Cinco
pontos para uma discussão séria sobre a 'ditadura do Xandão'
AO
LONGO DE UMA SEMANA, um consórcio entre Bolsonaristas, “jornalistas
investigativos” e o bilionário Elon Musk chacoalhou a cena pública brasileira.
Tudo
começou quando os tais “jornalistas” publicaram registros banais da diretoria
jurídica da plataforma X, ex-Twitter, cujo sentido manipularam para sugerir que
o Brasil vive uma ditadura judicial, comandada pelo Ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Depois, o dono da plataforma,
Musk, resolveu desafiar pessoalmente Moraes, chamando-o de “censor” e dizendo
que ele deveria “renunciar ou sofrer um impeachment”.
Moraes
resolveu não deixar barato e colocou Musk entre os investigados no inquérito
das milícias digitais, que dirige no STF. E bolsonaristas aproveitaram o circo,
promovendo audiências públicas e campanhas digitais contra Moraes.
Os
métodos da turma não são inéditos. Contam mentiras, mobilizam instituições,
atraem cobertura da mídia e, a partir de tudo isso, naturalizam suas teses, por
mais absurdas que sejam. Um dos tais “jornalistas” disse ter documentos
provando que Moraes havia ameaçado um advogado do X. Depois, disse ter se
equivocado.
Musk
disse que Moraes tinha controle sobre Lula, pois havia sido responsável pela
soltura do presidente. Mais uma mentira; Moraes deu voto contra Lula no
julgamento de um habeas corpus no STF.
A
própria centralidade que se atribuiu a Moraes na divulgação dos tais Twitter
files é falaciosa. Os arquivos traziam uma variedade de casos em que a
plataforma X, ex-Twitter foi demandada a excluir postagens, suspender perfis,
ou fornecer dados de usuários.
Num
deles, o pedido veio do legislativo federal, na CPI das fake news; no outro, do
Ministério Público de São Paulo; em alguns outros, de agentes privados que se
sentiram caluniados ou injuriados por publicações de terceiros.
Outros
tantos casos dizem respeito a decisões da Justiça Eleitoral. Moraes presidiu o
TSE em 2022, mas as decisões foram validadas pelo plenário do Tribunal e
atingiram tanto perfis engajados na campanha de Bolsonaro, como na de Lula.
Em
17 de setembro de 2022, a Folha noticiou que o Tribunal
ordenou a remoção de postagens que atribuíam a Bolsonaro um homicídio ocorrido
em briga política no Mato Grosso. Entre as contas afetadas estavam a da
presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Em
24 de outubro do mesmo ano, o mesmo jornal noticiou que o Tribunal
mandou remover posts alegando que Bolsonaro reduziria o salário-mínimo. Entre
as contas afetadas estavam as de André Janones, do Avante de Minas Gerais, da
deputada federal e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, da CUT, do PT, do senador
Humberto Costa, do PT pernambucano, das deputadas federais Jandira Feghali, do
PCdoB fluminense, e Erika Kokay, do PT do DF, e dos perfis no Twitter
@ThiagoResiste e @tesoureiros.
Nada
disso importa; ao final das investidas, o consórcio conseguiu o que queria. As
deliberações sobre o PL 2630, que visa regular plataformas, foram suspensas na
Câmara dos Deputados.
E
vozes importantes fora do Bolsonarismo passaram a repercutir a tese da
“ditadura judicial,” a exemplo do jornal Folha de São Paulo que, em editorial, pediu um
basta à “censura promovida por Moraes”.
Tudo
isso é ótimo para os membros do consórcio. Extremistas ficam mais longe da
responsabilização se qualquer decisão judicial sobre seus abusos de expressão
ficar reduzida à “ditadura do Xandão”; Musk pode continuar transformando o
ex-Twitter numa mina de discursos de ódio e desinformação; e os “jornalistas
investigativos” já passam o pires buscando apoio para a sua “luta pela
liberdade de expressão”. Se arrecadarem 10% do que Bolsonaro arrecadou em
semelhante campanha, já podem contar com R$ 1,7 milhão.
Para
todos os demais, é preciso insistir em ao menos quatro pontos básicos.
Primeiro, o
Brasil não tem nada parecido com a primeira emenda da Constituição dos EUA, e a
“liberdade de expressão” encontra limites na proteção de outros bens jurídicos
individuais, como a honra, ou coletivos, como a segurança e o equilíbrio eleitoral.
Segundo, o
judiciário tem total direito de determinar o bloqueio a perfis e postagens.
Isso pode se dar legalmente em três casos:
I)
quando perfis ou postagens forem meio para o cometimento continuado de
ilícitos – desde eleitorais e contra o estado democrático de direito, até casos
seríssimos como pedofilia, exploração sexual de crianças e adolescentes e
incitação de violência em escolas;
II)
como alternativa a prisão preventiva, que se justifica para a “garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou
para assegurar a aplicação da lei penal”; e
III)
entre os poderes gerais de cautela, atribuídos a juízes pela lei processual.
Embora
seja possível pensar em exemplos de postagens ou contas de bolsonaristas que
foram banidas e que não se encaixam nessas hipóteses, é muito fácil pensar em
postagens ou contas que se encaixam.
Terceiro, é
verdade que Moraes precisa “pousar o avião” que pilota em inquéritos como o das
milícias digitais. Isso significa relatar os tais inquéritos, individualizando
responsabilidades e, se for o caso, inclusive remetendo autos para instâncias inferiores.
Quarto, nesse
estágio, é preciso que outros atores assumam maiores responsabilidades pelo
combate às fake news e a proteção da democracia. Incluem-se nisso desde a
Procuradoria Geral de República que, ausente no governo Bolsonaro, teve seu
espaço ocupado por Moraes, até outros Ministros do STF – que devem se tornar
instrutores das ações penais decorrentes dos inquéritos – e o Congresso
Nacional.
Quinto, e
falando em Congresso, seria muito melhor que o país adotasse uma legislação que
permitisse o controle agregado de conteúdos ilícitos, o que o PL 2.630 buscava
fazer, atribuindo às plataformas um “dever de cuidado” em relação às postagens
que veiculam, de forma semelhante ao que já faz a União Europeia.
Isso
jamais significaria sujeitar indivíduos, grupos ou empresas a qualquer
“censura”. De um lado, porque a Constituição brasileira prevê que entes
privados também têm obrigação de respeitar direitos humanos – a chamada
eficácia horizontal de direitos fundamentais.
De
outro, porque casos extremos ainda poderiam ser levados ao Judiciário, que
refinaria os parâmetros para o entendimento da “liberdade de expressão”.
A
falta de legislação inverte os termos da equação. O judiciário precisa ser
mobilizado no varejo e fica mais exposto, já que muitas vezes tem que reiterar
decisões já tomadas, mas que são desrespeitadas.
Em
suma, deve-se cobrar de Moraes – como se poderia fazer em relação a qualquer
juiz – que explicite os ilícitos cometidos por alvos de exclusão de postagens
ou bloqueios de perfil, explique as por quais razões entende serem necessárias
essas medidas e conclua a relatoria dos inquéritos que conduz.
Mas
não se pode ignorar noções básicas do direito brasileiro, abraçar uma
compreensão absolutista da “liberdade de expressão” que nunca fez parte da
nossa cultura político-jurídica e negar a necessidade de superarmos a nossa
precariedade legislativa num tema que se tornou tão caro para a democracia e a
sociabilidade em geral – o poder das plataformas que, grande como se tornou,
requer igual medida de responsabilidade.
Ø Moraes sobre redes sociais: “Éramos felizes e não sabíamos”
O
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), Alexandre de Moraes, voltou a
falar sobre importância de regulamentar as redes sociais e responsabilizar quem
comete crimes ou espalha fake news no ambiente digital. Moraes participou de
sessão temática sobre o novo Código Civil no Senado Federal, nesta quarta-feira
(17/4).
O
anteprojeto de atualização do Código Civil, revisado por uma comissão de
juristas presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi entregue formalmente ao presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG). O documento contém propostas de atualização que seguem
decisões recorrentes tomadas por tribunais brasileiros.
Entre
as inovações propostas e que ainda serão debatidas está a inclusão de uma parte
específica sobre direito digital. O que, para Alexandre de Moraes é uma
necessidade dos dias atuais.
“Há
a necessidade da regulamentação de novas modalidades contratuais que surgiram,
a questão de costumes, novas relações familiares, novas modalidades de se
tratar nas questões do direito de família e sucessões, a tecnologia, a
inteligência artificial, novas formas de responsabilidade civil. Isso é
importantíssimo”, disse o ministro no Senado Federal.
O
ministro lembrou que Código Civil, no Direito Civil, é a Constituição do dia a
dia da população e regulamenta as questões do dia a dia. “Quanto mais moderna,
quanto mais simplificada for, menos litígios vamos fazer surgir, menos
problemas sociais nós vamos ter”, ressaltou.
Em
tom de brincadeira e ao ressaltar a necessidade de regulamentação, Moraes
lembrou que os tempos mudaram e as leis precisam ser atualizadas de acordo com
as modernidades: “Na virada do século não existiam redes sociais – nós éramos
felizes e não sabíamos”, brincou.
Entre
as propostas no texto estão criar o direito digital e estabelecer direitos e
proteção às pessoas no ambiente virtual; garantir a remoção de links em
mecanismos de buscas de conteúdos que tragam imagens pessoais íntimas,
pornografia falsa, e crianças e adolescentes; criar a possibilidade de
indenizações por danos sofridos em ambiente virtual e ainda a previsão de que
plataformas digitais devem responder civilmente pelo vazamento de dados e devem
adotar mecanismos para verificar a idade do usuário.
Prevê
ainda a exigência de identificação clara do uso de inteligência artificial,
além de exigir autorização para criação de imagens de pessoas vivas e mortas
por meio de IA.
Ø A fala debochada de Moraes no Senado que deixou bolsonaristas
irados
O
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, esteve nesta
quarta-feira (17) no Senado da República para acompanhar uma sessão de
apresentação do anteprojeto do novo Código Civil Brasileiro. Sentado na mesa
diretora da Casa, ao lado do presidente, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o
magistrado fez um breve discurso.
Só
que, em dado momento, Moraes proferiu um comentário debochado sobre as redes
sociais que despertou a fúria de bolsonaristas de todo o país. Ele é o inimigo
número um da extrema direita e recentemente foi alvo de um ataque por parte do
bilionário Elon Musk, dono da plataforma ‘X’ (antigo Twitter), que o acusou de
chefiar uma rocambolesca “ditadura judicial”, impondo censura ao cidadão.
“Vossa
excelência lembrou que, na virada do século, não existiam redes sociais. E nós
éramos felizes e não sabíamos”, disparou o ministro, claramente segurando o
riso e despertando gargalhadas em alguns parlamentares e autoridades que
estavam no plenário. Os ferrenhos e violentos ataques lançados contra Moraes,
por parte dos seguidores fanáticos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), vêm
sobretudo do ambiente digital, dominado amplamente pelas milícias
ultrarreacionárias a serviço desse grupo político extremista.
“Ele
ainda ri da nossa cara, ditador”, “vai fazendo piada mesmo, teu dia vai
chegar”, “era feliz porque ninguém podia se manifestar” e “era bom quando
ninguém se expressava contra os corruptos, né?” foram alguns dos comentários
que circularam pelas redes, em relação à fala do ministro, escritos pela
matilha de extrema direita.
Fonte:
Por Fabio de Sá e Silva, em The Intercept/Metrópoles/Fórum
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