Comportamento médico: como isso influencia
a assistência ao paciente?
Imagine a seguinte situação:
o médico chega ao quarto de seu paciente e descobre que a administração do
medicamento que prescreveu está atrasada. Um profissional sereno pergunta a
alguém do time assistencial o que aconteceu e descobre que, como a medicação
não é de uso rotineiro naquela área, teve de ser solicitada para a farmácia
central e chegará em breve. Um profissional irritado não pergunta nada e, aos
gritos, chama a equipe de enfermagem de incompetente e desleixada. No primeiro
caso, temos um médico que reagiu com educação e respeito para com os demais
profissionais envolvidos no cuidado do paciente. A segunda reação se encaixa
nos chamados comportamentos disruptivos, que incluem incivilidade, abuso
verbal, gritos e intimidações, entre outros. Atitudes desse tipo impactam o
relacionamento, o espírito de equipe e de colaboração e, na ponta da linha, a
qualidade da assistência e a segurança do paciente.
Um estudo com dados
coletados de 1.559 médicos de um centro dos Estados Unidos mostrou que
comportamentos disruptivos estavam associados a 27,3% dos quase-acidentes
(ocorrências que poderiam ter levado a um erro ou evento adverso para o
paciente) e a 12,5% dos eventos adversos graves. Segundo o médico e consultor
norte-americano Alan H. Rosenstein, um estudioso do assunto, apenas de 3% a 5%
do staff médico é disruptivo. No entanto, o potencial de reflexos negativos é
grande porque contamina o ambiente de trabalho e destrói elementos-chave da
qualidade e segurança assistencial.¹,²
Um hospital cria
barreiras físicas, operacionais, processuais e procedimentos para evitar que
riscos inerentes à atividade assistencial tornem-se eventos adversos, como a
administração de um medicamento incorreto, uma infecção ou uma queda do
paciente. Isso é prevenido por meio de uma série de camadas protetoras. Se uma
for rompida, as demais deverão cumprir seu papel.
No entanto, pode
entrar em cena a Teoria do Queijo Suíço, formulada pelo professor inglês de
Psicologia James Reason para explicar as falhas de sistemas complexos (como é o
da saúde). Cada barreira pode apresentar falhas (seria o buraco em uma fatia de
queijo suíço). Quando os buracos das várias fatias (barreiras) se alinham,
ocorre o acidente, no caso da saúde, um evento indesejado que afeta o paciente.
Como explica o Dr.
Giancarlo Colombo, gerente de Prática Médica do Einstein, um comportamento
médico inadequado pode eliminar algumas dessas barreiras. Por exemplo: mesmo
que pense em fazer alguma observação que considere pertinente, qual
profissional vai questionar o doutor que costuma dizer “não se mete, aqui quem
manda sou eu!”. A Dra. Andréa Novaes,
coordenadora de Prática Médica, resume o que acontece: “As pessoas congelam,
ficam com medo de dizer qualquer coisa”.
Como organizações de
saúde podem lidar com os comportamentos disruptivos?
O primeiro ponto é
deixar claro o que a organização espera. No Einstein, um dos itens das Regras
Gerais (documento que norteia toda a atividade médica na organização, com os
deveres e direitos das duas partes) explicita uma série de comportamentos não
aceitáveis que levam à abertura de um processo administrativo. Entre eles,
estão: agir de modo não profissional ou contrário aos bons costumes, atuar de
forma a desabonar a reputação dos outros profissionais médicos e não médicos, e
agir em detrimento da segurança dos pacientes, das equipes hospitalares ou dos
visitantes.
Outro aspecto
fundamental é criar um ambiente de segurança psicológica para que qualquer
pessoa sinta-se confortável para comunicar comportamentos disruptivos, sem
temer retaliações. No Einstein, isso pode ser feito, inclusive de forma
anônima, por meio de uma ferramenta disponível inclusive na intranet. As
notificações passam pela triagem do Grupo de Vigilância de Risco e,
posteriormente, são encaminhadas para o Departamento de Prática Médica.
Composto por médicos e enfermeiros, o grupo avalia cada caso conforme os
critérios de uma “árvore de decisão” (tipo/gravidade do comportamento, se é a
primeira vez ou não, em que circunstâncias ocorreu etc.).
Dependendo desse
resultado, pode ser aberto um processo administrativo que será conduzido pelo
Comitê Médico Executivo, integrado por diretores médicos do Einstein e médicos
representantes do corpo clínico de forma paritária. O primeiro passo do Comitê
é ouvir o profissional que teria incorrido em comportamento disruptivo. Depois,
seus membros analisam os dados disponíveis e levantam outros por meio de
entrevistas ou gravações das câmeras, por exemplo. Se a conclusão for de que
houve mesmo um comportamento disruptivo, as medidas podem ir de um simples
feedback até a suspensão do cadastro do médico por 15/30 dias ou de forma
permanente, dependendo da gravidade da ocorrência.
Do ambiente familiar
ao mundo corporativo, comportamentos inadequados são sempre nocivos. Quem tem
um parente agressivo, que perde a compostura em qualquer discussão ou situação
que o desagrade, ou quem já teve um “chefe carrasco”, que mina a confiança e o
potencial das pessoas e da equipe, sabe do que estou falando. Em uma
organização de saúde, médicos com comportamento intolerável semeiam riscos que,
em última instância, poderão afetar justamente as pessoas das quais deveriam
cuidar.
Fonte: Futuro da Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário