Quando ser
político na Alemanha representa risco de vida
Não
é fácil ser prefeito e ter que enfrentar a ultradireita na Alemanha: consulta
indica que mais de 40% já sofreram ofensas, ameaças ou até agressões. Mas o
país está se armando para defender a democracia.
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A
Alemanha conta quase 11 mil prefeitos, a maioria dos quais trabalhando em
regime não remunerado. E o fato de serem o rosto da política in loco não
impede que sofram constantemente agressões graves. Ao ponto de, em 11 de abril, o presidente Frank-Walter
Steinmeier convocar mais de 80 líderes municipais honorários para escutar seus
problemas e ansiedades.
O
chefe de Estado alemão advertiu: "Quando prefeitos e conselheiros
municipais não podem mais abordar certos temas sensíveis, quando fecham as
próprias contas nas redes sociais ou até renunciam ao cargo ou mandato a fim de
proteger sua família de hostilidades, quando indivíduos que gostariam de se
candidatar desistem para não ser alvo de ódio, aí quem é democrata não pode
simplesmente dar de ombros e aceitar."
Coorganizadora
do encontro, a Fundação Köbler encomendou uma consulta representativa ao
instituto de pesquisa de opinião Forsa. Ela revelou que 40% dos políticos
locais ou pessoas próximas deles já foram ofendidos, ameaçados ou mesmo
agredidos fisicamente devido a sua função. Por essas experiências, mais de um
quarto dos prefeitos honorários indagados já considerou retirar-se da política,
temendo pela própria segurança. Além disso, quase dois terços registram
descontentamento e insatisfação crescentes entre os cidadãos de suas
comunidades.
Para
35%, nos próximos anos o extremismo de direita será um grande desafio em sua cidade. Quase um quinto
relata sobre o avanço de tendências antidemocráticas – no Leste essa proporção
chega a um quarto. Esse resultado preocupa sobretudo em face das três eleições
estaduais no território da antiga Alemanha comunista, em setembro.
·
Das ofensas ao assassinato
Em
fevereiro, o social-democrata Michael Müller vivenciou de perto esse risco, em
sua cidade natal, Waltershausen, no estado da Turíngia, quando alguém incendiou
seu carro, e o fogo se espalhou para a fachada da casa. O político comunal
havia fornecido abrigo a uma família com duas crianças, que felizmente pôde se
salvar. Segundo a perícia, tratou-se uma tentativa de assassinato intencional,
que agora está sob investigação policial.
Müller
não acredita que foi acaso ele ter convocado, dias antes, uma manifestação
contra o extremismo de direita. Tais agressões o preocupam seriamente, pois
"muitos se perguntam se 'vale a pena sacrificar o meu tempo livre por essa
sociedade que, em contrapartida, me ameaça?'" Ele teme que em algum
momento "vai haver cada vez menos gente que sacrifica seu lazer e trabalha
como conselheiro municipal, comunal, prefeito honorário": "Aí eles
vão preferir fazer algo divertido com a família."
Uma
pesquisa representativa realizada no âmbito da iniciativa Rede de Competência
contra o Ódio na Rede confirma uma tendência semelhante nos debates dentro do
espaço digital: quanto mais eles se brutalizam, mais internautas se retiram da
discussão online.
A
prefeita de Colônia, Henriette Reker, escapou por pouco da morte em 2015: um dia antes da eleição,
um radical de direita fanático a esfaqueou na garganta. Andreas Hollstein,
prefeito da cidadezinha de Altena, na Renânia do Norte-Vestfália, foi também
apunhalado na garganta dois anos mais tarde, por um inimigo dos refugiados.
O
assassinato do governador de Kassel Walter Lübcke, por um neonazista, abalou grande parte do país em 2019. Pouco
a pouco chega ao grande público o que sofrem alguns políticos locais no
exercício de seu cargo: forcas postadas em frente de casa, cadáveres de animais
na caixa de correio, cartas de ódio em que se afirma saber onde os filhos
estudam.
·
O motor da democracia não pode engasgar
Para
aguentar, só estando tão convicta do próprio trabalho político quanto a
prefeita da cidade de Zossen, em Brandemburgo, Wiebke Şahin-Schwarzweller. Já
durante sua campanha eleitoral, em 2019, ela sofria ameaças: "Também o meu
marido, que é de descendência turca, foi alvo de calúnias voltadas contra
mim."
Porém
a deputada liberal se defende, e tornou-se um dos políticos que desde 2018 o
presidente Steinmeier consulta sobre o assunto. Pois, ao contrário das figuras
de ponta, os representantes comunais não são devidamente protegidos por
limusines blindadas, guarda-costas nem leis.
Por
isso lutam para estar pelo menos bem conectados em rede e informados, a fim de
poder se defender. Um dos endereços é o portal Stark im Amt (Fortes no cargo),
que oferece suporte a políticos locais. Promotores, policiais e autoridades
estão sensibilizados sobre o assunto.
Em
março de 2022, o governo federal alemão apresentou dez medidas de um plano de
ação contra o extremismo de direita, entre as quais consta a proteção de
mandatários. Para tal, em meados de 2024 será criada uma nova central federal
para os políticos comunais sob ameaça.
O responsável
pela implementação é Marcus Kober, do Fórum Alemão para Prevenção Criminal
(DFK), que explica: "Um primeiro passo muito importante é combater a
sensação de estar sozinho para lidar com a situação." O segundo é
esclarecer se se trata de um delito, qual órgão é responsável, e identificar as
ofertas num sistema de assistência que hoje é bastante desenvolvido.
Kober
está convicto de que os representantes comunais precisam urgentemente de
proteção, pois são quem responde por todas as decisões nos níveis estadual ou
federal. Para ele, trata-se do motor essencial do sistema democrático: quando
ele engasga, a democracia está em perigo.
Ø Ano eleitoral aumenta riscos de violência política, adverte
Allianz
Quase
metade da população mundial irá às urnas antes do final desse ano, em um
‘superciclo’ sem precedentes de eleições. De acordo com um novo relatório
da Allianz Commercial, a
segurança é uma preocupação em muitos territórios, não apenas devido à ameaça
de agitação localizada, mas também por outras consequências relacionadas aos
resultados das eleições como política externa, relações comerciais e cadeias de
suprimentos.
A
principal eleição ocorrerá nos Estados Unidos, em novembro, quando um resultado
apertado pode inflamar tensões existentes. As eleições para o Parlamento
Europeu, em junho, também podem aumentar as divisões, caso os partidos de
extrema-direita ganhem votos e cadeiras. Como a agitação pode se espalhar mais
rápida e amplamente, em grande parte graças às mídias sociais, os custos
financeiros desses eventos para empresas e seguradoras podem aumentar.
Perdas
econômicas e seguradas de apenas sete incidentes de agitação civil nos últimos
anos custaram aproximadamente US$13 bilhões. Com a ameaça do terrorismo também em ascensão, e a
perspectiva de maior perturbação por parte de ativistas ambientais, as empresas
enfrentarão desafios maiores nos próximos anos e precisarão antecipar e mitigar
os riscos em conjunto com um planejamento robusto de continuidade dos negócios.
“Tantas
eleições em um ano levantam preocupações sobre o aumento da polarização, com
tensões e agitação civil intensificadas. A polarização e a agitação dentro das
sociedades são alimentadas pelo medo. Elas minam a confiança nas instituições e
desafiam o senso de um propósito comum, baseado em valores compartilhados”, diz
Srdjan Todorovic, chefe de Soluções de Violência Política e Ambiente Hostil da
Allianz Commercial. “No futuro, também esperamos ver uma maior agitação em
torno de questões ambientais, não apenas por parte de ativistas, mas por
aqueles que estão se opondo às políticas governamentais de mitigação do clima”.
·
Todos os olhos nas
eleições dos EUA e União Europeia
A
eleição presidencial nos Estados Unidos provavelmente será acirrada, com o
resultado dependendo de cada estado. Uma pesquisa recente mostra que mais de um
terço dos americanos acredita que a eleição do presidente Biden em 2020 não foi
legítima. A desafeição generalizada entre os eleitores pode ser explorada pela
desinformação criada pela inteligência artificial e disseminada por mídias
sociais. Deepfakes, desinformação e imagens reaproveitadas, além de mensagens
personalizadas, poderiam incitar a agitação ou influenciar partes pequenas, mas
potencialmente decisivas, dos eleitorados.
Já
na União Europeia, alguns especialistas acreditam que diversos estados podem se
inclinar para a direita, principalmente para que partidos populistas ou de
extrema-direita aumentem as cadeiras no parlamento. Qualquer sucesso desses
partidos em toda a Europa poderia resultar em uma crescente oposição às
políticas da UE sobre meio ambiente, imigração e direitos humanos.
“Os
impactos de uma mudança política para a direita e mudanças subsequentes de
políticas perduram muito tempo após o mandato de um partido político”,
acrescenta Todorovic. “Eles mudam fundamentalmente as sociedades e as atitudes
públicas, e fazem com que a próxima mudança eleitoral para o centro ou esquerda
pareça drástica, criando o potencial para cisões e respostas potencialmente
violentas daqueles que se sentem sub-representados por uma mudança de regime”.
David
Colmenares Spence, diretor executivo da Allianz Commercial para a América
Latina, acredita que as eleições de países latinos também não estão isentas do
risco. “Nossa região não está isenta desses riscos. Pelo contrário, as eleições
presidenciais que ocorrerão este ano no México, somadas à conjuntura vivida em
países como Argentina e Colômbia, e as eleições municipais no Brasil apresentam
um desafio importante para as instituições e a sociedade em geral. Para a
indústria de seguros, nosso compromisso é continuar acompanhando e protegendo a
vida e o capital de milhões de pessoas e empresas na América Latina,
proporcionando segurança, confiança e suporte”.
·
Ativismo ambiental e
ameaça terrorista devem aumentar
Entre
2022 e 2023, os incidentes de ativismo ambiental aumentaram cerca de 120%. Um
exemplo impactante foi o ataque incendiário a um poste de eletricidade na
Alemanha por um grupo extremista de esquerda. Isso suspendeu a produção em uma
fábrica local da Tesla em março deste ano, levando a perdas econômicas
estimadas em centenas de milhões de euros, de acordo com relatos. Além de
protestos de alto perfil, há também uma tendência em direção ao uso de táticas
mais direcionadas em indivíduos ou políticos. Existe a possibilidade de que os
protestos ambientais possam se intensificar, alternando de atos de incômodo
para atos criminosos maiores.
O
número de mortes por terrorismo aumentou 22% em 2023, e chegou ao seu nível
mais alto desde 2017, embora o número de incidentes tenha diminuído. O grande
ataque terrorista em Moscou, em março, é um lembrete de que o risco de
terrorismo motivado política ou religiosamente está de volta à agenda global, e
que as perdas podem ser catastróficas. O principal motor do terrorismo islâmico
é a radicalização de perpetradores locais, atualmente alimentada pela guerra
entre Israel e Hamas, o que leva a um aumento dos riscos nos Estados Unidos e
na Europa. No entanto, as políticas externas governamentais também são grandes
impulsionadoras de risco, como prova o ataque em Moscou.
Fonte:
Deutsche Welle/Revista Apolice
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