terça-feira, 23 de abril de 2024

O plano secreto que a pacífica Suécia tinha para construir uma bomba atômica

A Suécia não entra em guerra desde 1814. Mas durante mais de 20 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, este país do norte da Europa, que antes era neutro, teve um plano para equipar as suas forças armadas com a arma mais potente: a bomba atômica. O governo finalmente encerrou o seu programa em 1968, após um longo debate público.

Assim, a Suécia juntou-se a um clube de nações — incluindo a Suíça, a Ucrânia e a África do Sul — que abandonaram os seus programas de armas nucleares e demonstraram ao mundo que o desarmamento nuclear é possível.

A extensão do programa nuclear da Suécia era "desconfortável" para os políticos que estavam interessados em melhorar as novas credenciais antinucleares do país. Até que o jornalista Christer Larsson descobriu a verdade em 1985 e forçou a nação a confrontar o segredo da sua história nuclear.

O manto de segredo em torno da história do programa alimentou especulações de que a Suécia ainda abrigava um plano ultrassecreto para desenvolver as suas próprias armas nucleares.

Décadas mais tarde, a Suécia está colocando fim a 200 anos de neutralidade com a sua adesão à aliança da Otan, que possui armas nucleares, após a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Por que os suecos quiseram desenvolver armas nucleares? E por que desistiram?

Em Rusvik, um subúrbio tranquilo de Estocolmo, há um grande edifício escolar que mais parece um instituto de pesquisa secreto. Parece porque já foi. A sede do antigo Instituto Sueco de Pesquisa de Defesa Nacional (FOA) é um dos poucos vestígios físicos remanescentes do programa de armas nucleares da Suécia.

O comandante militar desta nação que adora ser neutra pediu à recém-fundada FOA que preparasse um relatório secreto sobre a viabilidade de a Suécia construir as suas próprias bombas atômicas duas semanas depois de os relatórios e imagens das cidades devastadas de Hiroshima e Nagasaki terem chegado a Estocolmo em 1945.

A Suécia podia ser um país neutro, mas era uma nação cujos líderes acreditavam na neutralidade armada. O preço dessa neutralidade era um exército forte, e os seus líderes entendiam que bombas atômicas estratégicas poderiam ser necessárias no futuro, para preservar essa neutralidade.

O extenso litoral do país e a pequena população tornavam o país "presa fácil" para um adversário como a vizinha URSS da época.

O país nórdico tinha depósitos próprios de urânio, embora de baixa qualidade. Era um país com infraestrutura sólida, graças à sua neutralidade durante a Segunda Guerra Mundial. O plano para desenvolver uma bomba atômica não era tão rebuscado como pode parecer hoje.

Três anos após os bombardeamentos atômicos de Hiroshima e Nagasaki, em 1948, a FOA estabeleceu "a linha sueca" para a produção de uma bomba atômica baseada em plutônio sem necessidade de assistência externa. O plano era produzir plutônio através da fusão do urânio sueco em reatores nucleares suecos usando água pesada.

Operando sob sigilo, os cientistas suecos foram forçados a começar do zero de forma lenta e dispendiosa, devido à falta de fornecimentos de urânio de alta qualidade e à falta de partilha de informações com os Estados Unidos.

Por necessidade, foi também tomada a decisão de ligar o programa de armas nucleares ao programa civil e disfarçar o seu verdadeiro propósito.

"Tínhamos tudo preparado para produzir plutônio de qualidade militar", diz Thomas Jonter, autor de The Key to Nuclear Restraint: The Swedish Plans to Acquire Nuclear Weapons Through the Cold War (em tradução livre: "A chave para a restrição nuclear: os planos suecos para adquirir armas nucleares durante a Guerra Fria").

O plano previa dois reatores. "Um, Ågesta, um reator de água pesada ao sul de Estocolmo e outro, Marviken, construído nos arredores da cidade de Norrköpin, mas que nunca entrou em produção e a ideia era construir 100 armas táticas", explica Jonter.

"Sabíamos exatamente como isso deveria ser feito. Tínhamos tudo, exceto a instalação de reprocessamento e o sistema de transporte de armas."

No entanto, o ritmo lento do programa de armas acabou resultando no seu colapso.

Não houve qualquer debate público sobre os planos, porque a sua existência era conhecida apenas por um pequeno círculo de políticos, oficiais militares de alta patente e cientistas (e, presume-se, espiões soviéticos).

O segredo foi revelado em 1954, quando o comandante sueco Nils Swedlund revelou a existência do programa e argumentou que estas armas eram necessárias para derrotar a União Soviética.

Em abril de 1957, a Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) estimou que a Suécia tinha "um programa de reatores suficientemente desenvolvido para lhe permitir produzir algumas armas nucleares nos próximos cinco anos", uma avaliação que acelerou o cronograma para quatro anos.

O primeiro-ministro da Suécia na época era Tage Erlander, que tinha formação em física e fazia questão de conversar regularmente com autoridades mundiais em física sobre bombas atômicas, incluindo o ganhador do Prêmio Nobel Niels Bohr.

O dinamarquês fez contribuições iniciais brilhantes para a física nuclear e foi contrabandeado para fora da Dinamarca ocupada durante a Segunda Guerra Mundial para se juntar ao Projeto Manhattan, que desenvolveu a primeira bomba atômica.

Quanto mais o primeiro-ministro falava, mais hesitava no seu apoio ao programa de armas nucleares. Procurando consenso, ele adiava repetidamente uma decisão final até que os resultados das negociações sobre o controle de armas entre os EUA e a União Soviética fossem conhecidos.

A sua postura moral — ou manobra política astuta, dependendo em quem se acredita — permitiu que os críticos do plano de armas nucleares se organizassem. Muitas delas eram mulheres.

A Federação Social-democrata das Mulheres (Sveriges Socialdemokratiska Kvinnoförbund, SSKF), liderada por Inga Thorsson "tornou-se a voz mais forte contra o projeto nuclear", diz Jonter.

"As mulheres social-democratas defenderam muito cedo que a Suécia não deveria desenvolver armas nucleares por muitas razões diferentes", diz Emma Rosenberg, pesquisadora de doutorado em Relações Internacionais na Universidade de Estocolmo.

"Em vez de oferecer proteção, estas armas poderiam, na verdade, tornar a Suécia um alvo. Portanto, reduziria a segurança em vez de aumentá-la."

"Elas também argumentaram que seria completamente imoral, dadas as consequências humanitárias do uso de armas nucleares. Portanto, um país pacífico como a Suécia nunca poderia contribuir para o tipo de sofrimento causado pelas armas nucleares."

A contribuição de mulheres como Thorsson para o debate geralmente não era bem-vinda. "Elas eram desprezadas como mulheres basicamente emocionais que não deveriam falar sobre coisas que não entendiam", diz Rosenberg.

"E a política de defesa era considerada como algo que naquela época só os homens eram capazes de abordar."

Quando outros grupos se juntaram às mulheres da SSKF, como o Grupo Sueco de Ação em Armas Nucleares (AMSA), a opinião pública começou a mudar.

Foi uma mudança ajudada pelo colapso do apoio militar às armas. O Exército, a Força Aérea e a Marinha Suecas perceberam o quão caros elas eram e seriam necessários cortes em todos os três ramos para pagar por elas.

A atitude negativa dos EUA em relação aos planos nucleares suecos também foi importante, dada a crescente cooperação de defesa entre os dois países em outras áreas, incluindo o uso de pistas suecas para receber bombardeiros norte-americanos.

Os militares suecos e o programa civil de energia nuclear passaram a depender da tecnologia americana para coisas como sistemas de mísseis, a concepção de nova água leve para reatores nucleares civis e até mesmo combustível nuclear — o que na verdade dificultou para a Suécia desenvolver as suas armas nucleares.

A certa altura, a Suécia até explorou a aquisição de armas nucleares americanas.

Houve também uma opinião crescente entre a elite sueca de que o país não precisava desenvolver as suas próprias armas nucleares porque o país estava protegido sob a égide nuclear dos EUA, embora não fosse membro da Otan.

"É importante destacar que não houve acordo formal", afirma Jonter. "Li o diário do primeiro-ministro e ele não o menciona em lugar nenhum, porque teria sido muito difícil para qualquer uma das partes assinar um acordo desses."

O que ele encontrou foram documentos políticos americanos afirmando que Washington estaria "preparado para prestar assistência à Suécia como parte de uma resposta da Otan ou da ONU" contra a agressão soviética.

"Mas para que esse tipo de acordo realmente signifique alguma coisa, tem de ser formalizado", diz Rosenberg. A investigação de Jonter não encontrou provas da existência de um acordo.

Durante a década de 1960, sob a liderança da política e diplomata Alva Myrdal, a Suécia tornou-se estreitamente ligada aos esforços internacionais para impedir a propagação de armas nucleares, com uma campanha redobrada contra as próprias armas suecas. Mesmo os defensores do plano original queriam agora apenas que a pesquisa continuasse, mas não a produção.

Essa mudança se refletiu na opinião pública. Em 1957, 40% do público apoiava a aquisição de armas nucleares, com 36% contra e 24% indecisos. Oito anos depois, apenas 17% concordavam, com 69% contra e 14% indecisos.

Por isso, não foi nenhuma surpresa quando, em 1966, os suecos abandonaram o projeto de produção de armas nucleares, nem quando assinaram o Tratado de Não Proliferação em 1968 e o parlamento votou pelo fim completo do programa, embora tenham sido realizadas pesquisas limitadas nos anos 1970.

Jonter destaca que a experiência da Suécia pode servir de lição no mundo de hoje.

"Uma lição é que produzir armas nucleares não é assim tão fácil", diz Jonter, "mesmo que o país tenha uma infraestrutura nuclear interna. É muito complicado".

Isso significa que um país que quer produzir armas nucleares precisa cooperar com outras nações tecnologicamente mais avançadas — o que pode criar uma relação de dependência.

Além disso, há a importância de reservar tempo suficiente para o debate público, para que os cidadãos possam compreender verdadeiramente o que significa para o seu país adquirir armas nucleares. "Acho que esta é uma lição muito importante", diz Rosenberg.

É claro que só porque existem lições não significa que os líderes políticos mudarão o seu comportamento.

"Infelizmente", escreveu Jonter na revista Physiscs Today em 2019, "a decisão de se retirar de um acordo nuclear com o Irã sugere que [o então presidente americano Donald] Trump e os seus conselheiros não aprenderam esta... [primeira] lição".

Em 2012, a Suécia transferiu para os EUA o que restava do plutônio que tinha produzido para o seu programa de armas nucleares.

"Houve uma espécie de discussão na década de 1960 sobre uma opção reservada, mas, pelo que sabemos, o programa foi extinto", diz Jonter. "É claro que é segredo, mas politicamente seria impossível para um partido defender a produção de armas nucleares."

Rosenberg é mais direto. "Não resta vontade material ou política. Não produzimos armas nucleares."

¨      Como Suécia 'deixou de ser um país seguro'

Os tiroteios e atentados a bomba que assolaram as maiores cidades da Suécia se espalharam para subúrbios e cidades mais tranquilas, abalando a reputação do país como uma nação segura e pacífica.

Meia hora ao norte do centro de Estocolmo, Upplands-Bro tem clubes náuticos à beira do lago, vilas de madeira vermelho-cobre e apartamentos ladeados por pinheiros.

Mas um rapaz de 14 anos foi encontrado morto numa floresta aqui em agosto, e desde janeiro têm havido vários tiroteios e ataques contra casas e apartamentos.

"É horrível. Fomos acordados por explosões na vizinhança e é assustador", diz Anna Petterson, de 42 anos, que mora em Bro e tem três filhos. "É algo de que estamos cientes, falamos muito e temos medo."

A Suécia tem sido um centro europeu de tiroteios e atentados a bomba relacionados com gangues há vários anos.

Mas, recentemente, a violência se deslocou para fora das áreas urbanas vulneráveis e de baixa renda. A polícia afirma que uma das razões é que os membros das gangues têm cada vez mais como alvo os familiares dos rivais.

Investigadores suspeitam que parte da violência mais recente foi organizada por líderes criminosos baseados em outros países, incluindo a Turquia e a Sérvia.

Mais de 50 pessoas foram mortas em tiroteios até agora em 2023, e houve mais de 140 explosões. No ano passado, mais de 60 pessoas morreram em violência armada, o maior número já registrado.

"O que começou como violência armada entre gangues de jovens que procuravam defender o seu território transformou-se num círculo vicioso de tráfico de armas de fogo e violência armada", explica Nils Duquet, investigador de armas de fogo do Flemish Peace Institute, em Bruxelas.

"As gangues também amadureceram. Não são mais apenas criminosos de rua, mas também estão muitas vezes ligadas a criminosos de alto escalão."

Espectadores inocentes também estão entre os mortos.

Em setembro, um homem de 70 anos e outro de 20 anos foram mortos num tiroteio num pub em Sandviken, no centro da Suécia, e um professor recém-formado, de 24 anos, morreu numa explosão nos arredores da cidade universitária de Uppsala.

Dois homens morreram e uma mulher e outro homem ficaram feridos quando um homem armado abriu fogo neste bar lotado em Sandviken.

Pouco depois, o primeiro-ministro da Suécia, Ulf Kristersson, fez um raro discurso nacional, admitindo que "nenhum outro país na Europa" estava passando por esse tipo de situação. Ele prometeu penas mais duras para a violência mortal.

Evin Cetin, escritora e advogada que representou adolescentes vítimas de tiros e suspeitos, diz que meninos de 13 ou 14 anos estão sendo recrutados por gangues, muitas vezes por meio de promessas de dinheiro e roupas de grife nas redes sociais.

"As crianças usam as suas próprias malas não para carregar livros, mas carregam os mercados de droga na Suécia nos seus próprios ombros", disse ela à BBC durante uma visita a Upplands-Bro, parte de uma visita escolar nacional a mais de uma dúzia de áreas afetadas pelo crime de gangues.

Outros estão tentando resolver o problema organizando patrulhas em áreas afetadas pelas drogas e pela violência.

"Saímos por aí conversando com nossas crianças e jovens – isso aumenta a segurança", diz Libaane Warsame, durante uma caminhada noturna em Jarva, no norte de Estocolmo, em uma noite chuvosa e com vento forte de sexta-feira.

Jarva se parece com muitos subúrbios suecos, com blocos de apartamentos bem conservados, algumas lojas e uma floresta próxima. A principal diferença é que é mais multicultural do que muitos bairros e tem a taxa de desemprego mais elevada de Estocolmo.

Warsame começou a patrulhar as ruas depois que seu filho de 19 anos – que a polícia diz não fazer parte de uma gangue – foi morto em um tiroteio em dezembro de 2020.

"É difícil para [os jovens] ficarem sentados em casa durante horas sem qualquer renda, sem qualquer trabalho. Então, eles saem e ficam por aí e há um grande risco de serem recrutados."

Ele também dirige uma organização que apoia famílias que perderam entes queridos para a violência armada.

Neste ano não houve nenhum tiroteio fatal em Jarva, mas muitos moradores locais dizem que continuam nervosos.

"Não saio tão tarde… porque não quero deixar minha mãe preocupada", diz Gizem Kuzucu, 17 anos.

Ela costuma passar as noites estudando no Framtidens Hus, um centro juvenil, e diz que nenhum de seus amigos teve problemas com a lei. Mas ela foi exposta ao crime nas redes sociais.

"Eu vi muitos vídeos no TikTok [nos quais] as pessoas estão falando sobre crime.”

Outro adolescente do centro juvenil, Libaan, diz que cresceu rodeado de criminosos mais velhos e que "cometeu alguns crimes" quando era mais jovem.

"As crianças aqui são muito, muito más umas com as outras… elas não sabem como falar sobre suas emoções, então o que fazem é atacar", diz o jovem de 18 anos.

A polícia sueca não mapeia atualmente as nacionalidades dos membros das gangues, mas uma investigação realizada pelo Conselho Nacional Sueco para a Prevenção do Crime em 2021 mostrou que os jovens nascidos na Suécia, filhos de pais estrangeiros, estavam sobrerrepresentados como suspeitos em casos de homicídio e roubos.

O governo de coligação de direita, eleito em setembro de 2022, acredita que o aumento da violência das gangues nos últimos anos está diretamente ligado às anteriores políticas de imigração da Suécia. Até 2016, o país tinha uma das leis de asilo mais generosas da Europa.

"Podemos agora ver que a 'exterioridade' e a falta de integração, em combinação com o comércio de narcóticos e o crime organizado, estão criando essa mistura muito, muito tóxica", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Tobias Billstrom, à BBC em setembro.

O governo quer tornar mais difícil aos imigrantes de fora da União Europeia obter benefícios sociais e tornar a pré-escola obrigatória para crianças com pais estrangeiros em algumas áreas, a fim de melhorar as competências na língua sueca.

No início deste ano, tornou-se crime recrutar crianças para participarem de atividades criminosas. E legisladores pretendem duplicar as penas para crimes com armas de fogo e explosões.

A BBC procurou o governo sueco para discutir esses planos, mas não teve respostas.

No Conselho Nacional Sueco para a Prevenção do Crime, órgão financiado pelo governo, a investigadora Klara Hradilova-Selin acredita que o combate ao crime de gangues "deveria ter sido uma questão mais importante" para gestões anteriores, tanto à direita como à esquerda do espectro político.

"Há colegas meus que alertaram, décadas atrás, sobre esse tipo de desenvolvimento de marginalização crescente nas áreas desfavorecidas."

As preocupações sobre a forma como os conflitos entre gangues estão afetando a imagem internacional do país também estão aumentando.

"A Suécia sempre foi vista como um país extremamente seguro. Talvez um dos países mais seguros do mundo. E essa imagem está desmoronando", afirma Hradilova-Selin.

De acordo com um inquérito recente realizado pela Câmara de Comércio de Estocolmo, oito em cada dez empresas suecas questionadas acreditam que será mais difícil atrair talentos, investimentos e visitantes estrangeiros devido à violência contínua.

No centro juvenil Framtidens Hus, os adolescentes têm a oportunidade de dirigir, dançar e fazer podcasts. O ex-criminoso Libaan diz que gostaria de um trabalho que envolvesse escrever ou ajudar outras pessoas, mas acredita que seu futuro também depende da forma como é tratado pelos outros suecos.

"Não me sinto incluído na cultura, embora tenha nascido aqui. Eles meio que me veem como um garoto do gueto que não tem futuro."

 

Fonte: BBC Future

 

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