O crime na tríplice fronteira
É manhã do último domingo de novembro de 2022, na
terceira quadra da poeirenta e esburacada Avenida de La Amistad – que liga
Tabatinga (Brasil) a Letícia (Colômbia), na tríplice fronteira amazônica que
ambos os países compartilham com o Peru. A polícia isolou a área ao redor do
bar La Tasca, em Letícia, com fita amarela. Na noite anterior, dois assassinos
em uma motocicleta mataram quatro colombianos, um dos quais era menor de idade,
nesse bar, que também é frequentado por brasileiros e peruanos.
O massacre gerou uma atmosfera de medo e incerteza
entre os vizinhos. Nem a polícia nem as famílias das vítimas quiseram falar
sobre o assunto. Na época, uma equipe do OjoPúblico estava na
área investigando o impacto do crime organizado na fronteira entre Brasil,
Colômbia e Peru. O assassinato múltiplo, no entanto, não foi um ataque isolado.
Desde 2020, os homicídios aumentaram nessa área por causa do aumento da
produção de cocaína no lado peruano da fronteira e da disputa pelo controle
territorial.
Dos quatro colombianos assassinados, um tinha
várias acusações de tráfico de drogas e, no relatório da polícia colombiana –
ao qual tivemos acesso para esta investigação – ele foi listado como membro do
Comando Vermelho (CV), a mais antiga e uma das mais poderosas organizações
criminosas do Brasil, que nos últimos anos fortaleceu sua presença na Amazônia
peruana.
Há poucos dias – no início de agosto – um dos
ataques mais recentes de membros dessa organização contra um grupo de policiais peruanos foi
registrado em Ucayali, a outra região peruana na fronteira com o Brasil onde o
Comando Vermelho também impôs sua presença.
Uma equipe da Rede de Investigação Transfronteiriça
do OjoPúblico investigou – por meio de viagens pelo
território, dezenas de entrevistas com líderes e policiais da Colômbia, do
Brasil e Peru, e acesso a documentos oficiais – as atividades criminosas na
região da tríplice fronteira. Antes apenas um comprador de cocaína produzida no
Peru, o Comando Vermelho agora não apenas afastou as máfias locais, mas também
comanda, em aliança com grupos armados colombianos, plantações de folhas de
coca em territórios indígenas na margem peruana do rio Yavarí, um afluente do
Amazonas.
A tríplice fronteira amazônica se tornou um
território disputado por vários grupos armados do Brasil, que se impuseram
violentamente sobre as máfias locais peruanas e colombianas. Mas foi o Comando
Vermelho que conseguiu dominar - como fez mais ao sul, na fronteira
entre Ucayali (Peru) e Acre (Brasil) - grande parte das
rotas desse território amazônico, onde predominam não apenas o tráfico de
drogas, mas também a extração ilegal de madeira e a pesca.
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Uma escalada de violência
No dia seguinte ao massacre em Leticia, os
moradores da tríplice fronteira compartilharam fotos da cena do massacre em
seus grupos de WhatsApp e reclamaram da escalada da violência.
As estatísticas oficiais confirmam o aumento da
violência, ainda que, como a própria polícia aponta, alguns homicídios não
sejam registrados por causa da má interpretação da causa da morte nos
hospitais. No caso de Leticia, na Colômbia, passou-se do registro de 6 para 32
homicídios entre 2020 e 2022. Essa escalada também é replicada no lado
brasileiro. De acordo com um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP), em 2020, foram registradas 8.729 homicídios dolosos nos municípios que
compõem a Amazônia brasileira. Noventa e um por cento das pessoas mortas eram
homens e 50% tinham entre 15 e 29 anos.
Três fatos permitiram o avanço acelerado do Comando
Vermelho nas fronteiras amazônicas: o desmonte do controle ambiental e territorial promovido durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) no Brasil, a
falta de controle das autoridades peruanas e colombianas e, depois, a pandemia,
que limitou os movimentos de policiais e militares.
A influência desse grupo criminoso começou a se
consolidar depois que eles mataram uma grande parte dos membros da Família do
Norte (FDN) - outra organização criminosa brasileira - no estado do Amazonas em
2019.
No dia seguinte ao massacre em Leticia, um grupo de
agentes da Procuradoria Geral da Colômbia viajou para exigir explicações do
comandante da Polícia do Departamento do Amazonas, William Javier Lara
Avendaño. Após essa reunião a portas fechadas, Avendaño, que estava disposto a
conceder uma entrevista ao OjoPúblico, recusou o encontro.
A violência na área da tríplice fronteira aumentou
paralelamente ao aumento das plantações ilegais de folha de coca na Amazônia
peruana e colombiana. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(Unodc) alertou em seu relatório
anual de 2023 sobre a "transformação das áreas
da tríplice fronteira na bacia amazônica em focos de violência".
Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP) argumenta que "o déficit na governança e na estrutura do aparato
de segurança pública, especialmente na capacidade de investigar crimes
cometidos na região", deixou a região nas mãos da dinâmica do crime organizado
e sua influência nos crimes ambientais. Ao manter o controle territorial, esses
grupos criminosos também controlam as rotas utilizadas para o tráfico de
madeira, peixes e outras espécies.
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"Ninguém diz nada"
Além de outras atividades criminosas, como a extração ilegal de madeira e a pesca, a área
da tríplice fronteira tem sido historicamente ligada à produção e ao comércio de
drogas ilegais, especialmente cocaína e seu subproduto, a pasta de
cocaína.
Entre 2020 e 2022, as regiões onde o cultivo da
folha de coca mais aumentou foram justamente as regiões da Amazônia
peruana que fazem fronteira com o Brasil. Desde 2020, em Ucayali e Loreto, foi
registrado um aumento nas áreas de cultivo de 1.966 e 8.722 hectares,
representando um crescimento de 65% e 35%, respectivamente.
Até 2020, de acordo com informações coletadas
pelo OjoPúblico em entrevistas com autoridades policiais
colombianas e brasileiras, grande parte da pasta de coca e da cocaína nessa
parte da fronteira era produzida quase exclusivamente por grupos armados
colombianos, que controlavam as plantações de folhas de coca ao longo do trecho
peruano-colombiano da fronteira no rio Amazonas. Essa produção era então
entregue a compradores no Brasil.
Nos últimos três anos, de acordo com as mesmas
fontes policiais, os traficantes do Comando Vermelho começaram a expandir seu
controle sobre as plantações e zonas de produção de pasta de coca no lado
peruano do rio Yavari, uma área praticamente sem presença do Estado, onde os
habitantes ribeirinhos e indígenas brasileiros e peruanos vivem em conflito
pelo uso dos recursos.
João é um voluntário ambiental que trabalha há
quatro anos com comunidades indígenas ao longo do rio Yavari, que divide o Peru
e o Brasil. Seu nome, bem como os de outras fontes entrevistadas pelo OjoPúblico para
esta reportagem, foram alterados para garantir sua segurança.
Nessa parte da fronteira, João conta que, antes da
pandemia, havia duas comunidades plantando folha de coca no lado peruano do
rio, mas, no final de 2022, já eram seis. "No início eles resistiram, mas
depois da pandemia já estavam plantando coca. São comunidades muito pobres, e
as que entraram nesse negócio estão prosperando. A diferença é clara", diz
ele.
Mas, como em outras áreas dos territórios
indígenas, as plantações geram outros conflitos. "As pessoas vêm de fora
para trabalhar nas plantações no território da comunidade e acabam se casando
com as mulheres. Isso tem destruído os laços comunitários, gerando muita
competição entre as famílias", explica.
Para os membros da comunidade que se opõem à
expansão do cultivo de coca em seus territórios indígenas, entre o rio Javari e
o Amazonas, há apenas silêncio.
"O Peru não tem nada de Estado aqui. Ninguém
diz nada, porque não tem a quem recorrer. Não há promotoria pública na região,
apenas um juiz de paz. Não há internet, nem agência de impostos, nem polícia,
nem direitos humanos. As comunidades não têm como denunciar ou protestar. Não
há meios para isso", conclui João.
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"Hoje são os
brasileiros que estão lá"
Sentado em um banco, observando os barcos passarem
nas águas marrons do rio Amazonas, Ricardo relembra o argumento de seu ex-chefe
quando ele lhe disse, há três anos, que deixaria o tráfico de drogas: "Se
você sair, pessoas ruins entrarão no negócio, ele me disse. Mas eu não queria,
estava farto do dinheiro e da ambição. Eu não conseguia ver nada mais à
frente", diz ele.
Ele nasceu na Amazônia colombiana, mas Ricardo tem
parentes no lado peruano e cresceu em comunidades ribeirinhas até começar a
trabalhar em uma plantação de folhas de coca perto do rio Yavari, no Peru. Ele
passou dois anos sem ver sua família, imerso na plantação e na colheita. Ele se
lembra de que foi subindo gradualmente até se tornar o chefe de uma plantação,
coordenando tudo, desde o plantio até a colheita, e organizando a segurança da
fazenda.
Depois, afirma ele, continuou a progredir até ser
nomeado chefe de uma "cozinha", como é chamada a área onde as folhas
de coca são convertidas em pasta de coca.
"Ele tinha uma equipe de assassinos contratados
para fornecer segurança. Então vi rifles, metralhadoras. Eles fizeram um campo
de tiro de um hectare e me treinaram lá. Você e os outros caras se tornam um
grupo, eles lhe dão dinheiro, bebida, mulheres. Uma vez trouxeram um professor
de Direito de Bogotá para nos explicar como agir e falar com a polícia. Um
narcotraficante sempre tem de ser calmo e controlado, pelo menos foi isso que
tive de aprender para transportar quantidades de drogas", diz ele.
As quantidades de drogas a que Ricardo se refere
chegam a 100 quilos. À medida que subia na hierarquia do tráfico, ele se
especializou em resolver o maior problema dos narcotraficantes: fazer com que
as drogas atravessassem a fronteira. Nesse caso, tirá-las do lado peruano e
colombiano e levá-las para o Brasil.
"Entre o [rio] Yavarí e Caballococha há muita
coca. Em meu grupo havia brasileiros e colombianos, que eram os responsáveis.
Eles me pagavam mil reais [aproximadamente 750 soles] por quilo que eu
conseguia enviar. O mais comum é colocá-la no fundo falso das canoas; eu fiz um
fundo falso em um motor de barco, um daqueles barcos de passageiros, para ir
até Manaus.”
Caballococha é a cidade mais importante na
fronteira do Peru com a Colômbia e o Brasil. Está localizada às margens do rio
Amazonas, na província de Ramón Castilla, na região de Loreto, e é uma das
áreas onde o cultivo da folha de coca mais se espalhou nos últimos anos.
Ricardo conta que teve sorte de sair vivo do negócio. Seu chefe foi morto seis
meses depois que ele se aposentou. "Havia rumores de que eles estavam
matando colegas, pessoas de outro grupo. Eu já estava nessa atividade há muito
tempo, tinha me tornado uma pessoa diferente", diz.
O depoimento de Ricardo também confirma os
relatórios da polícia colombiana sobre a reconfiguração das gangues criminosas
na área da tríplice fronteira. "Hoje são os brasileiros que estão lá. O
Comando Vermelho entrou e eles estão fechados com os colombianos. Antes não era
assim, eram só colombianos e alguns peruanos". Ricardo enfatiza a aliança
que o grupo criminoso brasileiro fez com os grupos armados colombianos.
Anteriormente, de acordo com a experiência de
Ricardo, grande parte da produção da área era controlada por gangues criminosas
colombianas de fora da Amazônia, que se aliavam a moradores peruanos para
plantar e colher folhas de coca. Em alguns distritos, contudo, havia pequenas
máfias controladas por peruanos que foram gradualmente "engolidas pelos
colombianos".
Outros atores criminosos na área também são os
cartéis mexicanos, que chegam à região, mas apenas como compradores. De acordo
com informações da polícia, o Cartel de Sinaloa compra drogas em Caballococha,
um dos territórios onde as plantações ilegais de folha de coca mais avançaram
na fronteira.
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"As facções criminosas
querem se expandir"
Em frente a Letícia (Colômbia) e Tabatinga
(Brasil), do outro lado do rio Amazonas, no lado peruano, fica a ilha de Santa
Rosa, um ponto de terra em meio ao vai e vem de canoas, barcos e suas
mercadorias. Em 2021, durante um assalto liderado por brasileiros no Banco
de la Nación, um policial foi morto. "Descobrimos que policiais daqui
estavam envolvidos nisso e que os autores eram Os Crias", disse Edson
Larico Roque, da Polícia Nacional do Peru, ao OjoPúblico.
Este ano, uma mensagem circulou nos grupos de
Whatsapp de moradores de Leticia, Tabatinga e Santa Rosa. Uma pessoa que se
identificava como integrante de Os Crias afirmava que havia uma aliança entre
esse grupo e o Primeiro
Comando da Capital (PCC) nessa região.
O PCC, a maior facção do crime organizado no
Brasil, juntamente do Comando Vermelho, não tinha uma presença significativa na
tríplice fronteira desde 2019, quando foi desalojado pelo CV.
Os Crias, que também se autodenominam Comando da
Tríplice Fronteira, são uma gangue local de Tabatinga (AM) que surgiu após o
reagrupamento de alguns dos membros sobreviventes da Família do Norte na rota
do rio Amazonas.
De acordo com depoimentos, Os Crias, agora aliados
ao PCC, contestam o controle territorial do CV, especialmente nas áreas próximas
a Caballococha e ao rio Amazonas, no lado peruano da fronteira com a Colômbia.
Entretanto, na área correspondente ao rio Yavari, na fronteira com o Brasil, o
Comando Vermelho mantém o controle.
Nesse contexto, as fontes consultadas apontam que,
por trás do aumento dos assassinatos na tríplice fronteira, está essa disputa
entre máfias pelo controle territorial.
"Dizem que Santa Rosa é um centro de
abastecimento e trânsito de drogas para Manaus", diz o policial peruano
Larico Roque, quando perguntado sobre o tráfico de drogas em sua área. Ele
afirma que está contando os dias até ser transferido para outra parte do Peru.
O policial ressalta que seu trabalho só pode ir até
certo ponto para conscientizar os cerca de 3 mil habitantes da ilha a não se
envolverem com drogas e tráfico de drogas, e que eles não podem fazer mais
nada.
"Não estamos aqui para matá-los (criminosos).
As facções querem se expandir. No ano passado, eles (os membros dos Crias)
foram exterminados no Brasil pela polícia de lá. E este ano estamos tranquilos
e esperamos que continue assim. Nosso objetivo é que eles (Os Crias) não voltem
para cá. Não há solução para isso. Um morre e aparece outro. E continua
assim", explica o policial peruano.
Em frente à delegacia de polícia de Santa Rosa, no
Peru, dois barcos de alumínio capturados em operações no ano passado permanecem
na grama, sem dono.
Um policial colombiano em Leticia, que planeja se
aposentar em breve, afirma que, de Santa Rosa, os traficantes de drogas
monitoram o movimento da polícia colombiana e brasileira com drones e esperam o
melhor momento para atravessar para a Colômbia, especialmente à noite, quando o
tráfico de drogas é mais prevalente na Amazônia. "Nós sabemos, mas nossas
mãos estão atadas. Não dá para atirar, essa parte do rio tem três quilômetros
de largura", explica o policial ao OjoPublico.
A orientação do lado colombiano, assim como a da
polícia de Santa Rosa, é evitar que a violência se espalhe para Letícia.
"Nesse massacre em que quatro pessoas foram mortas, o bar ficava perto da
fronteira. A polícia não pode proteger tudo isso. Costumávamos ter um controle
melhor, mas os brasileiros têm assumido o controle de forma violenta nos
últimos anos."
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Antes que a bala tivesse um
nome
Na região da tríplice fronteira, tudo está
interligado: tráfico de drogas, tráfico de madeira, contrabando, tráfico e
exploração sexual de crianças, tráfico de armas, tráfico de animais e pesca
ilegal. A entrada de grupos do crime organizado do Sudeste do Brasil, a região
mais rica e populosa do país, reformulou o crime na área da tríplice fronteira,
dizem os moradores de Tabatinga.
Depois de assumir o controle da rota do rio
Amazonas para Manaus, os grupos criminosos brasileiros (Comando Vermelho, em
maior escala, e Os Crias e PCC, em menor escala) começaram a financiar outras
atividades ilícitas através da fronteira e aumentaram a vigilância do
território e os assassinatos.
O líder comunitário Marcos, que nasceu e cresceu em
um bairro remoto de Tabatinga, agora nas mãos do Comando Vermelho, tenta lidar
com essa realidade em transformação. "Depois da chegada dos grupos
criminosos, tanto o número de assassinatos quanto o nível de violência
aumentaram. Eles recrutam crianças na adolescência e, quando crescem, deixam o
tráfico de drogas e se tornam mortos-vivos. Muitos se tornam pistoleiros e
trabalham para seus antigos chefes", diz ele.
Marcos teve de deixar a área por um tempo depois de
uma mudança de comando no bairro onde morava. Vários de seus amigos de infância
que entraram para o tráfico de drogas, com a chegada das facções criminosas,
foram mortos.
"Antes, os assassinos tinham um código de
honra. Dizia-se que em Tabatinga não havia balas perdidas, que todo mundo tinha
um nome. Eles só matavam uns aos outros para acertar contas, sem envolver inocentes.
Mas, nos últimos anos, as coisas se tornaram mais violentas. Os jovens atiram e
morrem pessoas que não têm nada a ver com o motivo do crime. Essa ética do
bandido se perdeu com o crescimento do tráfico de drogas", analisa Marcos.
As forças de segurança da cidade de Tabatinga
reconhecem, assim como suas contrapartes peruanas e colombianas, que não são
fortes o suficiente para enfrentar o crime organizado de frente.
O comandante da Polícia Militar de Tabatinga,
coronel Marcelo Cavalcante, compara o número de forças de segurança brasileiras
no local (Polícia Militar, Civil e Federal) - cerca de 150 homens no total -
com o da polícia de Letícia, que tem mais de 500. O Estado deveria ser mais
atuante", diz ele ao OjoPublico.
Chefe da Polícia Militar de Tabatinga, ele discorda
da opinião de seu colega colombiano de que o aumento da violência é culpa dos
brasileiros. "Assim como há pistoleiros brasileiros cometendo assassinatos
em Letícia, há pistoleiros colombianos cometendo assassinatos aqui. Não há como
dizer que isso está vindo de Tabatinga quando a maior produção de drogas vem da
Colômbia, incluindo os cartéis internacionais", afirma ele.
O OjoPublico entrou em contato com
a Polícia Civil do Amazonas e a Polícia Federal do Brasil, mas ambos órgãos não
quiseram comentar.
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O controle do território é o
controle das informações
O baixo nível de escolaridade e a falta de empregos
formais na região da tríplice fronteira são dois dos fatores que levam os
jovens a se juntarem às fileiras dos traficantes de drogas.
O departamento de inteligência da polícia de
Tabatinga estima que um quilo de cocaína pura é vendido por 1.000 dólares na
fronteira. Quando chega a Manaus, a capital do Amazonas, no Brasil, custa entre
8 mil e 10 mil dólares.
Enquanto o Comando Vermelho está mais estabelecido
na rota do rio Javari, o PCC é um cliente dos produtores de cocaína em
Caballococha, de acordo com informações de inteligência policial às quais
o OjoPúblico teve acesso.
Em Lima, a polícia antidrogas (Dirandro) ressalta
que nessa parte da fronteira também identificou a existência de pistas
clandestinas montadas muito próximas aos rios para promover "uma rota via
ponte aérea para o Brasil", a fim de transportar as drogas mais
rapidamente para os portos marítimos.
Relatórios policiais aos quais o OjoPúblico teve
acesso indicam que, desde 2018, redes criminosas ligadas ao Comando Vermelho e
ao PCC construíram pistas clandestinas de mais de 800 metros nas regiões
peruanas de Loreto e San Martin, "o que mostra a entrada de aviões bimotores
e turbo hélices com maior autonomia e, em sua maioria, com registro
brasileiro".
As informações colocam Loreto como a segunda região
do Peru com o maior número de armas de fogo apreendidas de traficantes de
drogas (17%), atrás apenas de Ayacucho (20%), onde está localizada a principal
área de cultivo de folha de coca do país: o Vale dos Rios Apurímac e Ene
(Vraem).
O último relatório da ONU classifica a rota do rio
Amazonas como a segunda rota mais importante para as drogas traficadas para o
Brasil. O país, atualmente o segundo maior consumidor de cocaína do mundo,
também é um corredor internacional, principalmente para países da África e da
Europa.
Para o líder comunitário Marcos, a atmosfera em
Letícia mudou após o massacre de quatro pessoas em novembro do ano passado.
"Há uma rede muito grande de informantes, especialmente do Comando
Vermelho. Portanto, é muito perigoso continuar tocando nesse assunto aqui na
fronteira. De alguma forma, eles ficam de olho no que acontece no território,
quem fala com quem, como e até que ponto. Tenha cuidado.”
A política de "quanto menos repressão,
melhor" na Amazônia levada a cabo pelo governo brasileiro durante o
governo de Jair Bolsonaro facilitou a expansão e as alianças entre grupos
criminosos ao longo dos anos. A chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à
Presidência pode mudar o impacto e o avanço dessas organizações criminosas na
Amazônia. Por enquanto, foi anunciado o restabelecimento dos órgãos de
fiscalização ambiental.
Os mesmos grupos que operam na região da tríplice
fronteira, como revelaram
investigações anteriores do OjoPúblico,
também estão presentes em outras áreas fronteiriças da Amazônia, como o rio
Putumayo, entre o Peru e a Colômbia, e nos departamentos de Ucayali, no Peru, e
Acre, no Brasil.
Durante a Cúpula da
Amazônia, no início de agosto em Belém, o Ministro da
Justiça, Flávio Dino, reconheceu o crescimento das organizações criminosas no Brasil e pediu aos países amazônicos que criassem uma espécie
de força policial internacional na Amazônia para enfrentar o crescimento do
crime organizado.
Nesse evento, os chefes de Estado dos nove países
pan-amazônicos concordaram em iniciar o diálogo para a construção de dois
centros de inteligência e investigação em Manaus, o principal ponto de venda de
drogas ao longo da rota do rio Amazonas, de onde fornecerão informações para a
polícia de outros países.
Fonte: Ojo Público/Amazônia Real
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