quinta-feira, 25 de abril de 2024

Liszt Vieira: A esquerda na encruzilhada?

Passado mais de um ano do Governo Lula, a esquerda parece estar numa encruzilhada, o que se percebe até mesmo pela simples leitura dos textos postados em diversos grupos das redes sociais. Refiro-me à atitude a tomar frente ao governo Lula: apoio total, apoio crítico, oposição.

Acho que a grande maioria deve apoiar a posição de apoio crítico, embora existam os que se colocam na oposição ou no apoio total. Mas nem sempre é fácil definir quando apoiar e quando criticar, o que apoiar e o que criticar.

Para garantir a governabilidade, o governo Lula fez concessões importantes ao mercado, aos parlamentares de direita e aos militares. Isso gerou grande quantidade de problemas, como todos nós sabemos. Peço permissão para citar apenas o recente aumento do orçamento militar de defesa, mediante o apoio à PEC que vincula o aumento do orçamento militar ao PIB.

Essa PEC foi apresentada em 2023 pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do partido de Jair Bolsonaro. Ela prevê a destinação de um percentual mínimo de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) às Forças Armadas no primeiro ano de vigência, com aumento anual até chegar a 2%. Caso o patamar mínimo já estivesse em vigor, por exemplo, o orçamento deste ano do Ministério da Defesa subiria dos atuais R$ 126,6 bilhões para R$ 130,8 bilhões.

Por outro lado, o governo negou aumento aos servidores públicos federais este ano O governo federal reiterou em 10/4 último, na chamada Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP), que não vai conceder reajuste ao funcionalismo em 2024. Em relação aos professores, o piso no Brasil hoje está em R$ 4.580,57, para jornada de 40 horas semanais. E mais de 700 municípios não pagam o valor atual do piso dos professores, alegando questões jurídicas. Há uma preocupação de que o ano eleitoral nos municípios dificulte a discussão sobre o aumento e o tema fique para 2025.

São apenas dois exemplos das consequências da política de austeridade fiscal, também chamada “déficit zero”, uma jaboticaba exaltada pelos neoliberais, mas inexistente nos países capitalistas centrais, como os EUA, por exemplo. No Brasil de hoje, estamos diante de uma política econômica conservadora, ao lado de uma política social progressista, embora com arrocho do funcionalismo.

Na atual conjuntura, um fator agravante é a permanência da extrema direita que, embora afetada pela desmoralização de Jair Bolsonaro, se beneficia pelo fortalecimento da extrema direita no mundo. Uma possível, talvez provável, vitória de Trump este ano nos EUA levaria, segundo alguns analistas, a um recrudescimento das conspirações visando a novas tentativas de golpe militar no Brasil ou mesmo a uma tentativa de impeachment. Não há razões para isso, mas também não havia razões para o impeachment da Dilma Rousseff. Inventaram a pedalada fiscal que já existia antes e continuou existindo depois.

Hoje, após um ano do governo Lula, já há quem veja um golpe no ar: a mídia ataca o déficit do governo federal, e não cita os déficits dos governos estaduais bolsonaristas, muito menos o déficit enorme do governo Jair Bolsonaro com Paulo Guedes. E sempre cobra cortes nas despesas públicas, para transferir recursos destinados aos pobres para os ricos encastelados no mercado financeiro.

Além disso, a mídia frequentemente repercute as críticas do movimento evangélico aos costumes apoiados pelos progressistas. Criticam o direito à interrupção voluntária da gravidez (aborto), o direito à liberdade sexual, criminalizam o porte de drogas, mesmo em pequenas quantidades etc.

Diante desse quadro, a esquerda brasileira está praticamente limitada a combater a extrema direita, deixando de lado seus objetivos finais. Ninguém mais fala de socialismo. Os bons parlamentares de esquerda não são mais aqueles que formulam políticas e apresentam bons projetos de lei. São aqueles “bons de briga”, aqueles que enfrentam e combatem a direita e a extrema direita no Congresso e fora dele.

Assim, a posição predominante na esquerda não é mais ser a favor, é ser contra. Em grande parte, a esquerda está pautada pela extrema direita. Isso leva muitos militantes à posição de apoio total ao governo Lula, engolindo sapos e ignorando o descontentamento popular que começa a se manifestar nas pesquisas de opinião. E os problemas vão se acumulando: a questão das plataformas digitais, o sistema público de proteção social e a falta de proteção ao trabalho são alguns exemplos.

A tudo isso devemos acrescentar um quadro internacional conturbado com a guerra genocida de Israel contra o povo palestino, e com a continuação da guerra Rússia x Ucrânia. A hegemonia unilateral dos EUA, segundo muitos analistas das relações internacionais, está ameaçada pela ascensão econômica da China. No plano da política internacional, o governo Lula tem se saído bem, mas – com a distorção da mídia – não sei se essa avaliação chega à maioria da população.

No Brasil, teremos este ano eleições municipais em todo o país. Confesso que meu tradicional otimismo está abalado. Temo que a direita tenha uma vitória expressiva em quase todo o Brasil, abrindo caminho para fortalecer um candidato de direita ou extrema direita para a eleição presidencial de 2026. Os Ministros e altos funcionários de direita nomeados pelo Governo Lula irão trabalhar este ano pelos seus candidatos, é claro. Uma vitória eleitoral da direita na maior parte dos municípios constituiria uma sólida base de apoio para a futura eleição presidencial.

Após esse rápido resumo de algumas questões, sem nenhuma pretensão de esgotar os problemas políticos que temos pela frente, volto ao dilema inicial. Diante dessa encruzilhada, o que devemos fazer? Apoiar mais, ou criticar mais o atual governo? Apoiar o que e criticar o que? Fixar metas a serem atingidas, ou se limitar a combater a extrema direita?

Cabe aos partidos políticos, aos formuladores de opinião e aos movimentos sociais enfrentar esse dilema em busca de soluções que sempre serão provisórias, já que o movimento, o conflito e a mudança são as regras da sociedade. O repouso é a exceção.

Como o então candidato Lula recebeu o apoio de todos os democratas, não só da esquerda, para barrar o candidato fascista da extrema direita, merece nosso firme apoio, é claro. Mas como, para governar, fez acordos com seus adversários da direita, contemplando o mercado com decisões da política econômica, os parlamentares de direita com altos cargos no governo e os militares com o perdão e o esquecimento dos crimes da ditadura militar, além do aumento no orçamento da Defesa, merece nossa crítica pois afasta o Brasil de uma democracia participativa, de um desenvolvimento sustentável, de um caminho norteado por valores socialistas ou, pelo menos, socialdemocratas.

Estamos diante de uma situação complexa e difícil. Passamos de uma rejeição total ao governo Jair Bolsonaro para uma linha de apoio crítico, o que exige ter um pé no institucional e outro no social. Nem apoio total, nem oposição. As eleições municipais deste ano mostrarão se estamos ou não nos saindo bem e apontarão provavelmente novos rumos e correções de rota para enfrentar com sucesso a direita e a extrema direita nas eleições presidenciais de 2026.

 

Ø  Fizemos o L e fazemos greve. Por Lorenzo Vitral

 

De acordo com o portal G1, na hora em que escrevemos este texto, ao menos 51 universidades federais e 79 institutos federais encontram-se em greve por tempo indeterminado, preservando, no entanto, o que é, normalmente, considerado como serviços essenciais.

As perdas salariais dos trabalhadores federais da educação, desde o governo de Michel Temer, são estimadas em 47%. O atual governo propõe reajuste 0% para a educação, embora tenha, de boa vontade, reajustado algumas das categorias do serviço público federal: a PF receberá 24,20% até 2026; a PRF até 27,40%; além de mais sete outras categorias, dentre elas as de auditores fiscais; analistas do Banco Central etc.; e também, como de hábito, categorias do poder judiciário.

Para os trabalhadores da educação, a proposta é 0% para 2024, 4,5% para 2025 e 4,5% para 2026. É evidente que a proposta do governo não atende minimamente à defasagem salarial que nos assola; além disso, para custeio e manutenção das instituições federais de ensino, o governo destinou 5,96 bilhões, mas a ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) indica ser necessário ainda pelo menos mais 2,5 bilhões para o funcionamento mínimo dessas instituições. Por essas e outras razões, a categoria deflagrou a greve em curso.

O fato de recebermos 0% de correção salarial teve um impacto muito grande na classe. Afinal quando algum de nossos alunos recebe 0 (zero) numa avaliação ou prova é sinal de que nada do que tenha feito foi digno de ser considerado pelo professor, o que não faz jus ao fato de, a cada ano, a produtividade das instituições federais de ensino aumentar de forma qualitativa e quantitativa.

Já se colhe, por outro lado, a narrativa de que as Universidades não participaram de luta política nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro e que, de forma oportunista, deflagram uma greve num momento em que é preciso ajudar o governo Lula na reconstrução do país depois da hecatombe da extrema direita no poder.

Essa narrativa precisa ser considerada com certo cuidado. Em primeiro lugar, houve sim uma greve no governo de Michel Temer na ocasião em que se lutou, em 2016, contra a PEC do teto dos gastos que foi, como se sabe, aprovada pelo parlamento, o que tornou inócua nossa luta política naquele momento.

Além disso, não podemos nos esquecer dos protestos estudantis e da classe docente universitária em 2019, conhecidos como o “tsunami da educação”, que ocorreram ao longo daquele ano (por exemplo, em 15 de maio, 30 de maio, 14 de junho, 14 de agosto, 2 e 3 de outubro), sendo a primeira grande mobilização contra o governo de Jair Bolsonaro. Devido a cortes na educação do ensino básico ao superior e congelamentos nas áreas de desenvolvimento de ciência e tecnologia, houve significativa paralisação no ensino superior e básico, acompanhado de protestos liderados por estudantes e profissionais da educação.

Deve-se levar em conta, igualmente, que, a partir de 2020, começamos a viver a epidemia de covid com as consequências que todos conhecemos. É razoável pensar que, desta data até o final do governo de Jair Bolsonaro, com boa parte da população com problemas de subsistência e vivendo o desemprego, seria, de fato, muito oportunista, nos metermos a dar prosseguimento às nossas reivindicações nas condições em que o país e o mundo se encontravam.

Não cabe, portanto, como se anda a sugerir que os trabalhadores da educação “se acovardaram” com Jair Bolsonaro e que agora estamos a “surfar” num momento favorável. O próprio presidente Lula, embora afirme que “não tem moral para falar contra greve” (Correio Braziliense, 10/04/2024) declara, não sem ironia, que, “na gestão anterior, os trabalhadores não se metiam em fazer paralização” (Valor Econômico, 07/04/2023); afirma ainda que agora se pode por a culpa no ministro Fernando Haddad (e não mais no FMI como outrora).

Parece-nos assim haver certa divisão de papéis políticos: nosso presidente tenta preservar seu capital político e o responsável pela economia desempenha o papel de vilão. Trata-se de um truque sempre eficiente, sobretudo, porque Fernando Haddad já parece convencido de que não reúne condições de ser o delfim de Lula em pleitos vindouros.

A justificativa da área econômica recebe, agora, o nome de preservação do déficit zero, eufemismo para o teto de gastos do governo de Michel Temer. Trata-se do velho e bom arrocho salarial que faz fortuna entre nós desde a ditadura militar. Segundo o economista Paulo Nogueira Batista Jr (Brasil247, 19/04/2024), o fator que mais impacta o déficit público são as altas taxas de juros praticadas pela autoridade monetária do Banco Central e não o gasto público, que está sendo contido e é razoável quando comparado com os déficits das principais economias do mundo; além disso, dispomos de superávit primário altamente favorável e reservas cambiais robustas.

Ou seja, o “mercado” e a mídia corporativa acenam com o caos econômico quando se pensa em aumentar o gasto público em setores como saúde e educação porque tenta adiar, ao máximo, uma redução relevante das taxas de juros, as quais não recebem queixas, evidentemente, pelas “atividades” rentistas. Desta cilada, o governo ainda não conseguiu ou não deseja se desvencilhar, ou ainda conta fazê-lo a passos de tartaruga para ficar “de bem” com todos na propagada “frente ampla”.

Resta saber se amplos setores da classe trabalhadora saberão ter a paciência que se espera. Afinal, o atual governo talvez pense, numa lógica sem brio, que ruim com eles, muito pior com a extrema direita, o que pode explicar a nota zero que recebemos.

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

 

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