terça-feira, 23 de abril de 2024

Aldemario Araujo Castro: A liberdade de manifestação protege a apologia à tortura e o vale tudo na internet?

“O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais deu ganho de causa a um hospital de Belo Horizonte que demitiu um funcionário por ter usado, no local de trabalho e durante o serviço, uma camisa com a imagem do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, com os dizeres ‘Ustra Vive’. Ustra comandou, durante a ditadura militar no Brasil, o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), aparato responsável por tortura de dezenas de presos políticos” (fonte: oglobo.globo.com).

“Com governistas pedindo a retomada dos debates sobre o PL das Fake News após os ataques do dono do ‘X’, Elon Musk, um deputado bolsonarista apresentou um projeto para proibir a regulamentação das redes sociais. A proposta foi apresentada pelo deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO) na segunda-feira, dia 8/4, após o ministro do STF Alexandre de Moraes incluir Musk no inquérito das milícias digitais. No projeto de apenas 1 artigo, Chrisóstomo propõe que seja vedado ao Estado a regulamentação para “garantir a liberdade de expressão e o livre funcionamento das redes sociais”.

As duas notícias mencionadas e tantas outras relacionadas com os fatos destacados renderam e ainda rendem muita movimentação nas redes sociais e na imprensa nos últimos dias. Uma parte significativa das repercussões envolve fortes ataques ao Judiciário brasileiro por promover, na visão dos críticos, ofensas inaceitáveis à liberdade de manifestação de pensamento.

Entre as contrariedades mais recorrentes está a afirmação de que existe uma espécie de perseguição ao “pensamento de direita”. Os registros de discordância, implicitamente ou não, admitem como normal ou aceitável veicular apoio à tortura, exaltar a figura de um reconhecido torturador, realizar ofensas diversas, disseminar notícias falsas e tolerar o incentivo à prática dos crimes mais bárbaros, inclusive envolvendo crianças e adolescentes.

Obviamente, fazer propaganda positiva do torturador, por ser torturador, pode e deve ser enquadrado como apologia ao crime ou criminoso. Não há dúvida de que a tortura é um dos crimes mais abjetos e covardes que podem ser realizados no âmbito do convívio social.

Para afastar qualquer distorção acerca das qualificações jurídicas apontadas são apresentados os termos da Constituição e do Código Penal. Dizem os incisos III e XLIII do art. 5o do Texto Maior, respectivamente: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. Define o Código Penal: “Art. 287 – Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa”.

É evidente que aqueles que fazem apologia à tortura, ao torturador e outras modalidades criminosas igualmente graves e repugnantes não podem buscar guarida para essa miserável conduta na liberdade de manifestação de pensamento, como direito fundamental consagrado na Lei Maior.

Com efeito, a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Aliás, nenhum direito é absoluto, como amplamente aceito nos meios jurídicos. Não é aceitável que o exercício do direito de A afronte ou anule o direito de B. Uma pessoa, qualquer pessoa, não pode dizer, escrever ou propagandear o que bem quiser e entender. Um dos mais claros limites à liberdade de manifestação de pensamento é justamente a não utilização desse direito para exaltar ou incentivar a prática de crimes.

Assim, quando o Poder Público, especialmente o Poder Judiciário, adota medidas duras e enérgicas contra práticas ilícitas nas redes sociais cumpre a Constituição e as leis em vigor. Em última instância, busca-se a preservação do pacto civilizatório. É evidente que um direito, como o da liberdade de manifestação de pensamento, não pode ser colocado acima dos demais, sobretudo para diminuí-los ou subjugá-los. Nessa linha, não pode ser confundida com censura (indevida e ilícita) as restrições necessárias aos excessos, abusos e ilicitudes cometidos e reiterados no campo das comunicações, dentro e fora das redes sociais.

Evidentemente, não existe perfeição (ou ausências de erros) na atuação do Poder Judiciário no Brasil. Para esses desvios do caminho da legalidade e da juridicidade devem ser utilizados os recursos processuais pertinentes e a legítima crítica em padrões respeitosos e republicanos. São inaceitáveis os ataques à soberania nacional, as ofensas pessoais às autoridades constituídas e a vil tentativa de resolver os inevitáveis conflitos em uma sociedade complexa e plural por meio da violência física, psicológica ou da força dos interesses econômicos mais mesquinhos.

As questões relacionadas com a prática de crimes especialmente graves e outros ilícitos que afrontam aspectos fundamentais da interação social não podem ser simplificados como meros embates entre as esquerdas e as direitas (nos plurais).

Sou daqueles que defendem com veemência a existência de princípios civilizatórios básicos ou fundamentais que precedem o debate acerca de escolhas institucionais relevantes. Ao longo da história da humanidade, muito sangue, suor e lágrimas foram “investidos” na construção de um acordo civilizatório que proíbe uma série de condutas visceralmente atentatórias à dignidade da pessoa humana, síntese jurídica dos direitos, garantias e valores mais relevantes para o convívio em sociedade.

O respeito às integridades física e moral, às liberdades de locomoção, de opção religiosa, de orientação sexual, de manifestação de pensamento, a vedação de preconceitos e discriminações, a inviolabilidade da vida privada, da moradia e das correspondências e a inafastabilidade de acesso ao Judiciário são alguns dos direitos que compõem o “mínimo civilizatório”. Esses direitos e garantias não são pautas ou temas de direita, centro ou esquerda. A efetividade desses direitos e garantias são elementos inafastáveis para qualificar como digno o convívio humano em qualquer parte do globo terrestre, independentemente do governo instalado. Não custa lembrar, nesse sentido, que os direitos e garantias individuais inscritos na Constituição brasileira de 1988 não podem ser suprimidos sequer por emendas ao Texto Maior.

É preciso afirmar com todas as letras que o debate sobre o “mínimo civilizatório”, o conjunto de direitos e garantias destacados, não se coloca como um enfrentamento entre esquerdas e direitos (no plural). Trata-se de um debate sobre a civilização e a barbárie. Negar os direitos e garantias fundamentais significa retroceder absurdamente no projeto de afirmação da humanidade rumo à barbárie, ao estado de selvageria e ao império da lei do mais forte.

A discussão sobre os rumos à esquerda ou à direita, sobretudo de um governo, somente se coloca depois do necessário acordo sobre o “mínimo civilizatório”. Assim, é completamente legítimo o debate sobre o tamanho do Estado, o papel do Estado nas atividades econômicas, a formatação das políticas públicas e a forma e a extensão da participação popular. No entanto, são inaceitáveis os discursos, os escritos e as demais ações que miram restringir e negar, de forma claramente indevida, direitos e garantias consagrados nos principais documentos jurídicos da humanidade.

 

       Musk amarrou o cavalo no lugar errado, o Brasil não é uma república de bananas. Por Carlos Wagner

 

Trocando em miúdos a história dos desaforos disparados pelo bilionário nascido na África do Sul e naturalizado americano Elon Musk, 52 anos, contra o ministro Alexandre de Moraes, 55 anos, do Supremo Tribunal Federal (STF). A cúpula do movimento bolsonarista organizou os acampamentos ao redor das unidades das Forças Armadas para pressionar os militares a dar um golpe de estado. Falharam porque os militares legalistas não aderiram ao golpe. O símbolo dessa situação é o 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas deixaram um rastro de destruição nos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Na ocasião, mais de 1,5 mil pessoas foram presas. Várias já foram sentenciadas e outras aguardam julgamento. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por oito anos. O movimento seguinte aconteceu quando a cúpula do bolsonarismo recorreu à extrema direita dos Estados Unidos, pedindo socorro para tentar reverter a inexigibilidade do ex-presidente e pressionar o Congresso e os ministros do STF pela anistia aos presos que estão sendo processados pelo 8 de janeiro. Foi dentro desse contexto que apareceu Musk, disparando desaforos contra o ministro Moraes e ameaçando não cumprir sentenças do STF que determinaram o cancelamento de perfis de golpistas no antigo Twitter, atual X.

Musk elegeu como alvo o ministro Moraes porque ele é responsável pelos processos contra os envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro. E puxou para a bronca o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para aumentar a repercussão dos desaforos. O empresário está fazendo o serviço sujo para a extrema direita americana. Foi rotulado pela imprensa brasileira de extrema direita. É muito mais que isso. Ele não tem fidelidade a ideais, seja lá qual for a sua doutrina política. O negócio dele é aproveitar as oportunidades para ganhar dinheiro. Foi assim que conseguiu vultosos empréstimos do governo americano, durante a presidência do democrata Barack Obama (2009 a 2017) – há matérias na internet. Na questão do Brasil, viu uma oportunidade de apostar nos bolsonaristas que tentaram dar o golpe por acreditar que, caso conseguisse gestar um ambiente que desestabilizasse o atual governo, o que beneficiaria os golpistas, seria visto como a pessoa que abriu o caminho para a volta do bolsonarismo ao poder. Ele está fazendo isso por simpatia aos seguidores do ex-presidente? Não. Vê nisso uma oportunidade de grandes negócios, como ter acesso privilegiado às reservas minerais do Brasil. O que acontecerá com Musk caso os golpistas não tenham sucesso. Nada. Porque, apesar dos desaforos proferidos contra Moraes, ele não cruzou a linha vermelha, como, por exemplo, mandar desbloquear os perfis dos golpistas. De bônus ainda leva a tremenda publicidade que conseguiu com esse episódio. Tem mais o seguinte. O Brasil é um país continental, industrializado, que se perfila entre as 10 maiores economias do mundo e tem uma população de mais de 200 milhões de habitantes. E o mais importante de tudo: é uma democracia jovem mas musculosa, que já se mostrou capaz de resistir a ataques.

O ataque de Musk ressuscitou a necessidade da regulamentação das redes sociais no Brasil. O projeto já foi aprovado no Senado e repousa há três anos nas gavetas da Câmara dos Deputados. O seu relator é o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Nos primeiros dias após os desaforos do empresário contra Moraes, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apressou-se em anular o projeto em tramitação e nomear uma comissão para começar tudo da estaca zero. Lira fez uma manobra para evitar se posicionar contra a atitude de Musk e, com isso, não se envolver em confrontos com os parlamentares bolsonaristas que somam a maioria na Câmara. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PDS-MG), posicionou-se a favor da aprovação da legislação e contra os desaforos disparados por Musk. O presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, lembrou que qualquer empresa que opera no país está sujeita à legislação brasileira. O presidente Lula evitou mencionar o nome do empresário. Mas foi enfático em associar as falas de Musk aos objetivos da extrema direita. Na imprensa e nas redes sociais começa a tomar corpo uma conversa de que o empresário está afrontando os brasileiros. Se essa conversa prosperar poderá encurralar os seus defensores. Como? Apoiar os desaforos de Musk seria ir contra o Brasil. A cúpula do bolsonarismo está atenta a esse assunto. Aqui uma explicação. Tenho falado sobre a cúpula sem dar maiores explicações. Nos dias atuais, o seu núcleo duro é integrado pelo general da reserva Braga Netto, que foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro que tentou a reeleição, Flávio Bolsonaro, senador pelo Rio de Janeiro e um dos filhos do ex-presidente, os pastores neopentecostais Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo) e Edir Macedo (Igreja Universal do Reino de Deus e Grupo Record, um conglomerado de TVs, rádios e jornais) e Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, o partido de Bolsonaro.

Os pastores Malafaia e Macedo não fazia parte da cúpula do bolsonarismo durante o mandato do ex-presidente. Agora fazem e têm a seu dispor centenas de pastores que pregam em seus cultos o discurso do ódio misturado a passagens da Bíblia, tendo como alvo os ministros do STF, em especial um deles, Alexandre de Moraes. Musk é um personagem que contribui para fixar na opinião pública a versão desse grupo sobre os ministros. Enquanto for capa dos jornais, Musk serve a causa dos bolsonaristas. Assim que descer para o pé da página vai ser substituído por outra personagem. É assim que funciona. O importante é manter a bolha da versão funcionando.

 

Fonte: Observatório da Imprensa            

 

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