Por que Rondônia é o estado que mais mata mulheres no Brasil
Faz três meses que Carla* (que teve o nome
alterado pela reportagem) não vê os filhos. Na última vez que tentou, na
véspera do dia das mães, ela foi esfaqueada pelo ex-marido em frente da casa.
Os golpes deixaram marcas no peito, no braço e nas mãos. O agressor só parou
porque um motoboy que passava na rua o segurou, e Carla conseguiu fugir.
"Ele tentou arrancar o meu olho e quebrar o
meu pescoço", conta Carla à DW. "Ele só não me matou porque ele não
tinha uma arma", afirma a vítima por telefone.
Para viver, Carla, 34 anos, se escondeu. Ela era
casada desde os 18 com o agressor, que sempre foi ciumento. O problema escalou
quando ela passou num concurso público e foi fazer um treinamento fora. Foi
quando ela descobriu que estava sendo espionada por meio de um aplicativo
instalado secretamente no celular pelo marido.
A tentativa de feminicídio está sendo
investigada pela polícia civil de Rondônia, onde o crime ocorreu. O estado tem
a maior taxa de feminicídio do Brasil: foram 3,1 vítimas por 100 mil habitantes
em 2022. O número é mais que o dobro da média nacional, que ficou em 1,4,
apontam os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O estado também é campeão em homicídios femininos –
a taxa foi de 11,2 vítimas por 100 mil habitantes, quase quatro vezes acima da
média do país (3,9).
"Aqui, como em toda a sociedade, a gente ainda
vive um sistema do patriarcado muito arraigado, muito forte, com ideologias
machistas. Isso contribui para a objetificação e o subjugo da mulher",
comenta Débora Machado, da Defensoria Pública de Rondônia, que acompanhou o
caso de Carla.
·
Ausência e despreparo do
Estado
Os estudos sobre feminicídio classificam esse crime
como "parte final" de um processo de agravamento da violência,
marcado por terror, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Considerado hediondo pela Lei nº 13.104, de 2015, o feminicídio é evitável:
políticas públicas de prevenção, proteção e acolhimento são apontadas como
ferramentas eficientes.
"A mulher denuncia e muitas vezes ela não tem
para onde ir. Mesmo quando existe medida protetiva dada pela Justiça, o
agressor não deixa de perseguir a mulher porque ele imagina que a polícia não
vai chegar a tempo de evitar o crime. E não chega mesmo", analisa Benedita
Nascimento, ativista e membro fundadora do Fórum Popular de Mulheres e do
Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia, em Rondônia.
Para Nascimento, que atua na rede de enfrentamento
contra a violência doméstica na capital Porto Velho, o empenho de delegadas e
promotoras é notável, mas a falta de pessoal ajuda a explicar a alta taxa de
feminicídio.
"Há um déficit de serviço na área de segurança
pública. As delegacias da mulher não têm o aparelhamento necessário, equipe
técnica e policiais suficientes. É por isso que as mulheres estão
morrendo", justifica, pontuando que há oito delegacias especializadas para
todos os 52 municípios de Rondônia.
Questionada, a Secretaria de Segurança Pública do
estado não respondeu.
Além da ausência do estado, Nascimento vê
despreparo de vários setores da sociedade para enfrentar o grave cenário.
"Estou falando de escolas, de unidades básicas de saúde, de equipes de
médico da família, de líderes em igrejas que não estão preparados para fazer
leituras de sinais de uma mulher, de uma família, que vive em situação de
violência. Temos uma atuação particular dos movimentos sociais, mas falta o
resto", afirma.
·
Igrejas e opressão da mulher
Com um olhar crítico sobre os comportamentos da
sociedade, Marcia Oliveira, professora da Universidade Federal de Roraima
(UFRR) e pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia, ligada à
Universidade Federal de Rondônia (Unir), estuda há anos o contexto da produção
desta violência.
"Ela vem sendo construída. Na Amazônia,
historicamente, houve muita violência na formação dos próprios estados. É um
processo contínuo de violação dos direitos humanos, violências contra
indígenas, aos mais pobres. Vai se criando um estado de violência",
destaca Oliveira em entrevista à DW.
O crescimento no campo político da direita
conservadora, argumenta Oliveira, teria uma influência ao provocar o
silenciamento das mulheres, principalmente nos movimentos sociais, e promover a
repressão da participação política feminina nos quadros políticos.
Outro ponto teria a ver com a expansão das igrejas
evangélicas na região. "O crime de honra parece mais aceitável em Rondônia
e em outros estados no Norte, como Roraima. Isso tem a ver com aumento das
religiões fundamentalistas, na qual as mulheres são tratadas com muita
submissão, com muita subjugação", argumenta Oliveira, doutora em Sociedade
e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Um levantamento recente assinado por Victor Araújo,
pesquisador associado ao Centro de Estudos da Metrópole, com sedes na
Universidade de São Paulo (USP) e no Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap), mostrou que em 2019 foram abertas 6.356 igrejas
evangélicas no Brasil – uma média de 17 novas igrejas por dia.
Rondônia se destaca como um exemplo emblemático
dessa expansão: antepenúltimo no ranking dos estados brasileiros com maior
número de igrejas evangélicas na década de 1970, Rondônia passou a figurar
entre os cinco primeiros a partir de 2000. Em 2019, existiam 60 igrejas
evangélicas por 100 mil habitantes nesse estado.
·
Crimes não são investigados
Além da omissão do estado e despreparo da polícia,
guiada por uma política de segurança pública voltada para repressão e não para
prevenção, segundo especialistas ouvidos pela DW, a impunidade é uma variável
de peso para o elevado número de feminicídio.
Uma outra pesquisa liderada por Márcia Oliveira no
estado vizinho, Roraima, que tem a segunda maior taxa de homicídios femininos
(10,8), a maioria dos crimes não são investigados pela polícia. Segundo
Oliveira, 70% dos casos de feminicídio ocorridos durante a pandemia registrados
oficialmente ocorreram em região de garimpo.
"Nenhum desses casos estava com processo de
investigação em andamento, eles simplesmente foram arquivados por falta de condições
de investigação. Ou seja, não se investiga crimes em área de garimpo",
comenta a pesquisadora.
Muitas das mulheres assassinadas foram levadas para
áreas de atividade ilegal na Amazônia para trabalhar na condição de prestadora
de serviços gerais, como cozinheira, e de serviços sexuais. "Os crimes
ocorrem de forma banal. Uma mulher que fornecia alimentos, por exemplo, cobrou
o pagamento da semana. O garimpeiro simplesmente deu um tiro no peito dela, deu
as costas e foi embora. Na frente de muita gente. E ninguém retém essa
pessoa", cita um dos casos.
·
"Quero que ele seja
preso"
Já alarmante, o número de mulheres que sofrem
violência no Brasil pode estar subnotificado. É por isso que Silvana Mariano,
professora na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e coordenadora do
Laboratório de Estudos de Feminicídios (Lesfem), aposta na metodologia
diferente para questionar as informações oficiais.
"Acreditamos que os dados que secretarias de
Segurança Pública sejam subdimensionados. Segundo a metodologia que adotamos,
usamos predominantemente fontes da imprensa e fontes nos territórios e, a
partir dessas, chegamos a outras publicações", explica Mariano.
Para as pesquisadoras do Lesfem, apenas a contagem
do crime não é suficiente, é preciso saber mais sobre as vítimas e as
circunstâncias que elas viviam. "Antes de o crime ser consumado como
feminicídio, as circunstâncias envolvem violação dos direitos das mulheres que
estão atravessadas por diferenças de poder, que favorecem os homens, e que
envolvem o menosprezo pelas mulheres", analisa a cientista.
Para Carla, que sobreviveu à tentativa de
feminicídio, o agressor nunca vai desistir de aniquilar a vítima. "Eu
queria que ele fosse preso, ele precisa ser parado. É muito difícil falar isso.
Minha filha vai sofrer muito. Mas ele tem que ser preso. Como vou viver minha
vida se não sei nem onde ele está? Eu quero muito meus filhos perto de mim
logo".
Ø Câmeras de condomínio mostram episódios de truculência anteriores de
casal com babá agredida em Manaus
Há nove dias, uma babá
foi violentamente espancada em um condomínio em Manaus. O Fantástico conversou
com Cláudia Gonzaga Lima e o patrão dela, o advogado Ygor Colares, que acabou
baleado ao tentar ajudá-la, e os dois contaram que, antes do crime, dois
episódios de truculência contra ela já haviam acontecido por parte do casal
agressor, Jussana
Machado e o marido dela, o policial civil Raimundo Nonato, que estão presos.
O primeiro deles foi no dia 3 de julho e nossa
equipe teve acesso, com exclusividade, às imagens do circuito interno do
prédio. Enquanto Cláudia aguardava o elevador para passear com o bebê, o
policial aparece no corredor e entra na frente do carrinho.
"Fiquei ali e a esposa dele disse que não
entraria no elevador de jeito nenhum comigo. Quando o elevador chegou, eles
entraram e, quando eu fui entrar, ele me impediu e me xingou. Pôs o pé no
carrinho do bebê para eu não entrar", relembra a babá.
Dez dias depois, ocorreu o segundo episódio.
Jussana se aproxima de Cláudia, que estava sentada em uma área comum do
condomínio, fala algumas palavras e aponta o dedo para a babá, que fica sem
reação.
"Ela me abordou e começou a me xingar, me
chamar de um monte de palavrão. Me ameaçar, né? Dizer que só não ia me bater
ali mesmo por conta das crianças que estavam ali e em respeito ao bebê que
estava comigo, mas que me pegaria lá fora", conta Cláudia.
Cláudia contou para o patrão o que tinha acontecido
e Ygor avisou a Jussana que foi à polícia para registrar queixa por ameaça,
injúria e ofensas contra a babá. Depois disso, a vizinha também registrou um
B.O alegando que teria sido ameaçada de morte pelo advogado. No dia 18 de
agosto, aconteceu o ataque de fúria.
"A única hipótese que nós conseguimos enxergar
diante do quadro, das testemunhas das situações anteriores, é que havia uma
nítida discriminação contra a senhora Cláudia pela condição social,
socioeconômica dela, em ser uma babá", diz Josemar Berçot, advogado de
Ygor e Cláudia.
A defesa dos agressores nega que a motivação tenha
sido por preconceito e afirma que o tiro não foi proposital.
"O motivo dos fatos não tem nada a ver com
discriminação. Foi a respeito dessa confusão que já havia entre as duas. A violência,
nesse caso, ela é injustificável, não tem justificativa para a forma como eles
agiram. Mas o disparo foi acidental", afirma Arthur da Costa Ponte,
advogado de Raimundo e Jussana.
Ø Mulher mantida em cárcere em GO é resgatada após filho mandar áudio pedindo
socorro ao pai, que mora em MS
A Guarda Civil Municipal (GCM) de Rio Verde prendeu um homem, de 40 anos, suspeito de agredir a namorada com
um capacete, ameaçá-la com um facão e, ainda, mantê-la em cárcere privado por
dois dias, em Rio Verde, no sudoeste goiano. Ele foi detido após o filho da
vítima, de 8 anos, presenciar as cenas de violência e pedir socorro, por meio
de um áudio, para o pai, que mora no Mato Grosso do Sul.
Na gravação, é possível ouvir a mulher gritando por
socorro. Em seguida, o menino diz:
“O namorado dela está com um facão, está com uma
faca amolada. Ela está toda cheia de sangue. Pai, me ajuda, pai!”.
O nome do suspeito não foi divulgado pela
autoridade policial. Por esse motivo, o g1 não
localizou a defesa dele para se manifestar sobre o caso.
O crime aconteceu no domingo (27), no Bairro São
Joaquim. De acordo com o subcomandante da GCM, Adriano Carvalho, a equipe recebeu
uma ligação de um policial militar do Mato Grosso do Sul, dizendo que o filho
dele havia entrado em contato pedindo socorro, pois a mãe estava sofrendo
violência doméstica do padrasto e ele temia pelas vidas dela e dele.
Diante das informações, a equipe foi até o local e
encontraram diversos vizinhos, preocupados com a situação, pois ouviam os
gritos de socorro da mulher.
“A equipe fez o adentramento na residência, sendo
necessário arrombar a porta pois ela havia sido bloqueada pelo autor com
cadeiras. Ao entrar, visualizamos a vítima com o rosto machucado e, de
imediato, foi dada voz de prisão ao autor”, afirmou o subcomandante.
Ainda de acordo com a GCM de Rio Verde, o suspeito
resistiu à prisão e teve que ser imobilizado à força para ser levado até a
delegacia da cidade. O menino e a mãe foram levados para uma unidade de saúde
para receberem todo o atendimento médico necessário.
A Polícia Civil informou que o homem foi autuado em
flagrante pelo crime de tentativa de feminicídio e cárcere privado qualificado
contra cônjuge. Por conta do estado de saúde da mulher, ela ainda não prestou
depoimento. Mas o caso continuará sendo investigado pela Delegacia de
Homicídios de Rio Verde.
Fonte: Deutsche Welle/g1
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