Ditadura da Nicarágua avança sobre universidades e ameaça pensamento
livre
Já era noite no último dia 17 quando enviados da
ditadura da Nicarágua retiraram as letras que formavam as palavras
"Universidad Centroamericana" da placa da portaria principal da
instituição. A tarefa foi concluída no dia seguinte, quando o painel passou a
indicar que ali funcionaria a Universidade Nacional Casimiro Sotelo Montenegro.
Foi assim que um dos mais prestigiados centros
universitários do país se tornou a vítima mais recente do regime de Daniel
Ortega e Rosario Murillo. Segundo os líderes, a faculdade fundada pela
Companhia de Jesus em 1960 atuava como um "centro de terrorismo" e
organizava "grupos criminosos armados e encapuzados".
Os bens da universidade foram transferidos para o
Estado, que passou a gerir a instituição e a indicar nomes para cargos de
confiança. "Agradecemos a Deus, à Revolução Popular Sandinista, ao nosso
presidente, o comandante Daniel Ortega Saavedra, e à nossa companheira e
vice-presidente, Rosario Murillo", afirmou o novo reitor, Alejandro Genet
Cruz, em seu discurso de posse, no dia 18 deste mês.
A UCA, como era conhecida, era uma universidade
privada sem fins lucrativos. Embora seus alunos pagassem mensalidades, oferecia
bolsas e, até março de 2022, contava com parte dos 6% do orçamento público que
o Estado direcionava ao ensino superior.
A instituição era gerida por jesuítas, ordem que
também sofreu um ataque do regime ao ser dissolvida na última quarta-feira (23).
O novo nome da universidade homenageia um líder estudantil que se tornou mártir
após ser assassinado em 1967 pela ditadura dos Somoza, contra a qual Ortega
lutou -hoje, críticos afirmam que este tem se aproximado cada vez mais daquele.
O destino da UCA é o mesmo que outras 3.719
organizações da sociedade civil tiveram nos últimos cinco anos, incluindo 26
universidades privadas, de acordo com um levantamento da imprensa local -ela
mesma atua no exterior. Isso significa que Ortega, que eliminou praticamente
todos os contrapesos ao seu regime, parece querer avançar sobre uma das últimas
fronteiras do pensamento livre.
Não há oposição organizada, já que partidos
políticos críticos ao casal no poder não conseguem atuar -nas últimas eleições,
em 2021, sete postulantes à Presidência foram detidos acusados de lavagem de
dinheiro e traição à pátria. O Legislativo e o Judiciário, por sua vez, estão
tomados por simpatizantes, e as últimas quatro prefeituras que representavam
alguma resistência, no norte do país, foram tomadas por policiais armados em
julho do ano passado.
"Esse golpe na UCA é também simbólico",
afirma o cientista político nicaraguense Humberto Meza, pesquisador da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ele compara a tomada da instituição
com uma situação hipotética em que a USP, a Unicamp e as PUCs, por exemplo,
fossem confiscadas por um governo totalitário no Brasil. "A UCA tinha
prestígio único na Nicarágua."
Agora, um dos melhores laboratórios de biologia
molecular do país está sob a batuta do regime, que passa a guardar também um
acervo do Instituto de História de mais de 70 mil itens, incluindo gravuras
rupestres e coleções históricas de jornais.
Em 2009, quando tinha 50 mil peças, a coleção foi
agraciada com o prêmio Prince Claus, de uma fundação holandesa que leva o mesmo
nome. Na ocasião, a instituição afirmou que o acervo continha arquivos
"que documentavam a história da Nicarágua desde os tempos coloniais até a
Revolução Sandinista, além de outros que estão relacionados com a história da
América Central". O trabalho do instituto, agora rebatizado de
"Heróis da Nicarágua", foi chamado de "um milagre que se tornou
possível graças ao trabalho árduo e contínuo" dos acadêmicos envolvidos na
iniciativa.
Os Estados Unidos condenaram a tomada da
universidade pela ditadura por meio de um porta-voz do Departamento de Estado,
Vedant Patel, que afirmou que a ação "representa uma erosão das normas
democráticas e um sufocamento do espaço cívico". "Esse é um centro de
primeiro nível de excelência acadêmica, de pesquisa independente e de esperança
para o futuro da Nicarágua", afirmou ele.
A notoriedade da UCA foi o que motivou Maya, 23, a
escolher a universidade, na qual concluiu os estudos em administração de
empresas em julho. Sob a condição de não revelar seu nome verdadeiro, a
estudante disse à Folha que não deve retirar o seu diploma no mês que vem. Ela
tenta encontrar instituições de outros países para fazer a equivalência de
disciplinas e obter o documento de conclusão do curso.
"Não quero ter um título que leve o nome da
Universidade Nacional Casimiro Sotelo. Passamos por muitas coisas para que o
diploma saia assim. Não foi nessa universidade que estudei", diz. A
instituição em que se formou, conta, tinha aulas que abordavam criticamente assuntos
como gênero e desenvolvimento. "Tínhamos contato com muitos aspectos do
país, inclusive da parte rural, muito ignorada na Nicarágua."
Maya ingressou na UCA em fevereiro de 2018, meses
antes de o país entrar em convulsão devido a uma impopular reforma da Previdência
promovida por Ortega. Naquela época, a universidade já conhecia as pressões do
regime, mas a situação pioraria muito após a repressão às manifestações de
abril, que deixaram ao menos 355 mortos, segundo a CIDH (Comissão
Interamericana de Direitos Humanos).
O primeiro período da estudante foi concluído a
distância, antes de as aulas serem suspensas no segundo semestre em razão da
crise social e política. Quando retornou ao campus, ele já não era mais o
mesmo, conta ela. "Era uma falsa normalidade." Maya diz ter visto o
clima de medo aumentar na faculdade, que se esvaziava devido ao cerco econômico
do regime e à migração dos alunos.
A crescente perseguição fez o ex-diretor do
departamento de sociologia da UCA, Juan Carlos Gutiérrez Soto, 51, exilar-se na
Costa Rica em junho de 2021. "Por mim, a universidade seria o lugar em que
eu me aposentaria", afirma. "Mas não é possível planejar a vida em um
regime autocrático."
O sociólogo é uma das 94 pessoas que tiveram a
nacionalidade nicaraguense retirada pela ditadura em fevereiro deste ano
-número que engrossou a lista de 222 presos políticos que, postos em um avião e
expulsos da Nicarágua em direção aos EUA, tiveram o mesmo destino dias antes.
Assim, tudo que está em nome de Soto no país pode
ser expropriado, incluindo uma casa. "Não existo no meu país. Se buscarem
nos registros oficiais, não encontrarão minha carteira de identidade nem meu
passaporte", conta. Livros que ficaram na Nicarágua chegaram no domingo
(27) à sua casa em San José -com as folhas de rosto arrancadas, já que tinham
seu nome e poderiam provocar desconfiança no regime.
Para o sociólogo, a última fronteira de controle é
a internet. Ele diz que não se surpreenderia, porém, se a ditadura passasse a
limitar o acesso à rede nesse cenário de terra arrasada. "Uma leitura mais
profunda de mundo parece-me cada vez mais difícil [na Nicarágua]. Se não há
maneiras para processar a informação de maneira crítica, o pensamento será mais
doutrinado."
Ø México encerra pré-campanha e Presidência do país deve ser disputada
por mulheres
A reta final das pré-campanhas presidenciais no
México começou neste domingo (27/08) para a oposição e na segunda-feira para o
partido no poder, com um resultado que parece previsível: as eleitas serão
mulheres.
“É a transformação e chegou a vez das mulheres”,
proclamou no sábado a ex-prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum,
diante de milhares de apoiadores reunidos no Monumento à Revolução, no
penúltimo ato de sua campanha interna lançada em meados de junho.
Sheinbaum, de 61 anos, é a favorita, junto com o
ex-chanceler Marcelo Ebrard, na corrida pela indicação presidencial do
Movimento de Regeneração Nacional (Morena, esquerda nacionalista), que está no
poder desde 2018.
A partir de segunda-feira (28/08), uma pesquisa nacional
definirá entre os dois rivais – e outros quatro candidatos menores – o
candidato à sucessão do presidente Andrés Manuel López Obrador, muito popular,
mas impedido de ser reeleito pela lei mexicana. Morena anunciará os resultados
no dia 6 de setembro.
Sheinbaum fez um apelo à “unidade” após acusações
de Ebrard de ter financiado a sua pré-campanha com verba pública.
“Todo mundo fala em unidade. Nada mais do que
cumprir o que foi acordado”, respondeu, com ironia, o ex-chanceler na
sexta-feira (25/08).
“Vamos
vencê-los, não se preocupem”, acrescentou Ebrard mais tarde a jornalistas.
Rumores sugerem que ele poderia deixar o Morena e se juntar à oposição caso não
vença a pesquisa que começa na segunda-feira.
Sheinbaum encerra sua campanha neste domingo em Veracruz
(Leste), enquanto Ebrard se reunirá com seus apoiadores na capital mexicana.
Ambos pretendem capitalizar a herança política de López Obrador, com quase 60%
de aprovação após quase cinco anos de mandato. Com apenas nove anos de
existência, o seu partido é maioria em ambas as câmaras do Parlamento e governa
23 dos 32 estados mexicanos.
“É uma honra estar com Obrador”, disse Sheinbaum
para a multidão no sábado, reproduzindo frases do presidente, como “para o bem
de todos, os pobres primeiro” e “nossa economia está forte, nossas finanças
estão saudáveis”.
O despertar da oposição
Do lado da oposição, a senadora de direita Xóchitl
Gálvez é a favorita na pesquisa em que enfrentará, a partir deste domingo,
outra mulher, Beatriz Paredes, do partido PRI, outrora hegemônico. De
ascendência indígena otomí e de origem popular, Gálvez recebeu o apoio de um
pilar do partido direitista PAN, Santiago Creel, também pré-candidato que se
inclinou a seu favor.
Símbolo do despertar de uma oposição enfraquecida e
dividida, Gálvez tornou-se alvo de ataques de López Obrador desde o lançamento
da sua candidatura, em junho.
A pesquisa da oposição será realizada de domingo a
quarta-feira, antes da consulta aos cidadãos no dia 3 de setembro. Nesse mesmo
dia serão divulgados os resultados.
Fonte: FolhaPress/rfi
Nenhum comentário:
Postar um comentário