'Descobrir que eu era autista já adulta
salvou minha vida', diz enfermeira
Emily Katy tinha 13
anos quando teve seu primeiro ataque de pânico durante uma excursão da escola.
Três anos depois, ela tentou tirar a própria vida — e foi internada em uma
unidade psiquiátrica.
A jovem só foi
diagnosticada com autismo aos 16 anos,
quando sua vida começou de repente a fazer sentido.
Ela começou então a
pesquisar sobre a condição para aprender mais sobre si mesma — e decidiu se
formar em Enfermagem especializada em saúde mental.
Moradora de St Albans,
na Inglaterra, Emily tem hoje 22 anos.
A seguir, ela explica,
com suas próprias palavras, a importância de apoiar crianças neurodivergentes —
e ajudá-las a compreenderem a si mesmas.
·
A história de Emily
Não me lembro
exatamente quando percebi que era diferente. Talvez tenha sido aos seis anos,
quando estava lendo O Diário de Anne Frank, enquanto meus
colegas ainda estavam aprendendo a ler. Ou talvez tenha sido quando eu tinha
oito anos e era zoada por não me encaixar nos padrões. Ou talvez quando percebi
que outras crianças não amavam aprender como eu.
Apesar de saber disso,
os primeiros anos da minha infância foram repletos de alegria. Meus pais se
certificavam de que eu me sentisse amada, e eu passava horas brincando de jogos
de imaginação com meus irmãos.
Aos 13 anos, tive meu
primeiro ataque de pânico em uma excursão da escola. Foi quando o pânico
começou a me consumir. Eu estava ansiosa havia um tempo, mas até aquele
momento, tinha me saído bem em esconder isso. Eu havia tentado bastante me
encaixar nos padrões, fingindo ser como todo mundo, mas meu cérebro não
conseguia mais. Praticamente da noite para o dia, deixei de ser aquela criança
que os professores adoravam ter em sala de aula, e virei aquela criança que os
professores penavam para conseguir que ficasse sentada.
Qualquer coisa poderia
desencadear um ataque de pânico, mas barulho, aglomerações, estranhos, mudanças
de rotina ou pensamentos de morte eram meus principais gatilhos. A escola se
tornou um pesadelo real. À medida que minha ansiedade piorava, comecei
a ter pensamentos mais invasivos sobre coisas ruins acontecendo com as pessoas
que eu amava e sobre germes que estavam deixando minha família doente. Adotei
comportamentos compulsivos, como bater em objetos para tentar impedir que isso
acontecesse. Eu não sabia na época, mas o transtorno
obsessivo-compulsivo (TOC) estava entrando
na minha vida.
Aos 14 anos, fiz
algumas sessões de Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC), e minha escola
implementou alguns ajustes razoáveis. Mas apesar de eu me balançar debaixo da
carteira, fugir da escola e precisar ser levada para fora quando houve uma
simulação de incêndio, porque achei o som do alarme alto demais, ninguém
sugeriu que eu pudesse ser autista. Eu tinha amigos. Tirava 10 em todas as
matérias. Falava com eloquência. Estava apenas ansiosa, eles disseram.
·
'Minha angustia
aumentou, e fui internada'
Aos 16 anos, duas
semanas depois de começar o A-Levels (versão britânica do Enem), tentei tirar
minha própria vida. Eu acreditava que não tinha sido feita para este mundo, e
que o mundo não tinha sido feito para alguém como eu. Meus pais ficaram
arrasados, mas fizeram o possível para tentar compreender e me apoiar. Fui
internada na unidade psiquiátrica de uma instituição de saúde mental infantil e
adolescente (CAMHS, na sigla em inglês), inicialmente de forma voluntária (o
que significa que concordei com a internação).
No entanto, depois de
três semanas, de repente tiraram meu diário de mim, porque era um caderno com
espiral, um item proibido. Anotava absolutamente tudo nele, e era minha única
forma de lidar com um ambiente que parecia tão fora do meu controle. O pior de
tudo é que não havia terminado. E eu não sabia como lidar com aquilo. Minha
angústia aumentou. Exigi receber alta, e depois fui internada compulsoriamente.
Apesar de ter tido o
maior número de colapsos que já tive em um período tão condensado de tempo, e
apesar do meu prontuário listar um traço autista após o outro, meu médico
disse: "Não acho que você seja autista, acho que você simplesmente tem um
alto nível de ansiedade social". Isso foi depois que meus pais e eu
questionamos. Meu prontuário também dizia que "Emily tem ataques
histéricos quando não consegue o que quer". Mas isso acontecia porque
minha rotina havia mudado, o barulho havia se tornado insuportável, e eu não
sabia como lidar com aquilo.
Não faço ideia de como
meu autismo passou despercebido quando era tão óbvio. Em vez disso, após uma
internação de três meses, fui diagnosticada com transtorno de ansiedade
generalizada e transtorno de personalidade mista. Esses diagnósticos incluem
sintomas como perfeccionismo, rigidez, dificuldade de expressar emoções e
outras características que podem facilmente descrever uma pessoa autista
angustiada.
Consegui me reintegrar
à escola, mas ainda estava sofrendo com minha saúde mental. Tive a sorte de
meus pais poderem pagar por uma avaliação privada de autismo, que foi apoiada
pela equipe da CAMHS. Pouco antes do meu aniversário de 17 anos, sentei na frente
de um psiquiatra que me disse: “Acho que há uma explicação para tudo o que você
passou: o autismo”. Naquele exato momento, meu mundo todo mudou. Embora eu
entendesse muito pouco sobre autismo na época, senti um alívio imenso. Como se
tudo o que havia acontecido comigo, não fosse culpa minha.
·
'Percebi que não
estava sozinha'
O ano seguinte foi
conturbado, com uma segunda internação na unidade psiquiátrica e meses sob os
cuidados da equipe de tratamento domiciliar. Eu estava com raiva. Sentia que
havia sido internada porque era autista — e não apenas por ter crescido, me
camuflando, em um mundo que não foi projetado para mim. Sentia que o próprio
ato de ser internada — por causa da minha angústia por ter que abrir mão do meu
diário —, era porque meu cérebro autista não tinha sido compreendido. Embora a
unidade tenha me mantido em segurança, e eu seja grata à equipe que me ajudou,
acabei saindo de lá mais traumatizada do que quando entrei.
Escrever sempre foi
minha maneira de processar as coisas, então criei meu blog "Authentically
Emily" — e comecei a escrever sobre minhas experiências. Com isso, percebi
que não estava sozinha e pude aprender sobre mim mesma com pessoas autistas que
trabalham incansavelmente há tantos anos no espaço de sensibilização online.
Virei membro da
instituição beneficente Autistic Girls Network, e a raiva pelo que havia
passado se transformou em raiva pelo que tantas meninas autistas estavam
passando, em todo o país. Esta foi a motivação para escrever meu livro, Girl
Unmasked: How Uncovering My Autism Saved My Life ("Garota
desmascarada: como descobrir meu autismo salvou minha vida", em tradução
livre). Nunca tive a intenção de escrever um livro de memórias. Mas descobri
que eu não poderia compartilhar o que precisava dizer sem contar ao mundo sobre
meu processo.
Eu não queria que
outros jovens passassem pelo que eu passei. Uma enfermeira em particular da
unidade psiquiátrica tinha me ajudado a sentir menos medo e solidão, e eu
queria poder fazer o que ela tinha feito por mim, por outras pessoas. No último
minuto, troquei minha opção de curso, de Psicologia por Enfermagem para Saúde
Mental.
À medida que avancei
no curso, e meu trabalho de ativismo fora da universidade se desenvolveu,
percebi que a minha motivação havia mudado. Eu estava desesperada para que
jovens neurodivergentes entendessem por que se sentem diferentes, entendessem
como seu cérebro funciona e recebessem o apoio adequado para serem capazes de
prosperar. Em setembro de 2022, me formei como enfermeira de saúde mental — e
comecei a trabalhar com crianças e jovens neurodivergentes.
Em janeiro passado,
fui diagnosticada com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Isso me ajudou a entender as coisas que o autismo não
explicava completamente, como por que eu preciso de tanta força de vontade para
me concentrar em uma conversa e não interromper as pessoas, e por que meus
pensamentos sempre pareceram correr pelo meu cérebro a centenas de quilômetros
por hora, mais rápido do que os de qualquer outra pessoa.
Eu gostaria de ter
mostrado o futuro para mim, aos 16 anos. Adoro trabalhar com crianças
neurodivergentes, e ser escritora é a realização de um sonho de infância.
Espero que, ao compartilhar minha história, desperte conversas sobre a
importância de compreender o autismo no sistema de saúde mental. Quero que
outras meninas autistas saibam que não estão sozinhas.
Fonte: Depoimento
concedido ao jornalista Charlie Jones, da BBC News
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