CAR-T na saúde pública: Brasil investe na
terapia para reduzir custos com câncer
O impacto econômico
dos tratamentos do câncer na qualidade de vida dos pacientes frequentemente é
tema de discussão no âmbito do sistema de saúde. Ao mesmo tempo, a ciência
busca novas abordagens terapêuticas. Uma delas envolve as células CAR-T, que
revolucionaram o tratamento de tipos de leucemias e linfomas, estabelecendo-se,
com resultados promissores, como uma alternativa para pacientes que já não
respondem a outras linhas. O desafio é utilizar o CAR-T na saúde pública a um
custo mais acessível.
Essa abordagem foi
aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora ligada ao
departamento de saúde do governo norte-americano, em 2017. Dois anos depois, um
brasileiro, paciente terminal de câncer, foi destaque mundial ao apresentar remissão
total da doença. Ele foi levado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), onde os médicos
conseguiram autorização para tentar a nova terapia. A tecnologia foi
desenvolvida no Centro de Terapia Celular (CTC), da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), sediada na USP.
Entretanto, um dos
desafios atuais é o alto custo: no Brasil esse tratamento, que é feito de uma
única vez, custa aproximadamente R$ 2 milhões por paciente. De forma resumida,
consiste em retirar células do sistema imunológico do próprio paciente (linfócitos),
modificar geneticamente em laboratório para “ensiná-las” a combater o tumor e
depois inserir novamente no paciente – é o conceito de medicina personalizada.
Mas a expectativa é
que estes custos possam diminuir se houver produção local. Em vista dos
resultados promissores, o governo, com o objetivo de investir no âmbito do
Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) e do novo Programa de Aceleração
do Crescimento (Novo PAC), tem feito parcerias com instituições brasileiras
para o desenvolvimento de tratamentos para câncer com células CAR-T, como conta
Martin Bonanimo, pesquisador do Instituto Nacional de Câncer (Inca):
“É um momento
importante para aproveitar um salto tecnológico que foi feito na pandemia. As
instalações usadas para produzir as vacinas agora podem servir em prol de uma
tecnologia parecida. Podemos utilizar uma instalação que existe e aproveitar o
que temos de conhecimento, qualidade e capacidade”.
• Produção nacional de terapia celular
Recentemente, o
Ministério da Saúde anunciou o investimento de R$ 205,2 milhões para o
desenvolvimento de pesquisa da terapia celular CAR-T em 12 instituições
brasileiras, incluindo o Inca, o Hospital Albert Einstein e a USP. Esses
recursos são vistos com bons olhos já que, com a produção local, o tratamento
poderia ser disponibilizado gratuitamente à população brasileira.
Atualmente, parte do
processo é feito fora do país: a célula do paciente é coletada e enviada para
laboratórios no exterior. Depois de manipulada, volta ao país. Porém, esse
processo demora de um a dois meses, o que para alguns pacientes é tempo demais
– além dos custos na casa dos milhões já mencionados. Isso levou várias
instituições a desenvolverem protocolos de manufatura local.
“Estamos trabalhando
com a ideia de que, dependendo da iniciativa, talvez reduza para quase 10% do
valor que é praticado hoje em dia, eventualmente em até 5%. Ou seja, o mesmo
dinheiro que trata um paciente hoje pode tratar 10 ou até 20. Isso é importante
porque para o sistema de saúde esse tipo de terapia tem uma toxicidade
econômica grande”, afirma Bonanimo.
O Inca é uma das
entidades que têm realizado pesquisas com as células CAR-T com o apoio do
Ministério da Saúde. O foco é desenvolver protocolos para baratear o custo da
produção e permitir sua implementação no Sistema Único de Saúde (SUS), já que
há resultados pré-clínicos publicados.
O pesquisador explica
que é “como se fosse criar um medicamento para cada paciente”. Para o preparo,
são necessários diversos critérios de qualidade, com desenvolvimento
acompanhado pela Anvisa. “Haverá um laboratório de produção celular no Inca.
Isso vai ser gerido com o Bio-Manguinhos, onde as células serão coletadas dos
pacientes daquela instituição”. Bonanimo comenta que toda essa questão será
pactuada pela Anvisa através de um dossiê – selo de qualidade -, descrevendo o
que foi usado para preparar as células, a partir de cada produto, para o
paciente. Essa parceria deve gerar a ampliação rápida da tecnologia em vários
centros públicos e privados no Brasil.
Outra instituição que
realiza pesquisa dessa terapia é a USP. Vanderson Rocha, doutor em hematologia
e terapia celular do HCFMUSP e coordenador de terapia celular da Rede D‘Or,
pontua que a pesquisa de CAR-T iniciou em 2019 no Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto, quando 20 pacientes receberam o tratamento de
forma compassiva. Depois, a pandemia da Covid-19 atrapalhou o desenvolvimento
do CAR-T brasileiro, porque os leitos do hospital foram direcionados para o
atendimento de pacientes com casos graves da doença. Porém, agora, o foco se
volta para a terapia. “A pesquisa mostra que no Brasil somos capazes de
fabricar a custo bem mais em conta”, diz.
E com esse apoio,
recentemente, a Ministra da Saúde, Nísia Trindade, participou do lançamento
oficial do Estudo Clínico com a Terapia Celular CAR-T. O objetivo é desenvolver
um produto nacional e disponível para SUS. Para isso, o estudo irá avaliar o
uso de células CAR-T no tratamento, sem custos, de 81 pacientes com leucemia
linfoide aguda de células B e linfoma não-Hodgkin de células B em cinco
hospitais paulistas.
“Com os resultados,
podemos usar essas células a níveis públicos. Após avaliar como o estudo
funciona, vamos permitir a produção em larga escala. Fizemos um cálculo. No
Brasil, para essas duas doenças, seriam necessários 800 a 1.200 produtos por
ano. Mas, por enquanto, será fabricado em torno de 300 por ano. Isso mostra que
ainda terão pessoas que não vão se beneficiar, principalmente fora da região
Sudeste”, acredita Vanderson Rocha.
No lançamento oficial
do Estudo Clínico com a Terapia Celular CAR-T, foi inaugurado o Núcleo de
Terapia Avançada (Nutera) do Hemocentro de Ribeirão Preto, onde são produzidas
as células CAR-T que serão usadas no estudo. Rocha, responsável pela unidade paulistana
do Nutera, reitera a importância do investimento na ciência: “A sociedade
também é responsável pela ciência e não apenas pelo governo. Devemos investir
na ciência porque ela traz benefícios para todo mundo”, reflete.
• Investimento para impulsionar CAR-T na
saúde pública
O Hospital Albert
Einstein também desenvolve pesquisa de CAR-T. José Mauro Kutner, hematologista
da instituição e coordenador-geral do Centro de Competência em Terapias
Avançadas (CCTA), diz que o governo tem estimulado uma série de iniciativas
para ter terapias inovadoras mais acessíveis pelo SUS e reforça a importância
dessas parcerias:
“O segredo para
avançar é a parceria interinstitucional. Esses grandes nomes trabalham em
conjunto ou até mesmo em paralelo, trocando informações para que isso esteja
disponível no SUS, em quantidade maior, o mais breve possível”, afirma Kutner.
Ainda na visão dele, a
pesquisa em CAR-T não é algo rápido, mas estão todos otimistas com os
resultados da terapia até aqui: “Já me perguntaram se essa é a cura do câncer
definitiva. Sim, ela é para alguns pacientes e para algumas doenças”, pontua.
Outra novidade é que o
Einstein foi escolhido pela Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação
(Embrapii) e com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp) para gerenciar o Centro de Competência em Terapias Avançadas
(CCTA) e, nos próximos anos, receberá investimentos da empresa e da Fapesp para
avançar no estudo de terapias gênicas para tratamentos inovadores: “CAR-T é uma
das modalidades de terapia avançada, mas não é a única.”
Com esse apoio, será
possível ampliar o acesso aos cursos e eventos que a instituição promove na
área. Além disso, atrair e criar startups, integrando-as ao ecossistema de
inovação do Einstein, e associar empresas interessadas em atuar com terapias
avançadas. Neste caso, as parceiras terão direito a benefícios como
consultorias, financiamento de projetos de PD&I e acesso à infraestrutura
do Centro de Processamento Celular do Einstein (CPC) para desenvolver projetos
de pesquisa ou para capacitação de seus profissionais.
Na visão dos
especialistas ouvidos pela reportagem, são iniciativas que podem mudar o curso
de tratamento do câncer: “Conseguir articular a saúde pública é essencial para
gerar soluções para a população”, reflete Martin Bonanimo.
Fonte: Futuro da Saúde
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