A formação de uma consciência coletiva de
resguardo aos direitos indisponíveis
A história do direito
do trabalho confunde-se com a própria história dos direitos sociais, desde o
arremesso de tamancos nas máquinas de produção como protesto e exercício da
força coletiva, até a positivação dos direitos sociais nas cartas políticas
pelos Estados que passaram a legitimar o viés de bem-estar social.
Portanto, o direito do
trabalho abrolha e se desenvolve como garantidor de condições de trabalho
compatíveis para com a dignidade da pessoa humana frente à exploração da
mão-de-obra pelo capital.
A força do capital, na
condição de sistema regente, exerce indubitável influência nas relações
sociais, perpassando a existência individual humana para além do domínio
financeiro. O tecido social como um todo recebe a influência do sistema, seja
para ditar os meios de subsistência, as políticas públicas, a cultura ou a
forma como se estabelecem as relações em determinado espaço e tempo.
Nos últimos anos, os
avanços da neurociência permitiram concluir pela incapacidade do indivíduo de
superar o seu meio, mesmo para os pequenos grupos, traduzindo-se em um possível
conceito de hiper ou hipossuficiência ao se admitir, nas relações sociais ou
jurídicas, uma manifesta disparidade de poder para além da perspectiva
econômica.
Nesse viés, os
direitos sociais são tomados como direitos fundamentais de segunda geração e,
portanto, não admitem quaisquer supressões ou alterações que não para ampliar o
seu rol a partir da concepção de melhoria das condições sociais dos
trabalhadores.
Consequentemente,
tendo a Constituição como um vetor axiológico normativo vinculante, os direitos
sociais passam a irradiar princípios que vinculam a hermenêutica processual, no
novo paradigma de constitucionalização do direito.
Muito além de
prestigiar a dignidade da pessoa humana, no seu sentido stricto sensu,
o direito o trabalho vem resguardar a segurança e a saúde do trabalhador
através da melhoria do ambiente de trabalho com a sua regulação baseada em
critérios científicos e técnicos.
Disso, de substancial
importância, o Movimento Abril Verde chama à cautela a relevância de se
instituir uma cultura de segurança e saúde no trabalho, chamando, também, à
reflexão de qual consciência coletiva se quer construir tomando-se os valores
sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana para garantir a redução dos
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Dessas considerações,
destaca-se a limitação da jornada de trabalho, a qual surgiu não apenas como
perímetro à exploração da força de trabalho, mas, em última análise, como
medida de segurança, impedindo a fadiga, responsável significativamente pelos
acidentes de trabalho que ocorrem, preponderantemente, em prorrogação de
jornada.
Nessa perspectiva, não
se pode olvidar que a construção de precedentes pelo Poder Judiciário deve,
igualmente, adotar o viés de constitucionalização do direito do trabalho, a fim
de dar a máxima efetividade aos direitos sociais.
Posto isso,
recentemente a Suprema Corte, reconhecendo a repercussão geral do Tema 1046,
firmou a tese de que são constitucionais os acordos e as convenções coletivos
que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou
afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação
especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos
absolutamente indisponíveis.
Tal tese tem suscitado
possíveis equívocos em sua aplicação no exercício da jurisdição, especialmente
pela nebulosa interpretação da parte final, isto é, o respeito aos direitos
absolutamente indisponíveis.
Atualmente, são
inúmeras as normas coletivas permitindo a prorrogação de jornada em ambientes
insalubres sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do
Trabalho, valendo-se tanto da tese mencionada, quanto da nova disposição
instituída pela Lei nº 14.467/17, a famigerada Reforma Trabalhista, que, a todo
modo, manifesta-se possivelmente inconstitucional.
No caso, parece não
ser passível de negociação coletiva a dispensa de autorização da autoridade
competente para jornada em ambiente insalubre, pois se cuida de direito
fundamental à saúde e a segurança do trabalhador, bem como do direito à redução
dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas.
Nessa senda, tem-se o
voto condutor do Ministro Gilmar Mendes, nos autos do landing case do
tema supracitado, o qual balizou que os limites da negociação coletiva estão
contidos na própria jurisprudência consolidada do STF e do TST em torno do
tema, o que inclui o firmado na Súmula n.º 85, inc. VI, da Corte Superior do
Trabalho (expressamente mencionada no voto).
Aliás, entre as três
balizas fixadas pelo Ministro, encontra-se, justamente, a de “disponibilidade
ampla dos direitos trabalhistas em normas coletivas, resguardado o patamar
mínimo civilizatório”, onde esse incluiu o respeito aos direitos absolutamente
indisponíveis e constitucionalmente assegurados.
Para a fixação dessa
baliza, o Ministro Gilmar Mendes estabeleceu que as cláusulas de convenção ou
acordo coletivo não podem ferir um patamar civilizatório mínimo, composto, em
linhas gerais, por: normas constitucionais; normas de tratados e convenções internacionais
incorporadas ao Direito Brasileiro; normas que, mesmo infraconstitucionais,
asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores.
Em complemento,
buscando-se subterfúgio na jurisprudência da Suprema Corte, tem-se o voto da
Ministra Rosa Weber na Rcl n.º 50845 e o entendimento do Ministro Roberto
Barroso em seu voto no REX n.º 590.415/SC, no qual afirma que, embora o
critério definidor de quais sejam as parcelas de indisponibilidade absoluta
seja vago, afirma-se que estão protegidos contra a negociação in pejus os
direitos que correspondam a um “patamar civilizatório mínimo”, como a anotação
da CTPS, o pagamento do salário-mínimo, o repouso semanal remunerado as normas
de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, a
liberdade de trabalho etc.
Portanto, qualquer
norma coletiva que dispense o estabelecido no art. 60 da CLT pode representar
afronta a tese de repercussão geral fixada no Tema 1.046, sendo, ainda,
possivelmente inconstitucional, pelos mesmos argumentos, o art. 611-A, inc.
XIII, da CLT.
Há de se ponderar,
ademais, que a segurança, em sentido lato, tem tratamento constitucional e
indisponível, conforme pode se depreender do voto da Ex-Ministra Ellen Gracie
ao proferir seu voto no RE 559.646-AgR, no sentido de que “o direito a
segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a
implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar
condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço”.
Disso, parece não
haver espaço para interpretar a dispensa de autorização da autoridade
competente em prorrogação de jornada em ambiente insalubre como sendo um
direito disponível, na medida em que o direito à segurança e à saúde do
trabalhador são garantias fundamentais. Assim, as interpretações dissonantes,
muitas vezes decorrente do automatismo e pressão do capital, parecem não
atender ao novo paradigma de constitucionalização do direito.
Com essas ponderações,
chama-se à reflexão de qual consciência coletiva se quer construir tomando-se
os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana para garantir a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene
e segurança. O debate continua na audiência pública promovida
pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, nesta quinta-feira, 18/04 que
inicia às 14h.
Fonte: Por Leandro
Martins Müller e Emily Nunes Teles, para Combate Racismo Ambiental
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