A atleta que derrubou mito de que 'mulheres não são capazes de disputar
maratonas'
"As mulheres não
são fisiologicamente capazes
de disputar maratonas."
Nove palavras que saltavam da página como um tapa
no rosto.
"Quanta audácia", pensou Roberta
"Bobbi" Gibb.
A frase era parte da carta que ela recebeu em
resposta ao seu pedido de inscrição para concorrer na Maratona de Boston,
nos Estados
Unidos, de 1966. Não era apenas uma recusa pura e simples, mas um golpe
depreciativo sobre suas capacidades como mulher, principalmente para alguém que
chegava a correr 64 km sem interrupções.
A década de 1960 era de mudanças, mas a percepção
sobre as mulheres
atletas e sua participação em corridas de longas distâncias ainda era
arcaica.
As dúvidas sobre a capacidade das mulheres de
correr os 42.195 metros da maratona já haviam sido solucionadas inúmeras
vezes, mas as corredoras ainda eram proibidas de disputar praticamente todas as
maratonas realizadas pelo mundo.
"Eles que vão para o inferno", pensou
ela, enquanto amassava a carta e a lançava ao chão. Bobbi Gibb iria correr a
Maratona de Boston, quer eles permitissem ou não.
·
Pioneirismo
Pergunte ao Google qual foi a primeira mulher a
correr a Maratona de Boston.
O mecanismo de busca irá responder com o nome de
Kathrine Switzer e uma foto que parece mostrar um grupo de homens perseguindo e
maltratando uma mulher com o número 261 à sua frente.
A imagem é chocante e se encaixa facilmente na
narrativa comum de misoginia estrutural. Mas esta não é a verdadeira história
da primeira mulher a disputar a maratona mais antiga do mundo a ser disputada
de forma regular.
A verdade, como costuma acontecer, está longe de
ser tão cristalina.
Gibb cresceu nos subúrbios de Boston e sempre foi
uma criança cheia de energia, com senso de respeito e amor pela natureza.
"Minha mãe costumava dizer que você nunca irá
encontrar um marido correndo pelo bosque com os cães da vizinhança",
relembra Gibb.
Apesar de tantas mudanças significativas ocorridas
nos anos 1960, aquela ainda era uma época de construções sociais rígidas.
"Depois da guerra, as pessoas simplesmente
estavam felizes por voltarem à normalidade – e o normal significava pequenas
mulheres na cozinha, lavando os pratos, com belas cortinas", ela conta.
"Eram séculos de crenças estabelecidas sobre as mulheres."
"Eu olhava para a vida da minha mãe e das
amigas dela; eram vidas muito restritas – você não podia nem mesmo ter um
cartão de crédito sem a permissão do seu marido."
Gibb sabia que queria algo diferente, mas, como
muitas mulheres com sonhos idealistas de grandes mudanças, tinha um caminho
tortuoso pela frente.
"Eu queria mudar a consciência social sobre as
mulheres desde muito cedo, mas não sabia como fazer – no início", relembra
ela.
Mesmo morando perto do trajeto da Maratona de
Boston, Gibb nunca havia assistido a uma corrida, até que seu pai a levou em
1964. O efeito foi profundo e imediato.
"Eu simplesmente me apaixonei por aquilo –
achei muito inspirador", relembra ela. "Todas aquelas pessoas em
movimento com tanta força, coragem, resistência e integridade. Algo profundo
dentro de mim disse que eu iria disputar aquela corrida – era o que eu estava
destinada a fazer."
Em meados dos anos 1960, as corridas femininas de
longa distância ainda eram consideradas algo perigosamente radical.
Mulheres corredoras já haviam completado os 42 km
da maratona várias vezes, mas noções infundadas continuavam defendendo que o
corpo da mulher não foi preparado para este tipo de esforço extremo. Havia o
temor de que permitir que as mulheres corressem essa distância geraria
perigosos níveis de "indecência".
"Correr era considerado um terreno fértil para
impropriedades, o que iria sexualizar excessivamente as mulheres", segundo
o professor de cinesiologia Jaime Schultz, da Universidade Estadual da Pensilvânia,
nos Estados Unidos.
Com isso, nomes que deveriam ter sido eternizados
em placas de bronze como as grandes pioneiras da maratona foram quase
esquecidos. Um desses exemplos ocorreu no dia seguinte à maratona masculina dos
primeiros Jogos Olímpicos da era moderna – em Atenas, na Grécia, em 1896.
Naquele dia, Stamata Revithi, uma mãe grega da
cidade portuária de Pireu, com 30 anos de idade, correu o mesmo percurso dos
homens, de forma extraoficial, em cinco horas e meia.
Não existe praticamente nenhuma informação
confiável sobre Revithi. Sabe-se apenas que ela nasceu na pobreza, tinha um
filho com 17 meses de idade e outro havia morrido no ano anterior.
Sua proeza recebeu pouca ou nenhuma atenção. O
jornal Athens Messenger noticiou rapidamente que "uma mulher ativa e
determinada percorreu de forma experimental o trajeto clássico no início de
março, sem nenhuma parada, exceto por um repouso momentâneo para comer
laranjas".
Nada mais se sabe sobre essa pioneira, muitas vezes
chamada desde então de "a primeira mulher maratonista". Nas palavras
do escritor grego Athanasios Tarasouleas, "Stamata Revithi foi perdida na
poeira da história".
Trinta anos depois, em 1926, a inglesa Violet
Piercy correu a Maratona de Londres de forma não oficial em 3 horas, 40 minutos
e 22 segundos. Ela completaria duas maratonas em participações oficiais, em
1933 e 1936.
Segundo o jornal Sunday Mirror, Piercy declarou que
sua corrida em 1936 serviu para "provar que as mulheres podiam percorrer
aquela distância".
Ficava, então, claro para quem quisesse enxergar
que as mulheres conseguem correr por 42 km. Mas a postura cínica a este
respeito permanecia, com base em evidências imaginárias e, muitas vezes,
mentiras puras e simples.
·
O atletismo feminino nas Olimpíadas
Os Jogos Olímpicos de Verão de 1928 em Amsterdã, na
Holanda, viram as mulheres competirem em provas de atletismo pela primeira vez.
No dia 2 de agosto daquele ano, três das nove mulheres que competiam na final
dos 800 metros quebraram o recorde mundial. A alemã Lina Radke ganhou a medalha
de ouro.
Mas o que deveria ter sido um enorme avanço para o
atletismo feminino acabou gerando uma sórdida campanha na imprensa. Jornais de
todo o mundo noticiaram incorretamente que muitas mulheres haviam desmaiado de
exaustão após a corrida e que esses feitos estavam muito além das capacidades
do sexo feminino.
O jornal The New York Times publicou a notícia
falsa de que "seis das nove corredoras estavam completamente exaustas e
caíram precipitadamente sobre a pista". Já o Montreal Star alardeou que a
corrida "obviamente estava além do poder de resistência das mulheres e só
pode ser prejudicial para elas". E o Daily Mail chegou a questionar se as
mulheres que corressem mais de 200 metros poderiam envelhecer prematuramente.
O bombardeio de notícias levou os responsáveis a
retirar a corrida de 800 metros feminina das Olimpíadas. A prova só retornaria
nos Jogos de 1960, em Roma, na Itália.
A imaginada fragilidade das mulheres era sustentada
por teorias médicas absurdas que chegavam até o conhecimento público.
"Havia temores de que as mulheres se tornariam
mais 'masculinas' se praticassem esportes e que elas teriam quantidade limitada
de energia", segundo Schultz. "Se elas gastassem essa energia em
educação, política e esporte, teriam suas capacidades reprodutivas
reduzidas."
Gibb começou a treinar secretamente para a Maratona
de Boston em 1964. Ela costumava usar a Reserva de Middlesex Fells, perto de
sua casa, para fugir dos olhares condenatórios.
"Eu não sabia o que fazer", relembra ela.
"Eu não tinha treinador, nem livros, nada. Eu não tinha nenhuma forma de
medir a distância, então seguia o tempo. Meu namorado me levava de motocicleta
e eu corria para casa."
Em 1964, seus pais tomaram um período sabático e
foram para o Reino Unido. Gibb, com 21 anos de idade, ficou na Kombi da
família.
Com o verão se aproximando e o sonho antigo de
conhecer melhor o seu país, ela embarcou na Kombi e passou os 40 dias seguintes
em uma lenta viagem da costa leste americana até a costa oeste.
"À noite, eu dormia sob as estrelas e todo dia
eu corria em um lugar diferente", relembra ela. "Nas colinas de
Berkshires, ao longo do rio Mississippi e nas Grandes Planícies, nas Montanhas
Rochosas e pela Divisória Continental, descendo para a Califórnia – até pular
no Oceano Pacífico."
"Tudo em um verão. Foi o meu treinamento para
a Maratona de Boston de 1966."
·
A prova
Poucos meses antes da maratona, Gibb solicitou um
número de inscrição para ficar entre os 540 corredores que iniciariam a
corrida. Mas ela foi rejeitada com base na famosa e intransigente avaliação das
capacidades fisiológicas das mulheres.
"Percebi que era minha chance de mudar a
consciência social sobre as mulheres", ela conta. "Se eu pudesse
comprovar que essa falsa crença sobre as mulheres estava errada, poderia
questionar todas as outras falsas crenças que haviam sido usadas para negar
oportunidades às mulheres."
Quatro dias antes da corrida, ela pegou o primeiro
de uma série de ônibus rodoviários que a levaram até a casa da família. Ao
todo, a viagem levou 72 horas.
Sua mãe a levou para a linha de partida na manhã da
corrida que a lançaria para o estrelato. "Meu pai achou que eu estivesse
maluca e se recusou a vir conosco", relembra Gibb.
"Eu estava vestindo as bermudas do meu irmão,
um traje de banho por baixo, uma blusa e um boné na cabeça."
Depois de correr alguns quilômetros de aquecimento,
ela voltou para a área de partida, onde se escondeu o melhor que pôde,
deslizando entre os arbustos próximos.
Quando soou o tiro de largada, Gibb esperou um
pouco. Ela deixou os corredores mais rápidos se adiantarem e, só depois,
juntou-se à multidão.
"Muito rapidamente, os homens atrás de mim
perceberam que eu era mulher, provavelmente estudando minha anatomia vista de
trás", ela conta. "Eu estava muito nervosa. Não sabia o que iria
acontecer. Achei que pudesse até ser presa."
Mas seus temores eram infundados. Em vez de
hostilidade, logo surgiu a camaradagem.
Quando ficou claro que ela precisaria tirar a blusa
devido ao calor, ela expressou seu medo de ser expulsa da corrida para os
homens que a rodeavam. A resposta deles, em uníssono, foi: "nós não vamos
deixar".
"Havia esse mito de que os homens sempre
ficavam contra as mulheres, mas não era verdade", segundo Gibb. "Eles
eram ótimos, bem humorados, amigáveis e protetores; eram como meus
irmãos."
Incentivada pelo companheirismo, Gibb tirou a blusa
de cima do traje de banho e correu com orgulho e liberdade. Seu rabo de cavalo
loiro balançava de um lado para o outro.
Os espectadores que lotavam as ruas – homens,
mulheres e crianças – aplaudiam a corredora quando ela passava. A notícia sobre
a sua participação na maratona era noticiada pelo rádio.
Quando Gibb se aproximou da universidade feminina
Wellesley College, que fica no trajeto, foi um pandemônio.
O momento histórico foi descrito 30 anos depois
pela presidente da universidade, Diana Chapman Walsh, que estava presente
naquele dia como estudante e espectadora.
"Todas nós que lotávamos o trajeto ficamos
sabendo que uma mulher estava disputando a corrida", contou ela. "Nós
examinamos todos os rostos com imensa expectativa até que, pouco à frente dela,
em meio à multidão entusiasmada, surgiu uma onda de gritos de reconhecimento.
Nós vibramos como nunca havíamos feito antes."
"Nós soltamos um rugido naquele dia,
percebendo que aquela mulher havia feito mais do que simplesmente romper a
barreira de gênero em uma corrida famosa."
"As mulheres gritavam e pulavam",
relembra Gibb. "Uma delas não parava de gritar 'Ave Maria, Ave Maria'. Foi
um momento emotivo para mim."
E Gibb não estava apenas deixando sua marca, ela
estava correndo bem e rápido. Ela percorreu os primeiros 32 km em menos de três
horas. Mas seus sapatos de corrida masculinos recém-comprados começaram a
machucar seus pés e ela começou a correr mais lentamente.
A corrida então mudou para ela. A ansiedade por
poder ser retirada pelos fiscais foi substituída por aquela sensação conhecida
por qualquer corredor de longa distância: uma dolorosa determinação e a ânsia
para atingir a linha de chegada.
Enquanto cumpria seu percurso por Boston,
incentivada pelo tremendo barulho que a acompanhava, Gibb ainda não tinha ideia
da distância que faltava até o fim da corrida.
"Eu não sabia onde estava, nem o quanto já
havia corrido – eu só rangia os dentes e corria", ela conta.
Ao virar à direita na Hereford Street, o barulho
parecia se amplificar. Até que uma última curva à esquerda na Boylston Street
revelou a linha de chegada com que ela sonhava há tanto tempo.
Gibb completou sua primeira Maratona de Boston com
a impressionante marca de três horas, 21 minutos e 40 segundos – à frente de
dois terços dos seus concorrentes.
Uma imagem que hoje é emblemática mostra Gibb
correndo sozinha, com uma careta no rosto à medida que se aproxima da linha de
chegada. Nos dois lados, espectadores esticam o pescoço, ignorando outros
corredores que passavam, ansiosos para observar a primeira mulher a cruzar a
linha de chegada da tradicional corrida americana.
Ao terminar a corrida, ela foi calorosamente
cumprimentada pelo governador do Estado de Massachusetts, John Volpe. Ele
apertou sua mão e ofereceu seus parabéns, antes que ela fosse conduzida para um
quarto de hotel onde a imprensa internacional a aguardava ansiosamente.
Depois das entrevistas, o grupo de homens com quem
ela havia corrido a convidou para o tradicional ensopado após a corrida. Mas,
quando eles chegaram, Gibb foi barrada na porta: "desculpe, é só para
homens".
Aquele foi um dia de dramáticas mudanças, mas a
noção de verdadeira igualdade ainda era um sonho distante.
Gibb voltaria a disputar a Maratona de Boston por
mais duas vezes. Em 1967, ela recebeu a companhia de Switzer, frequentemente
retratada como a primeira mulher a participar da corrida. Gibb a venceu por
diferença de mais de uma hora.
No ano seguinte, cinco mulheres disputaram a
Maratona de Boston e Gibb foi a vencedora mais uma vez.
·
A controvérsia
Por muitos anos, a participação de Kathrine Switzer
na corrida de 1967 ofuscou a conquista de Gibb, o que nunca foi bem aceito pela
mulher que realmente foi a primeira a correr na Maratona de Boston, no ano
anterior.
A famosa foto de Switzer tornou-se um símbolo da
luta das mulheres pela igualdade nos esportes, mas a imagem e seu contexto
merecem um exame mais cuidadoso.
Aparentemente, ela mostra Switzer sendo molestada
por um grupo de homens enquanto corre. Mas, na verdade, apenas um homem – um
dos diretores da corrida, Jock Semple – tentava retirar seu número de
corredora, sem assédio físico, como a história costuma ser contada.
"Ela havia obtido sua inscrição ilegalmente,
ocultando seu gênero no formulário e pedindo ao seu técnico que fosse retirar o
número", conta Gibb, que correu novamente naquele ano sem um número de
inscrição oficial.
Switzer sempre declarou que, intencionalmente,
nunca fingiu não ser mulher e que usava habitualmente suas iniciais no lugar do
primeiro nome, como fez no formulário de inscrição.
Ela afirma ainda que seu técnico retirou o número
de inscrição na corrida como líder indicado do grupo, não como parte de uma
manobra deliberada.
Gibb conta que se solidarizava com Semple. Ela
acredita que ele foi motivado pela preservação do status da corrida, não pelas
normas sociais antiquadas.
Para ela, "Jock simplesmente receava que a
corrida pudesse perder sua credibilidade junto à União de Atletas Amadores se
tivesse mulheres competindo em uma corrida masculina".
Como se poderia esperar, a imagem de Switzer chegou
às manchetes, alimentando o ódio e a controvérsia, enquanto Gibb novamente
recebia calorosas felicitações.
"Fiquei abertamente na linha de partida em
1967. Ninguém tentou me retirar, não houve problemas", ela conta.
"Todos os homens foram ótimos – até Jock Semple."
Mas a história de Switzer, com sua narrativa de
confronto e antagonismo, era a que refletia o espírito dos anos 1960, ao
contrário da trajetória de Gibb.
Nas décadas que se seguiram, aquela imagem foi
incorretamente transformada na história da primeira mulher a correr na Maratona
de Boston. Mas a posição de Gibb é clara.
"Switzer não foi a primeira, nem oficial. Ela
foi, na verdade, a mulher segunda colocada no segundo ano do que hoje é
conhecido como a divisão pioneira feminina da Maratona de Boston."
As mulheres somente receberam números de inscrição
e tiveram suas inscrições oficiais aceitas na Maratona de Boston em 1972. Mas
as pioneiras da década de 1960 deram os primeiros passos rumo a essa conquista.
"Aquilo mudou a forma como as pessoas pensavam
sobre mulheres corredoras", segundo Gibb.
·
O início das maratonas femininas
Em 1973, a primeira maratona somente de mulheres
teve lugar em Waldniel, na antiga Alemanha Ocidental. Mas os Jogos Olímpicos de
Verão de 1980, em Moscou (na época, capital da União Soviética), ainda não
incluíram a maratona feminina.
A paciência das mulheres estava chegando ao fim,
especialmente depois que o Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM, na
sigla em inglês) pareceu desmentir totalmente qualquer suposta evidência médica
contra mulheres que correm por longas distâncias, com uma declaração publicada
em janeiro de 1980.
"Não existem evidências médicas ou científicas
conclusivas de que correr por longas distâncias seja contraindicado para
mulheres atletas saudáveis e treinadas", diz a declaração. "O ACSM
recomenda que se permita que as mulheres concorram, em nível nacional e
internacional, pelas mesmas distâncias que os homens."
No ano seguinte, o Comitê Olímpico Internacional se
reuniu na cidade alemã de Baden-Baden e aprovou em votação a inclusão da
maratona feminina nas Olimpíadas de 1984, em Los Angeles, nos Estados Unidos.
E, desde então, a prova faz parte dos Jogos Olímpicos.
Esta decisão trouxe efeitos dramáticos sobre a
prática da maratona feminina. Nos últimos 60 anos, o recorde mundial feminino
dos 42 km desabou surpreendentemente, em uma hora e 23 minutos.
Em termos de comparação, o recorde masculino da
maratona caiu apenas 54 minutos nos últimos 115 anos.
·
Depois das vitórias
Gibb continuou correndo todos os dias, mas sua vida
tomou um rumo diferente. Sua contribuição para redefinir as opiniões sobre as
mulheres corredoras foi apenas um capítulo de uma vida variada e maravilhosa.
"Depois daquilo, eu quis questionar tudo –
manter a bola em jogo", ela conta.
Em 1969, ela se formou em filosofia e matemática na
Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Ela se qualificou para a faculdade de medicina e
desejava fazer o curso. Mas, repetindo o ocorrido em Boston, conseguir uma vaga
era difícil para as mulheres. Em uma das entrevistas, ela ouviu que era
"bonita demais" e "iria distrair os meninos no
laboratório".
Por isso, ela começou a trabalhar com epistemologia
e neurociências no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em
inglês), enquanto estudava direito à noite.
Em 1976, ela fundou o Instituto para o Estudo dos
Sistemas Naturais, um grupo de educação e pesquisa sem fins lucrativos. Dois
anos depois, ela foi aprovada no exame da ordem dos advogados nos Estados
Unidos.
Gibb exerceu a profissão de advogada por 18 anos e,
depois, retornou às pesquisas científicas. Desta vez, ela se especializou em
biologia molecular celular, principalmente em doenças neurodegenerativas.
Gibb também é escultora de belas artes e pintora
contemporânea, além de ter escrito diversos livros, incluindo suas memórias,
Wind in the Fire ("Vento ao fogo", em tradução livre).
Mas sua atividade como corredora continua a ser
fonte de inspiração. Em 1996, Gibb foi finalmente reconhecida como vencedora
oficial de três corridas. Ela recebeu suas medalhas e teve seu nome inscrito no
Memorial da Maratona de Boston.
Em 2016, a corrida histórica de Gibb completou 50
anos. A vencedora da Maratona de Boston daquele ano – a corredora etíope Atsede
Bayisa – tomou conhecimento do ocorrido em 1966 e presenteou Gibb com seu
troféu.
"Todos os anos, eles me homenageiam como
vencedora por três vezes, o que é divertido, mas o principal é que eu consigo
encontrar todas essas pessoas fantásticas de todas as partes do mundo, todas as
classes sociais, todos os grupos étnicos, raças e gêneros", ela conta.
"Nós nos amamos, nós fazemos amizades."
Corredora, cientista, advogada, artista e escritora
– Bobbi Gibb fez de tudo e continua promovendo uma mensagem positiva sobre a
igualdade.
"Um dos meus objetivos foi colocar fim à
estúpida guerra entre os sexos, em que os homens precisavam viver em uma
caixinha e as mulheres tinham que viver em outra caixinha", afirma ela.
"Estou sempre combatendo mensagens falsas. A
verdade nos liberta. Tempos atrás, os homens não podiam ter sentimentos e as
mulheres não podiam ter cérebro. E se um homem quiser tricotar? Ele será menos
homem? Não. E se uma mulher quiser dirigir um caminhão? Ela será menos mulher?
Não."
"Todas as pessoas podem ser quem elas
quiserem", conclui Bobbi Gibb.
Fonte: BBC Sport
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