Mudanças climáticas: o que são eventos superemissores e por que é
crucial controlá-los
Quando o assunto é o aquecimento global, todos
costumam apontar um único culpado: o gás dióxido de carbono (CO2), produzido
quando queimamos combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás.
Mas, segundo o Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), mais de 25% do chamado “efeito
estufa” tem como causa outro gás: o metano (CH4).
É possível que você tenha ouvido falar sobre o problema
ambiental causado pelo arroto das
vacas. O gás liberado é o metano, que também é o principal
componente do gás natural, produzido pela decomposição ou putrefação de matéria
orgânica.
Preocupar-se com o arroto das vacas pode parecer
engraçado, mas o certo é que o CH4 é fonte de grande preocupação para os
especialistas. Afinal, o metano é um gás muitíssimo mais prejudicial para o
meio ambiente do que o dióxido de carbono. E, quando dizemos “muitíssimo”, não
é exagero.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA, na sigla em inglês) afirma que “o metano é mais de 80 vezes mais
potente que o dióxido de carbono na sua capacidade de aquecimento durante os 12
anos em que ele permanece na atmosfera”.
Segundo o organismo, o motivo é que, “devido à sua
estrutura química, o metano captura mais calor por molécula na atmosfera do que
o dióxido de carbono”.
Por isso, o IPCC destacou que, para atingir o
objetivo de limitar o aquecimento global a não mais de 2 °C em comparação com a
era pré-industrial, devemos reduzir urgentemente as emissões de CH4 em pelo
menos um terço – e 121 países se
comprometeram com esta meta na Conferência de Mudanças
Climáticas em Glasgow, no Reino Unido, em 2021.
Embora a pecuária seja responsável por 33% das
emissões de metano produzidas pelas atividades humanas, o arroto das vacas não
é o único desafio para atingir este objetivo.
Segundo o PNUMA, a agricultura e os resíduos
orgânicos geram outros 30%. Mas a maior fonte deste gás (35%) é a mesma que
gera a maior parte do dióxido de carbono: os combustíveis fósseis.
E uma das formas de contaminação é através dos
chamados “superemissores” de metano.
·
O que são os superemissores?
Os superemissores são equipamentos, instalações ou
outras infraestruturas onde ocorrem fugas de metano em massa, geralmente devido
a falhas estruturais.
Estas enormes fugas de gás podem chegar a durar
semanas, liberando imensas quantidades de CH4 para a atmosfera.
E, embora a maioria das superemissões ocorra na
indústria de petróleo e gás, elas também podem ser produzidas durante a
extração de carvão e em aterros sanitários de maiores proporções.
Um estudo liderado pelo cientista Thomas Lauvaux,
do Laboratório de Ciências Ambientais e do Clima da Universidade de Saclay, na
França, publicado em 2022 pela revista Science, estimou que os superemissores
liberaram cerca de 8 milhões de toneladas de metano por ano durante a produção de
petróleo e gás, entre 2019 e 2020.
Este volume equivale a 8% a 12% das emissões
globais anuais de CH4. Mas, apesar dos enormes danos causados ao meio ambiente,
ainda é difícil reduzir essas imensas perdas.
Um dos principais motivos é que, para suspendê-las,
é preciso primeiro detectá-las – e rastrear emissões de metano é complicado,
pois se trata de um gás incolor e inodoro.
Para encontrar e catalogar as perdas de metano, o
PNUMA lançou, em outubro de 2021, o Observatório Internacional de Emissões de
Metano (IMEO, na sigla em inglês).
“O grande desafio é saber exatamente quanto
[metano] está sendo emitido, de onde ele está saindo e por quanto tempo foi
emitido, para então poder reduzir as emissões ao nível necessário”, segundo o
diretor do IMEO, Manfredi Caltagirone.
·
Como detectar
Giulia Ferrini trabalha na formação do IMEO. Ela
disse à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) que, para descobrir onde
ocorrem as perdas, “estamos atualmente limitados a imagens de satélite,
provenientes do espaço”.
Estas imagens são obtidas por sensores especiais
capazes de detectar a presença de metano.
Os pesquisadores franceses e norte-americanos que
publicaram o estudo sobre superemissores na revista Science utilizaram
informações obtidas pelo satélite de observação terrestre Sentinel-5 Precursor,
desenvolvido pela Agência Espacial Europeia (AEE).
O satélite levou ao espaço um sensor chamado
Instrumento de Monitoramento Troposférico (mais conhecido como Tropomi), que
conseguiu detectar cerca de 1,8 mil superemissões de metano entre 2019 e 2020.
Mas Ferrini adverte que o uso de imagens de satélite tem suas limitações.
“É importante reconhecer que os satélites podem
observar melhor algumas partes do mundo do que outras e, por isso, a detecção
de superemissores pode ser prejudicada pela capacidade de observação dos
satélites”, esclarece ela.
Mas Ferrini também ressalta que “à medida que a
tecnologia avança sem parar, o limiar de observação é significativamente
reduzido, o que significa que podemos detectar (e, portanto, combater) eventos
de emissões menores. Com isso, ficamos aparelhados para progredir além dos
grandes emissores”.
O objetivo do IMEO é “integrar dados de diversas
fontes para, em última instância, fornecer ao mundo um conjunto de informações
totalmente transparente”.
Para a especialista, “somente com a sólida
compreensão de onde nos encontramos em termos de emissões de metano, podemos
desenvolver um plano claro e sólido de combate para proteger nosso futuro”.
Ferrini destaca que, ao fornecer informações de
livre acesso sobre onde são produzidas as grandes perdas de metano, “as partes
interessadas em uma série de setores têm mais motivação para demonstrar seus
efeitos de redução, como parte da luta global contra as mudanças climáticas”.
Ferrini administra a Associação de Metano de
Petróleo e Gás 2.0 do PNUMA. Ela defende que este setor, onde ocorre a maior
parte das superemissões, é o que detém maior potencial para corrigi-las “de
forma eficiente e rentável”.
“Temos evidências de que muitas estratégias
eficazes de redução de metano custariam apenas uma fração dos lucros da
indústria”, afirma ela.
·
Resultados em curto prazo
O fato de que o metano é muito mais prejudicial que
o CO2 não foi o único motivo que levou os especialistas no combate às mudanças
climáticas a se concentrarem em reduzir as emissões de CH4. A meta também foi
estabelecida porque esta seria uma solução mais rápida.
Um aspecto positivo do CH4 é a sua vida
atmosférica, que é muito mais curta que a do dióxido de carbono – cerca de 12
anos, em comparação com os séculos que o CO2 dura na atmosfera.
Por isso, se conseguirmos suspender as emissões de
metano, devemos observar uma mudança bastante positiva em pouco mais de uma
década. E, com esta perspectiva em mente, o IMEO propôs uma meta ambiciosa.
“Se reduzirmos o metano antropogênico [de origem
humana] em 45% neste decênio, o aquecimento seria mantido abaixo do limite
estabelecido no Acordo de Paris”, explica a organização, referindo-se ao limite
de 1,5 °C.
“O metano é um fator determinante para a velocidade
de aquecimento do planeta”, explica Ferrini. “O dióxido de carbono determina a
quantidade total de aquecimento, mas o metano define a rapidez do aquecimento
do nosso planeta.”
“Por isso, reduzir as emissões de metano é uma
oportunidade fundamental para limitar a velocidade do aquecimento em curto
prazo, enquanto prosseguem os esforços mais abrangentes de descarbonização”,
conclui a especialista.
Fonte: BBC News Mundo
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