quinta-feira, 18 de abril de 2024

EXTREMA DIREITA: As caras e a sincronia da Internacional Fascista

Elon Musk não inventou nenhuma tecnologia de redes sociais, ele comprou o antigo Twitter e criou o seu X das ruínas daquele modelo. O bilionário, especialista em adquirir boas ideias e bons contratos governamentais nos EUA, recentemente colocou em marcha sua refundada preocupação com a qualidade da liberdade de expressão no Brasil. Compartilhando (já que parece não ser mais de bom tom usar o verbo retweetar) um dito Twitter Files de alguns jornalistas já queridinhos do mundo conspiratório, o bilionário não somente buscou se posicionar na política, mas o fez quase como se fosse um Chefe de Estado.

Seria, então, Musk um representante político dos EUA? Ou da sua África do Sul, onde nasceu ainda no regime do apartheid? Na verdade, Musk deseja surfar na onda de algo que já está debilitado, e que foi inaugurado no passado pelo Facebook, atual Meta: a ideia de tentar colocar as redes sociais como uma superestrutura global, mais relevante que os governos soberanos dos países em que atua. O bilionário não se porta como quem quer ser presidente dos EUA, se parecendo mais com um pretendente Secretário-Geral da ONU, de preferência num período em que a governança global viveu seu auge, e não no triste momento atual de baixa. 

Musk representa essa nova extrema direita que quer revolução, o que não é exatamente uma novidade, já aconteceu na primeira metade do século XX. Na época, também houve um intuito de internacionalização, já que as forças da Alemanha Nazista, por exemplo, lutavam contra resistentes dos países que invadiam, lado a lado com o seu grupo de colaboradores locais. Depois desse período, o mundo viveu a Guerra Fria e, ainda em rebote cultural dessa época, vivemos sob a constante possibilidade do mal internacional corromper por dentro as sociedades livres, pias e tão conservadoras. Só que nessa narrativa da Guerra Fria, os que poderiam fazer isso não eram os fascistas internacionais, senão as tais infiltrações comunistas. Esses espantalhos foram criados porque a esquerda, durante a maior parte do século XX, manteve vivas as chamas de um ideário internacionalista, que anda junto com boa parte do ideário marxista até hoje. 

Contudo, essa esquerda revolucionária internacional que exporta subversão não existe mais – lembrando que, em muitos lugares onde se venderam paranoias sobre sua atuação, jamais existiu com toda essa relevância. A atual grande internacional volta a ser a internacional fascista Musk parece se interessar em ser o Secretário-Geral do Faschintern. 

Após revelar em entrevistas nos EUA que acredita em algumas teorias conspiratórias altamente influenciadas pela ideologia neofascista, como as da Grande Substituição ou as cooperações globalistas (que pouco diferem dos discursos nazistas do começo do século XX sobre o judeu internacional), o bilionário africâner-estadunidense agora atua como um protagonista internacional da desestabilização de governos que estão ativamente combatendo os avanços do ódio fascista em seus territórios. No caso, a bola mais preciosa da vez é o Brasil. 

Para um homem que antes já havia sido sincero demais nas redes sociais ao dizer que os EUA “golpeiam quem quiserem”, e que os espectadores deveriam “lidar com essa realidade”, referindo-se à situação criada na Bolívia (e suas reservas de lítio) em 2019/2020, é natural que Musk faça pressão pelos seus interesses econômicos no Brasil. No entanto, talvez o interesse em manter abertas as vias da extrema direita no país seja até mais importante.

Com a até agora muito provável vitória de Donald Trump neste ano, o cenário internacional que favoreceu o Brasil na vitória contra o golpe extremista no ano passado muda drasticamente. Com a Casa Branca ocupada por Trump, uma política de desestabilização das instituições brasileiras ganharia outra cara. É justo dizer que nem tudo acontece devido a influências externas, mas é mais difícil defender que, no Golpe Civil-Militar de 1964, o fato de haver um porta-aviões chegando às águas do Nordeste, com autorização do então presidente americano Lyndon B. Johnson, não tenha sido um dos fatores que mais pesou no apoio de alguns generais brasileiros à subversão. 

A extrema direita se mostra (novamente) internacionalista, e assiste ansiosa à possibilidade de um importante líder original dessa nova onda, Trump, voltar à presidência de seu país. Enquanto isso, o outro lado desse rio parece acéfalo ao reagir a esse movimento, possivelmente por se recusar a aceitar um papel que não lhe agrada. 

REVOLUÇÃO E INSTITUCIONALIDADE – UMA ESQUERDA DO STATUS QUO? 

Em 15 de março, o presidente Lula disse, em um discurso em Porto Alegre, o seguinte: “a democracia está correndo risco, possivelmente porque nós mudamos de comportamento. A esquerda e os setores progressistas antes criticavam o sistema, na hora que eles ganham as eleições, passam a fazer parte do sistema, e a direita que fica fora, vira contra o sistema”. Com este discurso, é compreensível que Lula possa desagradar muitas pessoas com um histórico de esquerda, mas é necessário olhar mais a fundo o que foi dito pelo presidente. 

A esquerda é e sempre foi contra o sistema? Só é possível responder a essa pergunta se deixarmos claro qual é o sistema. A esquerda na Espanha do começo do século XX, por exemplo, era o governo legítimo derrubado por um general fascista, depois de uma sangrenta guerra civil. A esquerda no Chile em 1973 era um governo democraticamente eleito que foi aviltado por um Golpe Civil-Militar, com os já conhecidos patrocinadores internacionais, em nome de se inaugurar uma das ditaduras mais violentas da América Latina. Além disso, se esse rio tem realmente dois lados, na margem contrária à extrema direita haverá muitos tipos de pessoas, todas reconhecidas como de esquerda pela margem raivosa e revolucionária nos seus planos de inspiração fascista.

Ainda assim, os movimentos de extrema direita subversivos na Espanha e na América Latina, no auge de se mobilizarem e se legitimarem derrubando governos democráticos e populares, ou recusavam a denominação ou se colocavam como um tipo muito específico de revolucionários. Na realidade, clamam por uma suposta institucionalidade inerente, que teria sido roubada pela conspiração da esquerda (todos da outra margem do rio), quando ela ganha as eleições (que somente poderiam ser justas quando eles ganham). Corte para o presente: Musk afirma que Alexandre de Moraes influenciou as eleições para garantir a vitória de Lula. É a mesma cartilha, apenas atualizada para os novos meios. 

A direita subversiva e golpista na Espanha, por exemplo, era reconhecida como os nacionais na guerra civil, contra os vermelhos republicanos. O problema é que quem representava legitimamente a nação espanhola naquele momento eram os vermelhos. Até os EUA sabiam disso naquele período, ao menos antes de um embaixador ultramontano (denominação espanhola para grupos ultracatólicos) convencer o presidente Eisenhower a tragar o fascista de Madri. Por que então se conta a história dessa maneira? Em parte, porque a direita vencedora é quem costuma contá-la primeiro, deixando algumas bases que quase sempre nos esquecemos de questionar. Mas, isso também acontece porque as esquerdas têm talento em se esconderem do título de representantes de quaisquer instituições, como se isso as tirasse legitimidade. Voltemos à atualidade: os movimentos contra o Supremo Tribunal Federal dizem defender a constituição do Brasil de verdade, contra o comunismo de Moraes e de Lula. Perfis próximos a Musk nos EUA literalmente começaram a ventilar a ideia de que o governo brasileiro é ilegítimo e oprime os reais patriotas. Outra vez vemos como as táticas são semelhantes. 

Afinal, se já está estabelecido que a extrema direita internacionalista quer derrocar as instituições que não representam os seus ignorados valores, onde se diferem dos movimentos de Franco na Espanha, ou de Pinochet no Chile? Não é a primeira vez que a direita se internacionaliza e não será a primeira em que subverte as próprias instituições para recontar a história como se eles fossem os contrarrevolucionários, se vencerem. Os militares brasileiros também beberam dessa fonte, afinal, diziam que não eram golpistas, mal gostando de ser reconhecidos como “revolucionários”, fazendo isso só ao defender que foram aqueles que com a revolução conseguiram implantar uma contrarrevolução. 

A esquerda e os democratas, no entanto, não costumam ter muito carinho pelo papel institucional perdido, quando são golpeados.  Defendem a memória dos caídos e o legado dos assassinados pelos autoritarismos, mas não seus governos institucionais aviltados per se. Para além de serem injustificáveis as ações violentas de golpistas das direitas “revolucionárias”, por que teimamos em comprar seus discursos sobre os governos que eles derrubaram? Os próprios democratas deveriam ser os primeiros a rechaçar as narrativas de que é da sua própria debilidade que nasce a arma que atira em seu coração. Falta realismo em compreender que a Segunda República Espanhola, o governo de Salvador Allende no Chile, ou os governos de João Goulart e de Dilma Rousseff no Brasil, não caíram por serem ruins, mas porque foram desestabilizados e golpeados. Bons governos também caem pela força da bala, da traição e das relações internacionais. Um golpe não se dá em quem merece. 

Estaríamos discutindo que o governo Lula foi débil em seus oito dias de administração se o Golpe Bolsonarista tivesse ganho na pancada? Dizer que a esquerda deve se reconhecer institucionalmente não é dizer que ela não deve reformar e tomar para si as instituições nos valores que ela traz à política e à democracia do mundo. É reafirmar que não deve temer fazer isso. Quanto ao lado neofascista do rio, há de se perguntar que espaço as instituições que só existem livremente na democracia devem dar a estes movimentos. Se não está na capacidade atual dos democratas brasileiros impedir a pantomima no Senado Federal, em que os jornalistas extremistas do caso Twitter Files se refastelaram em dizer absurdos e conspirações de pura paranoia, a mídia deveria abrir espaços para dissenso sobre esse ponto? Da mídia que estiver daquele lado do rio, não se pode esperar nada de diferente. Contudo, à mídia que quer se colocar no lado da institucionalidade nacional e da democracia, cabe questionar se parece razoável buscar uma isenção entre o fuzil e o corpo que recebe o tiro. 

TÁTICAS DO INTERNACIONALISMO DA EXTREMA DIREITA 

As próprias táticas do internacionalismo de extrema direita já indicam quais aspectos das instituições querem atacar para recriar o Estado à sua imagem e semelhança, e isso tampouco é uma novidade histórica. Os exemplos mais comuns são: reverter a possibilidade de o governo atuar em temas que consideram imutáveis, impedir que o poder judiciário atue livremente e garantir que o sistema de representação de minorias parlamentares não funcione nos poderes legislativos. No caso discutido, por exemplo, o grande objetivo de Musk e dos bolsonaristas é frear o avanço da regulamentação das mídias digitais no Brasil, o que lhes faria perder muito do dinheiro que ganham impulsionando extremismos, além de seus principais canais para promover a desestabilização institucional necessária para a sua contrarrevolução. 

É importante lembrar também que, no Brasil, essas táticas são crescentes desde 2013, quando surgiram protestos massivos convocados pela internet, sem liderança ou pauta clara, servindo como uma ótima forma de desestabilizar um governo. Os tratoraços deste ano na Europa, não por acaso, começaram a ser organizados também pela internet, sem liderança clara e com a pauta difusa, se negando a efetivamente negociar os temas com o governo e se colocando como instrumentos muito úteis para a desestabilização destes. Quem os apoia na Europa? Majoritariamente as extremas direitas e as direitas tradicionais que não se contiveram nos anseios de pular neste mesmo barco, como são os casos da Espanha e de Portugal. No Brasil de 2013, hoje se percebe que rapidamente se esqueceu da pauta do transporte público e se ficou só com o Fora Dilma. De que lado do rio estão esses movimentos de desestabilização da institucionalidade? O fato de estarem presentes a mais tempo serve de alerta de que essa ressurreição da extrema direita não é de hoje. Também reforça a necessidade ainda maior de lidar com uma realidade mais que efetiva em subverter a normalidade institucional de um país. 

Inclusive, essas organizações de extrema direita não se contêm em atuar apenas em governos abertamente “de esquerda”. Querem forçar também governos de centro ou de centro-direita a comprarem suas pautas, convidando seus líderes para dentro do aparato estatal. Os governos de cunho conservador que resistiram a isso foram sangrados nos mesmos moldes com que se atacou os governos de esquerda. Emmanuel Macron, na França, foi empurrado mais ainda à direita por táticas deste tipo. 

Na Espanha, Alberto Núñez Feijóo, líder do PP (Partido Popular), virou o maior entusiasta do discurso extremista, vendo-o como a única forma de frear o crescimento que parecia imparável do Vox, a extrema direita. Sua tática funcionou, seu partido cresceu nas últimas eleições, com o discurso “anticomunista” aplicado contra o presidente Pedro Sánchez. Contudo, Feijóo não chegou a maiorias e abraçou de vez essa ala política extremista, fazendo com que todas as outras forças do país lhe fechassem as portas. 

No Brasil, o lavajatismo pariu um ovo de serpente que depois o engoliu. Contudo, não é como se seus expoentes não estejam até hoje aí defendendo o que havia de revolucionário por trás dos exotismos jurídicos. Convém perguntar mais uma vez: de que lado do rio estão estes representantes? Na luta contra as irrupções mais recentes da internacional fascista, será preciso avaliar esses momentos anteriores e as infiltrações do Faschintern nas democracias representativas ocidentais. O lawfare é tática da extrema direita, as campanhas de desestabilização com fake-news também. Seguir aceitando que outros expoentes que abusaram e abusam destes métodos não fazem parte do campo internacional de extrema direita, especialmente no caso de alguns que ainda são vistos como menos extremistas por tantos na mídia, pode ser mais um erro desastroso.

A REAÇÃO A ESTAS TÁTICAS 

A reação das esquerdas a essas táticas ocorreu ao longo da história, desde o século XX, de distintas maneiras. No Brasil, por exemplo, quando Lula foi confrontado com a certeza de que seria preso pela Operação Lava Jato, não se refugiou em embaixadas como Bolsonaro tentou fazer. O petista confiou nas instituições e se entregou à justiça. O presidente fez uma aposta mais política que institucional, porque dificilmente não entendia ao que estava se entregando, frente a instituições imersas no sentimento revolucionário daquela nascente extrema direita. Enquanto esteve preso, por 580 dias, sua esperança era que fora de sua cela a luta política poderia trazer de volta a institucionalidade para o lado da democracia. 

Deu certo. Lula hoje não só é livre, como é presidente. É então a melhor saída? Por enquanto, parece que sim. Não podemos negar que poderia ter sido um suicídio físico e político do presidente, já que caso o judiciário não tivesse se desvencilhado dos tentáculos disruptivos que o assolavam, Lula provavelmente estaria preso até hoje. No entanto, uma pergunta melhor seria: havia outra saída que não fosse defender uma instituição açoitada pelos revolucionários de extrema direita? 

esquerda, aqui sendo a união desta margem do rio, não representa uma força de conflito que pode lutar contra a extrema direita. Aliás, no Brasil, a esquerda jamais teve a opção política de governar sozinha e menos ainda força para tomar o poder. Sua melhor (e talvez única) saída é ser a força moral e política que defende as instituições de serem corrompidas pelo extremismo. Se hoje as instituições não valem nada àquela margem do rio, por que não lutar de dentro delas e pregar uma vitória cultural a partir de valores que eles detestam? 

Assim foi a vitória brasileira contra o lavajatismo e contra o udenismo nas décadas de 1950 e 1960. É verdade que foi ainda a mesma tática que perdeu para o Golpe Civil-Militar de 1964 e que pode voltar a perder no futuro para esses movimentos extremistas que estão tudo, menos mortos. Como separar, então, as vitórias das derrotas? Possivelmente considerando o fator internacional na correlação de forças. Também por isso, há de se pensar se a janela internacional favorável para certas medidas não estaria se fechando. O Brasil vai conseguir punir os golpistas do 8 de janeiro ou regulamentar as mídias sociais uma vez que a Casa Branca tiver um Trump de novo? 

Mesmo que vivamos num mundo em que essa internacional de extrema direita pareça forte, podemos estar presenciando os últimos momentos em que ainda não é muito mais forte. Se sua cabeça voltar ao corpo no final deste ano, o cenário vai mudar drasticamente também para os que estão deste lado do rio. 

VALORES E UTOPIAS

Mesmo com tudo isso dito, é natural que não se imagine um contraponto a essa ascensão extremista por causa do medo do que vem por lá. Faltará amálgama deste lado do rio, neste caso. É também compreensível que seja doloroso para muita gente defender instituições que se reconhecem como tão pouco justas historicamente, em tantos aspectos. Contudo, ao assumir esse papel também se pode ganhar uma nova oportunidade de disputar a cultura e a história do futuro com a extrema direita rampante. Todas as vezes em que esses extremistas quiseram, foi permitido a eles perverterem as instituições e parte das histórias dos países, muitas vezes porque se permite a eles um debate sobre valores e utopias que a esquerda também teme. 

Desde que o Muro de Berlim caiu (e com ele a esperança de tantos comunistas), o mundo flertou com a ideia do fim da História e acreditou que aqueles soviéticos incômodos não tinham mais respostas a oferecer. Nesse momento, os dois lados do rio compraram o neoliberalismo. Contudo, com a mais recente crise do capitalismo, das cinzas dos ideais de Reagan e Thatcher, até pessoas que nem se imaginavam esquerdistas foram forçadas a admitir que aquela utopia era distópica, sendo então empurradas pelos fanáticos extremistas para junto dos comunistas. Se as instituições ditas liberais serviram na guerra fria contra o comunismo, se tornaram um estorvo descartável na fase final do neoliberalismo extremista. O que a extrema direita está chamando de esquerdismo no campo moral é oficialmente a agenda comum do capitalismo do século XXI. 

Assim, da mesma maneira que os esquerdistas que não gostam de instituições precisam aceitar a realidade que Lula contou em Porto Alegre, os democratas e centristas não podem mais fugir da realidade de que a utopia direitista os vê como comunistas. Nesse caso, volta-se outra vez para as instituições: se por insistência da extrema direita, estas instituições são de esquerda, por imperativo de realidade, os que as defendem assim serão reconhecidos e com esse universo semântico haverão de lidar. 

Isso significa que a estrutura atual será posta à prova perante essa Internacional Fascista e só se poderá mantê-la (como desejam os centristas), ou reformá-la (como deseja a esquerda institucional) caso se impedir que a extrema direita a imploda, ou a subverta para que não seja mais possível retornar sequer ao ponto em que estamos. À esquerda que quer revolução, caberá aceitar o realismo uma vez mais, ao menos pelo futuro tangível (afinal a ascensão do fascismo seria o seu fim não somente ideológico, como físico). 

Para além disso, se mostram também as oportunidades de voltar a debater as utopias de cada grupo, assunto que a extrema direita sempre adorou gastar em seus proselitismos. Hoje, no entanto, vivemos um raro momento em que as máscaras caíram. Se a utopia da esquerda era usada para assustar, pergunta-se hoje quão distante ela está de uma institucionalidade democrática, assumindo que essa possa funcionar como realmente foi desenhada. No caso brasileiro, quão mais claro precisa ser que a Constituição Cidadã, por exemplo, é um documento profundamente progressista? 

Essa realidade nos grita justamente para olharmos para a Internacional extremista do outro lado do rio, que está ativamente mostrando sua utopia. Qual é o futuro que estes extremistas desejam? Se esperarmos que eles dominem os poderes políticos para entender isso, jamais vamos compreendê-los fora de um verniz ideológico autocrático. Democratas, centristas, conservadores institucionais, esquerdistas institucionais (e até os revolucionários) devem se perguntar que valores devem representar as instituições atuais e porque vale a pena defendê-las. 

Afinal, do outro lado do rio, na Internacional Fascista, está hoje o sonho de Ronald Reagan e Margareth Thatcher. Não cabe mais dúvidas de que o mundo que estes líderes sonharam nas décadas de 1980 e 1990 é a atual Argentina de Milei, a Hungria de Orbán e talvez os EUA de Trump (ou o que restar de um país que parece estar se dissolvendo). Se o que você assiste vindo de lá te assusta, bem-vindo a este lado do rio. Não devemos permitir que uma vez mais nos convençam de que seus extremismos só trouxeram o bem para o mundo e que não são responsáveis pelo horror e pelo terrível. É no calor da história que fica claro quem defende o genocídio em Gaza, a fome e o desamparo dos trabalhadores, a desordem jurídica e institucional, a ditadura e a eliminação dos adversários 

Ah, mas será que não vão me aceitar do lado extremista do rio, se eu os ajudar? – A quem faz essa pergunta, não está aconselhado tentar a sorte. Basta que se veja historicamente quem são os primeiros a serem devorados pelo leão do fascismo, quando as barras da jaula que o segura são rompidas. Não existe apoio crítico ao extremismo, assim como ele não tem lado brando. Por isso, não convém renunciar às instituições tão facilmente. 

 

Fonte: Por Daniel Azevedo Muñoz, no Le Monde

 

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