Os limites e riscos do aceno de governo Lula à Argentina
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu
nesta segunda-feira (28/8) o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa,
no Palácio do Planalto.
Além de homem forte do mandatário Alberto
Fernández, Massa é o candidato governista nas eleições presidenciais marcadas
para o fim de outubro.
Na agenda do encontro, o ingresso argentino no
Brics, a abertura do mercado brasileiro para produtos agrícolas do país vizinho
e o financiamento de obras de infraestrutura e uma nova linha de créditos para
o comércio bilateral.
Mas com a proximidade do pleito, a reunião é vista
por muitos como uma oportunidade de campanha para Massa e seu partido, que se
beneficiam da relação próxima com o governo Lula.
"Ter o apoio do Brasil e de Lula a seu
programa político é muito importante para Sergio Massa. Ele sabe que ganha
capital político internamente com isso", diz Karen Honório, professora da
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).
Mas segundo os especialistas ouvidos pela BBC News
Brasil, o encontro também pode incomodar e render críticas de membros da
oposição de ambos os países, mas em especial do líder nas pesquisas argentinas,
Javier Milei.
Economista de direita radical, o deputado foi o
mais votado nas primárias realizadas em 13 de agosto e lidera as pesquisas de
opinião, com 38,5% das intenções de votos válidos. Sergio Massa vem na
sequência, com 32,3%, seguido de Patricia Bullrich, com 25,3%.
A maior preocupação, pelo lado brasileiro, é que os
constantes acenos de Lula a Fernández e Massa possam prejudicar a relação no
caso de um futuro governo Milei.
Defensor da iniciativa privada e do livre mercado,
o candidato rejeitou manter relações com os líderes de esquerda que comandam as
principais economias da América Latina - entre eles, Lula.
"Visitas desse tipo sempre serão usadas
politicamente. Nessa caso podem provocar reações raivosas da oposição,
especialmente de Milei e Bullrich", diz Javier Vadell, professor da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Além disso, também há quem aponte limites nos
benefícios que essa associação com o Brasil podem trazer para a Argentina,
especialmente em um momento de crise econômica para ambas as nações.
"A relação mais próxima com o Brasil tem
favorecido muito a Argentina, mas logicamente que não resolve todos os
problemas do país, que tem desafios enormes", diz Vadell.
·
Como o Brasil tem ajudado a
Argentina?
A Argentina passa por uma turbulência política,
além de uma crise econômica, com inflação acima de 100% na cifra anualizada,
falta de moeda forte e desvalorização do peso argentino.
Diante de tudo isso, o Brasil tem sido o principal
aliado do governo local para encontrar saídas para o momento de desequilíbrio.
Só em 2023, Lula e Fernández já se encontraram 6
vezes. O presidente brasileiro também usou diversas ocasiões para fazer apelos
públicos por ajuda ao país vizinho.
Entre os projetos mais importantes para ambos os
países está a entrada da Argentina no Brics, anunciada oficialmente na semana
passada, durante a 15ª Cúpula do Brics, em Joanesburgo, na África do Sul.
O país, segundo negociadores brasileiros, corria
por fora entre as demais nações que disputavam uma vaga no bloco, mas contou
com forte apoio de Lula e seu governo.
Estão em curso também negociações sobre o
financiamento de obras de infraestrutura na Argentina.
Em seu encontro com Lula nesta segunda, Massa deve
discutir justamente o lançamento de uma licitação para a construção de uma nova
etapa do gasoduto Néstor Kirchner, no sul do país, e que terá financiamento do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Também está na agenda comum dos países a negociação
de uma linha de crédito rotativa do Banco do Brasil para o financiamento do
comércio bilateral na ordem de US$ 140 milhões.
Segundo o próprio governo argentino, o objetivo é
usar a linha de crédito para pagar a importação de peças de carros que servirão
como insumos para as exportações ao mercado automobilístico brasileiro.
As exportações brasileiras à Argentina são cruciais
para a economia vizinha não parar, apesar da escassez de dólares no Banco
Central argentino.
Há ainda expectativa de que o governo Lula - e
agora os demais aliados do Brics - possam interceder a favor da Argentina em
suas renegociações de dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O governo argentino pagou no final de julho cerca
de US$ 2,7 bilhões (R$ 12,8 bilhões) como parte de uma reestruturação do
passivo que mantém com o Fundo.
A parcela foi quitada com um empréstimo do Banco de
Desenvolvimento da América Latina (CAF, na sigla em espanhol) de US$ 1 bilhão
(R$ 4,74 bilhões) e com yuans liberados por meio de uma operação de swap
cambial com o Banco do Povo da China (PBoC).
A medida fez parte da 5ª e da 6ª revisão do
programa de empréstimo de US$ 44 bilhões, negociado em março do ano passado.
·
Quais os riscos dessa
relação?
Para especialistas consultados pela BBC News
Brasil, a parceria estreita entre Argentina e Brasil - e mais especialmente
entre os governos Lula e Fernández - pode dificultar as relações no futuro caso
Milei seja eleito.
Ainda assim, os analistas afirmam que o pragmatismo
deve prevalecer, já que o contato entre as duas nações é muito importante para
a economia e geopolítica de ambas.
"Não necessariamente a relação vai ser
maravilhosa - obviamente que com Massa haveria mais fluidez e diálogo. Mas
passada a campanha e com o início do governo, o pragmatismo deve se
impor", avalia Javier Vadell.
Segundo o analista, em um caso como esse devemos
ver um cenário muito semelhante ao que vigorou durante a maior parte do mandato
do ex-presidente Jair Bolsonaro, que apesar das diferenças e de uma retórica
agressiva contra Fernández, manteve uma relação formal com o governo vizinho.
Para Karen Honório, não há como nenhum dos lados se
desviarem de uma parceria. "O Brasil tem um peso muito grande para a
Argentina, especialmente diante das agendas comuns desenvolvidas nesse
ano", diz.
"Mas o Brasil também se beneficia dessa
relação. E a relação com um país vizinho é para sempre, não tem como mudar de
casa", completa Vadell.
Ainda segundo a professora da Universidade Federal
da Integração Latino-Americana (UNILA), o governo brasileiro tem se portado com
cuidado para não ameaçar totalmente uma possível futura relação com Milei.
"O governo brasileiro tem demonstrado cuidado
para não declarar apoio enfático. Todos estão esperando o resultado da eleição",
diz.
Mas apesar de Sergio Massa fazer sua visita como
ministro da Economia, segundo reportagem do jornal Valor Econômico, ao
convidá-lo para vir ao Brasil, Lula disse que queria sua presença "como
candidato".
·
E os limites?
Especialistas afirmam que a atual situação
argentina é complexa demais para ser resolvida apenas com os acenos
brasileiros.
Segundo analistas, além de barrar a inflação e
combater a falta de divisas, um dos maiores desafios a longo prazo do país
sul-americano está em renegociar a dívida com o FMI sem comprometer o
crescimento interno.
Uma seca histórica dificulta ainda mais a situação
argentina, levando à menor produção de soja em 20 anos.
Além disso, o Brasil não se encontra na situação
econômica mais favorável para fazer promessas.
"O contexto econômico atual, tanto do Brasil
quanto da Argentina, é completamente diferente daquele do começo dos anos 2000,
quando há um florescimento das relações durante os governos de Néstor Kirchner
e Lula", diz Karen Honório.
O limite na ajuda fornecida pelo Brasil foi
admitido pelo próprio governo. Após um encontro com Fernández em maio, Lula
lamentou não poder apoiar mais o argentino com empréstimos diretos.
Em uma declaração que gerou polêmica em setores da
imprensa argentina, o presidente brasileiro disse que Alberto Fernández
"chegou aqui muito apreensivo, mas vai voltar mais tranquilo".
"É verdade, sem dinheiro, mas com muita
disposição política", disse.
Argentino, o professor Javier Vadell afirma ainda
que o apoio de países como os Estados Unidos seriam necessários para fazer
grandes progressos na renegociação da dívida argentina com o FMI.
"O Brasil e os demais integrantes dos Brics
tem assentos e poder de voto no banco, o que ajuda a Argentina. Mas são os EUA
quem têm poder de veto", diz.
"Por isso Massa tem viajado tanto aos EUA e
feito tanto esforço para negociar com os americanos."
Ø Pedaladas fiscais: o que TRF-1 decidiu no caso de Dilma?
O Partido dos Trabalhadores anunciou na
segunda-feira (28/8) ter protocolado um projeto de lei para anular o
impeachment de Dilma Rousseff.
A medida foi tomada após o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) ter afirmado no sábado (26/8) ser preciso
"reparar" Dilma após o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1)
arquivar a ação de improbidade pelas "pedaladas fiscais".
"A Justiça Federal em Brasília absolveu a
companheira Dilma da acusação da pedalada, a Dilma foi absolvida, e eu agora
vou discutir como que a gente vai fazer. Não dá para reparar os direitos
políticos, porque se ela quiser voltar para ser presidente, eu quero terminar o
meu mandato", disse Lula em entrevista coletiva concedida durante sua
viagem a Angola.
A defesa de Dilma afirmou que o arquivamento da
semana passada é importante do ponto de vista jurídico e histórico.
"Dilma Rousseff foi vítima de uma perseguição
e teve a cassação do seu mandato em total desconformidade com a Constituição.
Condená-la agora pelos mesmos fatos seria mais uma grande injustiça que se
imporia contra uma mulher honesta e digna", diz a nota da defesa, assinada
pelo ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.
Os advogados dos outros acusados no processo também
comemoraram a decisão, dizendo que ela "reconhece a ausência de dolo na
atuação dos gestores públicos, chancelando, em linhas gerais, o recente
posicionamento do Supremo".
No entanto, tanto o entendimento de que Dilma teria
sido "absolvida" quanto as falas de Lula foram duramente criticadas
pelo deputado federal mineiro Aécio Neves (PSDB), que foi derrotado por Dilma
nas eleições de 2014 e pediu a revisão do resultado.
Neves disse que o presidente estaria impedindo
"o Brasil de superar o antagonismo raivoso que se instalou na cena
política nacional ao insistir em manter o país acorrentado a falsas narrativas
do passado".
Foi uma referência à defesa de petistas de que as
supostas pedaladas fiscais teriam sido usadas como um pretexto de parlamentares
da oposição para retirar Dilma do cargo.
"Lula agora fala em reparar a ex-presidente
Dilma pelo suposto 'golpe' do impeachment, ignorando decisões do Congresso Nacional
e do STF [Supremo Tribunal Federal]", disse Neves em entrevista ao jornal
O Estado de S. Paulo.
O deputado disse ainda que Lula deveria canalizar
sua energia "para reparar o Brasil dos prejuízos que sua pupila causou ao
país e aos brasileiros".
"O presidente e o PT também não fazem bem ao
país ao disseminar a fake news de que a ex-presidente foi recentemente
absolvida dos crimes de responsabilidade", disse.
Afinal, o que foi decidido pelo TRF-1 e o que isso
significa de fato? A BBC News Brasil ouviu especialistas para esclarecer este e
outros pontos.
·
A decisão do TRF-1
Na sexta-feira (25/8), o TRF-1 confirmou o
arquivamento de um processo por improbidade administrativa pela acusação de uso
de "pedaladas fiscais" por Dilma.
"Pedaladas fiscais" é como ficaram
conhecidas supostas manobras contábeis, na qual o Tesouro Nacional atrasa o
repasse de verbas a bancos para apresentar um balanço melhor em um determinado
ano.
Ou seja, embora um gasto do governo já tenha
ocorrido e sido pago pelo banco, ele entra nas contas públicas somente no ano
seguinte.
Na prática, é como se o governo usasse um
"cheque especial": fizesse gastos com o caixa dos bancos e pagasse no
mês seguinte, de acordo com a descrição do ex-ministro do Tribunal de Contas da
União, José Múcio Monteiro, atual ministro da Defesa.
De acordo com o advogado Denis Pesserotti,
especialista em Direito Financeiro, a diferença é que, quando comete pedaladas,
o governo não paga juros ou correção por esse atraso, gerando prejuízo para os
bancos públicos.
"A pedalada fiscal é considerada irregular
pelos órgãos de fiscalização porque é uma forma do governo esconder que está
com as contas desequilibradas, que está fazendo despesas que não correspondem
com as receitas", explica Pesserotti.
No processo em questão, o Ministério Público
Federal (MPF) acusava Dilma, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o
ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine, o ex-secretário do Tesouro
Arno Augustin e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho de terem cometido
improbidade administrativa ao fazer uso de "pedaladas".
A ação havia sido arquivada por um tribunal de
primeira instância em 2022, mas o Ministério Público Federal (MPF) entrou com
um pedido de recurso - que foi rejeitado pelo TRF-1.
A decisão foi unânime e manteve o arquivamento do
processo.
Marcelo Figueiredo, professor de Direito da
Pontíficia Universidade Católica, explica que a improbidade administrativa é um
ato ilegal cometido por funcionário público.
Os atos que podem ser considerados improbidade são
estabelecidos em lei.
"Se comete improbidade quando há
enriquecimento ilícito, violação dos princípios administrativos ou dano ao
erário", diz Figueiredo.
Para que alguém seja condenado por improbidade, é
preciso provar dolo, ou seja, intenção de infringir a lei e causar dano.
O relator do processo das supostas pedaladas de
Dilma no TRF1, o ministro Saulo Bahia, afirmou que não havia causa para o
seguimento de um processo.
Segundo ele, não foi apontada "conduta
ilícita", e os atos descritos não poderiam ser punidos pela lei de
improbidade, porque o MPF não conseguiu provar dolo.
Ainda segundo o voto do ministro, no caso de Dilma,
durante seu mandato, os supostos atos de improbidade praticados no decorrer do
mandato não podiam ser julgados na Justiça, somente responsabilizados pelo
processo de impeachment, o que foi feito.
As "pedaladas fiscais" foram o motivo
oficial para o impedimento da petista em 2016, embora quase nenhum dos
parlamentares que votaram pelo impedimento da presidente tenha mencionado
pedaladas em seus votos.
O processo de impeachment se seguiu a um momento de
grande descontentamento do Congresso com o governo e baixa popularidade da
presidente.
Isso significa que não houve condenação na Justiça
contra Dilma e outros agentes públicos porque entendeu-se que não havia os
requisitos para o seguimento do processo.
Com isso, o mérito da ação (a acusação do MPF de
que Dilma praticou pedaladas fiscais e, portanto, improbidade administrativa)
nunca chegou a ser julgado de fato.
De acordo com Figueiredo, o TRF-1 simplesmente
aplicou um precedente que já havia sido estabelecido pelo STF.
Pesserotti diz que o arquivamento se trataria de
uma "questão processual". "Com o impeachment ela foi
responsabilizada por praticar pedaladas", afirma.
O TRF-2 já havia arquivado outro processo - uma
ação pública - contra Dilma também com a acusação de cometer pedaladas.
Fonte: BBC News Brasil
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