A inteligência biológica: Não é você quem
controla o seu corpo, é o seu cérebro
O corpo humano dispõe
de dois sistemas de controle: o sistema nervoso (SN) e o sistema endócrino. O
primeiro é um sistema de ação rápida e fugaz, que opera por meio de impulsos
elétricos, um tipo de sinal que é conduzido a velocidades muito elevadas (e.g.,
100 m s–1). Isso confere agilidade, a ponto de o tempo de reação do sistema, em
certos casos, ser praticamente nulo.
O segundo é um sistema
de ação lenta e duradoura, que opera por meio de hormônios, substâncias
químicas que são transmitidas pela corrente sanguínea. A velocidade de
transmissão é bem mais lenta, uma diferença que ajuda a explicar o motivo de o
tempo de reação aqui ser muito mais demorado. O sinal, no entanto, é
persistente: Enquanto o hormônio estiver a circular pelo sangue, as células com
os receptores apropriados continuarão a responder.
Outra diferença
importante diz respeito ao tamanho do alvo e à exatidão do controle. O impulso
transmitido por uma cadeia de neurônios é capaz de atingir um pequeno grupo de
células motoras ou mesmo uma única célula individual. O fluxo sanguíneo não
permite isso. A rigor, os hormônios que estão a transitar pelo sangue afetam
todas as células que sejam portadoras dos seus respectivos receptores.
No que segue, vamos
nos debruçar sobre alguns aspectos do nosso sistema nervoso.
• Cordados dotados de crânio
O sistema nervoso dos
craniados – leia-se: cordados dotados de crânio – é formado pelo (i) encéfalo,
um conjunto de estruturas encerradas no interior do crânio, com destaque para o
cérebro, uma massa de células de consistência gelatinosa e aspecto globoso (em
especial no caso de aves e mamíferos); e pela (ii) medula espinal, um tubo
cilíndrico que se prende à parte posterior do encéfalo e que corre pelo
interior da coluna vertebral.
Nas palavras de
Hildebrand & Goslow (2008, p. 319 e 321): “O encéfalo é o órgão mais
complicado do corpo e também o órgão mais maravilhoso para muitas pessoas. […]
O encéfalo não apenas meramente transmite, rejeita ou armazena informações nos
3 bilhões de impulsos que alcançam suas 1010 células a cada segundo acordado.
Ele transforma a informação, adapta-a e escolhe entre respostas alternativas de
maneiras que ultrapassam nossa presente compreensão.”
• De onde vem o cérebro?
Ao contrário da
medula, que mudou relativamente pouco ao longo da história evolutiva dos
vertebrados, o encéfalo passou por mudanças notáveis, seja no tamanho, seja no
formato.
O encéfalo maduro se
desenvolve a partir de três regiões embrionárias: prosencéfalo (ou encéfalo
anterior), mesencéfalo (encéfalo mediano) e rombencéfalo (encéfalo posterior).
Cada região dá origem a órgãos ou tecidos dotados de funções específicas. O cérebro
é um desses órgãos, o cerebelo é outro.
O encéfalo aumentou
muito de tamanho desde o surgimento dos craniados. Tanto em termos absolutos
como em termos relativos. Veja, por exemplo, como a proporção (encéfalo):
(medula) varia entre as diferentes linhagens. Entre as mais antigas (peixes e
anfíbios), a proporção gira em torno de 1:1 – isto é, o encéfalo e a medula têm
mais ou menos a mesma massa. Entre os mamíferos, no entanto, a relação é bem
desigual, chegando a 50:1 nos seres humanos. A massa do nosso córtex cerebral,
por exemplo, gira em torno de 882 g (ou 8 × 1010 células), enquanto a da medula
não passa de 18 g (2,1 × 109 células).
• O tamanho do cérebro
Outro tipo de
comparação relevante envolve o tamanho do encéfalo (ou do cérebro) vs. o
tamanho do corpo. Há uma correlação positiva bastante significativa entre um e
outro. Eis o comentário de Bonner (1983, p. 67-8): “Há uma correlação inversa
direta entre o tempo de aparecimento de um grupo na história da Terra e as
dimensões do cérebro desse grupo. Num extremo do espectro, os peixes têm
cérebros pequenos e, no outro extremo, os mamíferos possuem os maiores. Isso
sugere uma tendência para o recrudescimento na capacidade de aprendizagem, para
um aumento na flexibilidade da resposta. Note-se, porém, que essa expansão do
cérebro provavelmente corresponde, em grande parte, à expansão de novos nichos
e não apenas à eliminação de animais com cérebros menores. […] [A]inda existem
peixes e eles são abundantes e bem-sucedidos como grupo, apesar da relativa
insignificância de seus cérebros.”
Mas há desvios
importantes nessa correlação. Entre os mamíferos, por exemplo, os primatas se
destacam como sendo portadores de cérebros particularmente grandes. Maiores do
que seria esperado se levássemos em conta apenas o tamanho do corpo. Entre os
primatas, os seres humanos se destacam ainda mais.
Eis a caracterização
de Lewin (1999, p. 448-50): “[P]ode-se dizer que o tamanho do cérebro dos
australopitecíneos era de quase 400 cm3, e que aumentou apenas um pouco ao
longo da história deste gênero. Uma expansão mais marcante é observada com a
origem do gênero Homo, especificamente o Homo habilis/rudolfensis, que viveu
entre 2,5 e 1,8 milhões atrás e possuía um tamanho de cérebro de 650 a 800 cm3.
A variação de tamanho para o Homo ergaster/erectus, datados de 1,8 milhão a
300.000 anos atrás, é de 850 a pouco mais de 1.000 cm3. Medidas equivalentes
para os Homo sapiens arcaicos variam entre 1.100 e mais de 1.400 cm3, ou seja,
maior do que nos seres humanos modernos. Utilizando o quociente de
encefalização (EQ), uma medida de tamanho do cérebro em relação ao tamanho do
corpo, podemos discernir essa progressão mais objetivamente. As espécies de
australopitecíneos apresentam EQs por volta de 2,5, comparados a 2 para o
chimpanzé comum, 3,1 para os primeiros Homo ergaster/erectus, e 5,8 para os
seres humanos modernos.”
Relações como essas
(digo: correlação encéfalo vs. medula ou encéfalo vs. corpo) são convertidas em
índices que podem ser usados para se comparar o grau de inteligência de
diferentes grupos de animais. Sendo que, como regra geral, quanto maior o
tamanho relativo do encéfalo, maior o grau de inteligência. Uma afirmativa que
está ancorada em alguns pressupostos biológicos. Como definiu Jerison (1985, p.
106): “A inteligência biológica em adultos representativos de uma espécie é a
consequência comportamental da capacidade de processamento de informação neural
disponível, além daquela necessária para o controle das funções gerais do
corpo.”
Ora, sabendo que o
cérebro é o centro de controle dos demais órgãos do corpo, não é de estranhar
que os animais maiores sejam portadores de cérebros igualmente maiores. Afinal,
se o corpo de um animal abriga mais células, mais neurônios devem ser necessários
para controlá-las.
• O sistema nervoso humano
O nosso sistema
nervoso pode ser dividido em (i) sistema nervoso central (SNC); (ii) sistema
nervoso periférico (SNP); e (iii) uma divisão autônoma, que compreende o
simpático e o parassimpático. Essa distinção é tanto morfológica como
funcional, embora as três porções sejam interdependentes.
O sistema nervoso
central é uma região de recepção e processamento de estímulos e de emissão de
respostas. Os seus elementos constituintes estão alojados no interior do
esqueleto axial: o encéfalo, dentro do crânio, e a medula espinal, no interior
da coluna vertebral. No que segue, vamos falar apenas sobre o encéfalo.
• O desenvolvimento do encéfalo
O encéfalo é formado a
partir de uma estrutura embrionária chamada de tubo neural, ele próprio oriundo
de uma estrutura anterior chamada de placa neural.
O tubo neural se forma
por volta da quarta semana de gestação, quando o embrião está com 26-29 dias de
idade. O surgimento dssa estrutura marca o início de uma fase de
desenvolvimento referida como neurulação. Mais alguns dias e será possível
observar a presença de dilatações na porção anterior do tubo. São as regiões
encefálicas primárias (prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo), já referidas
antes.
As três regiões irão
se desdobrar em cinco: (i) Prosencéfalo – É a dilatação mais anterior. Durante
o desenvolvimento, as porções laterais se expandem, a ponto de recobrir e
esconder a porção central. Dá origem ao telencéfalo e ao diencéfalo; (ii)
Mesencéfalo – Não se subdivide. No embrião maduro, continua a ser reconhecido
como um canal mais ou menos estreito; e (iii) Rombencéfalo – É a dilatação mais
posterior. Passa por uma subdivisão longitudinal, dando origem ao metencéfalo e
ao mielencéfalo.
Essas cinco regiões
darão então origem às estruturas que compõem o encéfalo (e.g., cérebro,
cerebelo e bulbo). Vejamos.
• O encéfalo maduro
Primeiro. Telencéfalo
e diencéfalo dão origem ao cérebro. O primeiro dá origem aos dois hemisférios
cerebrais. Separados por uma fenda profunda, os hemisférios estão ligados por
uma estrutura mediana chamada corpo caloso. Há ligações menores, mas o corpo
caloso é o principal responsável pela conexão entre os dois hemisférios.
A superfície externa
do cérebro, como muitos de nós já testemunhamos, exibe um curioso padrão de
giros ou circunvoluções, os quais estão separados por fendas (ou fissuras) de
profundidade variável. O exagerado crescimento lateral do teléncefalo encobre quase
que totalmente o diencéfalo, que permanece como uma estrutura ímpar, em posição
mediana.
As paredes do
diencéfalo dão origem ao tálamo e afins (i.e., metatálamo, hipotálamo,
epitálamo e subtálamo).
Segundo. O mesencéfalo
muda relativamente pouco e permanece com a mesma denominação.
Terceiro. O
metencéfalo dá origem ao cerebelo e à ponte, enquanto o mielencéfalo dá origem
ao bulbo (ou medula oblonga). A superfície do cerebelo está coberta por sulcos
(fissuras) de profundidade variável. Essas fissuras dividem o órgão em lóbulos;
estes, no entanto, não exibem a especialização topográfica que se observa nos
hemisférios cerebrais.[
O encéfalo maduro,
portanto, abriga três conjuntos de estruturas (i) o cérebro (hemisférios
cerebrais, tálamo e afins); (ii) o tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e
bulbo), que se une aos hemisférios por meio dos chamados pedúnculos cerebrais;
e (iii) o cerebelo.
Além do sistema
nervoso central, o corpo humano é dotado de um sistema nervoso periférico (SNP)
e de um sistema nervoso autônomo (SNA).
·
Sistema nervoso periférico.
O sistema nervoso
periférico inclui as terminações nervosas, os gânglios e os nervos. As
terminações nervosas estão associadas a fibras sensitivas e motoras, sendo
encontradas tanto em placas motoras como na forma de terminações nervosas
livres. Acúmulos de corpos celulares fora do sistema nervoso central assumem em
geral o formato de pequenas dilatações, referidas como gânglios. Os nervos são
formados por fibras nervosas associadas a tecido conjuntivo. Apresentam-se como
cordões esbranquiçados, tendo como função conduzir (levar e trazer) impulsos
até o sistema nervoso central. São divididos em dois grandes grupos: os nervos
cranianos (12 pares ligados ao encéfalo) e os n. espinais (31 pares ligados à
medula).
• Sistema nervoso autônomo
Em termos funcionais,
o sistema nervoso pode ser dividido em somático e visceral. O primeiro é
responsável pela intermediação entre o sistema nervoso central e os estímulos
vindos de fora (via órgãos dos sentidos). O segundo é responsável pela
intermediação entre o sistema nervoso central e os demais órgãos do corpo. O
controle da frequência respiratória e dos batimentos cardíacos, por exemplo, é
tarefa do sistema visceral.
Tanto o somático como
o visceral têm dois componentes: um aferente ou de ida (leva impulsos das
vísceras até áreas específicas do sistema nervoso central) e outro eferente ou
de volta (traz impulsos de áreas específicas do sistema nervoso central até as vísceras,
terminando geralmente em uma glândula ou em um músculo). O componente eferente
(ou motor) do sistema nervoso visceral é comumente referido como sistema
nervoso autônomo. Este, por sua vez, se divide em sistema nervoso simpático e
sistema nervoso parassimpático, que se distinguem tanto por critérios
morfológicos como fisiológicos. Para os propósitos deste artigo, basta
ressaltar que o simpático e o parassimpático em geral exercem efeitos
antagônicos nos órgãos que enervam (quando o simpático estimula, o
parassimpático inibe).
• Coda
Para concluir, vejamos
um exemplo bastante familiar de como o sistema nervoso controla o nosso corpo.
Considere o que acontece nos chamados reflexos espinais (involuntários).
Diz-se que uma ação ou
reação é voluntária quando nós temos um significativo grau de controle
consciente sobre ela. Ocorre que muitas das nossas reações, notadamente em
situações de perigo, são involuntárias. Em uma reação involuntária, nós a
princípio não temos consciência do que está sendo processado, o que significa
dizer que nós não escolhemos deliberadamente esta ou aquela resposta. É o que
acontece, por exemplo, nos chamados reflexos de retirada. Pare e pense: O que
se passa quando você inadvertidamente espeta o dedo em uma agulha ou bate com o
pé na quina da cama? Presumo que a sua resposta não seja muito diferente da
minha: Nós reagimos imediatamente, sem pensar.
Resumidamente, o que
se passa é mais ou menos o seguinte: O sinal vindo de fora é transmitido até o
cérebro por uma via de entrada do sistema nervoso, passando pela medula. A
reação imediata (retirar o dedo da agulha ou o pé do obstáculo) é determinada por
circuitos nervosos que atuam no nível da própria medula, a partir de onde um
sinal de resposta é transmitido por uma via de saída até um grupo muscular
apropriado.
Em casos assim, nós só
começamos a ter consciência do que se passou (o acidente, a ferida etc.) –
incluindo a nossa própria reação (os movimentos musculares que resultaram no
afastamento da mão ou do pé em relação à fonte de dor) – alguns segundos após o
desfecho do episódio. Como a reação não foi decidida no plano da consciência,
diz-se que se trata de uma reação involuntária.
Muito do que acontece
em nosso corpo é involuntário. No fim das contas, portanto, não se iluda: Quem
está a controlar o seu corpo (digo: a fisiologia interna e parte do
comportamento externo) não é você (digo: não é o seu eu autoconsciente), mas
sim o seu cérebro (digo: o seu sistema nervoso).
Fonte: Por Felipe A.
P. L. Costa em a Terra é Redonda
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