quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Vijay Prashad: O sufocamento da democracia na Índia

Nos dias 18 e 19 de dezembro, 141 membros das duas câmaras do Parlamento indiano foram suspensos, a partir do dia 19 de dezembro, pelo presidente da câmara baixa, Om Birla. Cada um destes membros pertence a partidos que se opõem ao Partido Bharatiya Janata (BJP), que está no poder, e ao seu líder, o primeiro-ministro Narendra Modi. O governo declarou que estes deputados eleitos foram suspensos por "comportamento indisciplinado". A oposição tinha-se constituído no bloco INDIA, que incluía quase todos os partidos não coligados ao BJP. Os membros da oposição reagiram a esta ação designando-a como "assassinato da democracia" e alegando que o governo do BJP instalou um "nível extremo de ditadura" na Índia. Este ato surge após uma série de tentativas para minar a oposição eleita da Índia.

Enquanto isso, no dia 18 de dezembro, o popular site de notícias indiano Newsclick anunciou que o departamento de Imposto de Renda (IR) da Índia "praticamente congelou as nossas contas". O Newsclick já não pode efetuar pagamentos aos seus funcionários, o que significa que este portal de notícias está agora perto de ser silenciado. Os editores do Newsclick afirmaram que esta ação do departamento de IR é "uma continuação do cerco jurídico-administrativo" que se iniciou com as batidas da Direção de Execução em fevereiro de 2021, foi aprofundada pelo inquérito do departamento de IR em setembro de 2021 e pelas buscas em grande escala de 3 de outubro de 2023, que resultaram na prisão do fundador do Newsclick, Prabir Purkayastha, e do seu diretor administrativo, Amit Chakraborty. Ambos permanecem na prisão.

·        Órgãos da democracia indiana

Em fevereiro de 2022, a revista The Economist observou que "os órgãos da democracia indiana estão em decadência". Dois anos antes dessa avaliação, o principal economista indiano e vencedor do prêmio Nobel da Economia, Amartya Sen, afirmou que "a democracia é um governo por meio de discussões e, se você tornar as discussões temerosas, não terá uma democracia, não importa como conte os votos. E isso é extremamente verdadeiro agora. As pessoas estão com medo agora. Eu nunca vi isso antes". O jornalista mais respeitado da Índia, N. Ram (ex-editor do The Hindu), escreveu no Prospect, em agosto de 2023, sobre esta "decadência" da democracia indiana e o medo da discussão no contexto do ataque ao Newsclick. Este ataque, escreveu, "marca um novo declínio para a liberdade de imprensa no meu país, que se vê numa tendência de uma década de declínio ininterrupto na 'nova Índia' de Narendra Modi. Assistimos a uma campanha macarthista de desinformação, alarmismo e difamação contra o Newsclick, engendrada pelo Estado". O mundo, escreveu ele, "deveria estar assistindo horrorizado".

Em maio de 2022, 10 organizações – incluindo a Anistia Internacional, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas e a Repórteres Sem Fronteiras – divulgaram uma declaração contundente, dizendo que as "autoridades indianas devem parar de perseguir e processar jornalistas e críticos online". Esta declaração documentou a forma como o governo indiano tem utilizado as leis contra o terrorismo e sedição para silenciar os meios de comunicação quando estes criticam as políticas governamentais. A utilização de tecnologias – como o aplicativo Pegasus – permitiu ao governo vigiar os repórteres e utilizar as suas comunicações privadas para instaurar ações judiciais contra eles. Jornalistas foram fisicamente atacados e intimidados (com especial destaque para jornalistas muçulmanos, jornalistas que cobrem Jammu e Caxemira e jornalistas que cobriram os protestos de agricultores de 2021-22). Quando o governo começou a atacar o Newsclick, isso fazia parte dessa ampla ofensiva contra a mídia. Esse ataque mais amplo preparou as associações de jornalistas para responder claramente quando a polícia de Delhi prendeu Purkayastha e Chakraborty. O Clube de Imprensa da Índia declarou que os seus repórteres estavam "profundamente preocupados" com os acontecimentos, enquanto o Sindicato dos Editores da Índia afirmou que o governo não deve "criar uma atmosfera geral de intimidação sob a sombra de leis draconianas".

·        O papel do New York Times

Em abril de 2020, o The New York Times publicou um artigo com uma manchete forte sobre a situação da liberdade de imprensa na Índia: "Sob Modi, a imprensa da Índia já não é tão livre". Nesse artigo, os repórteres mostraram como Modi se reuniu com os proprietários das principais empresas de mídia em março de 2020 para lhes dizer para publicarem "histórias inspiradoras e positivas". Quando os meios de comunicação indianos começaram a noticiar a resposta catastrófica do governo à pandemia de COVID-19, o governo de Modi recorreu ao Supremo Tribunal para argumentar que todos os meios de comunicação indianos devem "publicar a versão oficial". O Tribunal negou o pedido do governo para que os jornais publicassem apenas a opinião do governo, mas, em vez disso, afirmou que eles devem publicar a opinião do governo juntamente com outras interpretações. Siddharth Varadarajan, editor do Wireafirmou que a decisão do tribunal era "infeliz" e que poderia ser vista como "uma sanção para a censura prévia de conteúdos nos meios de comunicação social".

O "cerco administrativo-jurídico" do governo indiano ao Newsclick começou alguns meses depois, porque o site tinha feito reportagens independentes não só sobre a pandemia de COVID-19, mas também sobre o movimento para defender a constituição da Índia e sobre o movimento dos agricultores. Apesar de repetidas buscas e interrogatórios, as várias agências do governo indiano não conseguiram encontrar qualquer ilegalidade nas operações do Newsclick. As vagas sugestões sobre a irregularidade do financiamento proveniente do estrangeiro não deram em nada, uma vez que a Newsclick afirmou que seguia a lei indiana na obtenção de fundos.

Quando o caso contra a Newsclick parecia arrefecer, o The New York Times – em agosto de 2023 – publicou um artigo extremamente especulativo e depreciativo contra as fundações que forneceram parte do financiamento da Newsclick. No dia seguinte à publicação do artigo, altos funcionários do governo indiano entraram em ação contra a Newsclick, utilizando o artigo como "prova" de um crime. O The New York Times havia sido avisado anteriormente de que este tipo de matéria seria utilizado pelo governo indiano para suprimir a liberdade de imprensa. De fato, a matéria do The New York Times deu ao governo indiano a credibilidade para tentar fechar o Newsclick, que é o que ele está fazendo agora com a decisão do departamento de IR.

·        Um mundo de pernas para o ar

Os 141 deputados do Parlamento são acusados de tentar justificar uma invasão do prédio do Parlamento ocorrida no dia 13 de dezembro. Dois homens saltaram da galeria de imprensa para o interior do saguão e lançaram bombas de fumaça para protestar contra o fato dos funcionários eleitos não terem debatido as questões como inflação, desemprego e violência étnica em Manipur. Os homens receberam passes para entrar no parlamento das mãos de Pratap Simha, um deputado do BJP. Ele não foi suspenso. O BJP utilizou este incidente para suspender os deputados da oposição, porque ou não condenaram o incidente ou saíram em defesa dos colegas que foram suspensos.

Nem as pessoas que atiraram bombas de fumaça no Parlamento, nem as que planejaram essa ação têm antecedentes políticos, muito menos qualquer ligação com a oposição. Manoranjan D perdeu o emprego numa empresa de internet e teve de regressar a trabalhar na fazenda da sua família; Sagar Sharma era taxista depois de ter que abandonar a escola devido a problemas financeiros em casa. Azad tinha um Mestrado, um MEd (Mestrado em Educação) e um MPhil (Mestrado em Filosofia), mas não conseguia encontrar um emprego. São jovens frustrados com a Índia de Modi, mas sem conexões políticas. Tentaram utilizar os meios democráticos normais para serem ouvidos, mas não tiveram êxito. O ato deles é um ato de desespero, um sintoma de uma crise social mais ampla; a suspensão dos deputados e o ataque às finanças do Newsclick são também sintomas dessa crise: o sufocamento da democracia na Índia.

 

Ø  Etiópia reconhece Somalilândia em troca de acesso ao mar

 

A Etiópia reconhecerá internacionalmente como país a Somalilândia, região secessionista que se proclamou independente da Somália em 1991, recebendo em troca o acesso ao Mar Vermelho durante 50 anos, afirmou nesta terça-feira (02/01) o presidente da Somalilândia, Muse Bihi Abdi. 

"Em troca de um acesso marítimo de 20 quilômetros para as forças navais etíopes por um período de 50 anos, a Etiópia reconhecerá formalmente a República da Somalilândia", afirmou o chefe de governo.

A Somalilândia ainda receberia uma participação na empresa aérea estatal Ethiopian Airlines, acrescentou.

Abdi frisou que o acordo com a Etiópia constitui "um marco diplomático importante" para a Somalilândia, sublinhando "o espírito de cooperação e a parceria estratégica estabelecida" entre os dois governos.

·        'Acordo ilegal'

O governo da Somália reagiu, chamando o embaixador na Etiópia para consultas após o acordo entre o governo etíope e as autoridades da Somalilândia, que é situada no norte do território somali. 

O primeiro-ministro da Somália, Hamza Abdi Barre, disse que o seu governo rejeita o "acordo ilegal" e sublinhou que o acerto é uma violação da integridade territorial do país.

O governante sublinhou que "ninguém pode entrincheirar-se em terra e no mar da Somália", ao mesmo tempo que ressaltou que as autoridades estão "totalmente empenhadas" em defender a soberania do país, de acordo com a emissora pública somali SNTV.

A Somália garantiu que defenderá o território por "todos os meios legais" e descreveu o acordo como uma "violação flagrante" da sua soberania.

·        Perda de acesso após independência da Eritreia

As autoridades da Etiópia e da Somalilândia assinaram nesta segunda-feira (01/01) um memorando de entendimento para dar à Etiópia, o segundo país mais populoso de África, com cerca de 120 milhões de habitantes, acesso ao Mar Vermelho pelo porto de Berbera. 

A Etiópia tinha acesso ao Mar Vermelho quando formou uma federação com a Eritreia, uma antiga colônia italiana, na década de 1950 e anexou o país em 1962. No entanto, perdeu o acesso ao mar em 1993, quando a Eritreia recuperou sua independência após uma guerra de três décadas entre os dois países.

Atualmente, a Etiópia, que é o mais populoso dos países sem acesso ao mar, depende do porto de Djibuti para as exportações e importações.

A Somalilândia, um protetorado britânico até 1960, não é reconhecida internacionalmente, nem pela ONU nem pela União Africana, embora tenha a sua própria Constituição, moeda e governo e, até agora, registre um desenvolvimento econômico e estabilidade política superiores aos da Somália.

A região declarou em 1991 sua separação da Somália, antiga colônia italiana, quando o ditador Mohamed Siad Barre foi derrubado.

Em 28 de dezembro, os presidentes da Somália, Hassan Sheikh Mohamud, e da Somalilândia chegaram a acordo, no vizinho Djibuti, sobre a realização de conversações para "encontrar um terreno comum", após várias tentativas de diálogo infrutíferas.

A Somalilândia está agora numa crise política, depois de Abdi ter decidido prolongar seu mandato – que deveria ter terminado em novembro –, por um período de dois anos e cancelado a realização de eleições regionais, previstas para novembro de 2024.

 

Fonte: Opera Mundi

 

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