Ditadura militar, Amazônia e agropecuária
A Ditadura Militar de
1964 teve não poucas faces, a maioria delas grotescas e condizentes com um tipo
de modernização conservadora que consolida uma sociedade dependente, cujas
características principais é a extremada desigualdade social, a violência
policial e a subordinação ao sistema imperialista hegemônico. Um dos aspectos
mais importantes e necessários de debate refere-se a uma triangulação de pontos
chaves, especialmente ao espaço ocupado pela Amazônia enquanto forma relacional
chave para o desenvolvimento da agropecuária brasileira enquanto ação central
da ditadura.
A expansão do
agronegócio brasileiro se intensificou a partir de sua inserção na dinâmica
global de produção de commodities em larga escala, ocorrida principalmente a
partir das últimas décadas do século passado, assim como pelo acelerado
processo de reprimarização da economia brasileira. Com efeito, observa-se um
processo de expansão da acumulação de capital centrado na produção agrária em
grande escala, disseminada em todo território nacional, mas com relevante foco
na região Amazônica.
O tratamento da atual
fase da produção agrária brasileira não pode, porém, descurar da evolução
histórica e muito especialmente de como a Ditadura Militar consolidou um modelo
econômico cuja exploração agrária com base no latifúndio e na produção em larga
escala de commodities para exportação se assentaram no seu projeto de poder e
dependência econômica.
O núcleo deste artigo
remonta a tese desenvolvida pelo professor Octavio Ianni que em amplas e
originais obras,[i] observa que a Amazônia teve ampla serventia “à economia
política da ditadura”, destacando-se em dois pontos: primeiramente, “é
transformada numa região de grandes negócios”, funcionando como “fronteira de
acumulação capitalista” e base espacial para produção primário-exportadora;
segundo, funciona enquanto espaço para uma contrarreforma agrária, evitando
“qualquer mudança na estrutura fundiária” em outras partes do país através da
“absorção ‘produtiva’ de amplos contingentes do exército de trabalhadores de
reserva, provenientes do Nordeste, Sul e outras partes do país”.
A relação entre o
poder ditatorial instalado em março de 1964 e os setores latifundiários
brasileiros é profundamente reconhecido, sendo parte do bloco histórico que
conformou o regime instalado, ao lado da burguesia financeira, da burguesia
industrial monopolista nacional e internacional e das institucionalidades
militares e jurídicas. Como ponderou Octavio Ianni “a burguesia agrária,
composta de latifundiários e empresários, nacionais e estrangeiros, representa
um elemento importante desse bloco de poder”. A evolução posterior da economia
e da sociedade brasileira parecem nos levar a considerar a perspectiva de
reforço da importância deste elo no projeto ditatorial. Assim, se houve um
segmento da burguesia brasileira que mais ganhou com a ditadura os campeões são
o agronegócio e o setor financeiro.
A escravidão e o
latifúndio foram as formas históricas principais de desenvolvimento das
relações de classe estabelecidas no Brasil. A Lei de Terras de 1850 e mais de
um século depois, o Estatuto da Terra de 1964, apresentam quatro elementos
comuns e fundamentais para entender o Brasil periférico e dependente: (i) a
renda fundiária organiza as relações econômicas; (ii) a superexploração do
trabalho (escravagista e assalariada) definem as relações sociais; (iii) a
cultura política baseada em relações oligárquicas; (iv) o Estado
oligárquico.[ii]
A renda fundiária se
estabelece enquanto fator chave para expansão da acumulação capitalista, isso
por razões que vamos resumir: (a) a chamada renda absoluta, decorrente da
própria propriedade privada da terra, sendo que a apropriação sobre pedaços
crescentes de terras possibilita ganhos extraordinários; (b) a depender das
características das terras e do acesso a certas propriedades como minerais,
energia ou controle sobre acesso de mercados possibilita uma “renda de
monopólio”, por exemplo, as mineradoras e as hidrelétricas têm acesso a essa
benignidade social e natural;
(c) na medida em que
as terras apresentam capacidade produtivas diferenciadas, por exemplo, um lote
de terra mais fértil em relação a outro, temos renda diferencial. Assim, o
controle social sobre a terra é algo que será muito vantajoso e, como resultado,
a burguesia imporá sua relação prioritária com os fundiários, aqueles que
controlam grandes áreas, ou será ela própria uma burguesia latifundiária, como
é o caso brasileiro.
A Amazônia se
constitui em enorme espaço a se obter as diferentes rendas da terra,
constituindo-se tanto fronteira de expansão da acumulação na produção agrícola,
mineral, energética e extrativa em geral, quanto se relaciona ao controle sobre
a produção de rendas extraordinárias a serem obtidas pelos fundiários ou
empresários latifundiários.
A ditadura militar foi
o grande favorecedor dessa exploração extensiva de terras na Amazônia. Octavio
Ianni exemplifica com dois casos exemplares desse processo de entrega da
Amazônia ao grande capital fundiário: o caso da Companhia Jari e o da Companhia
Vale do Rio Cristalino. A primeira pertencia ao magnata estadunidense Daniel
Ludwig e a segunda a transnacional alemã Wolkswagen.
A área de terra doada
pelos generais e por seus empresários foi gigantesca. No caso do estúpido e
bárbaro estadunidense Ludwig, o mister Roberto Campos, avô do atual senhor do
Banco Central, o convocou desde suas torres de marfim a ocupar, explorar, matar
e desmatar infinitamente a floresta e os povos ali vivendo e cantando. Ainda na
calhorda ditadura o Congresso Nacional brasileiro fez uma CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito) em 1966, tratava-se de averiguar o quanto as “terras
brasilis” estavam sendo vendidas aos grupos e interesses internacionais.[iii]
Os dados que Octavio
Ianni, ainda sob a ditadura, divulgou são o retrato mais nítido de como a
ditadura militar tinha projeto de completa entrega do Brasil aos interesses
estadunidenses, algo que as novas gerações devem sim, viu Lula, conhecer: no
caso do canhestro gringo foram três bilhões de metros quadrados vendidos ou
cedidos pela ditadura, no caso da Wolksvagen próximo a 1,4 bilhões de metros
quadrados, algo próximo a seis mil vezes a área do campo do Maracanã neste
caso, medições que devem ser tão conhecidas do povo brasileiro.
A ditadura militar não
somente aprofundou a dependência brasileira, mas criou uma sociedade incapaz de
sair de um círculo de ferro de pobreza e subserviência, sendo o centro disso o
controle sobre a terra e a aniquilação da Amazônia e dos seus povos originários.
Sete mil garimpeiros seguem atuando
ilegalmente na Terra Yanomami
Estimativas do
Ministério dos Povos Indígenas divulgadas na semana passada apontam que o
número de garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, caiu 65%
desde o começo das ações de desintrusão dos invasores e de auxílio humanitário
às comunidades indígenas, há pouco mais de um ano. Dos cerca de 20 mil
garimpeiros presentes até o começo do ano passado, em torno de 13 mil deixaram
o território.
Entretanto, a presença
persistente de 7 mil garimpeiros na Terra Yanomami, mesmo com as restrições de
acesso impostas pelo governo federal em 2023, mostra o tamanho do desafio que o
poder público ainda enfrenta na região. Os dados foram apresentados durante
coletiva na última 3ª feira (26/3) na Casa de Governo, novo órgão federal
responsável pela coordenação das ações no território Yanomami, em Boa Vista
(RR).
Desde o começo do ano,
o governo vem anunciando novas medidas para intensificar a fiscalização e a
proteção das populações indígenas na Terra Yanomami. A principal delas foi a
Operação Catrimani, um esforço conjunto do MPI com o Ministério da Defesa para
facilitar a distribuição de cestas básicas e medicamentos às aldeias.
De acordo com o
governo federal, cerca de 200 comunidades foram atendidas desde o começo do ano
com 11,8 mil cestas básicas distribuídas pela Marinha, pelo Exército e a
Aeronáutica, sob coordenação da FUNAI. Com isso, os pontos de entrega de
alimentos dentro do território aumentaram de 90 para 177, beneficiando em
especial as áreas mais críticas, como Auaris e Surucucu.
O próximo foco de ação
será a desintrusão do restante dos garimpeiros que ainda permanecem no
território Yanomami. “O objetivo a partir de agora é a gente se debruçar em um
planejamento estratégico para a retirada dos garimpeiros, mas também da
retomada do território pelo Povo Yanomami”, destacou Nilton Tubino, diretor da
Casa de Governo.
Em tempo 1:
A retirada dos
garimpeiros iniciada no ano passado animou, ao menos em um primeiro momento, os
profissionais de saúde que passaram os últimos anos sitiados pelo garimpo na
Terra Yanomami. No entanto, os tropeços do governo federal, causados e/ou
intensificados pela falta de cooperação dos militares, trouxe mais preocupação
a quem se dedica à saúde dos indígenas. Em entrevista à Sumaúma, a enfermeira
Clara Opoxina falou sobre os desafios que persistem no atendimento básico às
comunidades Yanomami. Para ela, mesmo com a redução do garimpo, falta o crucial
– a presença efetiva do poder público no território.
Em tempo 2:
A crise Yanomami é
apenas um dos problemas atuais da agenda indígena no Brasil. Para a ministra
Sonia Guajajara, os Direitos dos Povos Originários seguirão sob pressão no
Congresso Nacional com a ofensiva antiambiental da bancada ruralista. “Acho que
em relação à pauta indígena, [a tensão entre Executivo e Legislativo] tende a
piorar cada vez mais, porque são interesses do agronegócio, das mineradoras,
desse setor industrial que depende da exploração dos territórios. Eles vão
continuar batalhando para impedir a demarcação de Terra Indígena”, disse ao
jornal O Globo.
Fonte: Por José
Raimundo Trindade, em A Terra é Redonda/ClimaInfo
Nenhum comentário:
Postar um comentário