Liszt Vieira: A esquerda na encruzilhada?
Passado mais de um ano
do Governo Lula, a esquerda parece estar numa encruzilhada, o que se percebe
até mesmo pela simples leitura dos textos postados em diversos grupos das redes
sociais. Refiro-me à atitude a tomar frente ao governo Lula: apoio total, apoio
crítico, oposição.
Acho que a grande
maioria deve apoiar a posição de apoio crítico, embora existam os que se
colocam na oposição ou no apoio total. Mas nem sempre é fácil definir quando
apoiar e quando criticar, o que apoiar e o que criticar.
Para garantir a
governabilidade, o governo Lula fez concessões importantes ao mercado, aos
parlamentares de direita e aos militares. Isso gerou grande quantidade de
problemas, como todos nós sabemos. Peço permissão para citar apenas o recente
aumento do orçamento militar de defesa, mediante o apoio à PEC que vincula o
aumento do orçamento militar ao PIB.
Essa PEC foi
apresentada em 2023 pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do partido de
Jair Bolsonaro. Ela prevê a destinação de um percentual mínimo de 1,2% do
Produto Interno Bruto (PIB) às Forças Armadas no primeiro ano de vigência, com
aumento anual até chegar a 2%. Caso o patamar mínimo já estivesse em vigor, por
exemplo, o orçamento deste ano do Ministério da Defesa subiria dos atuais R$ 126,6 bilhões para R$ 130,8 bilhões.
Por outro lado, o
governo negou aumento aos servidores públicos federais este ano O governo
federal reiterou em 10/4 último, na chamada Mesa Nacional de Negociação
Permanente (MNNP), que não vai conceder reajuste ao funcionalismo em 2024. Em
relação aos professores, o piso no Brasil hoje está em R$ 4.580,57, para
jornada de 40 horas semanais. E mais de 700 municípios não pagam o valor atual
do piso dos professores, alegando questões jurídicas. Há uma preocupação de que
o ano eleitoral nos municípios dificulte a discussão sobre o aumento e o tema
fique para 2025.
São apenas dois
exemplos das consequências da política de austeridade fiscal, também chamada
“déficit zero”, uma jaboticaba exaltada pelos neoliberais, mas inexistente nos
países capitalistas centrais, como os EUA, por exemplo. No Brasil de hoje,
estamos diante de uma política econômica conservadora, ao lado de uma política
social progressista, embora com arrocho do funcionalismo.
Na atual conjuntura,
um fator agravante é a permanência da extrema direita que, embora afetada pela
desmoralização de Jair Bolsonaro, se beneficia pelo fortalecimento da extrema
direita no mundo. Uma possível, talvez provável, vitória de Trump este ano nos
EUA levaria, segundo alguns analistas, a um recrudescimento das conspirações
visando a novas tentativas de golpe militar no Brasil ou mesmo a uma tentativa
de impeachment. Não há razões para isso, mas também não havia razões para o
impeachment da Dilma Rousseff. Inventaram a pedalada fiscal que já existia
antes e continuou existindo depois.
Hoje, após um ano do
governo Lula, já há quem veja um golpe no ar: a mídia ataca o déficit do
governo federal, e não cita os déficits dos governos estaduais bolsonaristas,
muito menos o déficit enorme do governo Jair Bolsonaro com Paulo Guedes. E
sempre cobra cortes nas despesas públicas, para transferir recursos destinados
aos pobres para os ricos encastelados no mercado financeiro.
Além disso, a mídia
frequentemente repercute as críticas do movimento evangélico aos costumes
apoiados pelos progressistas. Criticam o direito à interrupção voluntária da
gravidez (aborto), o direito à liberdade sexual, criminalizam o porte de
drogas, mesmo em pequenas quantidades etc.
Diante desse quadro, a
esquerda brasileira está praticamente limitada a combater a extrema direita,
deixando de lado seus objetivos finais. Ninguém mais fala de socialismo. Os
bons parlamentares de esquerda não são mais aqueles que formulam políticas e apresentam
bons projetos de lei. São aqueles “bons de briga”, aqueles que enfrentam e
combatem a direita e a extrema direita no Congresso e fora dele.
Assim, a posição
predominante na esquerda não é mais ser a favor, é ser contra. Em grande parte,
a esquerda está pautada pela extrema direita. Isso leva muitos militantes à
posição de apoio total ao governo Lula, engolindo sapos e ignorando o
descontentamento popular que começa a se manifestar nas pesquisas de opinião. E
os problemas vão se acumulando: a questão das plataformas digitais, o sistema
público de proteção social e a falta de proteção ao trabalho são alguns
exemplos.
A tudo isso devemos
acrescentar um quadro internacional conturbado com a guerra genocida de Israel
contra o povo palestino, e com a continuação da guerra Rússia x Ucrânia. A
hegemonia unilateral dos EUA, segundo muitos analistas das relações
internacionais, está ameaçada pela ascensão econômica da China. No plano da
política internacional, o governo Lula tem se saído bem, mas – com a distorção
da mídia – não sei se essa avaliação chega à maioria da população.
No Brasil, teremos
este ano eleições municipais em todo o país. Confesso que meu tradicional
otimismo está abalado. Temo que a direita tenha uma vitória expressiva em quase
todo o Brasil, abrindo caminho para fortalecer um candidato de direita ou
extrema direita para a eleição presidencial de 2026. Os Ministros e altos
funcionários de direita nomeados pelo Governo Lula irão trabalhar este ano
pelos seus candidatos, é claro. Uma vitória eleitoral da direita na maior parte
dos municípios constituiria uma sólida base de apoio para a futura eleição
presidencial.
Após esse rápido
resumo de algumas questões, sem nenhuma pretensão de esgotar os problemas
políticos que temos pela frente, volto ao dilema inicial. Diante dessa
encruzilhada, o que devemos fazer? Apoiar mais, ou criticar mais o atual
governo? Apoiar o que e criticar o que? Fixar metas a serem atingidas, ou se
limitar a combater a extrema direita?
Cabe aos partidos
políticos, aos formuladores de opinião e aos movimentos sociais enfrentar esse
dilema em busca de soluções que sempre serão provisórias, já que o movimento, o
conflito e a mudança são as regras da sociedade. O repouso é a exceção.
Como o então candidato
Lula recebeu o apoio de todos os democratas, não só da esquerda, para barrar o
candidato fascista da extrema direita, merece nosso firme apoio, é claro. Mas
como, para governar, fez acordos com seus adversários da direita, contemplando
o mercado com decisões da política econômica, os parlamentares de direita com
altos cargos no governo e os militares com o perdão e o esquecimento dos crimes
da ditadura militar, além do aumento no orçamento da Defesa, merece nossa
crítica pois afasta o Brasil de uma democracia participativa, de um
desenvolvimento sustentável, de um caminho norteado por valores socialistas ou,
pelo menos, socialdemocratas.
Estamos diante de uma
situação complexa e difícil. Passamos de uma rejeição total ao governo Jair
Bolsonaro para uma linha de apoio crítico, o que exige ter um pé no
institucional e outro no social. Nem apoio total, nem oposição. As eleições
municipais deste ano mostrarão se estamos ou não nos saindo bem e apontarão
provavelmente novos rumos e correções de rota para enfrentar com sucesso a
direita e a extrema direita nas eleições presidenciais de 2026.
Ø Fizemos o L e fazemos greve. Por Lorenzo Vitral
De acordo com o
portal G1, na hora em que escrevemos este texto, ao menos 51
universidades federais e 79 institutos federais encontram-se em greve por tempo
indeterminado, preservando, no entanto, o que é, normalmente, considerado como
serviços essenciais.
As perdas salariais
dos trabalhadores federais da educação, desde o governo de Michel Temer, são
estimadas em 47%. O atual governo propõe reajuste 0% para a educação, embora
tenha, de boa vontade, reajustado algumas das categorias do serviço público
federal: a PF receberá 24,20% até 2026; a PRF até 27,40%; além de mais sete
outras categorias, dentre elas as de auditores fiscais; analistas do Banco
Central etc.; e também, como de hábito, categorias do poder judiciário.
Para os trabalhadores
da educação, a proposta é 0% para 2024, 4,5% para 2025 e 4,5% para 2026. É
evidente que a proposta do governo não atende minimamente à defasagem salarial
que nos assola; além disso, para custeio e manutenção das instituições federais
de ensino, o governo destinou 5,96 bilhões, mas a ANDIFES (Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) indica ser
necessário ainda pelo menos mais 2,5 bilhões para o funcionamento mínimo dessas
instituições. Por essas e outras razões, a categoria deflagrou a greve em
curso.
O fato de recebermos
0% de correção salarial teve um impacto muito grande na classe. Afinal quando
algum de nossos alunos recebe 0 (zero) numa avaliação ou prova é sinal de que
nada do que tenha feito foi digno de ser considerado pelo professor, o que não
faz jus ao fato de, a cada ano, a produtividade das instituições federais de
ensino aumentar de forma qualitativa e quantitativa.
Já se colhe, por outro
lado, a narrativa de que as Universidades não participaram de luta política nos
governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro e que, de forma oportunista,
deflagram uma greve num momento em que é preciso ajudar o governo Lula na
reconstrução do país depois da hecatombe da extrema direita no poder.
Essa narrativa precisa
ser considerada com certo cuidado. Em primeiro lugar, houve sim uma greve no
governo de Michel Temer na ocasião em que se lutou, em 2016, contra a PEC do
teto dos gastos que foi, como se sabe, aprovada pelo parlamento, o que tornou
inócua nossa luta política naquele momento.
Além disso, não
podemos nos esquecer dos protestos estudantis e da classe docente universitária
em 2019, conhecidos como o “tsunami da educação”, que ocorreram ao longo
daquele ano (por exemplo, em 15 de maio, 30 de maio, 14 de junho, 14 de agosto,
2 e 3 de outubro), sendo a primeira grande mobilização contra o governo de Jair
Bolsonaro. Devido a cortes na educação do ensino básico ao superior e
congelamentos nas áreas de desenvolvimento de ciência e tecnologia, houve
significativa paralisação no ensino superior e básico, acompanhado de protestos
liderados por estudantes e profissionais da educação.
Deve-se levar em
conta, igualmente, que, a partir de 2020, começamos a viver a epidemia de covid
com as consequências que todos conhecemos. É razoável pensar que, desta data
até o final do governo de Jair Bolsonaro, com boa parte da população com
problemas de subsistência e vivendo o desemprego, seria, de fato, muito
oportunista, nos metermos a dar prosseguimento às nossas reivindicações nas
condições em que o país e o mundo se encontravam.
Não cabe, portanto,
como se anda a sugerir que os trabalhadores da educação “se acovardaram” com
Jair Bolsonaro e que agora estamos a “surfar” num momento favorável. O próprio
presidente Lula, embora afirme que “não tem moral para falar contra greve” (Correio
Braziliense, 10/04/2024) declara, não sem ironia, que, “na gestão anterior,
os trabalhadores não se metiam em fazer paralização” (Valor Econômico,
07/04/2023); afirma ainda que agora se pode por a culpa no ministro Fernando
Haddad (e não mais no FMI como outrora).
Parece-nos assim haver
certa divisão de papéis políticos: nosso presidente tenta preservar seu capital
político e o responsável pela economia desempenha o papel de vilão. Trata-se de
um truque sempre eficiente, sobretudo, porque Fernando Haddad já parece
convencido de que não reúne condições de ser o delfim de Lula em pleitos
vindouros.
A justificativa da
área econômica recebe, agora, o nome de preservação do déficit zero, eufemismo
para o teto de gastos do governo de Michel Temer. Trata-se do velho e bom
arrocho salarial que faz fortuna entre nós desde a ditadura militar. Segundo o
economista Paulo Nogueira Batista Jr (Brasil247, 19/04/2024), o fator
que mais impacta o déficit público são as altas taxas de juros praticadas pela
autoridade monetária do Banco Central e não o gasto público, que está sendo
contido e é razoável quando comparado com os déficits das principais economias
do mundo; além disso, dispomos de superávit primário altamente favorável e
reservas cambiais robustas.
Ou seja, o “mercado” e
a mídia corporativa acenam com o caos econômico quando se pensa em aumentar o
gasto público em setores como saúde e educação porque tenta adiar, ao máximo,
uma redução relevante das taxas de juros, as quais não recebem queixas, evidentemente,
pelas “atividades” rentistas. Desta cilada, o governo ainda não conseguiu ou
não deseja se desvencilhar, ou ainda conta fazê-lo a passos de tartaruga para
ficar “de bem” com todos na propagada “frente ampla”.
Resta saber se amplos
setores da classe trabalhadora saberão ter a paciência que se espera. Afinal, o
atual governo talvez pense, numa lógica sem brio, que ruim com eles, muito pior
com a extrema direita, o que pode explicar a nota zero que recebemos.
Fonte: A Terra é
Redonda
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