Livro reúne cartas inéditas escritas por Santa Dulce: Lançamento será
em 5 de setembro, em Salvador
Senso de humor apurado e quase sempre convertido em
brilho nos olhos, em vez de gargalhadas, saudade da sobrinha que morava
distante, apreensão diante da falta de recursos e o cansaço de quem dedicava a
vida para ser vetor de mudanças sociais. Todos sentimentos muito humanos, mas
que foram sentidos também por um espírito iluminado. Com a escrita, Santa Dulce
dos Pobres revelou facetas já conhecidas e muitas inesperadas de sua personalidade.
Reunidas em um livro que será lançado agora em setembro, 59 cartas da religiosa
baiana, escritas entre 1930 e 1980, aproximam os fãs da personagem histórica e
os devotos católicos, da intimidade do ‘Anjo Bom da Bahia’.
Quem empunha papel e caneta, dá pistas de si em
cada frase. No caso de Irmã Dulce, a aura de benfeitora divide espaço com a tia
que era fã de Roberto Carlos e que dava bronca em funcionárias que relaxavam
nas obrigações do trabalho. As 192 páginas de ‘Cartas de Santa Dulce - A face
humana em todos nós’ reúnem manuscritos inéditos da primeira santa brasileira,
que se considerava um instrumento da vontade de Deus na mesma medida em que se
comportava e sentia como uma pessoa comum. Aproximar religiosos, mas e não
somente eles, da heroína nacional, é o objetivo do livro.
“Apanharam
em meu quarto a fita de Roberto Carlos que você me deu. Será que arranja
outra?”, perguntou a santa em correspondência endereçada à sobrinha, Maria Rita
Pontes, em 1979. Hoje superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid),
Maria Rita morou boa parte da vida no Rio de Janeiro. A distância entre tia e
sobrinha motivou incontáveis cartas que Santa Dulce escreveu e enviou à cidade
maravilhosa. Os manuscritos driblavam a saudade e serviam de espaço para desabafos
da religiosa. “Tenho tido alguns aborrecimentos com pessoas que foram fazer
campanha à revelia, usando meu nome”, destaca na mesma mensagem.
‘Joia’ e ‘filha’ eram algumas das formas carinhosas
que a Santa Dulce usava para se referir à sobrinha. “Ela dizia para minha mãe
que eu era filha dela, o que às vezes era motivo de ciúmes. Eu ficava dividida
porque gostava um tanto das duas”, revela Maria Rita, filha de Dulcinha, irmã
mais nova da santa. O ‘tesouro’, como ela se refere às cartas, evidencia sentimentos
comuns a todos. “As pessoas conhecem o lado da caridade e da religião, mas o
lado de uma pessoa que sofre, sente medo e tem bom humor ainda é pouco
conhecido”, diz.
• Bom
humor
O comerciante Abelardo Barbosa, 89, é um dos que
tiveram o privilégio de conviver com Irmã Dulce e conhecer seu lado bem
humorado. “Seu Abelardo, Paz e bem! Isto é um assalto. Vou levar uma
furadeira”, escreveu a santa em 1989, três anos antes de sua morte, em 1992. O
amigo é até hoje dono de uma loja nas proximidades das Obras Sociais e tinha o
costume de emprestar utensílios, o que motivou a correspondência inusitada.
“Ela não fazia brincadeiras de sorrir, ela sorria
com o olhar e tudo era no diminutivo. Pedia uma furadeirinha”, relembra
Abelardo Barbosa. Ele e a esposa acompanharam de perto os últimos anos de Santa
Dulce. Apesar de gigante nas ações e na disposição em ajudar o próximo, a
religiosa não escondia o cansaço da vida de luta. “Estou sentindo necessidade
de parar uns dois dias para rezar mais e descansar um pouco. Sinto-me num
princípio de estafa”, confidenciou, em 1986, às amigas que ajudavam nas obras
de caridade.
No entanto, todo o esforço valia a pena para quem
acreditava ser instrumento divino. “Como tudo é para Deus e os pobres, está
tudo bem”, escreveu, demonstrando resiliência. em correspondência enviada à
sobrinha. O amor pelos mais necessitados era tanto que chamava os alunos do
Centro Educacional Santo Antônio (Cesa) de filhos, além de montar o cardápio
das crianças.
Se soubesse que algum colaborador estava mole,
chamava a atenção através dos escritos, como fez em 1988, em um bilhete
destinado às funcionárias da cozinha. “Em vez de ficar reclamando, vocês deviam
deixar o trabalho, já que ele não serve. Por outro lado, deveriam ter mais
caridade e fazer as coisas por amor”, escreveu.
A paixão por animais também é lembrada na obra,
através da preocupação que a religiosa tinha com Kito - periquito que ganhou na
Feira de São Joaquim e deu de presente à sobrinha. Em 1991, Maria Rita deixou
Kito no Rio de Janeiro para assumir interinamente as Osid imaginando que
voltaria. Ele morreu meses depois. Foi enterrado no Memorial de Santa Dulce.
• Cartas
que abrem caminhos
Com as mesmas mãos que atendia os mais necessitados
nas ruas de Salvador, Santa Dulce endereçava manuscritos para autoridades e
personalidades a quem pedia doações para as Osid. Entre os destinatários, os
presidentes Tancredo Neves e José Sarney. As preocupações com os recursos
escassos para atender aos doentes também motivaram cartas endereçadas ao engenheiro
Norberto Odebrecht, que construiu a primeira obra idealizada por Santa Dulce, e
Walter Nunes, gerente da Bayer por 32 anos, que fazia doação de medicamentos.
Os recortes de textos reunidos revelam ainda a
posição de autoridade que Santa Dulce alcançou na capital baiana. Prova disso é
um bilhete de duas linhas que dizia “Estes 2 rapazes pedem um transporte grátis
até o Rio”, escrito em julho de 1967. A assinatura da religiosa foi suficiente
para que duas passagens fossem emitidas na Rodoviária de Salvador. Um dos
viajantes era o escritor Paulo Coelho, na época com 19 anos. Depois de receber
uma porção de sopa nas Osid, ele se dirigiu à Mãe dos Pobres e lhe pediu
dinheiro para comprar duas passagens de ônibus para o Rio de Janeiro, daí
surgiu o bilhete.
• ‘Cartas
de Santa Dulce' é resultado de dois anos de pesquisa
A ideia de selecionar manuscritos de Santa Dulce e
transformá-los em livro começou a ganhar contornos nítidos em 2021, quando a
jornalista carioca Luciana Savaget veio a Salvador participar de uma missa em
homenagem ao comediante Paulo Gustavo. Naquele ano, o ator, que fazia doações
às Osid, morreu vítima de covid-19. Em uma conversa com Maria Rita Pontes, a
jornalista sugeriu a publicação.
“Eu voltei depois para Salvador e visitei o
Memorial Irmã Dulce, peguei todos os manuscritos originais e passei o final de
semana dentro de um quarto de hotel lendo aquelas relíquias”, relembra a
jornalista. A “viagem emocional”, como caracteriza o contato com a escrita da
santa, foi o pontapé para o que depois viraria um conselho editorial que, ao
longo de dois anos, se dedicou à pesquisa e seleção dos documentos. Luciana
explica que a obra pode ser lida em qualquer ordem, mas que a ideia é que as
palavras escritas por Dulce sejam como uma espécie de “autobiografia”.
‘Cartas de Santa Dulce - A face humana em todos
nós’ será lançado no dia 5 de setembro (terça-feira), às 18 horas, no Espaço
Coworking, no Shopping Barra (L4 Leste). Já no dia 26, acontecerá o lançamento
no Instituto Superior de Educação Pró-Saber, no Rio de Janeiro. Todo o dinheiro
arrecadado com as vendas será revertido para as obras sociais fundadas por Irmã
Dulce. “A ideia não foi fazer um livro religioso, mas sim uma obra que mostra
que Irmã Dulce tinha todas as fraquezas e fortalezas que um ser humano tem”,
resume Luciana Savaget.
>>> Serviço:
O que: Lançamento do livro ‘Cartas de Santa Dulce -
A face humana em todos nós’
Quando: 5 de setembro, às 18 horas
Onde: Espaço Coworking, no Shopping Barra (L4
Leste)
Valor: R$75
Posteriormente, a publicação estará à venda na Loja
Irmã Dulce (Av. Dendezeiros do Bonfim, 161, Largo de Roma) na capital baiana, e
na loja virtual (loja.irmadulce.org.br).
Fonte: Correio
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