quinta-feira, 18 de abril de 2024

Como Itaituba, no Pará, virou a capital brasileira de lavagem de ouro ilegal

O ouro está nas ruas de Itaituba. Ou melhor, nas placas de diversos estabelecimentos comerciais. A quantidade surpreende quem é de fora e visita o município paraense pela primeira vez. Mas para a população local, o comércio de ouro é tão banal quanto carrinhos de cachorro-quente nas grandes metrópoles brasileiras. O metal é soberano na cidade, mesmo aquele de origem suspeita.

Bruno Abbud e Michael Dantas, pelo Sumaúma, visitaram Itaituba e mostraram como a “capital do ouro” no Brasil se tornou também o centro de esquemas de fraude que permitem a comercialização de ouro ilegal – a chamada “lavagem de ouro”. Nela, o metal originário de áreas proibidas para exploração mineral – como Unidades de Conservação e Terras Indígenas – é vendido como se fosse de lavras autorizadas pelo governo federal.

A fraude vinha sendo facilitada pela precariedade da fiscalização por parte do poder público. As Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), principais compradoras do ouro garimpado, podiam comprar o metal sem ter a comprovação da legalidade de sua origem, fiando-se apenas na presunção da “boa-fé” do vendedor.

Além disso, como as notas fiscais eram físicas, isso facilitava a falsificação das informações, em especial sobre as permissões de lavra garimpeira (PLG). Algumas propriedades autorizadas para exploração de ouro são, na prática, improdutivas e acabam servindo para mascarar o metal retirado de áreas de floresta desmatada. Muitas dessas áreas com PLG inativas ficam em Itaituba.

“Itaituba concentrava em 2021 quase 50% das PLG do país. Há na cidade farta disponibilidade de processos minerários para lavar o ouro – e para lavar o ouro você precisa de PLG”, explicou o pesquisador Rodrigo Oliveira, coautor do estudo Terra Rasgada, que analisou o avanço do garimpo ilegal no Brasil. “[O município] é a cidade que mais tem postos de compra de ouro autorizados pelo Banco Central [23]”.

Operações recentes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal reforçaram essas suspeitas. Em diversas ações empreendidas em áreas de exploração ilegal de ouro, como na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, os agentes identificaram um grande fluxo de dinheiro vindo de Itaituba, referente provavelmente a pagamentos feitos pelas DTVM do município para garimpeiros da região.

Medidas recentes do governo federal apertaram o cerco à lavagem de ouro. Primeiro, a presunção da boa-fé, que já tinha sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, não é mais aplicável na comercialização de ouro. Outra resposta foi a modernização da documentação fiscal referente a compra e venda de ouro, agora com nota fiscal digital.

Outros obstáculos persistem. Com os preços internacionais aquecidos, a demanda por ouro é crescente, o que incentiva a extração ilegal, já que o metal é vendido a um preço mais baixo do que aquele retirado de forma legal. E há participação de empresas de mineração em esquemas de garimpo ilegal, como tem sido documentado em investigações recentes da PF.

 

Ø  Indígenas Zoró denunciam aumento de ameaças com chegada de garimpeiros

 

Lideranças indígenas zoró denunciam o aumento de ameaças e violências em seu território, localizado próximo ao município de Rondolândia (MT). As agressões teriam se intensificado desde que a Agência Nacional de Mineração (ANM) autorizou a entrada de garimpeiros no local, em janeiro deste ano. Os indígenas já sofriam com a exploração de madeira ilegal e, agora, veem o aumento do número de não indígenas à procura de ouro e diamante como um novo desafio a ser enfrentado.

De acordo com a ANM, os garimpeiros começaram a circular pelo território em 15 de março deste ano. Contudo, os próprios indígenas já tinham denunciado a presença deles em dezembro de 2023.

Conforme apurou a Agência Brasil, o alvará de pesquisa – documento concedido pela ANM para a realização de trabalhos para definir uma jazida – foi apresentado em 2021 e foi aprovado somente em janeiro deste ano. Com validade até janeiro de 2027 (podendo ser prorrogado por mais quatro anos), o alvará foi concedido à Quiuqui Mineração Ltda, registrada como atuante no ramo de extração de areia e cascalho e atualmente com CNPJ baixado, ou seja, que indica encerramento de atividades. A autorização libera o livre trânsito de garimpeiros por 195 hectares do território. A Terra Indígena Zoró tem 356 mil hectares de área total.

O documento foi concedido pelo gerente da ANM no estado, Levi Saliés Filho – designado ao cargo em novembro de 2021, pouco antes de o requerimento para obtenção do alvará de pesquisa ser apresentado.

Em 2022, o governo de Jair Bolsonaro modificou a legislação e estendeu a validade de autorizações como o alvará de pesquisa. A alteração foi feita pela Lei nº 14.514, que garantiu concessões de quatro anos aos garimpeiros e mineradoras, prorrogáveis por igual período. A norma alterou diversos aspectos do chamado Código de Mineração.

·        Operações sem efeito

Os zoró pangyjej tem, atualmente, uma população de cerca de 700 pessoas, que vivem em 32 aldeias. Lideranças denunciam aumento do grau de tensão com a chegada de garimpeiros e madeireiros que têm invadido áreas de usufruto exclusivo dos indígena. Para o enfrentamento às atividades ilegais e a retirada de invasores, eles afirmam depender de um esquema que considere as terras indígenas adjacentes, como as dos cinta larga e surui paiter.

Um problema adicional, no caso dos zoró, é o aliciamento de membros das aldeias por garimpeiros e madeireiros.

O coordenador regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em Ji-Paraná, Leandro Mangã Arara, confirma que esse é um dos principais obstáculos.

Segundo ele, com frequência, os zoró conectados com os invasores vazam informações sobre as operações das forças de segurança, como a que a Polícia Federal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizaram em meados de fevereiro deste ano. Em nota, divulgada à época da operação, a PF afirmou que “durante a incursão foram verificados diversos pontos de desmatamento, com corte raso e queimada, porém, não foram encontradas extração ilegal de madeira ou atividade de garimpo no momento da operação”.

“A gente sabe que é muito complexa a situação e que não vale a pena só ir lá e voltar e, sim, fazer uma operação que venha de fato a surtir efeito”, afirma Mangã Arara.

O coordenador da Funai destaca ainda o desfalque de pessoal como um problema a ser solucionado. “A gente está com falta de servidor e isso acaba dificultando nosso trabalho. O transporte também tem limitado muito nosso serviço. Mas a gente está aqui para tentar reverter essa situação e tentar resolver, para que nosso trabalho consiga surtir efeitos, principalmente lá na TI Zoró, que é muito grande e tem se intensificado mais ao longo dos anos”, pontua, revelando que tem improvisado soluções como puxar para seu quadro funcional servidores de outros órgãos e instituições públicas.

“Não é de agora essa situação [no território zoró], é de longa data, só tem se agravado. A gente tem recebido informações deles [os líderes zoró] e tentado acionar as autoridades competentes, para que consiga resolver ou pelo menos minimizar a situação”, emenda.

·        Com um alvo no corpo

Diversas lideranças zoró que denunciam o que se passa em seu território continuam sob a mira de madeireiros e garimpeiros. Um dos líderes zoró teve o carro incendiado pelos invasores, no dia 29 de março.

Os indígenas relatam que o automóvel parou de funcionar quando o líder fazia o trajeto até a zona urbana para fazer compras. Ele se deslocava à noite e, com a pane, acabou pegando carona depois de abandonar o automóvel a muitos quilômetros de sua aldeia. Pela manhã, recebeu de amigos mensagens com fotos de seu carro destruído pelas chamas.

No dia seguinte, dois homens armados foram à aldeia procurando pelo líder.

“A gente precisa de um posicionamento dos órgãos competentes sobre o que está acontecendo ultimamente. A situação está ficando cada vez mais difícil”, afirmou uma das lideranças ouvidas pela reportagem e que pediu para não ser identificada.

Uma das sugestões dos zoró é a instalação de, pelo menos, duas bases de vigilância permanente na TI, nos moldes das existentes na Terra Indígena Sararé, também situada no estado de Mato Grosso. Uma proposta nesse sentido foi encaminhada à Funai, mas não foi acatada pela autarquia.
Vítimas da atividade minerária

Somente em 2022, o Brasil registrou 932 conflitos por mineração, segundo o relatório do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, divulgado em dezembro de 2023. Os indígenas estão entre os grupos mais afetados (15,1%). Naquele ano, pelo menos 155.983 indígenas sofreram as consequências dos conflitos gerados pela mineração, estando envolvidos em 141 ocorrências, sendo mais da metade delas (55%) travadas com garimpeiros.

·        Outro lado

A Agência Brasil tentou contato com o gerente da ANM no Mato Grosso, Levi Saliès Filho, e com a empresa mineradoraa, mas não teve retorno de nenhum deles. A reportagem também procurou a Funai, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério dos Povos Indígenas, mas ainda não obteve retorno.

 

Ø  “Se eles não nos deixam sonhar, a gente também não os deixa dormir”. Por Roberto Antoni Liebgott e Ivan Cesar Lima

 

Havia sobre o governo Lula III uma enorme expectativa em relação à garantia dos direitos indígenas. Os povos, os aliados da causa, organismos nacionais e internacionais, instituições das mais diferentes denominações vinculadas aos direitos humanos, confiavam nas boas intenções anunciadas – antes e durante a posse.

Como prometido, foi criado o Ministério dos Povos Indígenas e apresentou-se uma série de acordos para a composição da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), com lideranças indígenas ou pessoas de sua confiança, para, finalmente, executar políticas que atendessem às necessidades e aos direitos, há tantas décadas negados.

Pois bem, o tempo avança muito apressadamente, e os caminhos se fecham densamente. Não se vislumbram alterações significativas no cotidiano das vidas indígenas. As terras, tão desejadas, sonhadas, ancestralizadas, rezadas e cuidadas, permanecem no limbo, à espera por demarcações. E as áreas demarcadas continuam, abusadamente, invadidas, deterioradas e consumidas pelos mercadores do ouro, do boi, da soja, da madeira, dos minérios, das barragens, do carbono e das inúmeras outras formas de esbulho e destruição.

E para piorar o drama da espera, as dores não cessam. Matam, agridem, ameaçam e segue-se a desassistência como marca estampada nos corpos e territórios. Em Roraima, o drama da invasão de garimpeiros persiste, e eles continuam devastando e assassinando. As realidades de fome, desnutrição, malária e tuberculose são uma constante. Em Mato Grosso do Sul, permanece o drama de comunidades vivendo em minúsculos pedaços de terra, ou à beira de rodovias. E não vemos, no âmbito do governo federal, iniciativas no sentido de mudar essa realidade, assumindo que os povos têm direitos constitucionais e que estes não podem ser relativizados ou negociados. Ou seja, é necessário superar a fase das promessas, das boas intenções, dos sorrisos e dos discursos para estrangeiro ver.

O presidente Lula, por exemplo, em discurso proferido aos ruralistas de Mato Grosso do Sul, onde também estava o governador Riedel, disse que é preciso recuperar a dignidade dos Guarani que vivem na beira da estrada – lá perto de Dourados – mendigando terra, direito e liberdade. E para dar uma solução a esse problema, o presidente propôs ao governador Riedel que entre eles se faça uma sociedade. Pediu ao governador que ele encontre fazendas que possam ser compradas e que ele, Lula, pagaria por elas e as destinaria aos indígenas.

Com esse discurso, Lula se coloca como alguém com posses ou poder para, de forma solidária, recuperar a dignidade daquela gente Guarani. O “nobre gesto” se concretizaria mediante uma sociedade com os ruralistas que governam Mato Grosso do Sul.

Esse filme já passou outras vezes. Essas falas – falaciosas – já ocorreram entre os de cima da pirâmide. Mas nunca houve a tal compra de fazendas e não retiraram os Guarani da beira de estradas. Ao contrário, deixam morrer, assim como morreu a líder Damiana, do Apikay.

O presidente da República parece não entender que direitos não são negociáveis, não são comprados. Ele não entende, ou sequer sabe o que significa terra, território, tekó e tekohá para os Guarani. Ele acredita mesmo que os discursos entre os ricos e poderosos trará uma solução aos Guarani e aos demais povos indígenas?

Presidente Lula, as comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul reivindicam terras ancestrais, terras onde seus antepassados estão enterrados. E não abrem mão delas. Presidente, as comunidades indígenas requerem ínfimas parcelas de terras naquele estado, assim como em outras unidades da federação. E Vossa Excelência não é ingênuo, sabe que não há, da parte dos ruralistas, nenhuma intenção em ver as comunidades nos seus territórios demarcados.

Presidente Lula, lembremos o que disse Eliseu Guarani-Kaiowá: “No Mato Grosso do Sul, o boi vale mais que uma criança indígena, o pé de soja vale mais que o pé de cedro”. E, ainda, lembremos também do seu recado dado anos atrás: “Se eles não nos deixam sonhar, a gente também não os deixa dormir”.

No fundo, o presidente sabe, ou pelo menos deveria saber, que a proposta de compra de terras dá sustentação aos fundamentos da Lei 14.701/2023 – do marco temporal e da exploração indiscriminada das terras indígenas. Ele sabe que esse discurso será lido como um sinal aos ruralistas para pressionarem os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que não se apressem em julgar as ações que pedem a inconstitucionalidade da lei.

Precisamos também nós, apoiadores e apoiadoras da causa indígena, incidir, sem cessar, junto ao STF para que julgue a lei genocida do marco temporal. E precisamos criticar, devemos protestar e dizer que esses arranjos com a bancada ruralista matam, assim como mataram a líder Damiana que vivia na beira da estrada, perto de Dourados.

Devemos lembrar e enfatizar que os ministros da Suprema Corte do país julgaram como inconstitucional a tese do marco temporal. Que eles, numa ampla maioria, deram legitimidade ao indigenato – sustentando os argumentos de que os povos indígenas, primeiros habitantes destas terras, são originários, portanto, os direitos deles à terra e ao seu usufruto devem ser apenas declarados (Art. 231 da Constituição Federal de 1988), porque são pré-existentes, ou seja, existiam antes dos colonizadores chegarem com suas espadas, cruzes, doenças e ambição.

Urge, portanto, que o Supremo Tribunal Federal tome para si, outra vez, o dever de solucionar a discussão jurídica relativa ao marco temporal, declarando a inconstitucionalidade da Lei 14.701, dando à administração pública a segurança necessária para exercer seus serviços e a garantia aos povos indígenas de que poderão continuar sendo amparados pela Constituição, sem subterfúgios ou falsas soluções compensatórias aos seus direitos fundamentais.

 

Fonte: ClimaInfo/Agencia Brasil/Cimi

 

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