“Cash
back”: Salomão expõe o escandaloso esquema de “recirculação de valores” criado
pela Lava Jato
Na
decisão em que afastou a juíza Gabriela Hardt de suas funções a partir desta
segunda (15), o ministro Luís Felipe Salomão, corregedor do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), usou o termo “cash back” para explicar o escandaloso esquema
de “recirculação de valores” criado no seio da Operação Lava Jato.
Segundo
Salomão, o esquema consistiu em direcionar para a Petrobras parte dos recursos
obtidos pela Lava Jato a partir de multas determinadas pelos procuradores às
empresas ou pessoas físicas, em seus acordos de leniência ou delação premiada.
Na
visão de Salomão, em posse dos recursos “devolvidos” pela Lava Jato, a
Petrobras poderia fazer frente à tentativa dos procuradores, então liderados
por Deltan Dallagnol, de criar, por exemplo, uma fundação privada turbinada com
os recursos públicos decorrentes das multas.
• O exemplo da Fundação Lava Jato
Salomão
ilustrou o esquema citando a famigerada Fundação Lava Jato. Naquele caso, os
procuradores de Curitiba tentaram criar uma fundação privada usando parte da
multa bilionária que a Petrobras aceitou pagar nos Estados Unidos para se
livrar de ações em solo estrangeiro. O GGN expôs o escândalo e divulgou em
primeira mão os documentos dos acordos
assinados com os americanos.
O
acordo homologado por Gabriela Hardt para criar a fundação privada sob a batuta
de Dallagnol e seus colegas do MPF previa a injeção de mais de 2 bilhões de
reais, oriundos da devolução parcial da multa aplicada à Petrobras pelos EUA.
Nos
demais casos, Salomão observou que desde os tempos em que Sergio Moro era o
juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba, ficou estabelecido pela Lava Jato que a
Petrobras seria beneficiária única das verbas angariadas pelos procuradores a
partir dos acordos de delação e leniência, ignorando o papel da União, que é a
maior acionista da petroleira.
“No
entanto, constatou-se – com enorme frustração – que, em dado momento, tal como
apurado no curso dos trabalhos [da correição extraordinária na 13ª Vara], a
ideia de combate a corrupção foi transformada em uma espécie de ‘cash back’
para interesses privados, ao que tudo indica com a chancela e participação dos
ora reclamados”, destacou Salomão.
Ao
falar em “recirculação de valores”, Salomão descreveu: “Tal procedimento
caracterizou-se pelo atípico direcionamento dos recursos obtidos a partir da
homologação de acordos de colaboração e de leniência exclusivamente para a
Petrobras – classificada como vítima universal, desprezando a União e terceiros
prejudicados pelo sistema de corrupção – com a finalidade de se obter o retorno
dos valores na forma de pagamento de multa pela Petrobras às autoridades
americanas, a partir de acordo sui generis de assunção de compromisso para
destinação do dinheiro formalmente e originariamente prometido ao Estado
Brasileiro – ou seja, dinheiro público – para fins privados e interesses
particulares (fundação a ser gerida a favor dos interesses dos mesmos), sem
qualquer participação da União.”
Os
detalhes da correição ainda serão expostos ao plenário do CNJ nesta terça (16),
mas Salomão já adiantou que Sergio Moro teve papel crucial no esquema, ao
instaurar um procedimento ultra sigiloso para dar cabo do dinheiro angariado
pela Lava Jato.
• Moro criou processo para
movimentar o dinheiro
Salomão
falou em “diversas irregularidades e ilegalidades ocorridas nos fluxos de
trabalho desenvolvidos durante diversas investigações e ações penais” da Lava
Jato, “especialmente no que se refere aos mecanismos de controle e prestação de
contas nos autos da representação criminal nº 5025605-98.2016.4.04.7000/PR,
procedimento instaurado de ofício e com grau máximo de sigilo – só com acesso
do juiz e Ministério Público-, referentes aos repasses de valores depositados
em contas judiciais à Petrobras, decorrentes dos acordos de colaboração
premiada e de leniência homologados pelo juízo da 13ª Vara”.
O
ministro identificou relação de “correspondência com a subsequente homologação
[do acordo da Fundação Lava Jato], em janeiro de 2019, (…) entre força-tarefa e
a companhia”.
O
resultado da correição extraordinária da Lava Jato será levado ao plenário do
CNJ nesta terça-feira (16). Além do relatório, Salomão pediu a inserção na
pauta de três reclamações disciplinares relacionadas à Lava Jato: uma contra
Moro e Gabriela Hardt; outra contra os desembargadores do TRF-4 (Loraci Flores,
Thompson Flores e Danilo Pereira) que desacataram o STF, e uma terceira contra
o desembargador Marcelo Malucelli.
Principal prova contra Hardt,
confissão mostra pressão e omissão de Dallagnol; leia trechos do depoimento
Em
depoimento ao ministro Luís Felipe Salomão, corregedor do Conselho Nacional de
Justiça, a juíza Gabriela Hardt – que deu continuidade ao trabalho de Sergio
Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba – revelou as circunstâncias nas quais ela
decidiu homologar o acordo para criar a famigerada “Fundação Lava Jato” em
2019.
O
acordo e seus efeitos foram anulados pelo Supremo Tribunal Federal, mas sua
homologação – entre outras possíveis ilicitudes na conduta de Hardt – motivaram
o afastamento da juíza de suas funções pelo CNJ nesta segunda (15).
O
depoimento de Hardt à Corregedoria do CNJ – cujos trechos são reproduzidos pelo
GGN abaixo – é uma das principais provas usadas por Salomão para afastar Hardt
da magistratura e defender abertura de processo administrativo.
Na
confissão, a juíza admite que foi pressionada por Deltan Dallagnol e
procuradores da Lava Jato a homologar o quanto antes o acordo para gerar a
Fundação Lava Jato. Para conseguir tomar a decisão oficialmente dentro de dois
dias, ela recebeu antes, pelo WhatsApp, cópia da minuta do acordo.
Salomão
condenou a informalidade nas tratativas e os erros cometidos por Hardt no
tramitar do caso. “(…) quem, em sã consciência, concordaria em destinar bilhões
de reais de dinheiro público para uma fundação privada, de maneira sigilosa e
sem nenhuma cautela”, questionou o ministro.
Hardt:
da pressão e omissão ao defeso por holofotes
De
acordo com a confissão da juíza Gabriela Hardt [leia trecho abaixo], Deltan
Dallagnol e seus colegas procuradores procuraram a juíza para dizer que ela
deveria homologar o acordo da Fundação Lava Jato, e que a decisão deveria sair
com máxima urgência.
“(…)
o Ministério Público dizendo que se eu não decidisse, a gente ia perder dois
bilhões e meio, e o Brasil ia deixar esses dois bilhões e meio nos Estados
Unidos“, reportou Hardt.
Segundo
ela, os procuradores de Curitiba disseram também que iria ficar “muito feio”
para o Brasil se todo o dinheiro da indenização paga pela Petrobras ficasse
somente nos Estados Unidos.
Hardt,
então, decidiu pedir informalmente cópia da minuta do acordo que ainda não
havia sido protocolado na 13ª Vara para fazer uma análise prévia. Quando
finalmente foi protocolado, Hardt homologou o acordo em menos de 24 horas.
“E
eu lembro que conversei… com… doutor DELTAN lá… com os meninos da força-tarefa.
Eu falei: ‘olha! O que eu quero de vocês: publicidade ampla. Eu vou homologar,
vocês divulguem isso o máximo possível […]. Porque o que eu vou fazer é trazer
esse dinheiro pro Brasil”, relatou Hard.
Deltan
queria que o Judiciário participasse da Fundação
A
juíza ainda revelou no depoimento ao CNJ que nos planos de Deltan Dallagnol e
seus colegas de MPF, a fundação privada com recursos públicos também teria
influência do Judiciário na destinação dos recursos.
“Eles
até falaram, no projeto de fundação, que teria participação do Judiciário, eu
falei não, não. O juiz não vai participar da fundação. É a sociedade civil, o
Ministério Público, que nem uma fundação normal.”
Contudo,
na visão do Supremo Tribunal Federal, a fundação Lava Jato seria uma aberração,
fruto de um acordo inconstitucional homologado por juízo incompetente (a 13ª
Vara é criminal, e o acordo era de natureza cível).
O
corregedor ainda observou que os procuradores de Curitiba não apenas exerceram
pressão e fizeram tratativas informais para a juíza homologar o acordo, mas
também omitiram uma série de documentos que mostrariam que o dinheiro deveria
ter sido repassado à União, e não ao MPF.
Ao
não levar todos os documentos aos autos, os procuradores conseguiram omitir
outros problemas no processo, como “as diligências americanas referentes ao
pedido para realização de oitivas de testemunhas no Brasil, bem como a fixação
do valor da indenização pelas autoridades americanas (já que a aferição de
valores se deu sem que o MPF apurasse, no Brasil, a conduta da empresa por meio
de inquérito civil público), [ações que] foram executadas sem observância da
legislação brasileira (outro fato de extrema gravidade)”.
A
urgência sustentada pelo time de Dallagnol tampouco fazia sentido, mas Hardt
foi incapaz de observar que o pedido de homologar a Fundação Lava Jato só
surgiu quatro meses após a Petrobras fechar acordo nos EUA.
• Desdobramentos para Hardt
A
confissão de Gabriela Hardt, feita em depoimento dado em junho de 2023, foi
descrito por Salomão como “a principal fonte de informação” para lastrear a
representação contra a juíza.
Além
do caso da Fundação Lava Jato, o CNJ apontou que Hardt deu continuidade ao
método caótico e sigiloso de Sergio Moro de gerir os recursos da Lava Jato,
angariados a partir de delações e acordos de leniência, sem prestação de contas
nem transparência.
Para
Salomão, os atos de Hardt configuram “desrespeito à coisa pública e incorreta
prevalência do interesse privado sobre o interesse público, evidenciando a
violação (…) dos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade e,
sobretudo, do princípio republicano, já que a homologação do acordo de assunção
de competência pela reclamada autorizou o redirecionamento de recursos que eram
inicialmente destinados ao Estado Brasileiro (conforme acordo firmado pela
Petrobras com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América) para
atender a interesses privados, especialmente do então Procurador da República
Deltan Dallagnol.“
Além
disso, os atos atribuídos à magistrada recaem em tipos penais como peculato,
desvio, prevaricação, corrupção privilegiada ou corrupção passiva, além das
“infrações administrativas graves”, que serão discutidas no plenário do CNJ a
partir de terça (16).
• Sobre a Fundação Lava Jato
O
acordo homologado indevidamente pela juíza Gabriela Hardt foi negociado em
paralelo entre o Ministério Público Federal no Paraná e a Petrobras. O
documento previa a destinação a mais de R$ 2 bilhões para a fundação privada
que ganhou o apelido de Fundação Lava Jato. A verba bilionária era fruto da
devolução parcial de uma multa que a Petrobras foi obrigada a pagar aos órgãos
dos Estados Unidos para se livrar de processos criados justamente na esteira da
Lava Jato.
No
despacho desta segunda (15), Salomão usou a expressão “cash back” para falar
desse método dos procuradores de Curitiba, que com suas denúncias ou
colaboração com autoridades estrangeiras, faziam empresas investigadas
responder a processo em outros países, que terminavam com aplicação de multas
bilionárias e a premissa de que parte dos recursos deveriam retornar ao Brasil
– sob a batuta dos procuradores, e não da União.
Quando
fecharam acordos de não persecução com a Petrobras, os órgãos dos EUA
sinalizaram que parte da multa deveria retornar ao Brasil em benefício das “as
autoridades brasileiras”. Mas a equipe de Deltan Dallagnol decidiu traçar um
destino diferente, na tentativa de impedir que os recursos públicos fossem
parar no cofre da União.
>>>>
Confira, abaixo, os trechos já liberados pelo CNJ do depoimento da juíza
Gabriela Hardt:
“Os
procuradores da força-tarefa vieram conversar comigo sobre esse caso. Primeiro
informalmente, para me notificar: “olha, vai vir nos próximos dias um pedido
nosso para homologar um acordo que a gente tá celebrando com a Petrobras,
porque a Petrobras, lá nos Estados Unidos, fez um acordo [trecho inaudível] e a
gente conversou com as autoridades americanas” … assim, isso é o que me lembro,
vai ter coisas que não vou lembrar os detalhes… “que ia ficar muito feio para o
Brasil todo o dinheiro da indenização ir para os Estados Unidos. A gente
entende que parte desse valor tem que ser revertido no Brasil” [prossegue
expondo a explicação dada pelos procuradores]. (…).
Eu
falei: mas então me dá um esboço, como é que é isso… se é tão urgente assim,
que que eu vou fazer, não sei, nunca vi… e aí eles me mandaram um esboço do
acordo, me pediram por favor para eu não mostrar para ninguém, que era
sigiloso… e eu li aquilo [prossegue expondo o que havia de fundo similar: fundo
de Mariana, fundo de dano ambiental da Petrobras]…
Conversei
com os colegas antigos, o Josegrei, os outros colegas do crime que eram mais
antigos e expliquei o que o Ministério Público queria de mim, porque foi
naqueles quatro meses caóticos {refere-se a depoente a um período em que atuou
como única magistrada na 13ªVara]… e o Ministério Público dizendo que se eu não
decidisse a gente ia perder dois bilhões e meio e o Brasil ia deixar esses dois
bilhões e meio nos Estados Unidos.
Conversei
com os colegas mais antigos: “eu acho que é razoável”, “eu acho que é
razoável”, daí veio o pedido formalmente no processo [prossegue a depoente
expondo seu processo decisório]. E eu lembro que conversei… com… doutor DELTAN
lá… com os meninos da força-tarefa. Eu falei: olha! O que eu quero de vocês:
publicidade ampla. Eu vou homologar, vocês divulguem isso o máximo possível
[…]. Porque o que eu vou fazer é trazer esse dinheiro pro Brasil, (trecho
inaudível)… que vocês estão falando, vou homologar.
Eles
até falaram, no projeto de fundação, que teria participação do Judiciário, eu
falei não, não. O juiz não vai participar da fundação. É a sociedade civil, o
Ministério Público, que nem uma fundação normal […].
Troquei
mensagem… poucas, eu acho que troquei. Eu acho que até esse esboço de fundação
eu acho que veio por mensagem, tá? Nunca orientei… as mensagens que eu já vi da
spoofing [refere-se a investigação que apurou o acesso indevido a mensagens de
Telegram de pessoas com atuação na operação Lava Jato]… eu tenho acesso às
mensagens, que já pediram minha suspeição na vara porque o DELTAN teria dito
{tenta se recordar]… “a juíza tá cobrando que não veio as denúncias”[…].
[Ministro
pergunta:] trocava mensagem com eles?
“Já
troquei, ministro. Já troquei. Mas, assim, foi muito eventual. Eu pedi para não
fazerem isso. Mas já troquei sim.”
[Ministro
pergunta:] sobre processo?
-
Não, assim, é… era esse da fundação Lava Jato, era um que me lembro… esse da
fundação era um que eu me lembro. Acho que já veio mensagem “ah, acho que a
gente precisa conversar sobre isso”, daí eu falava “agenda um horário”. Esse
tipo de coisa, sim.
Associação defende revogação de
medida que afastou juízes federais
A
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) defendeu, nesta segunda-feira
(15), a revogação da decisão do
corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, que afastou das funções a
juíza federal Gabriela Hardt, sucessora de Sergio Moro no comando da Operação
Lava Jato, e de mais um juiz e dois desembargadores.
Em
nota à imprensa, a Ajufe diz que recebeu a decisão com surpresa. Para a
associação, a medida só poderia ser tomada pelo plenário do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ).
“O
órgão com a competência natural para deliberar por tal afastamento é o plenário
do Conselho Nacional de Justiça, tanto que [está] pautada a matéria para
julgamento na sessão de amanhã, dia 16/04/2024, revelando-se inadequado o
afastamento por decisão monocrática e na véspera de tal julgamento”, afirma a
associação.
Além
disso, a Ajufe também defende a atuação dos magistrados. “Os magistrados e
magistrada afastados pela decisão monocrática acima referida possuem conduta
ilibada e décadas de bons serviços prestados à magistratura nacional, sem
qualquer mácula nos seus currículos, sendo absolutamente desarrazoados os seus
afastamentos das funções jurisdicionais”, conclui a associação.
Para
afastar a juíza, Luis Felipe Salomão afirmou que a Gabriela Hardt cometeu
irregularidades em decisões que autorizaram o repasse de cerca de R$ 2 bilhões
oriundos de acordos firmados com os investigados da Lava Jato, entre 2015 e
2019, para um fundo que seria gerido pela força-tarefa da operação. Os repasses
foram suspensos em 2019 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A
decisão também indica que Gabriela Hardt pode ter discutido os termos do acordo
“fora dos autos” e por meio de aplicativo de mensagens WhatsApp.
A
assessoria de imprensa da Justiça Federal em Curitiba informou que a juíza não
vai se manifestar sobre o afastamento.
Fonte:
Jornal GGN/IstoÉ
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