Brasil caminha para liderar evolução da
genômica na América Latina
A evolução da genômica
a passos largos nas duas últimas décadas vem reinventando a maneira como a
medicina é praticada. Novos caminhos e possibilidades têm sido abertos para
diagnósticos, tratamentos e até mesmo prevenção. Se antes a medicina genética
era associada automaticamente a doenças raras, os avanços indicam uma nova
direção, com um olhar cada vez mais voltado para doenças mais comuns, como as
cardiovasculares e diabetes.
Com a produção
científica a todo vapor, artigos de publicações científicas como Science, The
New England Journal of Medicine, Nature e Genome Biology apontam a genômica
como a nova era da medicina. E o mercado segue o movimento: em 2023, a medicina
genômica já era avaliada em US$33,9 bilhões e deve atingir US$157 bilhões até
2033, de acordo com dados da consultoria NovaOneAdvisor. A estimativa é de um
crescimento de até 47% no investimento em iniciativas de edição e terapias
genéticas, segundo números da Evaluate Pharma.
Motivos não faltam
para a grande expectativa de pesquisadores, profissionais de saúde e
investidores. Nos últimos anos, estudos levaram à descoberta de biomarcadores
de cânceres, por exemplo, o que possibilitou o desenvolvimento de
terapias-alvo, nova classe de medicamento que permite um tratamento mais
eficaz, seguro e com menos toxicidade, aumentando não apenas a sobrevida do
paciente, como também a qualidade de vida. As doenças raras, como anemia
falciforme e fibrose cística, também têm sido beneficiadas com a descoberta de
novas terapias com potencial para mudar o curso da doença. Mais recentemente,
novas pesquisas identificaram também biomarcadores para Alzheimer e Parkinson,
que até o momento não têm cura, mas as descobertas podem ajudar a compreender
melhor a fisiopatologia das condições e, assim, avançar no desenvolvimento de
novos fármacos.
“O avanço da genômica
significa uma revolução para a medicina, principalmente para a medicina
personalizada. Ela permite que você tenha tecnologias e terapias muito mais
assertivas, o que melhora muito o desfecho para o paciente”, destaca Carlos
Carpio, mestre em genética molecular e diretor comercial da MGI para a América
Latina.
A empresa é
especializada em desenvolver soluções tecnológicas utilizadas em pesquisas de
ciências da vida, e inaugurou em abril um Centro de Experiência do Cliente em
São Paulo. O objetivo é ter um ambiente para que laboratórios clínicos,
hospitais e universidades aprimorarem o aprendizado e a experiência com a
tecnologia aplicada em medicina de precisão, oncologia e metagenômica (análise
genômica de uma comunidade de microrganismos), dentre outros segmentos.
• Evolução da genômica
No Brasil, a área
também ganhou força nos últimos anos. Criado em 2020, o Programa Nacional de
Genômica e Saúde de Precisão – Genomas Brasil foi lançado pelo governo federal
como um estímulo para o desenvolvimento da medicina genômica. A ideia é atuar
em duas frentes: utilizar o sequenciamento genômico para aprimorar as áreas de
diagnóstico e predição de risco; e avançar no emprego de terapias que têm como
foco a arquitetura genômica do paciente.
Embora o projeto
federal seja recente, o país já tem uma atuação relevante e reconhecida
globalmente nessa esfera, graças a pesquisadores como Mayana Zatz, Maria
Rita-Passos-Bueno e Eloísa de Sá Moreira, que ainda na década de 1990 foram
responsáveis por localizar um dos genes ligados a um tipo de distrofia dos
membros e pelo mapeamento do gene que causa a síndrome de Knobloch.
Na mesma época em que
as cientistas anunciavam a descoberta ao mundo, engatinhava o “Genoma Humano”,
primeiro projeto internacional para o sequenciamento completo de um genoma
humano. A iniciativa reuniu pesquisadores de diversos países, como Estados Unidos,
Reino Unido, Japão, França, Alemanha e China, e é considerado um marco
revolucionário. Ao todo foram treze anos de pesquisa, que consumiram cerca de
US$ 3 bilhões.
De lá para cá, o
avanço da tecnologia e os ganhos de escala permitiram a expansão das pesquisas
genômicas. Atualmente, já é possível sequenciar um genoma humano por menos de
mil dólares.
“A criação de uma nova
leva de tecnologias de sequenciamento de genoma, que chamamos de next
generation sequencing (NGS), é a mais recente revolução na genômica”, ressalta
João Bosco Oliveira Filho, doutor em imunologia e investigador principal do
projeto Genomas Raros, iniciativa do Hospital Israelita Albert Einstein com o
Ministério da Saúde via Programa de Desenvolvimento Institucional do Sistema
Único de Saúde (Proadi-SUS). “Esses equipamentos aumentaram a nossa capacidade
de sequenciar DNA de forma rápida e escalável, o que nos permite automatizar e
interpretar os resultados com mais agilidade e a um custo mais reduzido. Foi
uma transformação que realmente permitiu a introdução da genética em larga
escala.”
O panorama fez com que
países fora do eixo Estados Unidos-Europa pudessem entrar com mais força no
cenário mundial de pesquisas. E abriu caminho também para a utilização da
tecnologia para diversas áreas. “Conseguimos trazer esses testes para
diagnóstico, para guiar tratamento, para a prevenção, para a clínica e para
dentro dos laboratórios de forma mais acessível e com um tempo de entrega
rápida. E tudo isso com alta qualidade”, completa Bosco.
Com a chegada do
Centro de Experiência do Cliente, o cenário da genômica brasileira ganha um
reforço. Isso porque o novo centro irá contar com equipamentos que fazem
sequenciamento de DNA ultrarrápido. Com eles, pela primeira vez na indústria,
segundo a MGI, o preço do sequenciamento do genoma cairá para menos de US$ 100.
Essa redução possibilitará a expansão de pesquisas realizadas no país,
estimulando ainda mais a produção de conhecimento científico local. “O Brasil é
o país líder nesse aspecto na América Latina, e a MGI está presente no país
para contribuir com esse desenvolvimento. Temos aumentado a nossa presença na
região para apoiar esses esforços”, reforça Carpio.
• Era da representatividade genética
A chegada em escala da
tecnologia de NGS na América Latina traz consigo uma nova perspectiva para os
grandes sequenciamentos populacionais. Em 2023, o projeto britânico UK Biobank
anunciou o sequenciamento completo de 500 mil cidadãos do Reino Unido, se estabelecendo
como o maior banco de dados genéticos aberto para cientistas de todo o mundo.
Contudo, Bosco salienta que, embora a conquista deva ser celebrada pela grande
amostragem e pela lógica de compartilhamento de conhecimento, ainda é preciso
observar que a população sequenciada é majoritariamente caucasiana, o que
significa que a representatividade é, de certa forma, limitada.
Por isso, segundo ele,
alguns dos achados podem não se aplicar a populações mais miscigenadas e de
outras etnias: “Há um problema de representação de populações não caucasianas.
Os grandes estudos populacionais sempre tiveram essa limitação, porque era também
onde a maior parte do dinheiro para pesquisas se concentrava. Ao longo dos
anos, notou-se que alguns resultados acabavam ficando distorcidos quando
aplicados em outras populações. Com isso, foi-se dando mais atenção para esse
fator e exigindo mais esforços nessa linha”.
Bosco cita como
exemplos o projeto Genomas Brasil, que tem um alvo de sequenciar 100.000
indivíduos, o projeto Genomas Raros, que já sequenciou cerca de 9 mil pessoas.
“Tudo isso para entender as peculiaridades da nossa população. E temos
observado esse movimento em outros lugares também”, completa.
Outro exemplo de olhar
internacional para essa questão é o projeto All of Us, do governo
norte-americano, que pretende sequenciar o genoma de 1 milhão de cidadãos. Ao
anunciar os primeiros resultados esse ano, os pesquisadores destacaram o
ineditismo de um estudo desta proporção no país: pela primeira vez, 46% da
amostragem é composta por grupos étnicos historicamente sub representados. Para
Carpio, o Brasil tem potencial para liderar a tendência de grandes estudos
populacionais na região, uma vez que o país já apresenta uma maturidade maior
nesse campo de atuação em relação aos países vizinhos:
“A MGI está presente
no Brasil desde 2019, e nesta jornada de contribuição, temos observado como o
país está cada vez mais estruturado. É um dos poucos países na América Latina
que têm capacidade de realizar todas as etapas no seu território, desde a coleta
das amostras, o sequenciamento no laboratório e a análise dos resultados. Em
geral, é uma oportunidade totalmente nova para a região se envolver, e acredito
que o Brasil pode apoiar as nações vizinhas com o seu conhecimento.”
Ele explica que países
como México e Colômbia também começaram a se engajar em iniciativas similares,
mas ainda há alguns passos para que a genômica se desenvolva de forma mais
acelerada. O momento é de construir leis que apoiem e regulamentem pesquisas de
sequenciamento, além de ampliar o apoio dos governos locais nesta empreitada,
aponta Carpio.
• Doenças comuns e prevenção são apostas
para o futuro
Segundo os
especialistas, avançar na direção das doenças comuns é o próximo passo para o
futuro da genômica. Com a possibilidade de estudos populacionais cada vez
maiores, o foco agora deve ser aprofundar o conhecimento sobre a relação entre
a genética e as doenças comuns, especialmente as doenças crônicas não
transmissíveis, um dos principais desafios para a saúde pública nas próximas
décadas.
Neste contexto, em
abril foi lançado o projeto Genoma SUS, que pretende caracterizar aspectos
genômicos que impactam o processo saúde-doença dos brasileiros. Com o objetivo
inicial de sequenciar 21 mil brasileiros, a atenção está nas doenças
infecciosas, do coração, do cérebro, entre outras de grande impacto para o
Sistema Único de Saúde (SUS), além de trabalhar temas cada vez mais emergentes,
como o envelhecimento e a resposta a fármacos – na linha de pesquisas baseadas
em dados de vida real.
“Ao compreender o
risco de um paciente para determinada doença, é possível trabalhar a prevenção
de maneira mais estratégica”, explica o diretor da MGI. “Com isso, podemos
ponderar entre dois tratamentos diferentes e analisar a qual o paciente vai
responder melhor de acordo com o seu histórico genético, ao invés de optar por
uma que pode comprometer o desfecho da condição no futuro. Essa é uma
característica-chave na tecnologia que nos permite melhorar o nível de saúde
individual e populacional e, consequentemente, ajudar neste processo de
envelhecimento saudável.”
Bosco complementa e
cita uma nova iniciativa europeia como exemplo da tendência de prevenção: “O
Reino Unido anunciou um novo projeto em que vai sequenciar 100 mil bebês
recém-nascidos para entender como isso pode ajudar a identificar precocemente
doenças graves que têm intervenção e como essa estratégia impacta no futuro.
Esse uso da genômica para a prevenção é algo que deve se expandir muito nos
próximos anos.”
Mas para esse futuro
se concretizar, há ainda desafios. Um deles é a conscientização a respeito dos
benefícios não somente de investir em tecnologias dessa natureza, mas também
para que tomadores de decisão, profissionais de saúde, pacientes e familiares
compreendam quais são os recursos viabilizados pela genômica. “Há um trabalho a
ser feito de analisar e mostrar dados de onde há uma custo-efetividade na
aplicação e deixar o tomador de decisão munido de informações para decidir pela
implementação”, conclui Bosco.
Fonte: Futuro da Saúde
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