoje aí defendendo o que havia de revolucionário por
trás dos exotismos jurídicos. Convém perguntar mais uma vez: de que lado do rio
estão estes representantes? Na luta contra as irrupções mais recentes da
internacional fascista, será preciso avaliar esses momentos anteriores e
as infiltrações do Faschintern nas
democracias representativas ocidentais. O lawfare é tática da
extrema direita, as campanhas de desestabilização com fake-news também.
Seguir aceitando que outros expoentes que abusaram e abusam destes métodos não
fazem parte do campo internacional de extrema direita, especialmente no
caso de alguns que ainda são vistos como menos extremistas por
tantos na mídia, pode ser mais um erro desastroso.
A REAÇÃO A
ESTAS TÁTICAS
A reação das esquerdas
a essas táticas ocorreu ao longo da história, desde o século XX, de distintas
maneiras. No Brasil, por exemplo, quando Lula foi confrontado com a certeza de
que seria preso pela Operação Lava Jato, não se refugiou em embaixadas como
Bolsonaro tentou fazer. O petista confiou nas instituições e se entregou à
justiça. O presidente fez uma aposta mais política que institucional, porque
dificilmente não entendia ao que estava se entregando, frente a instituições
imersas no sentimento revolucionário daquela nascente extrema
direita. Enquanto esteve preso, por 580 dias, sua esperança era que fora de sua
cela a luta política poderia trazer de volta a institucionalidade para o lado
da democracia.
Deu certo. Lula hoje
não só é livre, como é presidente. É então a melhor saída? Por enquanto, parece
que sim. Não podemos negar que poderia ter sido um suicídio físico e político
do presidente, já que caso o judiciário não tivesse se desvencilhado dos tentáculos
disruptivos que o assolavam, Lula provavelmente estaria preso até hoje. No
entanto, uma pergunta melhor seria: havia outra saída que não fosse defender
uma instituição açoitada pelos revolucionários de extrema
direita?
A esquerda, aqui
sendo a união desta margem do rio, não representa uma força de conflito que
pode lutar contra a extrema direita. Aliás, no Brasil, a esquerda jamais teve a
opção política de governar sozinha e menos ainda força para tomar o
poder. Sua melhor (e talvez única) saída é ser a força moral e
política que defende as instituições de serem corrompidas pelo extremismo. Se
hoje as instituições não valem nada àquela margem do rio, por que não lutar de
dentro delas e pregar uma vitória cultural a partir de valores que eles
detestam?
Assim foi a vitória
brasileira contra o lavajatismo e contra o udenismo nas décadas de 1950 e 1960.
É verdade que foi ainda a mesma tática que perdeu para o Golpe Civil-Militar de
1964 e que pode voltar a perder no futuro para esses movimentos extremistas que
estão tudo, menos mortos. Como separar, então, as vitórias das derrotas?
Possivelmente considerando o fator internacional na correlação de forças.
Também por isso, há de se pensar se a janela internacional favorável para
certas medidas não estaria se fechando. O Brasil vai conseguir punir os
golpistas do 8 de janeiro ou regulamentar as mídias sociais uma vez que a Casa
Branca tiver um Trump de novo?
Mesmo que vivamos num
mundo em que essa internacional de extrema direita pareça forte, podemos estar
presenciando os últimos momentos em que ainda não é muito mais forte. Se
sua cabeça voltar ao corpo no final deste ano, o cenário vai
mudar drasticamente também para os que estão deste lado do rio.
VALORES E
UTOPIAS
Mesmo com tudo isso
dito, é natural que não se imagine um contraponto a essa ascensão extremista
por causa do medo do que vem por lá. Faltará amálgama deste
lado do rio, neste caso. É também compreensível que seja doloroso para muita
gente defender instituições que se reconhecem como tão pouco justas
historicamente, em tantos aspectos. Contudo, ao assumir esse papel também se
pode ganhar uma nova oportunidade de disputar a cultura e a história do futuro
com a extrema direita rampante. Todas as vezes em que esses extremistas
quiseram, foi permitido a eles perverterem as instituições e parte das
histórias dos países, muitas vezes porque se permite a eles um debate sobre
valores e utopias que a esquerda também teme.
Desde que o Muro de
Berlim caiu (e com ele a esperança de tantos comunistas), o mundo
flertou com a ideia do fim da História e acreditou que aqueles soviéticos incômodos
não tinham mais respostas a oferecer. Nesse momento, os dois lados do rio
compraram o neoliberalismo. Contudo, com a mais recente crise do capitalismo,
das cinzas dos ideais de Reagan e Thatcher, até pessoas que nem se imaginavam
esquerdistas foram forçadas a admitir que aquela utopia era distópica, sendo
então empurradas pelos fanáticos extremistas para junto dos comunistas. Se
as instituições ditas liberais serviram na guerra fria contra o comunismo, se
tornaram um estorvo descartável na fase final do neoliberalismo extremista. O
que a extrema direita está chamando de esquerdismo no campo moral é
oficialmente a agenda comum do capitalismo do século XXI.
Assim, da mesma
maneira que os esquerdistas que não gostam de instituições precisam aceitar a
realidade que Lula contou em Porto Alegre, os democratas e centristas não podem
mais fugir da realidade de que a utopia direitista os vê como comunistas. Nesse
caso, volta-se outra vez para as instituições: se por insistência da extrema
direita, estas instituições são de esquerda, por imperativo de
realidade, os que as defendem assim serão reconhecidos e com esse universo
semântico haverão de lidar.
Isso significa que a
estrutura atual será posta à prova perante essa Internacional Fascista e só se
poderá mantê-la (como desejam os centristas), ou reformá-la (como deseja a
esquerda institucional) caso se impedir que a extrema direita a imploda, ou a subverta
para que não seja mais possível retornar sequer ao ponto em que estamos. À
esquerda que quer revolução, caberá aceitar o realismo uma vez mais, ao menos
pelo futuro tangível (afinal a ascensão do fascismo seria o seu fim não somente
ideológico, como físico).
Para além disso, se
mostram também as oportunidades de voltar a debater as utopias de cada grupo,
assunto que a extrema direita sempre adorou gastar em seus proselitismos. Hoje,
no entanto, vivemos um raro momento em que as máscaras caíram. Se a utopia da
esquerda era usada para assustar, pergunta-se hoje quão distante ela está de
uma institucionalidade democrática, assumindo que essa possa funcionar como
realmente foi desenhada. No caso brasileiro, quão mais claro precisa ser que a
Constituição Cidadã, por exemplo, é um documento profundamente
progressista?
Essa realidade nos
grita justamente para olharmos para a Internacional extremista do outro lado do
rio, que está ativamente mostrando sua utopia. Qual é o futuro que estes
extremistas desejam? Se esperarmos que eles dominem os poderes políticos para
entender isso, jamais vamos compreendê-los fora de um verniz ideológico
autocrático. Democratas, centristas, conservadores institucionais, esquerdistas
institucionais (e até os revolucionários) devem se perguntar que valores devem
representar as instituições atuais e porque vale a pena defendê-las.
Afinal, do outro lado
do rio, na Internacional Fascista, está hoje o sonho de Ronald Reagan e
Margareth Thatcher. Não cabe mais dúvidas de que o mundo que estes líderes
sonharam nas décadas de 1980 e 1990 é a atual Argentina de Milei, a Hungria de
Orbán e talvez os EUA de Trump (ou o que restar de um país que parece estar se
dissolvendo). Se o que você assiste vindo de lá te assusta, bem-vindo a este
lado do rio. Não devemos permitir que uma vez mais nos convençam de que seus
extremismos só trouxeram o bem para o mundo e que não são
responsáveis pelo horror e pelo terrível. É no calor da história que fica claro
quem defende o genocídio em Gaza, a fome e o desamparo dos trabalhadores, a
desordem jurídica e institucional, a ditadura e a eliminação dos adversários
Ah, mas
será que não vão me aceitar do lado extremista do rio, se eu os ajudar? – A quem faz essa pergunta, não está aconselhado tentar a sorte.
Basta que se veja historicamente quem são os primeiros a serem devorados pelo
leão do fascismo, quando as barras da jaula que o segura são rompidas. Não
existe apoio crítico ao extremismo, assim como ele não tem lado brando. Por
isso, não convém renunciar às instituições tão facilmente.
Fonte: Por Daniel
Azevedo Muñoz, no Le Monde
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