As empresas que querem testar o sangue da menstruação
Todos os dias, cerca de 800 milhões de pessoas em
todo o mundo estão menstruadas.
Considerando esse dado, é surpreendente que pouco
se saiba sobre o sangue menstrual.
A médica Sara Naseri espera mudar isso com uma
startup de saúde chamada Qvin. Ela acredita que examinar essa amostra de sangue
mensal amplamente ignorada poderia oferecer novas descobertas na área da saúde.
No entanto, comprovar essa hipótese levará tempo,
pois não há muitas pesquisas sobre o sangue menstrual.
Ainda na faculdade de Medicina, Naseri conseguiu
encontrar apenas um estudo sobre o sangue menstrual. Era um artigo de 2012 que
descreveu sua composição e estrutura e encontrou 385 proteínas que são
exclusivas do sangue menstrual.
Além de sangue, o líquido menstrual contém
secreções vaginais, muco cervical e células endometriais.
O endométrio é uma membrana que reveste o útero e
fica mais espessa a cada mês para permitir a implantação do embrião. Se a
gravidez não ocorrer, esse revestimento é eliminado pela vagina.
“O sangue é o fluido corporal mais comumente usado
para a tomada de decisões médicas”, diz Naseri. "Pensei: 'As mulheres
sangram todo mês. Por que ninguém usou esse sangue para fins de saúde?'"
A equipe da Qvin está tentando preencher a lacuna
de pesquisa conduzindo uma ampla gama de estudos para avaliar se existem
correlações significativas entre o sangue menstrual e o sangue retirado de uma
veia ou de uma picada no dedo.
Os resultados iniciais foram promissores, mas mais
estudos são necessários.
Se paralelos confiáveis puderem ser comprovados,
examinar o sangue menstrual poderá se tornar um método viável de monitorar ou
diagnosticar uma série de condições de saúde comuns.
Por exemplo, se os marcadores biológicos dos níveis
de colesterol ou de açúcar no sangue forem equivalentes, as análises do sangue
menstrual podem ser utilizadas como meio mensal de monitoramento de condições
cardiovasculares ou diabetes.
No entanto, o verdadeiro potencial reside em
encontrar formas não invasivas de diagnosticar e tratar doenças que afetam o
sistema reprodutor feminino.
A falta de pesquisas sobre doenças reprodutivas
femininas resultou em diagnóstico lentos, relativamente poucas opções de
tratamento e exames que são muitas vezes dolorosos e angustiantes para a
paciente.
No Reino Unido, apenas 2,1% do financiamento da
pesquisa médica vai para condições reprodutivas, apesar de pesquisas mostrarem
que 31% das mulheres enfrentam problemas graves com a sua saúde reprodutiva.
Menos da metade das pessoas afetadas procura ajuda
médica.
Além da falta de pesquisas e de precedentes, tentar
examinar o sangue menstrual significa lidar com muita resistência e tabus
sociais.
A startup Theblood, com sede em Berlim, lutou para
encontrar um parceiro de laboratório que concordasse em analisar amostras de
sangue menstrual.
“Temos que fazer tudo do zero, desde o início. Os
laboratórios examinam amostras de saliva, urina ou fezes, mas não há nada para
o sangue menstrual”, diz Miriam Santer, cofundadora da Theblood.
Christine Metz, professora e pesquisadora de
endometriose no Feinstein Institutes for Medical Research da Northwell Health
em Long Island, Nova York, acredita que o fator nojo é uma grande parte da
razão pela qual tem ocorrido tão poucas pesquisas sobre sangue menstrual.
“Quando decidimos coletar material menstrual para
estudá-lo, vários médicos nos disseram que não podiam pedir a seus pacientes
que fizessem isso”, diz ela. "[Mas quando] fizemos uma chamada nas redes
sociais, tivemos 6.000 pessoas em nosso registro. Obviamente, elas superaram o
fator nojo."
Testar o sangue menstrual nunca fez parte da
prática clínica da ginecologia.
A endometriose é uma das condições ginecológicas
mais comuns. É extremamente dolorosa e ocorre quando o tecido que normalmente
reveste o útero cresce na parte externa de outros órgãos da cavidade pélvica.
Afeta cerca de 10% das mulheres e meninas. O
diagnóstico pode levar até 12 anos e só pode ser confirmado através de
cirurgia.
Não existem hoje tratamentos eficazes para a
endometriose.
As coisas estão melhorando lentamente, em parte
graças à conscientização gerada por celebridades.
No entanto, atualmente a dor é tratada com
hormônios que podem ter efeitos colaterais graves, e mesmo a histerectomia não
garante a remoção das lesões de endometriose.
Christine Metz faz parte de uma equipe que pesquisa
os efluentes menstruais em um esforço para acelerar o tempo de diagnóstico e
desenvolver tratamentos para a endometriose.
Conseguir financiamento para estudar o sangue
menstrual tem sido difícil. “Ouvi dizer o tempo todo: 'Ah, você deveria
trabalhar com câncer. Há muito mais dinheiro.' E é verdade. Simplesmente não há
dinheiro disponível para isso. Vale a pena lutar o tempo todo para conseguir um
centavo, mas é muito, muito, muito difícil”, diz ela.
Empresas como a Qvin e a Theblood estão pagando
seus estudos com financiamento de capital de risco, na esperança de que a forma
mais rápida de impulsionar a mudança seja através da demonstração de que os
exames de sangue menstrual têm valor como produto de consumo.
No entanto, cada um admite que falar com
investidores muitas vezes significa explicar os princípios básicos da
menstruação, como o uso de absorventes internos, absorventes higiênicos e
coletores menstruais.
Opções de testes domiciliares tornariam os exames
para algumas condições muito mais convenientes.
Ashley Draper, uma mulher de 36 anos de Washington
(EUA), participou de um estudo da Qvin que visava avaliar se o sangue menstrual
poderia ser usado para rastrear o câncer no colo do útero depois de responder a
um anúncio do Instagram.
Por mais de dez anos, resultados anormais de exame
de Papanicolau exigiram que Draper fizesse testes para câncer cervical a cada 6
meses.
Durante um teste de câncer cervical, o médico usa
um espéculo para abrir a vagina e inserir uma pequena escova ou espátula para
raspar amostras de células do colo do útero na entrada do útero. Geralmente não
se usa anestesia.
“É obviamente um processo muito invasivo”, diz
Draper. “Você se sente como um pedaço de carne na mesa. Parece que eles estão
usando processos muito arcaicos."
Reduzir o elevado custo dos cuidados de saúde e
sentir-se mais no controle dos resultados de saúde também atrai Draper.
“Para mim, será uma vitória geral se isso se tornar
um produto, porque reduzirá minha ansiedade e me dará mais controle sobre o que
está acontecendo com os exames”.
Fonte: BBC News Mundo
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