quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Arthur Lira conseguiu, no Supremo, a apreensão da apreensão

A sexta-feira passada (25) foi marco de uma vitória para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que, aliás, não foi comemorada publicamente em lugar algum. Naquele dia, discretamente, cumprindo uma ordem sigilosa dentro de um processo judicial sigiloso, dois policiais federais de Alagoas desembarcaram em Brasília trazendo a tiracolo uma carga preciosa: 40 quilos de documentos e cerca de 5 terabytes de informação com todos os autos da Operação Hefesto, pela qual a PF investigava um suposto esquema em torno da aquisição de kits de robótica com recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Absolutamente tudo o que foi produzido pela PF ao longo da investigação – de relatórios a vídeos, de gravações telefônicas a anotações apreendidas sobre pagamentos de R$ 265 mil em benefício de um certo “Arthur” – foi entregue pelos policiais no prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) aos cuidados do ministro Gilmar Mendes. Neste momento, nada mais está sendo investigado sobre Lira em Alagoas ou em Brasília. O caso paralisado se refere a diversos aliados de Lira, como Luciano Ferreira Cavalcante, então assessor da liderança do PP na Câmara.

Mendes primeiro havia determinado, no dia 6 de julho, a suspensão do inquérito, ao acolher um pedido dos advogados de Lira. A Procuradoria-Geral da República (PGR) concordou, em manifestação assinada pelo braço-direito de Augusto Aras, a subprocuradora-geral Lindôra Araújo. O inquérito já estava paralisado mais de um mês quando, no último dia 17, Mendes ordenou a remessa para o STF “de todos os materiais e elementos coletados nas diversas medidas cautelares, pendentes ou não de análise, encartadas ou não nos autos”.

A ordem inclui o material coletado pela PF no dia 1o de junho, quando a Operação Hefesto foi desencadeada pela PF com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU) e autorização da Justiça Federal em Alagoas em cinco unidades da Federação. “Dada a urgência do caso”, escreveu o ministro, “atribuo a esta decisão força de mandado/ofício”. Assim, Lira obteve a apreensão da apreensão.

Mendes usou palavras fortes em tom acusatório para se referir à investigação da PF. “Escandaloso”, “tentativa de usurpação da competência”, “tentativa nada ortodoxa de investigação”, investigações que “afrontaram regras constitucionais de prerrogativa de foro”, “ao arrepio das formalidades constitucionais”, “causa perplexidade”. No ponto principal da sua decisão, Mendes considerou que a PF, ao instaurar o inquérito em 2020, tinha como “hipótese investigativa aventada”, segundo ele, “claramente” uma que “apontava para a participação” de Lira “em suposta malversação de verba pública”.

O ministro escreveu que é possível chegar a essa conclusão a partir de “um rápido lançar de olhos sobre os documentos que instruíram a portaria de deflagração do inquérito policial”. Na “introdução do caderno investigatório”, disse o ministro, constavam “três reportagens do periódico ‘Folha de São Paulo’, noticiando que o governo federal destinou R$ 26 milhões de recursos do MEC (Ministério da Educação) para a compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades do interior de Alagoas”. Tais reportagens, continuou o ministro, “em diversas passagens afirmam que os proprietários da empresa responsável pelo fornecimento dos equipamentos são aliados políticos do reclamante [Lira] e que o parlamentar teria atuado para ‘acelerar’ a liberação dos recursos públicos federais”.

Para Mendes, ocorreu uma “usurpação de competência” do Supremo. De acordo com a Constituição (art. 102), compete ao STF “processar e julgar, originariamente”, os casos relacionados a determinados detentores de foro especial por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado. A expressão é repudiada por Mendes. Ele escreveu, na decisão que o foro especial é uma “verdadeira prerrogativa funcional, concebida para que possam exercer as atribuições que lhe são cometidas com independência e livre de quaisquer pressões indevidas”.

Um fato não citado nas decisões de Mendes é que, no dia 25 de junho, a PF enviou ao STF os indícios, provas, suspeitas ou referências – dê-se o nome que quiser – localizadas ao longo da Hefesto sobre Arthur Lira para que a PGR e o STF exatamente analisassem se era o caso de abrir ou não um inquérito sobre o deputado federal. Isso foi noticiado nove dias antes da primeira decisão de Mendes, datada de 6 de julho, que falou em usurpação.

Naquele mesmo dia, Arthur Lira estava em Lisboa, Portugal, num seminário organizado pela escola de direito que pertence a Mendes, o IDP. Segundo a imprensa, o ministro do STF e o presidente da Câmara formaram a mesa de abertura do evento.

Em abril de 2021, Mendes já havia determinado a suspensão de três ações de improbidade administrativa, igualmente sigilosas, derivadas da Operação Lava Jato contra Lira. Mas a aproximação entre um juiz e uma autoridade que já foi ou está sob investigação em caso judicial sob sua relatoria é um detalhe que o país naturalmente naturalizou. Integra a paisagem de Brasília tanto quanto o ipê-amarelo.

Em entrevista para O Estado de S. Paulo há duas semanas, Mendes declarou que esteve com o ex-presidente Jair Bolsonaro “em alguns momentos de crise”. A reportagem revelava que Bolsonaro manteve pelo menos quatro reuniões fora da agenda oficial com “interlocutores” do STF no ano eleitoral de 2022. Esses encontros “privados” só foram revelados com a análise dos e-mails do ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid.

Até as duas decisões de Mendes, o inquérito da PF de Alagoas estava sob supervisão do Ministério Público Federal (MPF) e da Justiça Federal em Alagoas. De abril de 2022, quando foi aberto, a junho de 2023, a PF, a Justiça e o MPF não viram necessidade em informar o STF sobre a investigação. O motivo alegado é que eles não tinham, até a deflagração da operação em 1o de junho, elementos que vinculassem a investigação diretamente a Arthur Lira.

Por reportagens jornalísticas, sabia-se do papel de Lira na liberação de emendas e sua condição de aliado político dos investigados. Em 3 de abril de 2022, um pouco antes do material divulgado pela Folha de S.Paulo, a Pública já havia revelado que verba do “orçamento secreto” fora direcionada para uma empresa do pai do aliado de Lira. Tratava-se exatamente da Megalic, alvo número um da Operação Hefesto. Mas nenhuma reportagem crava benefício pessoal de Lira com qualquer crime ou irregularidade.

O inquérito da Hefesto tramita sob segredo de justiça. Por isso, não é possível confirmar, de forma independente, as afirmações de Mendes sobre a portaria de abertura do inquérito, que ele diz se basear em reportagens jornalísticas. Pelo raciocínio do ministro, o caminho correto teria sido abrir a investigação direto no STF. Casos do gênero só podem ser abertos no STF a partir de uma requisição da PGR. Aqui há um problema.

As reportagens de abril de 2022 foram de amplo conhecimento do país. A PGR pediu a abertura de alguma investigação? Não. Aquela Procuradoria comandada por Augusto Aras, que ao longo da pandemia do coronavírus livrou Bolsonaro de inúmeras investigações, não entendeu haver algum indício de participação de Lira. Em outro caso, que tratava de empresários bolsonaristas, Lindôra Araújo criticou a abertura de apuração no STF pelo ministro Alexandre de Moraes porque o ministro teria se baseado unicamente em matéria jornalística, o que ela chamou de “pescaria”.

Após a suspensão da investigação e a “apreensão da apreensão”, é incerto o destino da Operação Hefesto. As provas poderão ser anuladas ou mesmo destruídas. Como Mendes, por exemplo, já mandou o Senado fazer com evidências coletadas pela CPI da Covid-19 relativas a uma empresa imobiliária.

O prognóstico sobre a Operação Hefesto é sombrio. Que não se perca pelo nome. Na mitologia grega, Hefesto é o deus dos metais, da metalurgia e do fogo. Diz-se que Hera, sua mãe, atirou-o ao mar assim que nasceu. Outra história é que Zeus, contrariado durante uma discussão, agarrou-o pelo pé e o atirou do alto do Olimpo, uma queda que durou um dia inteiro. Embora manco, Hefesto sobreviveu ao mar e à queda. Mas no Olimpo do STF muitas vezes não tem salvação. Para alívio do comandante do Centrão.

 

       Deputados querem liberar Fundão Eleitoral para gastos de candidatos com creches

 

Deputados querem usar o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o Fundão, para cobrir gastos com creches para filhos de candidatos e candidatas no País. A ideia foi incluída nesta terça-feira, 29, nas discussões sobre as regras eleitorais. O autor da proposta é o deputado federal Rubens Pereira Júnior (PT-MA), relator do grupo técnico que elabora uma minirreforma eleitoral para valer já no pleito municipal de 2024.

"Hoje uma candidata não pode contratar creche", afirmou o deputado. Questionado pelo Estadão se teria um limite máximo de gasto com esse tema, o deputado afirmou entender que isso ficaria a cargo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"A gente [deputados] tem que prever a possibilidade desse gasto. Hoje não há essa possibilidade. E seria tanto para homem quanto pra mulher, mas é apenas uma ideia, ainda não foi definido no plano de trabalho. Mas é algo que já surgiu como problema concreto analisando a jurisprudência", acrescentou Rubens.

O deputado afirma também que a minirreforma eleitoral deverá legislar sobre a possibilidade de contratação de seguranças pelas candidatas.

"Algumas mulheres que sofreram ameaça de morte e que foram candidatas tentaram contratar uma segurança pra garantir a sua proteção e não puderam fazer esse pagamento com o Fundo Eleitoral, mas elas só estavam tendo essa dificuldade por serem candidatas. Então o que nós queremos permitir é que com o Fundo Eleitoral se possa eventualmente fazer uma contratação de uma segurança privada, de carro blindado, para fazer uma campanha", explica o petista.

O grupo técnico que elabora a minirreforma eleitoral ainda está na fase de discutir o projeto. A ideia é definir o texto até o dia 6 de setembro, véspera do feriado do Dia da Independência, para que seja aprovado na Câmara e no Senado em no máximo quatro semanas. As mudanças precisam ser publicadas até o dia 5 de outubro para começarem a valer já no pleito de 2024.

Rubens recebeu nesta tarde representantes das três federações partidárias (PT/PCdoB/PV; Rede/PSOL; e PSDB/Cidadania) para discutir a minirreforma eleitoral. O grupo apresentou propostas para aperfeiçoar o modelo de federação partidária.

"Coligação não existe mais. Nem vai voltar a ter. E a tendência é que tenhamos novas federações para que com isso nós consigamos reduzir o número de partidos no País. Nós não queremos apenas dois [partidos], mas ter mais de 30 é exagero", explicou Rubens. As federações terão tempo mínimo de quatro anos. Já as coligações são casamentos de partidos que só duram nas eleições.

 

Fonte: Por Rubens Valente, da Agencia Pública/Agencia Estado

 

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