sábado, 20 de abril de 2024

Comportamento médico: como isso influencia a assistência ao paciente?

Imagine a seguinte situação: o médico chega ao quarto de seu paciente e descobre que a administração do medicamento que prescreveu está atrasada. Um profissional sereno pergunta a alguém do time assistencial o que aconteceu e descobre que, como a medicação não é de uso rotineiro naquela área, teve de ser solicitada para a farmácia central e chegará em breve. Um profissional irritado não pergunta nada e, aos gritos, chama a equipe de enfermagem de incompetente e desleixada. No primeiro caso, temos um médico que reagiu com educação e respeito para com os demais profissionais envolvidos no cuidado do paciente. A segunda reação se encaixa nos chamados comportamentos disruptivos, que incluem incivilidade, abuso verbal, gritos e intimidações, entre outros. Atitudes desse tipo impactam o relacionamento, o espírito de equipe e de colaboração e, na ponta da linha, a qualidade da assistência e a segurança do paciente.

Um estudo com dados coletados de 1.559 médicos de um centro dos Estados Unidos mostrou que comportamentos disruptivos estavam associados a 27,3% dos quase-acidentes (ocorrências que poderiam ter levado a um erro ou evento adverso para o paciente) e a 12,5% dos eventos adversos graves. Segundo o médico e consultor norte-americano Alan H. Rosenstein, um estudioso do assunto, apenas de 3% a 5% do staff médico é disruptivo. No entanto, o potencial de reflexos negativos é grande porque contamina o ambiente de trabalho e destrói elementos-chave da qualidade e segurança assistencial.¹,²

Um hospital cria barreiras físicas, operacionais, processuais e procedimentos para evitar que riscos inerentes à atividade assistencial tornem-se eventos adversos, como a administração de um medicamento incorreto, uma infecção ou uma queda do paciente. Isso é prevenido por meio de uma série de camadas protetoras. Se uma for rompida, as demais deverão cumprir seu papel.

No entanto, pode entrar em cena a Teoria do Queijo Suíço, formulada pelo professor inglês de Psicologia James Reason para explicar as falhas de sistemas complexos (como é o da saúde). Cada barreira pode apresentar falhas (seria o buraco em uma fatia de queijo suíço). Quando os buracos das várias fatias (barreiras) se alinham, ocorre o acidente, no caso da saúde, um evento indesejado que afeta o paciente.

Como explica o Dr. Giancarlo Colombo, gerente de Prática Médica do Einstein, um comportamento médico inadequado pode eliminar algumas dessas barreiras. Por exemplo: mesmo que pense em fazer alguma observação que considere pertinente, qual profissional vai questionar o doutor que costuma dizer “não se mete, aqui quem manda sou eu!”.  A Dra. Andréa Novaes, coordenadora de Prática Médica, resume o que acontece: “As pessoas congelam, ficam com medo de dizer qualquer coisa”.

Como organizações de saúde podem lidar com os comportamentos disruptivos?

O primeiro ponto é deixar claro o que a organização espera. No Einstein, um dos itens das Regras Gerais (documento que norteia toda a atividade médica na organização, com os deveres e direitos das duas partes) explicita uma série de comportamentos não aceitáveis que levam à abertura de um processo administrativo. Entre eles, estão: agir de modo não profissional ou contrário aos bons costumes, atuar de forma a desabonar a reputação dos outros profissionais médicos e não médicos, e agir em detrimento da segurança dos pacientes, das equipes hospitalares ou dos visitantes.

Outro aspecto fundamental é criar um ambiente de segurança psicológica para que qualquer pessoa sinta-se confortável para comunicar comportamentos disruptivos, sem temer retaliações. No Einstein, isso pode ser feito, inclusive de forma anônima, por meio de uma ferramenta disponível inclusive na intranet. As notificações passam pela triagem do Grupo de Vigilância de Risco e, posteriormente, são encaminhadas para o Departamento de Prática Médica. Composto por médicos e enfermeiros, o grupo avalia cada caso conforme os critérios de uma “árvore de decisão” (tipo/gravidade do comportamento, se é a primeira vez ou não, em que circunstâncias ocorreu etc.).

Dependendo desse resultado, pode ser aberto um processo administrativo que será conduzido pelo Comitê Médico Executivo, integrado por diretores médicos do Einstein e médicos representantes do corpo clínico de forma paritária. O primeiro passo do Comitê é ouvir o profissional que teria incorrido em comportamento disruptivo. Depois, seus membros analisam os dados disponíveis e levantam outros por meio de entrevistas ou gravações das câmeras, por exemplo. Se a conclusão for de que houve mesmo um comportamento disruptivo, as medidas podem ir de um simples feedback até a suspensão do cadastro do médico por 15/30 dias ou de forma permanente, dependendo da gravidade da ocorrência.

Do ambiente familiar ao mundo corporativo, comportamentos inadequados são sempre nocivos. Quem tem um parente agressivo, que perde a compostura em qualquer discussão ou situação que o desagrade, ou quem já teve um “chefe carrasco”, que mina a confiança e o potencial das pessoas e da equipe, sabe do que estou falando. Em uma organização de saúde, médicos com comportamento intolerável semeiam riscos que, em última instância, poderão afetar justamente as pessoas das quais deveriam cuidar.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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