quinta-feira, 31 de agosto de 2023

O crime na tríplice fronteira

É manhã do último domingo de novembro de 2022, na terceira quadra da poeirenta e esburacada Avenida de La Amistad – que liga Tabatinga (Brasil) a Letícia (Colômbia), na tríplice fronteira amazônica que ambos os países compartilham com o Peru. A polícia isolou a área ao redor do bar La Tasca, em Letícia, com fita amarela. Na noite anterior, dois assassinos em uma motocicleta mataram quatro colombianos, um dos quais era menor de idade, nesse bar, que também é frequentado por brasileiros e peruanos. 

O massacre gerou uma atmosfera de medo e incerteza entre os vizinhos. Nem a polícia nem as famílias das vítimas quiseram falar sobre o assunto. Na época, uma equipe do OjoPúblico estava na área investigando o impacto do crime organizado na fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. O assassinato múltiplo, no entanto, não foi um ataque isolado. Desde 2020, os homicídios aumentaram nessa área por causa do aumento da produção de cocaína no lado peruano da fronteira e da disputa pelo controle territorial. 

Dos quatro colombianos assassinados, um tinha várias acusações de tráfico de drogas e, no relatório da polícia colombiana – ao qual tivemos acesso para esta investigação – ele foi listado como membro do Comando Vermelho (CV), a mais antiga e uma das mais poderosas organizações criminosas do Brasil, que nos últimos anos fortaleceu sua presença na Amazônia peruana.

Há poucos dias – no início de agosto – um dos ataques mais recentes de membros dessa organização contra um grupo de policiais peruanos foi registrado em Ucayali, a outra região peruana na fronteira com o Brasil onde o Comando Vermelho também impôs sua presença.

Uma equipe da Rede de Investigação Transfronteiriça do OjoPúblico investigou – por meio de viagens pelo território, dezenas de entrevistas com líderes e policiais da Colômbia, do Brasil e Peru, e acesso a documentos oficiais – as atividades criminosas na região da tríplice fronteira. Antes apenas um comprador de cocaína produzida no Peru, o Comando Vermelho agora não apenas afastou as máfias locais, mas também comanda, em aliança com grupos armados colombianos, plantações de folhas de coca em territórios indígenas na margem peruana do rio Yavarí, um afluente do Amazonas. 

A tríplice fronteira amazônica se tornou um território disputado por vários grupos armados do Brasil, que se impuseram violentamente sobre as máfias locais peruanas e colombianas. Mas foi o Comando Vermelho que conseguiu dominar - como fez mais ao sul, na fronteira entre Ucayali (Peru) e Acre (Brasil) - grande parte das rotas desse território amazônico, onde predominam não apenas o tráfico de drogas, mas também a extração ilegal de madeira e a pesca. 

·         Uma escalada de violência

No dia seguinte ao massacre em Leticia, os moradores da tríplice fronteira compartilharam fotos da cena do massacre em seus grupos de WhatsApp e reclamaram da escalada da violência.

As estatísticas oficiais confirmam o aumento da violência, ainda que, como a própria polícia aponta, alguns homicídios não sejam registrados por causa da má interpretação da causa da morte nos hospitais. No caso de Leticia, na Colômbia, passou-se do registro de 6 para 32 homicídios entre 2020 e 2022. Essa escalada também é replicada no lado brasileiro. De acordo com um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2020, foram registradas 8.729 homicídios dolosos nos municípios que compõem a Amazônia brasileira. Noventa e um por cento das pessoas mortas eram homens e 50% tinham entre 15 e 29 anos.

Três fatos permitiram o avanço acelerado do Comando Vermelho nas fronteiras amazônicas: o desmonte do controle ambiental e territorial promovido durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) no Brasil, a falta de controle das autoridades peruanas e colombianas e, depois, a pandemia, que limitou os movimentos de policiais e militares.

A influência desse grupo criminoso começou a se consolidar depois que eles mataram uma grande parte dos membros da Família do Norte (FDN) - outra organização criminosa brasileira - no estado do Amazonas em 2019.

No dia seguinte ao massacre em Leticia, um grupo de agentes da Procuradoria Geral da Colômbia viajou para exigir explicações do comandante da Polícia do Departamento do Amazonas, William Javier Lara Avendaño. Após essa reunião a portas fechadas, Avendaño, que estava disposto a conceder uma entrevista ao OjoPúblico, recusou o encontro.

A violência na área da tríplice fronteira aumentou paralelamente ao aumento das plantações ilegais de folha de coca na Amazônia peruana e colombiana. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) alertou em seu relatório anual de 2023 sobre a "transformação das áreas da tríplice fronteira na bacia amazônica em focos de violência".

Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) argumenta que "o déficit na governança e na estrutura do aparato de segurança pública, especialmente na capacidade de investigar crimes cometidos na região", deixou a região nas mãos da dinâmica do crime organizado e sua influência nos crimes ambientais. Ao manter o controle territorial, esses grupos criminosos também controlam as rotas utilizadas para o tráfico de madeira, peixes e outras espécies.

·         "Ninguém diz nada"

Além de outras atividades criminosas, como a extração ilegal de madeira e a pesca, a área da tríplice fronteira tem sido historicamente ligada à produção e ao comércio de drogas ilegais, especialmente cocaína e seu subproduto, a pasta de cocaína. 

Entre 2020 e 2022, as regiões onde o cultivo da folha de coca mais aumentou foram justamente as regiões da Amazônia peruana que fazem fronteira com o Brasil. Desde 2020, em Ucayali e Loreto, foi registrado um aumento nas áreas de cultivo de 1.966 e 8.722 hectares, representando um crescimento de 65% e 35%, respectivamente. 

Até 2020, de acordo com informações coletadas pelo OjoPúblico em entrevistas com autoridades policiais colombianas e brasileiras, grande parte da pasta de coca e da cocaína nessa parte da fronteira era produzida quase exclusivamente por grupos armados colombianos, que controlavam as plantações de folhas de coca ao longo do trecho peruano-colombiano da fronteira no rio Amazonas. Essa produção era então entregue a compradores no Brasil.

Nos últimos três anos, de acordo com as mesmas fontes policiais, os traficantes do Comando Vermelho começaram a expandir seu controle sobre as plantações e zonas de produção de pasta de coca no lado peruano do rio Yavari, uma área praticamente sem presença do Estado, onde os habitantes ribeirinhos e indígenas brasileiros e peruanos vivem em conflito pelo uso dos recursos.

João é um voluntário ambiental que trabalha há quatro anos com comunidades indígenas ao longo do rio Yavari, que divide o Peru e o Brasil. Seu nome, bem como os de outras fontes entrevistadas pelo OjoPúblico para esta reportagem, foram alterados para garantir sua segurança.

Nessa parte da fronteira, João conta que, antes da pandemia, havia duas comunidades plantando folha de coca no lado peruano do rio, mas, no final de 2022, já eram seis. "No início eles resistiram, mas depois da pandemia já estavam plantando coca. São comunidades muito pobres, e as que entraram nesse negócio estão prosperando. A diferença é clara", diz ele. 

Mas, como em outras áreas dos territórios indígenas, as plantações geram outros conflitos. "As pessoas vêm de fora para trabalhar nas plantações no território da comunidade e acabam se casando com as mulheres. Isso tem destruído os laços comunitários, gerando muita competição entre as famílias", explica.

Para os membros da comunidade que se opõem à expansão do cultivo de coca em seus territórios indígenas, entre o rio Javari e o Amazonas, há apenas silêncio.

"O Peru não tem nada de Estado aqui. Ninguém diz nada, porque não tem a quem recorrer. Não há promotoria pública na região, apenas um juiz de paz. Não há internet, nem agência de impostos, nem polícia, nem direitos humanos. As comunidades não têm como denunciar ou protestar. Não há meios para isso", conclui João.

·         "Hoje são os brasileiros que estão lá"

Sentado em um banco, observando os barcos passarem nas águas marrons do rio Amazonas, Ricardo relembra o argumento de seu ex-chefe quando ele lhe disse, há três anos, que deixaria o tráfico de drogas: "Se você sair, pessoas ruins entrarão no negócio, ele me disse. Mas eu não queria, estava farto do dinheiro e da ambição. Eu não conseguia ver nada mais à frente", diz ele.

Ele nasceu na Amazônia colombiana, mas Ricardo tem parentes no lado peruano e cresceu em comunidades ribeirinhas até começar a trabalhar em uma plantação de folhas de coca perto do rio Yavari, no Peru. Ele passou dois anos sem ver sua família, imerso na plantação e na colheita. Ele se lembra de que foi subindo gradualmente até se tornar o chefe de uma plantação, coordenando tudo, desde o plantio até a colheita, e organizando a segurança da fazenda. 

Depois, afirma ele, continuou a progredir até ser nomeado chefe de uma "cozinha", como é chamada a área onde as folhas de coca são convertidas em pasta de coca.

"Ele tinha uma equipe de assassinos contratados para fornecer segurança. Então vi rifles, metralhadoras. Eles fizeram um campo de tiro de um hectare e me treinaram lá. Você e os outros caras se tornam um grupo, eles lhe dão dinheiro, bebida, mulheres. Uma vez trouxeram um professor de Direito de Bogotá para nos explicar como agir e falar com a polícia. Um narcotraficante sempre tem de ser calmo e controlado, pelo menos foi isso que tive de aprender para transportar quantidades de drogas", diz ele.

As quantidades de drogas a que Ricardo se refere chegam a 100 quilos. À medida que subia na hierarquia do tráfico, ele se especializou em resolver o maior problema dos narcotraficantes: fazer com que as drogas atravessassem a fronteira. Nesse caso, tirá-las do lado peruano e colombiano e levá-las para o Brasil.

"Entre o [rio] Yavarí e Caballococha há muita coca. Em meu grupo havia brasileiros e colombianos, que eram os responsáveis. Eles me pagavam mil reais [aproximadamente 750 soles] por quilo que eu conseguia enviar. O mais comum é colocá-la no fundo falso das canoas; eu fiz um fundo falso em um motor de barco, um daqueles barcos de passageiros, para ir até Manaus.”

Caballococha é a cidade mais importante na fronteira do Peru com a Colômbia e o Brasil. Está localizada às margens do rio Amazonas, na província de Ramón Castilla, na região de Loreto, e é uma das áreas onde o cultivo da folha de coca mais se espalhou nos últimos anos. Ricardo conta que teve sorte de sair vivo do negócio. Seu chefe foi morto seis meses depois que ele se aposentou. "Havia rumores de que eles estavam matando colegas, pessoas de outro grupo. Eu já estava nessa atividade há muito tempo, tinha me tornado uma pessoa diferente", diz.  

O depoimento de Ricardo também confirma os relatórios da polícia colombiana sobre a reconfiguração das gangues criminosas na área da tríplice fronteira. "Hoje são os brasileiros que estão lá. O Comando Vermelho entrou e eles estão fechados com os colombianos. Antes não era assim, eram só colombianos e alguns peruanos". Ricardo enfatiza a aliança que o grupo criminoso brasileiro fez com os grupos armados colombianos.

Anteriormente, de acordo com a experiência de Ricardo, grande parte da produção da área era controlada por gangues criminosas colombianas de fora da Amazônia, que se aliavam a moradores peruanos para plantar e colher folhas de coca. Em alguns distritos, contudo, havia pequenas máfias controladas por peruanos que foram gradualmente "engolidas pelos colombianos".

Outros atores criminosos na área também são os cartéis mexicanos, que chegam à região, mas apenas como compradores. De acordo com informações da polícia, o Cartel de Sinaloa compra drogas em Caballococha, um dos territórios onde as plantações ilegais de folha de coca mais avançaram na fronteira.

·         "As facções criminosas querem se expandir"

Em frente a Letícia (Colômbia) e Tabatinga (Brasil), do outro lado do rio Amazonas, no lado peruano, fica a ilha de Santa Rosa, um ponto de terra em meio ao vai e vem de canoas, barcos e suas mercadorias. Em 2021, durante um assalto liderado por brasileiros no Banco de la Nación, um policial foi morto. "Descobrimos que policiais daqui estavam envolvidos nisso e que os autores eram Os Crias", disse Edson Larico Roque, da Polícia Nacional do Peru, ao OjoPúblico.

Este ano, uma mensagem circulou nos grupos de Whatsapp de moradores de Leticia, Tabatinga e Santa Rosa. Uma pessoa que se identificava como integrante de Os Crias afirmava que havia uma aliança entre esse grupo e o Primeiro Comando da Capital (PCC) nessa região. 

O PCC, a maior facção do crime organizado no Brasil, juntamente do Comando Vermelho, não tinha uma presença significativa na tríplice fronteira desde 2019, quando foi desalojado pelo CV.

Os Crias, que também se autodenominam Comando da Tríplice Fronteira, são uma gangue local de Tabatinga (AM) que surgiu após o reagrupamento de alguns dos membros sobreviventes da Família do Norte na rota do rio Amazonas.

De acordo com depoimentos, Os Crias, agora aliados ao PCC, contestam o controle territorial do CV, especialmente nas áreas próximas a Caballococha e ao rio Amazonas, no lado peruano da fronteira com a Colômbia. Entretanto, na área correspondente ao rio Yavari, na fronteira com o Brasil, o Comando Vermelho mantém o controle. 

Nesse contexto, as fontes consultadas apontam que, por trás do aumento dos assassinatos na tríplice fronteira, está essa disputa entre máfias pelo controle territorial.

"Dizem que Santa Rosa é um centro de abastecimento e trânsito de drogas para Manaus", diz o policial peruano Larico Roque, quando perguntado sobre o tráfico de drogas em sua área. Ele afirma que está contando os dias até ser transferido para outra parte do Peru.

O policial ressalta que seu trabalho só pode ir até certo ponto para conscientizar os cerca de 3 mil habitantes da ilha a não se envolverem com drogas e tráfico de drogas, e que eles não podem fazer mais nada. 

"Não estamos aqui para matá-los (criminosos). As facções querem se expandir. No ano passado, eles (os membros dos Crias) foram exterminados no Brasil pela polícia de lá. E este ano estamos tranquilos e esperamos que continue assim. Nosso objetivo é que eles (Os Crias) não voltem para cá. Não há solução para isso. Um morre e aparece outro. E continua assim", explica o policial peruano.

Em frente à delegacia de polícia de Santa Rosa, no Peru, dois barcos de alumínio capturados em operações no ano passado permanecem na grama, sem dono. 

Um policial colombiano em Leticia, que planeja se aposentar em breve, afirma que, de Santa Rosa, os traficantes de drogas monitoram o movimento da polícia colombiana e brasileira com drones e esperam o melhor momento para atravessar para a Colômbia, especialmente à noite, quando o tráfico de drogas é mais prevalente na Amazônia. "Nós sabemos, mas nossas mãos estão atadas. Não dá para atirar, essa parte do rio tem três quilômetros de largura", explica o policial ao OjoPublico.

A orientação do lado colombiano, assim como a da polícia de Santa Rosa, é evitar que a violência se espalhe para Letícia. "Nesse massacre em que quatro pessoas foram mortas, o bar ficava perto da fronteira. A polícia não pode proteger tudo isso. Costumávamos ter um controle melhor, mas os brasileiros têm assumido o controle de forma violenta nos últimos anos."

·         Antes que a bala tivesse um nome

Na região da tríplice fronteira, tudo está interligado: tráfico de drogas, tráfico de madeira, contrabando, tráfico e exploração sexual de crianças, tráfico de armas, tráfico de animais e pesca ilegal. A entrada de grupos do crime organizado do Sudeste do Brasil, a região mais rica e populosa do país, reformulou o crime na área da tríplice fronteira, dizem os moradores de Tabatinga.

Depois de assumir o controle da rota do rio Amazonas para Manaus, os grupos criminosos brasileiros (Comando Vermelho, em maior escala, e Os Crias e PCC, em menor escala) começaram a financiar outras atividades ilícitas através da fronteira e aumentaram a vigilância do território e os assassinatos.

O líder comunitário Marcos, que nasceu e cresceu em um bairro remoto de Tabatinga, agora nas mãos do Comando Vermelho, tenta lidar com essa realidade em transformação. "Depois da chegada dos grupos criminosos, tanto o número de assassinatos quanto o nível de violência aumentaram. Eles recrutam crianças na adolescência e, quando crescem, deixam o tráfico de drogas e se tornam mortos-vivos. Muitos se tornam pistoleiros e trabalham para seus antigos chefes", diz ele.

Marcos teve de deixar a área por um tempo depois de uma mudança de comando no bairro onde morava. Vários de seus amigos de infância que entraram para o tráfico de drogas, com a chegada das facções criminosas, foram mortos.

"Antes, os assassinos tinham um código de honra. Dizia-se que em Tabatinga não havia balas perdidas, que todo mundo tinha um nome. Eles só matavam uns aos outros para acertar contas, sem envolver inocentes. Mas, nos últimos anos, as coisas se tornaram mais violentas. Os jovens atiram e morrem pessoas que não têm nada a ver com o motivo do crime. Essa ética do bandido se perdeu com o crescimento do tráfico de drogas", analisa Marcos.

As forças de segurança da cidade de Tabatinga reconhecem, assim como suas contrapartes peruanas e colombianas, que não são fortes o suficiente para enfrentar o crime organizado de frente. 

O comandante da Polícia Militar de Tabatinga, coronel Marcelo Cavalcante, compara o número de forças de segurança brasileiras no local (Polícia Militar, Civil e Federal) - cerca de 150 homens no total - com o da polícia de Letícia, que tem mais de 500. O Estado deveria ser mais atuante", diz ele ao OjoPublico.

Chefe da Polícia Militar de Tabatinga, ele discorda da opinião de seu colega colombiano de que o aumento da violência é culpa dos brasileiros. "Assim como há pistoleiros brasileiros cometendo assassinatos em Letícia, há pistoleiros colombianos cometendo assassinatos aqui. Não há como dizer que isso está vindo de Tabatinga quando a maior produção de drogas vem da Colômbia, incluindo os cartéis internacionais", afirma ele.

OjoPublico entrou em contato com a Polícia Civil do Amazonas e a Polícia Federal do Brasil, mas ambos órgãos não quiseram comentar.

·         O controle do território é o controle das informações

O baixo nível de escolaridade e a falta de empregos formais na região da tríplice fronteira são dois dos fatores que levam os jovens a se juntarem às fileiras dos traficantes de drogas. 

O departamento de inteligência da polícia de Tabatinga estima que um quilo de cocaína pura é vendido por 1.000 dólares na fronteira. Quando chega a Manaus, a capital do Amazonas, no Brasil, custa entre 8 mil e 10 mil dólares. 

Enquanto o Comando Vermelho está mais estabelecido na rota do rio Javari, o PCC é um cliente dos produtores de cocaína em Caballococha, de acordo com informações de inteligência policial às quais o OjoPúblico teve acesso.

Em Lima, a polícia antidrogas (Dirandro) ressalta que nessa parte da fronteira também identificou a existência de pistas clandestinas montadas muito próximas aos rios para promover "uma rota via ponte aérea para o Brasil", a fim de transportar as drogas mais rapidamente para os portos marítimos.

Relatórios policiais aos quais o OjoPúblico teve acesso indicam que, desde 2018, redes criminosas ligadas ao Comando Vermelho e ao PCC construíram pistas clandestinas de mais de 800 metros nas regiões peruanas de Loreto e San Martin, "o que mostra a entrada de aviões bimotores e turbo hélices com maior autonomia e, em sua maioria, com registro brasileiro".

As informações colocam Loreto como a segunda região do Peru com o maior número de armas de fogo apreendidas de traficantes de drogas (17%), atrás apenas de Ayacucho (20%), onde está localizada a principal área de cultivo de folha de coca do país: o Vale dos Rios Apurímac e Ene (Vraem).

O último relatório da ONU classifica a rota do rio Amazonas como a segunda rota mais importante para as drogas traficadas para o Brasil. O país, atualmente o segundo maior consumidor de cocaína do mundo, também é um corredor internacional, principalmente para países da África e da Europa.

Para o líder comunitário Marcos, a atmosfera em Letícia mudou após o massacre de quatro pessoas em novembro do ano passado. "Há uma rede muito grande de informantes, especialmente do Comando Vermelho. Portanto, é muito perigoso continuar tocando nesse assunto aqui na fronteira. De alguma forma, eles ficam de olho no que acontece no território, quem fala com quem, como e até que ponto. Tenha cuidado.”

A política de "quanto menos repressão, melhor" na Amazônia levada a cabo pelo governo brasileiro durante o governo de Jair Bolsonaro facilitou a expansão e as alianças entre grupos criminosos ao longo dos anos. A chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência pode mudar o impacto e o avanço dessas organizações criminosas na Amazônia. Por enquanto, foi anunciado o restabelecimento dos órgãos de fiscalização ambiental. 

Os mesmos grupos que operam na região da tríplice fronteira, como revelaram investigações anteriores do OjoPúblico, também estão presentes em outras áreas fronteiriças da Amazônia, como o rio Putumayo, entre o Peru e a Colômbia, e nos departamentos de Ucayali, no Peru, e Acre, no Brasil. 

Durante a Cúpula da Amazônia, no início de agosto em Belém, o Ministro da Justiça, Flávio Dino, reconheceu o crescimento das organizações criminosas no Brasil e pediu aos países amazônicos que criassem uma espécie de força policial internacional na Amazônia para enfrentar o crescimento do crime organizado.

Nesse evento, os chefes de Estado dos nove países pan-amazônicos concordaram em iniciar o diálogo para a construção de dois centros de inteligência e investigação em Manaus, o principal ponto de venda de drogas ao longo da rota do rio Amazonas, de onde fornecerão informações para a polícia de outros países.

 

Fonte: Ojo Público/Amazônia Real

 

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