sábado, 20 de abril de 2024

Azedo: Lira teme efeito Orloff ao deixar comando da Câmara

O retrato na parede é uma honraria concedida aos ex-presidentes da Câmara, mas a presença na galeria de honra é apenas o que restou do notável poder que o comando da Casa confere à cadeira de quem a ocupa. Foi dela que Ulysses Guimarães (PMDB), o grande líder da oposição ao regime militar, conduziu com pulso firme a Constituinte de 1987, que conferiu ao atual Congresso poderes parlamentaristas que rivalizam com a Presidência da República, desde o governo de transição democrática de José Sarney. Ulysses comandou a Casa por dois mandatos, de 1985 a 1989.

Entretanto, o poder de um presidente da Câmara é muito mais efêmero do que o do presidente da República, que governa por quatro anos e pode ser reeleito. Que o digam, em retrospectiva, Rodrigo Maia (2016-2017), Waldir Maranhão (2016), Eduardo Cunha (2015-2016), Henrique Eduardo Alves (2013-2015), Marco Maia (2011-2013), Michel Temer(2009-2010, 1999-2001 e 1997-1999), Arlindo Chinaglia (2007-2009), Aldo Rebelo (2005-2007), Severino Cavalcanti (2005), João Paulo Cunha (2003-2005), Efraim de Morais (2002-2003), Aécio Neves (2001-2002), Luiz Eduardo Magalhães (1995-1997), Inocêncio de Oliveira (1993-1995), Ibsen Pinheiro (1991-1993) e Paes de Andrade (1989-1991).

Toda vez que olha para seus pares no plenário e vê Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Aécio Neves (PSDB) nas suas cadeiras, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deve sentir um gostinho de vodca na garganta. A bebida nacional da Rússia, por causa do alto teor alcoólico (de 34% a 54%), também é muito consumida nos Estados Unidos e países do Leste Europeu, como Ucrânia e Polônia. E no Brasil, o nono consumidor do mundo, atrás do Reino Unido e à frente da Alemanha.

Por aqui, as marcas mais consumidas são Smirnoff e Orloff. A segunda é mais popular, por causa de uma grande campanha publicitária, lançada em 1985, para concorrer com a primeira, que tinha fama de não provocar ressaca. Nela, dois jovens idênticos se encontram num balcão de bar. Um deles pergunta: "Afinal, quem é você?". Seu sósia responde: "Eu sou você amanhã". Na propaganda de tevê, o significado original era que se poderia beber a Orloff sem se preocupar com o dia seguinte.

A expressão virou meme e passou a ser muito utilizada para toda sorte de comparações, inclusive por economistas que temiam os efeitos da hiperinflação no Brasil, comparando-os ao desastre econômico da Argentina. A vodca de milho tem um sabor mais neutro; a de trigo, adocicado e macio; e a de centeio arde. Quando Lira olha para Chinaglia e Aécio, cujo poder hoje é uma sombra do passado, Lira deveria sentir um sabor adocicado. De todos os ex-presidentes, são os que permanecem com mandato na Casa.

Alguns morreram tragicamente, como Ulysses e Luiz Eduardo, ou de morte morrida, como Paes de Andrade. A galeria dos que foram para o ostracismo é grande: Inocêncio, Efraim, Valdir Maranhão, Marco e Rodrigo Maia. Alguns foram até presos, como Eduardo Cunha, Eduardo Alves e João Paulo Cunha; Severino renunciou, para não ser cassado, como Ibsen Pinheiro.

·        Teoria do caos

O futuro dos ex-presidentes da Câmara é destino. Alguns chegaram ao Senado, foram governadores e voltaram à Câmara, mas ninguém recuperou o mesmo poder de quando ocupara o cargo. Sem dúvida, quem se saiu melhor foi Michel Temer, que comandou a Casa por três mandatos, se tornou vice-presidente da República e assumiu a Presidência, com o impeachment de Dilma Rousseff.

Lira pretende fugir à regra. No momento, é uma espécie de engenheiro do caos no comando da Casa, em confronto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O fenômeno foi descrito pelo matemático e astrônomo francês Henri Poincaré (1854 - 1912), quando estudou a estabilidade do Sistema Solar.

Ao descrever como o Sol e Júpiter atuariam gravitacionalmente sobre uma massa infinitesimal, um asteroide, por exemplo, Poincaré descreveu órbitas que apresentavam grandes variações de comportamento a partir de pequenas variações iniciais: "É impressionante a complexidade desta figura, que eu nem mesmo tento desenhar. Nada é mais adequado para nos dar uma ideia da complicação do problema dos três corpos...".

No começo da década de 1960, o meteorologista e matemático norte-americano Edward Lorenz percebeu que suas previsões sofriam alterações consideráveis quando ele alterava ou desconsiderava algumas casas decimais nos seus cálculos: "É como se o bater das asas de uma borboleta no Brasil causasse, tempos depois, um tornado no Texas". Desde então, o chamado "efeito borboleta" virou a estrela da teoria do caos.

Os sistemas caóticos despertam grande interesse na comunidade científica. O chamado "pêndulo caótico", um sistema formado por três imãs na base e um imã preso em um barbante, quando o pêndulo é balançado, nunca repete a trajetória anterior. Mas, em algum momento, irá parar na posição inicial. Existe ordem no caos. As finanças, a física, a engenharia, a biologia e até a filosofia recorrem à teoria do caos para fazer previsões probabilísticas. Certos políticos também. Talvez também seja o caso de Lula nesse confronto com Arthur Lira.

 

Ø  As emendas Pix e os donos do dinheiro público. Por Paulo Roque Khouri

 

O parlamento vem avançando sobre os poderes do Executivo, tomando para si parcela importante do dinheiro público, na forma de emendas parlamentares. Não bastasse o aumento de quase 200% para o Fundão Eleitoral com votos do PT ao PL, quando se trata de recurso do Orçamento, parte considerável do parlamento vem se colocando como "donos do dinheiro".

Hoje, levando em conta apenas as emendas impositivas individuais (que o Executivo é obrigado a liberar o valor independentemente do quadro fiscal do país), cada um dos 81 senadores tem direito a R$59 milhões, e cada um dos 513 deputados, R$32 milhões. Um aumento de 200% desde 2015 — literalmente, uma farra com o dinheiro dos impostos em um país em que metade da população não tem acesso ao saneamento básico e falta recursos para implantar em todo o território a Escola em Tempo Integral, como determina o Plano Nacional de Educação.

Em relação ao Orçamento, a função do Legislativo sempre foi fiscalizadora, e assim deveria continuar. Mas no caso brasileiro, tem sido diferente. A Constituição foi alterada em 2015 e 2019 para tornar as emendas individuais e de bancada impositivas. Não bastassem as imposições constitucionais, que limitam percentualmente esse tipo de emendas, vão sendo utilizados outros mecanismos para o parlamento colocar a mão no Orçamento e permitir que cada parlamentar as direcione para suas bases eleitorais.

Foi assim que cresceu a chamada emenda de relator, declarada inconstitucional pelo STF, e, agora, cresce de forma exponencial a emenda de comissão. Neste ano, emendas oriundas do Legislativo excedem 20% das verbas discricionárias do Orçamento da União, o que é, literalmente, uma jabuticaba, pois não existe nada nesse patamar de poder do parlamento sobre o orçamento entre os países da OCDE.

Sob nova roupagem, poucos dias após a declaração de inconstitucionalidade da forma como vinham sendo utilizadas as emendas do relator no Orçamento de 2022, concomitantemente à redução a zero das emendas do relator (RP9), foram potencializadas as emendas de comissões do Congresso. Na prática, essas emendas foram largamente (85%) concentradas em uma única comissão, presidida pelo antigo relator-geral do Orçamento, que deu continuidade à prática.

Quatro vícios fundamentais, observados na utilização das emendas RP9, vêm sendo reproduzidos no uso das emendas RP8 em 2023: concentração do poder formal de destinação dos recursos nas mãos de um parlamentar e obscuridade com relação aos reais patrocinadores da indicação de recursos; as emendas são destinadas a ações orçamentárias genéricas idênticas e sem critérios de definição de políticas públicas; inobservância de critérios populacionais e/ou socioeconômicos para a escolha dos estados e municípios beneficiários dos recursos; e evidência de irregularidades na aplicação dos recursos, com vistas ao atendimento de interesses pessoais dos parlamentares que, de forma obscura, fizeram as indicações.

Por conta desses vícios relatados e da incompatibilidade manifesta com a Constituição, foi proposta perante o STF a ADPF 1.048, pedindo a imediata suspensão da execução das emendas de comissão. O absurdo dessas emendas é tamanho que os parlamentares, sem qualquer escrúpulo, literalmente abandonaram regra interna específica contida no artigo 44 da Resolução do Congresso 01/2006, que diz que devem ser obedecidos "critérios e fórmulas que determinem a aplicação dos recursos, em função da população beneficiada pela respectiva política pública, quando se tratar de transferências voluntárias de interesse nacional".

De igual forma, também os princípios da publicidade e da transparência devem orientar toda a ação orçamentária. O direito à informação pública é tão caro à República Federativa do Brasil que consta, sob outro ângulo, no título "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", ao se afirmar que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral". Inexistem dúvidas, portanto, sobre a importância da transparência e da publicização de dados para o Estado Brasileiro. A necessidade de publicidade, inclusive, foi instrumentalizada pela Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), que regula o acesso a informações, como requerido constitucionalmente.

Nenhum critério — nem populacional, nem geográfico, nem de política pública — tem sido levado em consideração para as emendas de comissão. Como as anteriores emendas de relator, é literalmente uma "emenda Pix", que vai direto para a base eleitoral do seu interessado, contribuindo para garantir com recursos dos impostos o sucesso na disputa eleitoral próxima, quando esses recursos deveriam ser aplicados nas políticas públicas indicadas no Plano Plurianual ou na Lei de Diretrizes Orçamentárias, como determina o próprio artigo 165 da Constituição Federal.

Alguns sustentam que esse novo poder que o Congresso tem outorgado a si próprio decorre do próprio custo da democracia. Entretanto, esse custo, se muito elevado (como tem se apresentado ano após ano), a médio prazo pode minar a própria representação política fundamental para qualquer democracia.

¨      Flávio Dino intima Lula, Lira e Pacheco sobre "emendas Pix"

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a intimação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respectivamente, para prestar esclarecimentos das chamadas "emendas Pix", nas quais o valor é enviado por parlamentares a prefeituras e estados sem um fim específico.

Em decisão publicada nesta sexta-feira (19/4), o magistrado destacou um descumprimento da decisão da Corte — que, em dezembro de 2022, considerou inconstitucional o orçamento secreto.

O governo Lula liberou em julho do ano passado, em apenas um dia, o pagamento de R$ 5,3 bilhões em emendas Pix. O pagamento ocorreu na véspera da votação da reforma tributária na Câmara.

"Intimem-se o requerente, Partido Socialismo e Liberdade — PSol, bem como os interessados, Presidente da República, Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal e Presidente da Câmara dos Deputados, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, se manifestarem acerca do noticiado pelos amigos da Corte", escreveu Dino.

Orçamento secreto é como ficaram conhecidas as emendas parlamentares em que a distribuição de recursos é definida pelo relator do Orçamento. Esse mecanismo não tem critérios de transparência. Os políticos agraciados com a verba eram escolhidos pelo governo, sem regras claras de seleção, em troca de apoio no Congresso. Por isso, o item passou a ter a constitucionalidade questionada pela sociedade civil e pelo Judiciário.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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