Paulo Kliass: Arcabouço fiscal, Zanin e PM da Bahia
A cada dia que passa cresce a percepção de que os
inequívocos traços de conservadorismo nestes primeiros meses do governo Lula
3.0 não se limitam à área da economia. Já no período da transição - quando eram
conhecidos os resultados do pleito de outubro do ano passado, mas Bolsonaro
ainda ocupava o assento no Palácio do Planalto - as forças progressistas
manifestavam certa apreensão com os discursos então atribuídos a Fernando
Haddad e a José Múcio Monteiro. Ambos terminaram por serem confirmados nos
estratégicos cargos da Fazenda e da Defesa, respectivamente. O ex prefeito de
São Paulo parece ter incorporado a persona de professor do INSPER e se
distanciado de uma vez por todas daqueles tempos em que se orgulhava de ser
mestre da Faculdade de Filosofia da USP. Ao se aproximar das ideias, do
ambiente e dos diagnósticos econômicos da turma do financismo, Haddad se afasta
paulatinamente dos caminhos do planejamento, do desenvolvimento e das propostas
de recuperação do protagonismo do Estado como instrumentos para superação da
profunda crise por que passa a sociedade brasileira. Sua conversão ao credo de
natureza liberal traz para o interior da agenda do governo as ilusões de que as
soluções de mercado seriam suficientes para dar conta das hercúleas tarefas de
recompor a destruição pós 2016 e enfrentar os dilemas da desigualdade e do
baixo crescimento das atividades da economia brasileira. O indicado para a
pasta da Defesa iniciou sua missão com um discurso bastante conciliador com o
golpismo reinante no interior das Forças Armadas durante o mandato de
Bolsonaro, fato que seria ainda mais aprofundado com a tentativa putschista e
terrorista de 8 de janeiro. O conhecido perfil conservador do dirigente
político pernambucano era apresentado pelos adeptos da estratégia de “passar
pano” como a solução perfeita para evitar o aumento de temperatura nas relações
do novo governo com a maioria da elite fardada. Isso significa não rever a
participação de setores dirigentes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica em
todas as etapas de tentativas de ruptura com o processo democrático desde o
golpe perpetrado contra Dilma Roussef em 2016. Ao nomear Múcio, Lula oferecia
sua concordância em não buscar a identificação e a punição dos responsáveis
pela aventura golpista.
·
Economia e Defesa:
conservadorismo em pauta.
Assim, tanto no caso da definição de um programa
para a economia como na chamada “questão militar”, Lula optou pela solução
recuada de dar uma espécie de continuidade ao que vinha sendo feito até então
pelos governos anteriores. Trocam-se os nomes e os responsáveis, é claro, mas o
conteúdo da orientação política não muda de forma profunda nem incisiva. A PEC
da Transição, a proposta de novo arcabouço fiscal, e a timidez da Reforma
Tributária são apenas alguns exemplos de tal opção na área da economia. A
recusa em avançar na punição exemplar dos militares das 3 Forças envolvidos no
golpe também oferece a leitura de uma estratégia conservadora para os assuntos
da pasta da Defesa. Múcio insiste no caminho da conciliação e da negociação
para evitar qualquer tipo de medida que possa ser considerada ofensiva pela
elite da caserna. No entanto, o Presidente da República é o comandante supremo
das Forças Armadas. Se ele não exerce de fato esse poder constitucional,
cria-se um vácuo que termina por estimular novas quarteladas no futuro. Ocorre
que os meses foram se passando desde a posse e o novo governo pouco fez no
domínio da mudança efetiva, seja na economia, seja na caserna. Mais do que
isso, outras agendas de governo passaram a ser ocupadas com destaque pela
tintura do reacionarismo. Por mais surpreendente que possa se revelar, Lula
oferece ao País um enorme retrocesso no ambiente atual e futuro do Supremo
Tribunal Federal (STF). Assim como aconteceu com a economia, ele parece não ter
aprendido com os erros do passado no quesito “indicação ministros para a Corte
Suprema”. Com a vaga aberta pela aposentadoria compulsória de Ricardo
Lewandowski, Lula optou por indicar seu advogado nos processos em que foi
inocentado pela Justiça.
·
Zanin: terrivelmente
conservador no STF.
É perfeitamente compreensível o desejo do
Presidente em derrotar politicamente Sergio Moro e as forças envolvidas nas
ilegalidades que o impediram de concorrer às eleições de 2018 e que o
mantiverem ilegalmente preso por 580 dias. No entanto, o perfil do advogado
Cristiano Zanin não corresponde ao que o Brasil espera de um jurista
comprometido com as mudanças necessárias em sentido amplo. Os setores
progressistas do meio jurídico já apontavam, desde os primeiros rumores
envolvendo essa hipótese, os riscos do nome do advogado. Não obstante o
importante trabalho efetuado na defesa de Lula, Zanin sempre apresentou um
perfil bastante conservador em termos políticos, jurídicos e ideológicos. Quem
o conhecia de muito antes sabia de suas características, o que o afastaria a
princípio de alguém que merecesse receber o aval de Lula para ocupar o
estratégico cargo até 2051. Pois não foi necessário nem um mês desde sua posse
para que a opção se revelasse bastante problemática. Foi uma sequência surpreendente de votos no STF que recebeu elogios da
direita e do bolsonarismo, ao passo que restou
espanto e decepção no lado das forças progressistas. Zanin votou contrariamente
à descriminalização das drogas, negou direitos a suspeitos de furtos de valor
irrisório, votou contra a equiparação de homofobia aos crimes de racismo,
ofereceu manifestação favorável à equiparação das guardas municipais ao sistema
de segurança pública e se posicionou a favor de os juízes trabalharem em casos
onde haja parentes atuando pelo lado da defesa de interessados. Uma loucura!
·
PM da Bahia: quem segura o
genocídio?
Outro tema que vem ocupando muito espaço nos
grandes meios de comunicação - e que anda incomodando bastante setores
expressivos da base de apoio de Lula - refere-se às revelações crescentes a
respeito da violência policial nas unidades da federação. As práticas
sistemáticas de ilegalidades, assassinatos e demais barbaridades pelas polícias
militares (PMs) dos 26 estados e do Distrito Federal são antigas e bastante
conhecidas da população. No entanto, em tempos mais recentes as manchetes
envolvendo governadores do Partido dos Trabalhadores ganharam em volume. O caso da Bahia tornou-se emblemático, cuja PM acendeu ao posto de mais
violenta em todo território nacional. A questão
por si só já seria bastante problemática, mas ganha ainda maior envergadura uma
vez que o principal cargo na Esplanada dos Ministérios pertence atualmente
àquele que foi governador daquele estado durante dois mandatos seguidos. Rui
Costa ocupou o Palácio de Ondina no período que se inicia em 2015 e termina em
2022. Desde o início deste ano ele é o Ministro Chefe da Casa Civil de Lula. Ao
longo dos últimos anos a PM baiana passou à frente de corporações similares,
até então tidas como as mais violentas, a exemplo de São Paulo e Rio de
Janeiro. O sucessor de Rui Costa, o atual governador Jerônimo Rodrigues, tem
mantido a mesma postura de prestigiar e empoderar as lideranças policiais
responsáveis pela escalada da mortandade. Lula já passou por diversas
situações de crise política em seus governos e sabe muito bem que os piores
assessores e colaboradores são aqueles que procuram esconder do chefe as
dificuldades do mundo real. A solidão do poder e o encastelamento dos líderes
políticos muitas vezes impedem que os mesmos mantenham sua sintonia com o humor
das ruas e com a temperatura e a pressão do Brasil profundo. Como pode
ser percebido pelo exposto acima, não é apenas o encantamento de Haddad com as
magias tentadoras do liberalismo que contribui para oferecer essa indesejável
tintura conservadora ao terceiro mandato de Lula. Existem outras dimensões de
seu governo que precisam ser enfrentadas e corrigidas para que o programa para
o qual ele foi eleito possa finalmente deslanchar. Ao contrário da conhecida
reação estreita dos apoiadores oportunistas, as críticas construtivas são
fundamentais para o aperfeiçoamento das políticas adotadas, bem como para a
correção dos equívocos e desvios existentes até o momento. O Presidente precisa
saber que há muito desconforto na sua base progressista e de esquerda com os
rumos que alguns dos integrantes de sua equipe estão tentando impor ao governo.
Lula sempre repete que só aceitou a incumbência de um novo mandato para
conseguir fazer mais e melhor do que nos anteriores. Pois esse é o momento para
dar uma sacudida em sua equipe, deixar para trás os traços do conservadorismo
ainda existente e corrigir o rumo de seu governo.
Por
que confiar em Cristiano Zanin Martins. Por Eduardo Guimarães
Não existe um só ministro do STF — além dos “vinte
por cento” de Bolsonaro, Nunes Marques e André Mendonça, que sempre votam como
ele quer — que nunca frustrou quem o indicou. Mas para medir o perfil de
integrantes daquela Corte é preciso tempo.
Zanin acaba de passar por uma dura sabatina no
Senado. Foi perguntado pelos senadores bolsonaristas, insistentemente, sobre
sua posição em relação ao Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas.
Devido à inevitabilidade de contrariá-los muito em breve, desconversou.
Nas cinco tentativas da bancada senatorial
conservadora de saber como ele votaria nesse quesito, evitou responder.
Desconversou porque, nesse caso, não há como votar de forma palatável a essa
gente.
Zanin foi sabatinado durante umas sete horas na
Comissão de Constituição e Justiça do Senado e tinha a missão de evitar uma rejeição
que seria mais do que possível devido à maioria da direita nas duas casas do
Congresso. Agora, tem que começar pelas beiradas.
Só quem queria esmiuçar a alma de Zanin eram os
senadores ligados a Bolsonaro. Os progressistas não tinham muito o que perguntar
porque sabiam que Lula não indicaria um títere, mas um jurista de alto calibre.
Para ser aprovado, Zanin deixou claro que é
católico, casado desde 2004 com a advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, com
quem teve três filhos. Como católico, não é favorável ao aborto. Todavia,
pode-se ter certeza de que, diante de fatos técnicos que indiquem ser possível
e necessário votar a favor, não se furtará.
Agirá assim nessa e em qualquer outra questão. Seus
primeiros votos no STF, que a tantos desagradaram, devem-se ao fato de que a
técnica lhe impôs tais votos. Há quem diga, no próprio STF, que a postura de
Zanin é defensável, ainda que divirjam dele…
Como eu.
Conheci Cristiano Zanin Martins pessoalmente há
quase seis anos, em 13 de setembro de 2017, quando a esquerda baixou em peso em
Curitiba para apoiar Lula durante o primeiro interrogatório presencial
comandado pelo então juiz Sérgio Moro. Ficamos no mesmo hotel.
Durante o desjejum, no dia do depoimento, sentei-me
com ele e a doutora Valeska e conversamos por cerca de 30 minutos. A
simplicidade, a sinceridade e a segurança do casal de juristas me tranquilizou.
E até hoje sigo tranquilo.
Zanin precisa de tempo. Não o julguemos por dois ou
três votos. No caso do Marco Temporal, não frustrará as expectativas. Não para
agradar a militância, mas para cumprir seu dever. Por isso o aval de Lula a ele
permanece. Bem como o deste que escreve.
Ø Lula não cede a pressão após ataques a Zanin e já conversa com aliados
sobre Bruno Dantas e Jorge Messias
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontra-se
em um processo delicado de seleção do próximo ministro para o Supremo Tribunal
Federal (STF). Esse movimento ocorre após uma série de ataques a Cristiano
Zanin, o primeiro nomeado por Lula para o STF durante seu terceiro mandato, por
setores que tentam patrulhar suas decisões.
Mesmo em meio a uma campanha para a indicação de
uma mulher negra ao STF, Lula não aparenta estar inclinado a ceder à pressão. O
presidente deixou claro que o critério mais relevante em sua escolha é a confiança,
segundo reportam os jornalistas Mariana Muniz e Jeniffer Gularte, do Globo. Antes de sua viagem para a África na semana passada, Lula
consultou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e o prefeito do Rio de
Janeiro, Eduardo Paes, sobre suas opiniões em relação a Bruno Dantas, ministro
do Tribunal de Contas da União (TCU). Dantas conta com o apoio do senador Renan
Calheiros (MDB-AL), principal opositor de Lira em Alagoas.
Nos bastidores, Jorge Messias, chefe da
Advocacia-Geral da União (AGU), é apontado como um nome que tem conquistado
crescente influência devido às suas estreitas ligações com o PT. Sua fé
evangélica também pode ser um trunfo junto aos parlamentares desse segmento. O
deputado evangélico Cezinha de Madureira (PSD) já manifestou publicamente a
disposição da bancada em apoiá-lo, caso seja a escolha de Lula.
Por outro lado, Bruno Dantas, ministro do TCU,
intensificou sua campanha para se aproximar de Lula nas últimas semanas. Dantas
tem buscado agendas diretas com o presidente e angariado apoio amplo no
Congresso, entre ministros do STF e membros do PT, como o ministro-chefe da
Casa Civil, Rui Costa. Nos últimos anos, o ministro tem se engajado em causas
caras à ala progressista, como a promoção de pautas relacionadas à diversidade,
igualdade de gênero e proteção dos direitos das populações indígenas.
Fonte: Brasil 247/Blog da Cidadania
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