Como Itaituba, no Pará, virou a capital
brasileira de lavagem de ouro ilegal
O ouro está nas ruas
de Itaituba. Ou melhor, nas placas de diversos estabelecimentos comerciais. A
quantidade surpreende quem é de fora e visita o município paraense pela
primeira vez. Mas para a população local, o comércio de ouro é tão banal quanto
carrinhos de cachorro-quente nas grandes metrópoles brasileiras. O metal é
soberano na cidade, mesmo aquele de origem suspeita.
Bruno Abbud e Michael
Dantas, pelo Sumaúma, visitaram Itaituba e
mostraram como a “capital do ouro” no Brasil se tornou também o centro de
esquemas de fraude que permitem a comercialização de ouro ilegal – a chamada
“lavagem de ouro”. Nela, o metal originário de áreas proibidas para exploração
mineral – como Unidades de Conservação e Terras Indígenas – é vendido como se
fosse de lavras autorizadas pelo governo federal.
A fraude vinha sendo
facilitada pela precariedade da fiscalização
por parte do poder público. As Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários
(DTVM), principais compradoras do ouro garimpado, podiam comprar o metal sem
ter a comprovação da legalidade de sua origem, fiando-se apenas na presunção da
“boa-fé” do vendedor.
Além disso, como as
notas fiscais eram físicas, isso facilitava a falsificação das informações, em
especial sobre as permissões de lavra garimpeira (PLG). Algumas propriedades
autorizadas para exploração de ouro são, na prática, improdutivas e acabam servindo
para mascarar o metal retirado de áreas de floresta desmatada. Muitas dessas
áreas com PLG inativas ficam em Itaituba.
“Itaituba concentrava
em 2021 quase 50% das PLG do país. Há na cidade farta disponibilidade de
processos minerários para lavar o ouro – e para lavar o ouro você precisa de
PLG”, explicou o pesquisador Rodrigo Oliveira, coautor do estudo Terra Rasgada,
que analisou o avanço do garimpo ilegal no Brasil. “[O município] é a cidade
que mais tem postos de compra de ouro autorizados pelo Banco Central [23]”.
Operações recentes da
Polícia Federal e do Ministério Público Federal reforçaram essas suspeitas. Em
diversas ações empreendidas em áreas de exploração ilegal de ouro, como na
Terra Indígena Yanomami, em Roraima, os agentes identificaram um
grande fluxo de dinheiro vindo de Itaituba, referente provavelmente a
pagamentos feitos pelas DTVM do município para garimpeiros da região.
Medidas recentes do
governo federal apertaram o cerco à lavagem de ouro. Primeiro, a presunção da
boa-fé, que já tinha sido suspensa pelo Supremo
Tribunal Federal, não é mais aplicável na comercialização de ouro. Outra
resposta foi a modernização da documentação fiscal referente a compra e venda
de ouro, agora com nota fiscal digital.
Outros obstáculos
persistem. Com os preços internacionais aquecidos, a demanda por ouro é
crescente, o que incentiva a extração ilegal, já que o metal é vendido a um
preço mais baixo do que aquele retirado de forma legal. E há participação de
empresas de mineração em esquemas de garimpo ilegal, como tem sido documentado
em investigações recentes da PF.
Ø Indígenas Zoró denunciam aumento de ameaças com chegada de
garimpeiros
Lideranças indígenas
zoró denunciam o aumento de ameaças e violências em seu território, localizado
próximo ao município de Rondolândia (MT). As agressões teriam se intensificado
desde que a Agência Nacional de Mineração (ANM) autorizou a entrada de garimpeiros
no local, em janeiro deste ano. Os indígenas já sofriam com a exploração de
madeira ilegal e, agora, veem o aumento do número de não indígenas à procura de
ouro e diamante como um novo desafio a ser enfrentado.
De acordo com a ANM,
os garimpeiros começaram a circular pelo território em 15 de março deste ano.
Contudo, os próprios indígenas já tinham denunciado a presença deles em
dezembro de 2023.
Conforme apurou a
Agência Brasil, o alvará de pesquisa – documento concedido pela ANM para a
realização de trabalhos para definir uma jazida – foi apresentado em 2021 e foi
aprovado somente em janeiro deste ano. Com validade até janeiro de 2027
(podendo ser prorrogado por mais quatro anos), o alvará foi concedido à Quiuqui
Mineração Ltda, registrada como atuante no ramo de extração de areia e cascalho
e atualmente com CNPJ baixado, ou seja, que indica encerramento de atividades.
A autorização libera o livre trânsito de garimpeiros por 195 hectares do
território. A Terra Indígena Zoró tem 356 mil hectares de área total.
O documento foi
concedido pelo gerente da ANM no estado, Levi Saliés Filho – designado ao cargo
em novembro de 2021, pouco antes de o requerimento para obtenção do alvará de
pesquisa ser apresentado.
Em 2022, o governo de
Jair Bolsonaro modificou a legislação e estendeu a validade de autorizações
como o alvará de pesquisa. A alteração foi feita pela Lei nº 14.514, que
garantiu concessões de quatro anos aos garimpeiros e mineradoras, prorrogáveis
por igual período. A norma alterou diversos aspectos do chamado Código de
Mineração.
·
Operações sem efeito
Os zoró pangyjej tem,
atualmente, uma população de cerca de 700 pessoas, que vivem em 32 aldeias.
Lideranças denunciam aumento do grau de tensão com a chegada de garimpeiros e
madeireiros que têm invadido áreas de usufruto exclusivo dos indígena. Para o enfrentamento
às atividades ilegais e a retirada de invasores, eles afirmam depender de um
esquema que considere as terras indígenas adjacentes, como as dos cinta larga e
surui paiter.
Um problema adicional,
no caso dos zoró, é o aliciamento de membros das aldeias por garimpeiros e
madeireiros.
O coordenador regional
da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em Ji-Paraná, Leandro Mangã
Arara, confirma que esse é um dos principais obstáculos.
Segundo ele, com
frequência, os zoró conectados com os invasores vazam informações sobre as
operações das forças de segurança, como a que a Polícia Federal e o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
realizaram em meados de fevereiro deste ano. Em nota, divulgada à época da
operação, a PF afirmou que “durante a incursão foram verificados diversos
pontos de desmatamento, com corte raso e queimada, porém, não foram encontradas
extração ilegal de madeira ou atividade de garimpo no momento da operação”.
“A gente sabe que é
muito complexa a situação e que não vale a pena só ir lá e voltar e, sim, fazer
uma operação que venha de fato a surtir efeito”, afirma Mangã Arara.
O coordenador da Funai
destaca ainda o desfalque de pessoal como um problema a ser solucionado. “A
gente está com falta de servidor e isso acaba dificultando nosso trabalho. O
transporte também tem limitado muito nosso serviço. Mas a gente está aqui para
tentar reverter essa situação e tentar resolver, para que nosso trabalho
consiga surtir efeitos, principalmente lá na TI Zoró, que é muito grande e tem
se intensificado mais ao longo dos anos”, pontua, revelando que tem improvisado
soluções como puxar para seu quadro funcional servidores de outros órgãos e
instituições públicas.
“Não é de agora essa
situação [no território zoró], é de longa data, só tem se agravado. A gente tem
recebido informações deles [os líderes zoró] e tentado acionar as autoridades
competentes, para que consiga resolver ou pelo menos minimizar a situação”,
emenda.
·
Com um alvo no corpo
Diversas lideranças
zoró que denunciam o que se passa em seu território continuam sob a mira de
madeireiros e garimpeiros. Um dos líderes zoró teve o carro incendiado pelos
invasores, no dia 29 de março.
Os indígenas relatam
que o automóvel parou de funcionar quando o líder fazia o trajeto até a zona
urbana para fazer compras. Ele se deslocava à noite e, com a pane, acabou
pegando carona depois de abandonar o automóvel a muitos quilômetros de sua
aldeia. Pela manhã, recebeu de amigos mensagens com fotos de seu carro
destruído pelas chamas.
No dia seguinte, dois
homens armados foram à aldeia procurando pelo líder.
“A gente precisa de um
posicionamento dos órgãos competentes sobre o que está acontecendo ultimamente.
A situação está ficando cada vez mais difícil”, afirmou uma das lideranças
ouvidas pela reportagem e que pediu para não ser identificada.
Uma das sugestões dos
zoró é a instalação de, pelo menos, duas bases de vigilância permanente na TI,
nos moldes das existentes na Terra Indígena Sararé, também situada no estado de
Mato Grosso. Uma proposta nesse sentido foi encaminhada à Funai, mas não foi
acatada pela autarquia.
Vítimas da atividade minerária
Somente em 2022, o
Brasil registrou 932 conflitos por mineração, segundo o relatório do Comitê
Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, divulgado em dezembro
de 2023. Os indígenas estão entre os grupos mais afetados (15,1%). Naquele ano,
pelo menos 155.983 indígenas sofreram as consequências dos conflitos gerados
pela mineração, estando envolvidos em 141 ocorrências, sendo mais da metade
delas (55%) travadas com garimpeiros.
·
Outro lado
A Agência Brasil
tentou contato com o gerente da ANM no Mato Grosso, Levi Saliès Filho, e com a
empresa mineradoraa, mas não teve retorno de nenhum deles. A reportagem também
procurou a Funai, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério
dos Povos Indígenas, mas ainda não obteve retorno.
Ø “Se eles não nos deixam sonhar, a gente também não os deixa
dormir”. Por Roberto Antoni Liebgott e Ivan Cesar Lima
Havia sobre o governo
Lula III uma enorme expectativa em relação à garantia dos direitos indígenas.
Os povos, os aliados da causa, organismos nacionais e internacionais,
instituições das mais diferentes denominações vinculadas aos direitos humanos,
confiavam nas boas intenções anunciadas – antes e durante a posse.
Como prometido, foi
criado o Ministério dos Povos Indígenas e apresentou-se uma série de acordos
para a composição da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da
Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), com lideranças indígenas ou
pessoas de sua confiança, para, finalmente, executar políticas que atendessem
às necessidades e aos direitos, há tantas décadas negados.
Pois bem, o tempo
avança muito apressadamente, e os caminhos se fecham densamente. Não se
vislumbram alterações significativas no cotidiano das vidas indígenas. As
terras, tão desejadas, sonhadas, ancestralizadas, rezadas e cuidadas,
permanecem no limbo, à espera por demarcações. E as áreas demarcadas continuam,
abusadamente, invadidas, deterioradas e consumidas pelos mercadores do ouro, do
boi, da soja, da madeira, dos minérios, das barragens, do carbono e das
inúmeras outras formas de esbulho e destruição.
E para piorar o drama
da espera, as dores não cessam. Matam, agridem, ameaçam e segue-se a
desassistência como marca estampada nos corpos e territórios. Em Roraima, o
drama da invasão de garimpeiros persiste, e eles continuam devastando e
assassinando. As realidades de fome, desnutrição, malária e tuberculose são uma
constante. Em Mato Grosso do Sul, permanece o drama de comunidades vivendo em
minúsculos pedaços de terra, ou à beira de rodovias. E não vemos, no âmbito do
governo federal, iniciativas no sentido de mudar essa realidade, assumindo que
os povos têm direitos constitucionais e que estes não podem ser relativizados
ou negociados. Ou seja, é necessário superar a fase das promessas, das boas
intenções, dos sorrisos e dos discursos para estrangeiro ver.
O presidente Lula, por
exemplo, em discurso proferido aos ruralistas de Mato Grosso do Sul, onde
também estava o governador Riedel, disse que é preciso recuperar a dignidade
dos Guarani que vivem na beira da estrada – lá perto de Dourados – mendigando
terra, direito e liberdade. E para dar uma solução a esse problema, o
presidente propôs ao governador Riedel que entre eles se faça uma sociedade.
Pediu ao governador que ele encontre fazendas que possam ser compradas e que
ele, Lula, pagaria por elas e as destinaria aos indígenas.
Com esse discurso,
Lula se coloca como alguém com posses ou poder para, de forma solidária,
recuperar a dignidade daquela gente Guarani. O “nobre gesto” se concretizaria
mediante uma sociedade com os ruralistas que governam Mato Grosso do Sul.
Esse filme já passou
outras vezes. Essas falas – falaciosas – já ocorreram entre os de cima da
pirâmide. Mas nunca houve a tal compra de fazendas e não retiraram os Guarani
da beira de estradas. Ao contrário, deixam morrer, assim como morreu a líder
Damiana, do Apikay.
O presidente da
República parece não entender que direitos não são negociáveis, não são
comprados. Ele não entende, ou sequer sabe o que significa terra, território,
tekó e tekohá para os Guarani. Ele acredita mesmo que os discursos entre os
ricos e poderosos trará uma solução aos Guarani e aos demais povos indígenas?
Presidente Lula, as
comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul reivindicam terras ancestrais,
terras onde seus antepassados estão enterrados. E não abrem mão delas.
Presidente, as comunidades indígenas requerem ínfimas parcelas de terras
naquele estado, assim como em outras unidades da federação. E Vossa Excelência
não é ingênuo, sabe que não há, da parte dos ruralistas, nenhuma intenção em
ver as comunidades nos seus territórios demarcados.
Presidente Lula,
lembremos o que disse Eliseu Guarani-Kaiowá: “No Mato Grosso do Sul, o boi vale
mais que uma criança indígena, o pé de soja vale mais que o pé de cedro”. E,
ainda, lembremos também do seu recado dado anos atrás: “Se eles não nos deixam
sonhar, a gente também não os deixa dormir”.
No fundo, o presidente
sabe, ou pelo menos deveria saber, que a proposta de compra de terras dá
sustentação aos fundamentos da Lei 14.701/2023 – do marco temporal e da
exploração indiscriminada das terras indígenas. Ele sabe que esse discurso será
lido como um sinal aos ruralistas para pressionarem os ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) no sentido de que não se apressem em julgar as ações que
pedem a inconstitucionalidade da lei.
Precisamos também nós,
apoiadores e apoiadoras da causa indígena, incidir, sem cessar, junto ao STF
para que julgue a lei genocida do marco temporal. E precisamos criticar,
devemos protestar e dizer que esses arranjos com a bancada ruralista matam,
assim como mataram a líder Damiana que vivia na beira da estrada, perto de
Dourados.
Devemos lembrar e
enfatizar que os ministros da Suprema Corte do país julgaram como
inconstitucional a tese do marco temporal. Que eles, numa ampla maioria, deram
legitimidade ao indigenato – sustentando os argumentos de que os povos
indígenas, primeiros habitantes destas terras, são originários, portanto, os
direitos deles à terra e ao seu usufruto devem ser apenas declarados (Art. 231
da Constituição Federal de 1988), porque são pré-existentes, ou seja, existiam
antes dos colonizadores chegarem com suas espadas, cruzes, doenças e ambição.
Urge, portanto, que o
Supremo Tribunal Federal tome para si, outra vez, o dever de solucionar a
discussão jurídica relativa ao marco temporal, declarando a
inconstitucionalidade da Lei 14.701, dando à administração pública a segurança
necessária para exercer seus serviços e a garantia aos povos indígenas de que
poderão continuar sendo amparados pela Constituição, sem subterfúgios ou falsas
soluções compensatórias aos seus direitos fundamentais.
Fonte:
ClimaInfo/Agencia Brasil/Cimi
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