Ministério da Igualdade Racial em 2023: balanços para o futuro
A palavra-chave é retomada. Ou melhor, recomeço. Em
novembro, perdemos a presença física do intelectual quilombola Nêgo Bispo. Ele
falava que existia "Começo, meio e começo de novo", apresentando, por
meio de uma reflexão organizada pela experiência quilombola, a defesa da terra,
da natureza e das lutas, como a ciclicidade e as confluências são geradoras do
novo, mas este segue, tal qual Sankofa, ligado a um passado que nos ensina o
caminho.
O dezembro analítico encerra o primeiro ano do
Ministério da Igualdade Racial e o balanço para o novo começo se impõe. Como o
pássaro mítico da cultura yorubá, trilhamos os passos projetados pelas gestões
da saudosa Luíza, Nilma, Matilde, Edson, Eloy e Martvs, para buscar o que
tentaram destruir e sedimentar assim o recomeço. A necessidade de protegermos o
legado de quem veio antes de nós e respondermos às necessidades impostas pelo
hoje nos fez não parar! Em bom pretuguês, compartilhamos semanalmente os
"corres" dessa nova gestão. E foram muitos!
A gestão e articulação nacional desta agenda, de
modo transversal com mais de 20 ministérios, que atualizaram seus programas na
perspectiva do enfrentamento às desigualdades étnico-raciais e pela equidade,
poderiam resumir o desempenho deste primeiro ano do Ministério da Igualdade
Racial, mas seria um cálculo subdimensionado.
Com justo orgulho, podemos dizer que o maior pacote
de medidas pela igualdade racial realizado em apenas um ano está em vigor. Com
programas focados no fortalecimento econômico, estímulo educacional, titulação
de terras e acesso aos espaços de poder para pessoas negras, quilombolas, de
comunidades tradicionais, povos de terreiro e povos ciganos. De forma direta,
falamos de editais para bolsas de doutorado e pós-doutorado, intercâmbio com
países da América Latina e África, retomada do Japer (Programa de Cooperação
para o enfrentamento à Discriminação Racial entre o Brasil e os Estados Unidos
da América), lançamento de programas como o Aquilomba Brasil, Programa Federal
de Ações Afirmativas e ações para geração de emprego e renda com inúmeras
organizações, entre outras medidas, integram esse pacote.
O trabalho do ministério reposicionou a agenda pela
igualdade racial no plano nacional e global. No Brasil, realizamos política com
quem mais entende: o povo. Com programas construídos por meio de Caravanas por
todo o território nacional, bem como em campanhas para que a população
indicasse as prioridades para o Plano Plurianual, a igualdade racial, hoje,
encontra-se entre as prioridades para a agenda programática para o
desenvolvimento do Brasil. Agora, mais estáveis, descentralizadas e visíveis,
tanto na montagem das estratégias do centro de governo, nas ações específicas
dos órgãos e suas rubricas do Plano Plurianual, quanto no pronunciamento à
nação. A igualdade racial tratada como deve ser: compromisso de governo e
política de Estado.
O Ministério da Igualdade Racial também influenciou
a retomada do protagonismo brasileiro internacionalmente, por meio de acordos
com os Estados Unidos, Colômbia e Espanha para a promoção de direitos
afrodescendentes, combate ao racismo e à xenofobia. Reativou as estratégicas
relações com o Mercosul e mobilizou os debates que viabilizaram a adoção
voluntária do Brasil ao 18° Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 18),
centrado na igualdade racial, para ocupar essa lacuna na formulação e
construção de planos sustentáveis globalmente.
Os resultados do ano revelam o amadurecimento do
país na compreensão de que enfrentar o racismo é combater as raízes das
desigualdades e da exclusão social. Em grande medida, o ODS 18 ratifica os
marcos da Declaração de Durban, resultado da Conferência Mundial Contra o
Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada
em 2001, na África do Sul.
Marco incontestável da luta antirracista global,
Durban projetou a institucionalização da pauta no Brasil, com a criação da
Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, e apresentou
os conceitos das cotas raciais e ações afirmativas, hoje consolidados
instrumentos de reequilíbrio para realidades profundas e estruturalmente
desiguais.
A missão do MIR também ratifica Durban em seus
macroeixos do Direito à Vida e Dignidade, Memória e Reparação, Educação e
Inclusão e Direito à Terra, expressos em medidas que sintetizam a vida com
cidadania. Ainda há muito por fazer, e sabemos que os desafios para dignificar
a vida da maioria da população são de grandes proporções. Contudo, o papel de
liderança do Brasil também é de magnitude e o trajeto firme de 2023 nos conduz
à expansão dos nossos horizontes.
Para 2024, queremos avançar para que a promoção da
igualdade seja prioridade na pauta econômica e geração de emprego, como o é na
agenda social, uma vez que não cabe mais negligenciar o custo econômico da
discriminação e da exclusão racial, barreiras diretas ao desenvolvimento
sustentável. A justiça climática é parte dessa discussão, que também ativaremos
com máximo vigor.
São pautas convergentes com as prioridades do nosso
ministério e as emergências globais. Encerramos o ano com o orgulho do dever em
pleno cumprimento e projetamos um novo ciclo de trabalho de ainda mais
musculatura para construir políticas públicas que modifiquem positivamente as
trajetórias negras. O Ministério da Igualdade Racial é a matriz do futuro e,
lá, as diferenças jamais configuram desigualdades.
Ø Os dados
educacionais informam sobre o passado, presente e futuro do país
O Brasil avançou na escolaridade geral da
população, porém as desigualdades raciais persistem. Os dados apontam um fato
ainda mais grave: mesmo depois de uma década, os negros (pretos e pardos) não
alcançam os mesmos patamares de escolaridade dos brancos na maioria dos
indicadores, ou seja, há um abismo de mais de uma década entre a população
negra e a branca. A constatação está no levantamento inédito realizado pelo
Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra) que analisou e
cruzou dados da PNAD Contínua e do Censo da Escolar de 2012 a 2019. Foram
produzidos cerca de 70 dados inéditos sobre escolaridade com recorte de
cor/raça, desde a educação infantil até o ensino superior.
Houve avanço na escolaridade tanto entre pessoas
negras como brancas e uma redução da diferença entre as taxas de pessoas negras
e brancas sem instrução ou com fundamental incompleto, com idade acima de 15
anos, de 13,6 pontos percentuais em 2012 para 10,9 em 2019. A desigualdade
entre homens negros e brancos, acima de 15 anos sem instrução ou com
fundamental incompleto, diminuiu de 14,9 pontos percentuais (p.p.) para 12,4
p.p. entre 2012 e 2019. No entanto, a taxa de homens negros que não completaram
o ensino fundamental em 2019 era de 40%, ou seja, ainda maior que a dos brancos
em 2012 que era de 33,9%.
Em relação às mulheres, apesar da redução na
desigualdade entre negras e brancas, acima de 15 anos e sem instrução ou com
ensino fundamental incompleto, o atraso educacional não foi corrigido. Em 2012,
as taxas foram de 44,7% para mulheres negras e 32,4% para brancas. Em 2019,
esses números mudaram para 35,4% para negras e 26,2% para brancas. Apesar da
diminuição da diferença entre brancas e negras, a igualdade não foi alcançada.
A distorção idade-série, ou seja, um atraso de dois
anos ou mais, entre os estudantes negros no ensino médio era 36% e entre
brancos era 19%, em média, entre 2012 e 2019. A proporção de estudantes negros
no Educação de Jovens e Adultos (EJA) era de 28 para cada 10 alunos brancos, em
2019. A proporção é muito maior que no ensino médio e fundamental, ou seja,
muito mais que os brancos, os negros abandonam ou não conseguem concluir o
ensino regular na idade certa e tentam concluir a educação básica no EJA.
A distância entre os estudantes negros e brancos
têm início nos anos iniciais do ensino fundamental e se amplia ao longo de toda
a trajetória educacional. Neste estudo, o Cedra criou a variável de escolas
predominantemente negras (com 60% ou mais de alunos pretos e pardos) e
predominantemente brancas (60% ou mais de alunos brancos). Oestudo dessa
variável original mostra a desigualdade de atendimento educacional entre negros
e brancos.
Nas escolas predominantemente brancas, a adequação
da formação de seus docentes (com licenciatura e ministrando disciplina
compatível) é o dobro daquela das escolas predominantemente brancas. Isso
significa que de forma geral, os alunos brancos tem professores muito mais
adequados que os negros. Por outro lado, não há escolas predominantemente
negras entre as escolas com alunos de nível socioeconômico mais alto. E não há
escolas predominantemente brancas com alunos de nível socioeconômico mais
baixo, conforme critério do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio
Teixeira (Inep/MEC). Logo, há um apartheid econômico-racial que reproduz
desigualdades econômicas e raciais combinadas.
As desigualdades raciais na educação são resultado
de uma série de desigualdades que se acumulam na vida das pessoas negras em um
país marcado pelo racismo estrutural e sistêmico. Este cenário de profunda
vulnerabilidade e distribuição desigual de cidadania e dos direitos em que vive
a maioria da população brasileira está enraizado na escravidão e na reprodução
da discriminação e do racismo, que foi combinada no final da escravatura com a
política de branqueamento. A memória da exclusão dos negros é fundamental.
Os dados e evidências das desigualdades raciais no
Brasil servem à sociedade brasileira para a proposição estratégica para um
projeto de nação. É imprescindível e urgente regenerar nossa sociedade, curar
nossas feridas profundas e rever nosso fundamento republicano para vislumbrar
um país desenvolvido, solidário e com maior equidade econômica, racial e de
gênero.
Fonte: Correio Braziliense
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