Trump faz
de julgamento histórico ato político e volta a se dizer perseguido
O
empresário Donald Trump se apresentou a um tribunal de Nova York nesta
segunda-feira (15) por supostamente comprar o silêncio de uma atriz pornô
durante a campanha eleitoral de 2016. O caso é o primeiro julgamento penal de
um ex-presidente dos Estados Unidos.
Vestindo
uma gravata vermelha e um terno azul, o candidato do Partido Republicano para
as eleições presidenciais deste ano saudou apoiadores que o aguardavam na saída
da Trump Tower. Ele chegou por volta das 9h30 no horário local (10h30 em
Brasília) ao Tribunal de Manhattan, em Nova York, onde afirmou ser vítima de
"perseguição política".
"Isso
é um ataque aos Estados Unidos. E é por isso que estou muito orgulhoso de estar
aqui", afirmou o republicano de 77 anos, sem responder perguntas dos
jornalistas. "Isso é um ataque contra nosso país. E é um país que está
falhando."
Trump
é acusado de falsificar registros financeiros pouco antes de ser eleito, em
2016, para encobrir um suposto encontro sexual com Stormy Daniels, atriz de
filmes pornográficos. O caso pode levá-lo à cadeia, embora as chances sejam
baixas.
Assim
como em outras situações em que compareceu a tribunais, Trump divulgou uma nota
pela manhã pedindo contribuições à sua campanha para as eleições de novembro,
nas quais deverá enfrentar novamente Joe Biden, o atual presidente dos EUA.
"Isso
é apenas um plano de democratas RADICAIS do DEEP STATE para vir atrás de você e eu sou a única coisa que está impedindo isso", afirma o comunicado, em referência a uma teoria da conspiração segundo a qual há um poder paralelo ao governo federal nos
EUA.
Ao
chegar ao tribunal, Trump se deparou com manifestantes, reunidos em uma praça
do outro lado da rua, que carregavam cartazes nos quais se lia
"perdedor" e "condenem Trump". A polícia montou guarda em
frente à corte, e helicópteros acompanharam o comboio de SUVs pretos que
transportou Trump.
Antes
de iniciar o processo de escolha de um júri para o julgamento, o juiz anunciou
sua decisão de permanecer no caso, rejeitando a mais recente tentativa de
afastamento feita pela defesa de Trump. O julgamento começará oficialmente
quando a acusação e a defesa iniciarem o processo de escolha dos 12 jurados que
decidirão o destino do republicano. Esse processo pode levar duas semanas ou
mais, e o julgamento pode se estender até junho.
Nesta
segunda, dos quase 100 potenciais jurados que compareceram ao tribunal, ao
menos 50 foram dispensados após alegarem que não poderiam ser justos e
imparciais no caso.
Já
Trump parecia ora irritado, ora exausto durante a exposição dos argumentos.
Enquanto um promotor lia comentários do republicano em um vídeo de 2005 do
"Access Hollywood", programa de entretenimento no qual Trump diz que
as mulheres o deixavam "agarrá-las pela vagina", ele permaneceu
imóvel. Em outros momentos, ele parecia cochilar, com a boca entreaberta e a
cabeça caindo sobre o peito.
De
acordo com a Promotoria, Michael Cohen, assessor de Trump, teria pagado US$ 130
mil à atriz Stormy Daniels em acordo para que ela não falasse sobre suposto
caso com o empresário. Depois, já durante seu mandato na Casa Branca, o
republicano teria reembolsado Cohen com depósitos feitos pela empresa de Trump,
em dinheiro disfarçado de despesas legais da companhia, o que violaria, de
acordo com os promotores, leis de Nova York.
A
escolha do júri tem levantado críticas de apoiadores de Trump. O próprio
ex-presidente costuma acusar o promotor Alvin Bragg de caça às bruxas e dizer
que qualquer seleção de jurados durante uma campanha eleitoral será parcial.
Trump
também tem apelado a bravatas e críticas ao juiz do caso, Juan Merchan, e
acusado possíveis testemunhas, como Cohen e Daniels, de mentir. Merchan impôs
uma ordem de silêncio ao republicano, proibindo que ele se manifestasse
publicamente sobre o caso o que não pareceu coibir o
ex-presidente.
"Não
teremos um julgamento justo", disse Trump do lado de fora do tribunal após
o primeiro dia de seleção do júri. "Temos um verdadeiro problema com este
juiz."
Os
promotores já haviam mencionado, no início do julgamento, as críticas de Trump
a testemunhas e funcionários do tribunal. Eles pediram ao juiz para multar o
ex-presidente em US$ 1.000 (cerca de R$ 5.000) por cada uma das três postagens
em redes sociais neste mês sobre Daniels e Cohen. "O réu demonstrou sua
disposição de desrespeitar a ordem. Ele atacou testemunhas no caso", disse
o promotor Christopher Conroy.
O
advogado de Trump, Todd Blanche, por sua vez, afirmou que o empresário não
violou a ordem de silêncio porque estava respondendo a declarações públicas das
testemunhas. "As duas testemunhas têm falado sobre o depoimento neste
caso, a reeleição do presidente Trump e, de forma geral, difamando-o
constantemente", disse Blanche.
Embora
o caso seja considerado por alguns especialistas jurídicos como o menos grave
dos quatro processos criminais que ele enfrenta, é o único que com certeza irá
a julgamento antes da eleição de 5 de novembro.
Pesquisa
Ipsos/Politico conduzida no começo de março mostra que mais de um terço dos
eleitores independentes nem democratas, nem
republicanos disseram que uma
condenação no caso
diminui sua chance de apoiar Trump. Dada a previsão de disputa acirrada contra Biden, isso pode custar caro. Por
isso, a defesa do republicano tentou até o último instante adiar o
julgamento, recebendo três negativas da corte
de apelação.
Falsificar
registros financeiros no estado de Nova York, a acusação de que Trump é alvo, é
uma contravenção que se torna crime quando o delito é cometido com a intenção
de realizar ou esconder outro crime. É nesse ponto em que se situam as
estratégias da Promotoria do estado de Nova York, que acusa Trump, e da defesa.
O
promotor Bragg e sua equipe tentam provar e convencer o júri de que o acordo de
silêncio com Daniels tem relação com a intenção de cometer ou esconder outro
crime Trump não precisa ser formalmente acusado por esse
eventual outro crime. Não é a legalidade em si do pagamento que é alvo da acusação, portanto.
A
Promotoria trabalha com a tese de que esse não é o único caso de compra de
silêncio ocorrido durante a campanha de 2016, o que poderia se relacionar a um
esforço maior para impulsionar as chances eleitorais de Trump na ocasião e,
assim, a um delito eleitoral do estado e a uma violação relativa ao
financiamento de campanha.
A
forma como Cohen foi reembolsado também é alvo da acusação e pode se relacionar
a um delito de fraude fiscal. Pesa contra o republicano no julgamento o fato de
que seu ex-assessor rompeu com ele e provavelmente será testemunha de acusação.
A
defesa deve começar por explorar justamente esse rompimento entre os dois,
argumentando que Cohen tenta incriminar Trump por desavenças pessoais, dado que
o ex-assessor do republicano é possivelmente a única testemunha que poderia
ligar o republicano à falsificação dos registros financeiros.
Há
também a tentativa de pintar o pagamento a Daniels como uma questão privada que
teve apenas violações técnicas de registro financeiro, reduzindo assim seu
escopo e eventual conexão com outro crime.
Ø 50 candidatos ao júri são dispensados por afirmar que não seriam
justos com Trump
No
começo do primeiro dia, uma leva de 96 potenciais jurados foi levada ao
tribunal. O juiz perguntou a eles se poderiam ser justos e imparciais ao julgar
Trump. Cerca de metade disse que não e foi dispensada. Depois disso,
outros 9 afirmaram que não poderiam servir como jurados por outra razão não
especificada.
Se
não for possível selecionar os 12 jurados e 6 reservas entre as primeiras 96,
mais candidatos serão levados ao tribunal. Foi convocado um grupo de 500
pessoas do qual vão sair os 18 escolhidos.
As
pessoas selecionadas como juradas serão responsáveis por decidir se o
ex-presidente dos Estados
Unidos cometeu crime ao esconder
contabilmente os US$ 130 mil que Trump pagou à atriz pornô Stormy Daniels, em
2016, para que ela não revelasse na reta final das eleições presidenciais
daquele ano que os dois haviam tido um caso extraconjugal. Trump nega ter tido
uma relação com Daniels.
O
primeiro dia terminou sem que um único jurado fosse escolhido. Por isso, o
processo de seleção continua nesta terça-feira (16).
O
juiz do caso, Juan Merchan, disse que o mais importante em um jurado é a
capacidade da pessoa de colocar de lado seus sentimentos pessoais e o viés
que tem em relação a Trump para dar uma decisão baseada em evidências e na lei.
O
juiz perguntou a uma das mulheres que ainda permaneciam entre os candidatos se
ela tinha “opiniões fortes” sobre Trump. Ela respondeu sim, e foi dispensada.
Os
candidatos responderam perguntas sobre os seguintes temas:
- Quais são os hobbies deles?
- Como eles se informam?
- Eles têm “opiniões fortes” sobre Trump?
- Eles já foram a comícios de Trump? E a eventos políticos
contra Trump?
Com
base nas respostas, a acusação e a defesa podem pedir ao juiz para eliminar
candidatos. Além disso, eles podem eliminar 10 pessoas sem justificativa.
Depois
de escolhidos, os jurados serão conhecidos por números, e não por suas
identidades –o juiz determinou que os nomes serão mantidos em sigilo de todos,
a não ser dos promotores, de Trump e de seus defensores.
·
Trump diz que processo é uma perseguição
Os
advogados de Trump já tentaram trocar a jurisdição do caso, mas os promotores
afirmaram que não há motivo para concluir que não se pode achar 12 pessoas
imparciais e justas entre cerca de 1,4 milhão de residentes de Manhattan (um
dos distritos de Nova York).
Ao
deixar a corte, Trump voltou a dizer que o caso é uma caça às bruxas. “Isso é
perseguição política como nunca houve”, afirmou ele.
Logo
no começo do caso, a defesa pediu para que o juiz se afastasse do caso, o que
ele não fez.
Depois
disso, o juiz Merchan determinou que a acusação não poderia exibir aos jurados
uma fita de vídeo de 2005 que ficou famosa nas eleições de 2016 em que Trump
dizia que agarrava mulheres de forma sexual.
·
Processo histórico
Esta
é também a primeira vez que um ex-presidente é julgado criminalmente na
história dos EUA.
Trump
é acusado por esconder contabilmente os pagamentos que fez à atriz pornô Stormy Daniels,
algo que teria acontecido em 2016, quando venceu as eleições presidenciais.
No
total, são 34 acusações, cada uma delas punível com até 4 anos de prisão. Donald
Trump declarou-se inocente e
afirma que ele é vítima de uma "caça às bruxas" dos democratas para
impedi-lo de voltar à Casa Branca.
Ele
é o único pré-candidato do Partido Republicano nas eleições presidenciais e
disputará com Joe Biden, atual presidente dos EUA, do Partido Democrata. As
eleições ocorrem em 5 de novembro.
No
pior dos cenários para ele, Trump pode ser condenado à prisão,
uma situação inédita na política americana.
As
sessões do julgamento devem ocorrer entre 9h30 e 16h30 do horário local, de
segundas-feiras a quartas-feiras.
·
Entenda a acusação
Segundo
a acusação, o republicano pagou US$ 130 mil (R$ 660 mil na cotação atual) na
reta final da campanha presidencial de 2016 à ex-atriz pornô Stormy Daniels para
que ela se mantivesse em silêncio sobre uma relação sexual extraconjugal que os
dois tiveram em 2006 (Trump sempre negou que tenha tido um caso com Stormy Daniels).
Essas
ações em si não são crimes, mas a promotoria afirma que Trump maquiou
esse pagamento como se fosse um desembolso ao seu advogado. Ou seja, o
ex-presidente está sendo julgado por esconder esse valor nos registros fiscais.
A
promotoria afirma que esse dinheiro, na verdade, era uma despesa de
campanha, já que o propósito final do pagamento era impedir que uma informação
que pudesse atrapalhá-lo na reta final nas eleições de 2016. Portanto, para a
acusação, Trump escondeu um gasto de campanha e deve ser julgado também por
isso.
Quem
fez o pagamento foi Michael Cohen, então advogado pessoal de Trump —e hoje
adversário dele.
Como
havia um grupo de pessoas envolvidas no esquema, também há acusação de
conspiração.
Foi
"uma conspiração para fraudar a eleição presidencial e mentir em
documentos comerciais para encobri-la", segundo o promotor distrital de
Manhattan, Alvin Bragg. Em Nova York, os promotores são eleitos para o cargo;
ele é do Partido Democrata, adversário de Trump.
A
defesa afirma que Trump fez os pagamentos porque estava sendo extorquido.
A
acusação, no entanto, diz que essa era uma prática recorrente de Trump, já que
ele usou esse mesmo esquema outras duas vezes —para pagar um porteiro e uma
outra mulher com quem ele teria tido uma relação.
Para
os promotores, os eleitores americanos foram enganados quando venceu as
eleições presidenciais de 2016 contra Hillary Clinton.
·
Processo zumbi
Esse
processo já foi descrito como "zumbi", por estar há muito tempo no
limbo na Promotoria de Manhattan. Dos quatro casos em Trump é réu, esse é
considerado pelos especialistas o mais fraco.
No
entanto, o processo pode representar um problema nas eleições. Já os outros
processos foram adiados e dificilmente serão julgados antes das eleições, no
dia de 5 de novembro.
Os
advogados de Trump tentaram adiar esse processo também --eles pediram até mesmo
o afastamento do juiz Juan Merchan do caso, mas até agora não tiveram sucesso.
Estes
cidadãos, que serão mantidos em anonimato por razões de segurança, selarão o
destino do bilionário republicano no final de um processo que pode durar entre
seis e oito semanas.
Segundo
o jornal “Washington Post”, o juiz Merchan decidiu que nesse processo não
haverá referências a supostas relações de Trump com outras mulheres.
Para
tomar essa decisão, ele ponderou que esses outros casos são alegações que não
foram provadas --“são rumores, fofocas”, afirmou o juiz. Se essas histórias
fossem mencionadas na corte, iriam fazer com que os jurados tivessem uma
impressão muito negativa de Trump, o que é prejudicial ao réu.
·
Perguntas e respostas
O
advogado brasileiro Cássio Casagrande, que é professor de direito
constitucional na Universidade Federal Fluminense, explica abaixo alguns pontos
desse julgamento.
<<<
Qual é a principal alegação da promotoria contra Trump?
"É
a acusação de fraude contábil. Na verdade, quem pagou o dinheiro para Sotrmy
Daniels foi o advogado dele, Michael Cohen, e ele reembolsou Cohen como se
fosse honorário advocatício, maquiando o pagamento. Esse dinheiro foi usado
como despesa de campanha, não declarada. Se o objetivo era comprar o silêncio
da Stormy
Daniels para que ela não revelasse os fatos. Isso foi um gasto de
campanha não contabilizado, uma ilegalidade".
<<<
Por que há 34 acusações diferentes?
"Em
um mesmo processo, pode haver mais de uma acusação. No caso dele, há uma única
ação, mas com múltiplas condutas criminosas, por isso as múltiplas
acusações".
<<<
Por que são tantas?
"Nos
EUA, é muito comum que a promotoria e a defesa façam acordo. O acusado
reconhece infrações em troca de uma pena menor. Promotores tendem a adicionar
acusações para aumentar a pena e pressionar o acusado. Trump parece não querer
esse acordo, então o promotor está considerando todas as possíveis acusações
criminais".
<<<
Por que o crime está sendo julgado em Nova York?
"O
gasto eleitoral não declarado ocorreu em Nova York, por isso a competência é
lá".
<<<
A promotoria exagera em suas acusações nos EUA?
"Sim,
mas os processos são julgados pelo júri, que decide se há culpa. Muitos casos
acabam em acordo antes do júri. Quanto ao exagero da promotoria, se o advogado
de defesa for bom, pode mostrar a fragilidade da denúncia".
<<<
O caso será transmitido?
"Não,
mas é público. As pessoas podem assistir, e a imprensa tem acesso. Será
interessante ver como Trump se sairá".
<<<
Esse caso é frágil?
"A
prova é difícil. Não diria que o caso é frágil, mas a prova não é fácil devido
à necessidade de provar a ligação com a campanha eleitoral. É importante ver as
provas apresentadas aos jurados para mostrar o dolo eleitoral".
Fonte:
FolhaPress/g1
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