O que é o “consórcio da morte” e por que ele persiste no Xingu
No km 80 da Transamazônica, altura do Travessão do
Flamingo, há um desnível perigoso, uma pequena colina no meio da estrada. O
motorista vindo da cidade de Anapu, no Pará, não tem nenhuma visibilidade de
quem vem do outro lado e, caso tente virar à esquerda em direção à vicinal
Flamingo Sul, pode ser surpreendido por um automóvel em alta velocidade. Muitos
acidentes já ocorreram nesse trecho.
A vicinal Flamingo Sul é o caminho para os lotes 96
e 97, atuais epicentros da violência agrária de Anapu, um dos municípios
recordes em conflitos no campo nos últimos 12 anos, de acordo com os dados da
Comissão Pastoral da Terra (CPT), sistematizados no Mapa de Conflitos da Agência Pública.
Ali, o fazendeiro Antônio Borges Peixoto
reivindicou por anos uma área de cerca de 3 mil hectares ocupada desde 2011 por
agricultores sem-terra. Após sua morte, em abril de 2022, um grupo de
fazendeiros locais sustenta a mesma reivindicação do que virou um perigoso
conflito, no qual os sem-terra já sofreram diversas ameaças de morte e tiveram
casas, farinheira e escola rural incendiadas, situações já denunciadas em reportagens anteriores da Pública.
O trajeto pela estrada de terra que leva à área de
conflito torna inevitável ao motorista não dar de cara com uma das sedes da
fazenda Bom Jesus e Berrante, do finado Peixoto, guardada por dois carros de
segurança privada. O detalhe da vigilância da fazenda torna refém os sem-terra
e apoiadores da reforma agrária que por ali passam — como as irmãs Jane Dwyer e
Katy Webster, integrantes da CPT e da Congregação de Notre Dame e sucessoras da
luta de Dorothy Stang, assassinada em 2005.
Segundo as fontes ouvidas pela reportagem, a
alarmante e escancarada violência no Xingu também é formada por detalhes como
os trajetos monitorados, num enredo de medo e tensão que eles chamam de
“consórcio da morte”, nome dado pelos movimentos campesinos ao grupo de
fazendeiros mandante do assassinato da irmã Dorothy, que também estaria por
trás dos conflitos atuais, como o dos lotes 96 e 97. O consórcio segue impune
há quase 20 anos. Na boca do povo, muitos em Anapu sabem listar integrantes do
grupo, mas a Justiça parece não conseguir nomear nenhum envolvido. Depois do
caso Dorothy, em 2005, já tombaram outras 19 pessoas na luta pela reforma
agrária em Anapu.
Da mesma forma, as vítimas têm dificuldade em
nomear servidores públicos do sistema judiciário e da segurança pública da
região. É comum que os servidores se afastem ou sejam afastados dos cargos,
inclusive por corrupção. É o caso do último delegado da Delegacia Especializada
de Conflitos Agrários (Deca) de Altamira, que abrange Anapu, Ivan Pinto da
Silva. Investigado pelo Ministério Público,
pela Corregedoria da Polícia Civil e pela Secretaria de Segurança Pública do
Pará por causa da condução de pelo menos oito despejos ilegais contra famílias
sem-terra.
O policial militar David* atua há mais de 30 anos
na PM de Altamira, que abrange outros sete municípios da região, além de Anapu.
Para ele, na zona rural dos municípios do Xingu, “a lei ainda é a do mais
forte”. “Nunca existiu policiamento rural em Anapu, nem na época do assassinato
de Dorothy nem agora. Não existe um batalhão ambiental nessa região aqui. Só
atuamos quando o Ibama chama, mas não tem policiamento ordinário”, revela.
Distritos inteiros de Altamira, maior município do país em extensão territorial,
não possuem policiamento.
A Pública cruzou
os dados do Mapa dos Conflitos com diferentes bancos de dados públicos.
Municípios xinguanos, como Anapu, Altamira e São Félix do Xingu, se destacam
por, nos últimos 12 anos, liderar o número de conflitos no campo (foram 177 em
Anapu e 403 em Altamira, entre 2009 e 2022), pelos altos índices de violência
(calculados por meio do número de pessoas internadas no SUS por agressão) e
pela alta desigualdade social.
Anapu ocupou um dos últimos lugares no Índice de Progresso
Social (IPS) da Amazônia em 2021. Dos 772 municípios da Amazônia Legal, ficou
em 702º lugar. Em relação especificamente ao critério de segurança pessoal,
Anapu ocupa a 747a posição. Já Altamira ocupa a 509a posição
nas classificação geral do ranking, mas quando se trata de segurança pessoal e
inclusão social, o município cai, respectivamente, para a 755a e
a 723a posição.
A relação entre conflitos agrários e dados de
violência, segundo o relatório “Cartografia das Violências na Região
Amazônica”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta que os
municípios com maiores taxas de mortes violentas intencionais em 2020 são os
classificados como sob pressão de desmatamento — 37,1 por 100 mil habitantes. O
relatório mostra também que, dos seis estados brasileiros com menores efetivos
policiais, quatro estão na Amazônia.
Outro relatório, “Governança e Capacidades
Institucionais da Segurança Pública na Amazônia”, publicado pelo FBSP e pelo
Instituto Igarapé, mostra que, enquanto a média brasileira de território
coberto por ao menos um policial civil é de 93 km², na Amazônia cada policial é
responsável por área quatro vezes maior (428 km²).
Segundo Aiala Colares Couto, doutor em geografia,
pesquisador da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e membro do FBSP, grande
parte dos territórios desses municípios pertence à União, sendo destinados às
unidades de conservação ou terras indígenas. Essas áreas, palco de conflitos,
dependem da segurança de órgãos federais como o Ibama, as Forças Armadas e a Polícia Federal. “Nos
últimos anos, esses serviços foram sendo precarizados, as ações diminuíram, e
isso dá condições para milícias armadas no campo”, afirma.
Já nas parcelas de território em que cabe ao estado
e municípios atuarem, existe uma grande defasagem de segurança pública, o que
colabora para um quadro alarmante, alerta Couto. Segundo ele, seguranças e
milícias contratadas por empresas que praticam crime ambiental teriam efetivo
superior ao de policiais do município. “Quem vai se organizar para comprar
armas são justamente os mesmos grupos que detêm o poder da exploração de ouro,
de madeira, ou de terra grilada”, diz.
Assim, em municípios marcados pela ausência do
Estado, empresas de extração predatória detêm poder de fogo, portando arsenais
que foram legalizados pelo governo Jair Bolsonaro e que ostentam até mesmo
empresas profissionais de segurança patrimonial.
Duas fontes que pediram anonimato afirmaram à Pública que fazendeiros de Anapu
e região teriam se reunido em eventos e gravado vídeos ostentando armas durante
a gestão de Jair Bolsonaro. “Eles ganharam muito mais confiança e podem mostrar
as armas porque elas estão legalizadas”, afirma uma delas.
·
Fazer dano — o
pecado original
“Fazer dano” era a expressão utilizada antigamente
no Xingu para matar. No livro Terror e resistência no Xingu,
doutorado da antropóloga Ana de Francesco, ela registra a banalidade da violência
nos primórdios dos conflitos territoriais na região. Nas primeiras décadas do
século 20, o Xingu recebia sua primeira onda de colonização, os seringueiros,
chamados de pioneiros. Na época, centenas de milhares de hectares de floresta
foram divididos entre poucos empresários, que importaram mão de obra de outras
regiões do país.
Foi a primeira vez que o Estado fechou os olhos
para a existência da população local e, sob o falso pressuposto de um vazio
demográfico, privatizou enormes porções de terra com gente dentro. No
caso, povos indígenas. Eles reagiram, matando inúmeros seringueiros, e
estes vingaram as mortes, matando inúmeros indígenas. O “dano” só foi um
problema quando atingiu a produção de borracha, o fabrico. E, só quando atingiu
a produção, o Estado reagiu, enviando a primeira tentativa de “segurança
pública” para o Xingu. Sertanistas, função que precedeu o indigenismo, foram
chamados para dialogar com os indígenas e propor trégua e convivência.
“Ou doma os índios, ou libera para a gente passar
um verão sem trabalhar, só matando índio, para poder trabalhar depois”, ouviu a
antropóloga de um dos ribeirinhos entrevistados, Sabá Bacabeira, cujo pai
chegou do Ceará com 11 anos, em 1912, pra trabalhar para o seringalista José
Porfírio na região do Riozinho do Anfrísio, em Altamira.
Três décadas depois, durante a ditadura militar, a
região sofreu a segunda onda colonizadora, com a abertura da Transamazônica, a
BR-230. “O inferno verde já era”, ou “chega de lendas, vamos faturar” estavam
entre as propagandas da estrada. Uma lenda que permaneceu, no entanto, foi a do
vazio demográfico. “Uma terra sem povo para um povo sem terra” era um dos
principais slogans da colonização nas margens da rodovia.
Colonos de todo o país se mudaram para a região,
principalmente famílias sem-terra nordestinas e famílias de agricultores
sulistas que buscavam enriquecer. O governo estabeleceu os Contratos de
Alienação de Terras Públicas (CATP), por meios dos quais grandes lotes de terra
foram entregues a empresários do agronegócio, com financiamento da
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Muitos deles nunca
pisaram na região, deixando de cumprir a principal exigência dos contratos, a
produtividade da terra em até cinco anos. Diante do descumprimento, o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recuperou grande parte das
terras, destinando-as para a reforma agrária.
A partir dos anos 1990, no entanto, cresceu o
interesse econômico pela região, principalmente por conta do boom madeireiro.
Com a Transamazônica pronta, e a infraestrutura sendo criada ao seu redor,
herdeiros dos empresários contemplados pelos CATPs chegaram à região
reivindicando suas propriedades. Encontraram terras já ocupadas por pequenos
agricultores e as grilaram. A pistolagem se tornou regra, e assim foram
instalados conflitos agrários até hoje não resolvidos.
A terceira fase de colonização da região
complementou o caos fundiário. A construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte
entre 2010 e 2016, deslocou de seu território centenas de famílias ribeirinhas,
descendentes de indígenas e dos pioneiros seringalistas. As famílias foram
realocadas nos Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs), bairros planejados na
periferia de Altamira. Em dois anos, entre 2011 e 2013, a população do
município dobrou com os trabalhadores da obra. Foram anos em que a prostituição
e a dependência química reinaram. Facções de narcotráfico se instalaram em
Altamira, e o município passou a liderar índices de violência.
Com o fim da obra, cerca de 19 mil trabalhadores
ficaram desempregados. Em 2015, a taxa de desemprego de Altamira era uma das
mais altas do país. Parte dos trabalhadores foi procurar terras para trabalhar
na região e acabaram se somando nas ocupações em terras destinadas à reforma
agrária que sofrem com os conflitos. Parte ficou na cidade, se mudando para os
RUCs. A região nunca mais foi a mesma. Os danos nunca foram recuperados.
·
Os índices de violência
refletem a construção de Belo Monte
Entre 2020 e 2021, durante os meses mais severos da
pandemia de Covid-19, ribeirinhos que vivem nas unidades de conservação de
Altamira doaram centenas de alimentos em cestas básicas para os ribeirinhos
reassentados nos RUCs. Com o isolamento social, famílias inteiras que já haviam
sofrido um impacto profundo em seu modo de vida, entraram em insegurança
alimentar.
Raimunda Rodrigues, ribeirinha da comunidade Rio
Novo, na Reserva Extrativista Rio Iriri, participou da iniciativa. “Enviamos
farinha de mandioca, tapioca, castanha, abóbora, melancia, óleo de babaçu. Eles
ficaram felizes. O pessoal sente falta de plantar”, conta.
A principal renda dos ribeirinhos era a pesca. Com
a expulsão para a operação de Belo Monte, que alagou parte das terras onde
viviam, a renda foi reduzida, e os gastos aumentaram. Agora, pagam contas de
energia, gás, transporte público. Localizados em periferias distantes do rio
Xingu, não podem deixar suas voadeiras sozinhas no cais, porque são roubadas.
Então pagam R$ 20 por dia para vigias cuidarem dos barcos na beira do rio, ou
pagam o transporte para as embarcações. Em último caso, apenas as aposentam,
deixando-as no quintal da casa planejada.
Foi o destino da voadeira de Raimundo Braga Gomes,
conhecido como Raimundo Berro Grosso, que vive hoje no RUC Jatobá. Ele foi
expulso do local onde vivia, nas margens do rio Xingu, em 2016. “Tacaram fogo
na minha casa com tudo dentro. Não me indenizaram um centavo até agora”,
denuncia. Raimundo faz parte do Conselho Ribeirinho, organização criada para
negociar a volta das famílias ao rio, por meio da criação de um “Território
Ribeirinho”.
Os RUCs hoje estão mais personalizados. Algumas
casas têm barcos encostados na lateral, como a de Raimundo, outras têm pinturas
de florestas nas paredes. Algumas são cercadas pela sombra de árvores que já
foram mudas transplantadas dos antigos locais onde as famílias viviam. Um
padrão cada vez mais comum e que não fazia parte do projeto inicial dos RUCs
são as grades nas portas e janelas. Em muitos casos, não se vê mais casa
alguma, apenas muros altos cobertos por cerca elétrica e adesivos de segurança
monitorada.
Os RUCs são considerados as áreas mais perigosas de
uma Altamira que, em 2017, ganhou o título de cidade mais violenta do país, de
acordo com o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). Em 2023, Altamira ocupou o sétimo lugar no ranking de municípios mais
violentos do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Para os altamirenses, é
unanimidade que os índices de violência refletem a construção de Belo Monte. Já
a construção dos RUCs reflete a negligência com a população local.
Em uma das visitas ao RUC Jatobá, conhecido como
“Jatobala”, a reportagem cruzou com uma equipe de construção reparando uma
casa. São os “vícios construtivos”, informou a engenheira responsável pela
obra, contratada por uma empresa terceirizada pela Norte Energia,
concessionária de Belo Monte, para reduzir os “danos causados”. “As casas foram
construídas muito rápido, e isso influenciou um pouco na qualidade. Hoje elas
apresentam trincas nas paredes, lajotas desniveladas, rachaduras. Às vezes não
chega energia ou tem que trocar a caixa-d’água”, listou.
Alguns dos vícios construtivos não são mais
resolvidos pela concessionária, tendo passado para a competência da prefeitura.
É o caso de problemas de água ou esgoto. Nos RUCs, outdoors informam o número
do “zap da Prefeitura” para tal serviço. A informação é acompanhada pela ilustração
de uma mulher indígena, com duas penas no cabelo, segurando um celular, além do
brasão da prefeitura, com o slogan “mais vida, mais futuro!”. Altamira não tem
cuidado de seu futuro. O município é um dos que mais matam jovens no
país.
Vitoriano Bill vive na periferia de Altamira, é
professor de matemática e mestrando em geografia na Universidade Federal do
Pará (Ufpa), onde pesquisa a violência no contexto de Belo Monte. Segundo Bill,
os índices de violência apontam os jovens como principais vítimas de homicídios
em Altamira. Assim que a barragem foi construída, os assassinatos eram diários.
“Antes a cidade ficava de luto, mas chegou um momento em que ninguém ficava
mais”, afirma Bill.
Bill é fundador do Sarau Marginal, evento cultural
criado como resposta à ausência de lazer para a juventude periférica
altamirense. As principais poesias apresentadas no sarau, ao longo dos anos,
têm como temática a violência do município. Segundo o professor, a última
chacina que mobilizou a população foi a que matou Magid Elias Mauad
França.
Magid era estudante de geografia e foi assassinado
em 2 de outubro de 2017 no RUC São Joaquim, local onde vivia o primo de um
amigo, para quem ele estava dando carona. Magid, o amigo e o primo foram
alvejados por traficantes que confundiram a casa onde estavam com a casa
vizinha, onde vivia a namorada de um traficante da facção rival. “Confundiram
porque as casas dos RUCs eram todas iguais”, afirma a mãe de Magid, Málaque
Mauad Soberay.
Após o assassinato do filho, Málaque fundou o
movimento Mães do Xingu, formado por mães de vítimas da violência de Altamira,
e se tornou uma das principais referências na luta por segurança pública na
região. “Desde que vi o corpo do meu filho caído, não parei um minuto. No dia
seguinte, já estava em reunião. Era uma fala e um choro.”
As Mães do Xingu participaram da fundação do Fórum
Regional de Segurança Pública, da qual Málaque foi presidente. Elas foram
responsáveis pelo aumento do efetivo policial e por criar a Patrulha Maria da
Penha em Altamira. “Tudo que conquistamos em Altamira hoje alguém teve que
morrer para que acontecesse”, resume a fundadora do Mães do Xingu.
·
“O que adianta aumentar a
força policial se não tem políticas públicas?”
Para Málaque, a barragem “mudou tudo” e, a partir
dela, faltou tudo também. “Altamira era uma cidade pacata. Quem se organizou
foi o tráfico. Nada mais era nosso, tudo era deles.” Segundo as Mães do Xingu,
enquanto os condomínios onde vivem os engenheiros da Norte Energia têm guaritas
de segurança privada, Altamira ainda vive uma luta pela implantação de
segurança pública.
O policial militar David* acompanhou de perto as
mudanças na segurança pública de Altamira. Quando iniciou sua carreira, ainda
na década de 1980, Altamira tinha apenas uma delegacia, duas viaturas, e uma
média de 25 presos. Embora o efetivo tenha aumentado depois de Belo Monte, ele
questiona sua efetividade.
“A barragem foi uma violação, tenho certeza que foi
a causa da violência. Faltou educação, saúde, geração de emprego. Dos cinco
RUCs, apenas um tem escola de ensino médio. O que adianta aumentar a força
policial se não tem políticas públicas?”, pondera.
Um dos episódios mais emblemáticos da violência na
região foi o massacre no Centro de Recuperação Regional de Altamira, até então
único presídio do município. Em 29 de julho de 2019, 62 pessoas foram
assassinadas, parte por asfixia, parte decapitada. O massacre teria sido
resultado de uma briga entre o Comando Classe A, filial do PCC na região, e o
Comando Vermelho.
O presídio estava superlotado. Onde cabiam 200
pessoas, os documentos mostraram que mais de 300 dividiam celas. O padre
Patrick Francis Brennan, que atua na Pastoral Carcerária e tinha visita marcada
no presídio no dia do massacre, afirma que, apesar do dado apresentado nos documentos,
há relatos de que cerca de 500 pessoas estavam presas no centro.
“Quando chegamos, já vimos a fumaça saindo do
presídio. Não foi possível identificar muitos corpos de tão queimados”, lembra.
Segundo Patrick, a Pastoral Carcerária já tinha avisado a diretoria do presídio
sobre a possibilidade de uma rebelião devido à superlotação, mas nenhuma
providência foi tomada.
O massacre ocorreu quatro meses antes da
inauguração do Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu, presídio de
segurança máxima construído com financiamento da Norte Energia como
condicionante de Belo Monte. O padre Patrick visita o Complexo uma vez por
semana. “Não podemos nem dar a mão ou falar com os presos. Quando a gente
chega, está todo mundo no chão com os braços pra trás. Ficam horas assim, sem
poder mexer”, revela.
Patrick afirma ter se encontrado com um egresso em
novembro de 2022 e recebido relatos de torturas. “Ele contou que duas pessoas
cometeram suícidio por conta dos maus-tratos.” Segundo o padre, a maior parte
dos presidiários é jovem e moradora dos RUCs, e cerca de 70% estão presos por
tráfico de drogas.
Enquanto parte de uma juventude que cresceu sem
oportunidades é encarcerada, a impunidade do “consórcio da morte” e demais
empresas por trás das organizações criminosas segue deixando vítimas, e o
Estado segue confessando sua ineficiência. Hoje são mais de 90 defensores e
defensoras de direitos humanos e meio ambiente no Pará inseridos em programas
federais de proteção de ativistas.
Para o pesquisador Aiala Colares Couto, a violência
e os conflitos na Amazônia ganharam novas complexidades, abastecidos pelo
comércio de armas e cada vez mais articulados com o narcotráfico e a lavagem de
dinheiro. “Por isso, é fundamental a integração entre as forças de segurança
pública, um pacto federativo entre as polícias, o Ibama, e a regularização de
terras e, principalmente, a criação de modelos econômicos sustentáveis para dar
oportunidades às pessoas dessas regiões.”
Fonte: Por Julia Dolce, da Agencia Publica
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