Fátima de Tubarão e homem que quebrou relógio francês: quem ainda está
preso pelo 8 de janeiro
Sete meses após os atos golpistas do 8 de janeiro,
em Brasília, 128 extremistas continuam presos. Estão nesse grupo Maria de
Fátima Mendonça Jacinto Souza, conhecida como “Fátima de Tubarão”, Ana
Priscilla Azevedo, que prometeu “colapsar o sistema”, e Antônio Cláudio Alves
Ferreira, que quebrou um raro relógio francês fabricado na época de Luís XIV na
França – a peça ficava exposta no Palácio do Planalto.
Logo após a invasão aos prédios dos Três Poderes,
1.424 pessoas chegaram a ser detidas. Atualmente, a maior parte responde pelos
atos em liberdade. Neste mês, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes concedeu liberdade provisória para mais 162 detentos.
Os beneficiados têm de cumprir medidas cautelares.
Eles não podem se ausentar do endereço que forneceram para a Justiça, devem se
recolher durante a noite e aos finais de semana e precisam usar tornozeleira
eletrônica. Além disso, estão proibidos de utilizar redes sociais e armas de
fogo e tiveram os passaportes cancelados.
Novas prisões que envolvem os ataques de 8 de
janeiro, porém, continuam. A Polícia Federal, a partir da Operação Lesa Pátria,
investiga suspeitos de terem colaborado, financiado ou participado da invasão
aos prédios dos Três Poderes. Neste mês, foram presas 15 pessoas, entre elas o
comandante da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), Klepter Rosa
Gonçalves, a cantora gospel Fernanda Ôliver, os influenciadores Isac Ferreira e
Rodrigo Lima e o pastor Dirlei Paiz.
Enquanto a PF prende novos suspeitos, o STF avança
em denunciar envolvidos nos atos antidemocráticos. Na sexta-feira passada, 18,
a Corte decidiu tornar réus 70 bolsonaristas, elevando o total para 1.380, que
devem começar a ser julgados a partir de setembro. A maioria dos que foram
presos no acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília,
responde por crimes como incitação à animosidade das Forças Armadas e
associação criminosa. Mais de duas centenas de indivíduos respondem por crimes
mais graves, como deterioração de patrimônio tombado da União, tentativa de
golpe de Estado e associação criminosa armada.
• Fátima
de Tubarão segue presa em Santa Catarina
Entre os 70 que se tornaram réus na sexta passada
está Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza, que ficou conhecida como “Fátima
de Tubarão” após participar dos atos golpistas e confessar, em um vídeo gravado
durante a invasão da sede do STF, que estava “quebrando tudo e cagando nessa
bosta aqui”. “Vamos pra guerra, vamos pra guerra. Vou pegar o Xandão agora”,
gritava a mulher, fazendo referência ao ministro Alexandre de Moraes.
Nascida em Tubarão, no sul de Santa Catarina,
Fátima está detida desde 27 de janeiro na Penitenciária Sul de Criciúma, a 80
quilômetros da sua cidade natal, após ser presa na Operação Lesa Pátria. Em
março, a defesa da bolsonarista entrou com pedido no Supremo para que ela
pudesse responder ao processo em liberdade, sob alegação de problemas de saúde.
O pedido foi negado pela Procuradoria Geral da República (PGR).
Além de estar envolvida nos atos de 8 de janeiro,
Maria de Fátima também é acusada de estelionato e falsificação de documentos,
em um processo que está em andamento no Tribunal de Justiça de Santa Catarina
(TJ-SC). Em 2014, a bolsonarista foi condenada a quatro anos de prisão por
tráfico de drogas com envolvimento de menor de idade. Porém, segundo a Justiça
catarinense, ela teve a pena reduzida para 3 anos e 10 meses com restrições de
direitos e prestação de serviços à comunidade
O Estadão tentou entrar em contato com a defesa de
Maria de Fátima, mas não obteve contato até a publicação desta reportagem.
• Bolsonarista
que prometeu ‘colapsar o sistema’ é uma das presas em Brasília
Nas penitenciárias do Distrito Federal, onde
centenas de bolsonaristas foram levados após os ataques antidemocráticos, 49
detentos permanecem presos, sendo 47 homens e duas mulheres. Uma delas é Ana
Priscila Azevedo que, três dias antes do início das invasões, anunciou o que ia
ocorrer na Praça dos Três Poderes. “Nós vamos colapsar o sistema, nós vamos
sitiar Brasília, nós vamos tomar o poder de assalto, o poder que nos pertence”,
disse ela dentro do acampamento montado no entorno do Quartel General do
Exército.
No dia dos atos golpistas, Ana Priscila gravou
outro vídeo, dentro do STF, comemorando a depredação do prédio. Militares do
Exército que estavam atuando no Palácio do Planalto chegaram a deter a
extremista, mas ela foi presa de fato apenas no dia 10 de janeiro, em uma
operação da PF em Luziânia, cidade goiana no entorno do Distrito Federal, após
o Estadão revelar vídeos dela de incitação aos ataques.
Até o momento, Ana Priscila não é ré. No final de
junho, ela testemunhou contra os integrantes das Forças Armadas. A bolsonarista
prestou, em abril, um depoimento de 28 minutos à Justiça Militar em que afirma
que, no dia 8, “o Exército botou os blindados e não deixou a Polícia Militar
avançar na frente do QG. E, no outro dia de manhã, as pessoas foram avisadas
para se retirar dali. Isso aí é fato”, disse.
De acordo com Cláudio Avelar, advogado de Ana
Priscila, um pedido recente de liberdade provisória da bolsonarista feito pela
defesa não foi acatado pela Justiça. Avelar disse ao Estadão que, em breve,
apresentará um pedido para que Azevedo saia da Penitenciária Feminina do
Distrito Federal. “É um absurdo. Ela está presa há sete meses, ficar sete meses
sem poder se defender é um atentado contra a democracia”, disse.
• Homem
que quebrou relógio francês do século 18 está detido em Minas
Responsável por destruir um relógio francês do
século 18, Antônio Cláudio Alves Ferreira permanece preso em uma penitenciária
em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. O radical, que usava uma camisa do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atirou peça no chão.
O relógio teria sido fabricado na época de Luís XIV
na França. Segundo relatos do Planalto, um século depois foi presenteado pela
Corte francesa ao rei de Portugal, Dom João VI, que o trouxe para o Brasil em
1808 com a vinda da família real portuguesa ao Brasil.
Segundo o governo federal, existem apenas duas
unidades do objeto no mundo. O outro relógio está no Palácio de Versalhes, na
França, mas tem apenas a metade do tamanho do exemplar destruído no 8 de
janeiro.
Em 19 de julho, Alexandre de Moraes decidiu manter
a prisão preventiva de Antônio Cláudio, ao considerar a detenção
“imprescindível” para identificar outros envolvidos nos ataques. O ministro
ressaltou que o bolsonarista responde por crimes que podem ser punidos com até
30 anos de prisão. O investigado é réu por associação criminosa armada,
abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano
qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
O Estadão não localizou a defesa de Antônio
Cláudio.
• Candidato
a deputado e pai que deixou esposa no Paraná estão na Papuda
Matheus Lima de Carvalho Lázaro, que deixou a
mulher grávida no Paraná, onde morava, e disse que o Exército ia agir para
promover uma intervenção militar após os terroristas “quebrarem tudo”, está
detido no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília.
Outros detentos no mesmo presídio são Oziel Lima,
mais conhecido como “Fuzileiro Oziel”, que foi candidato a deputado estadual em
Santa Catarina pelo Patriota, e Wellington Luiz Firmino, que gravou um vídeo no
teto do prédio principal do Congresso Nacional.
• Moraes
soltou missionário e invasora que usava peruca rosa
Cinco dos 88 bolsonaristas que foram identificados
pelo Estadão após os atos antidemocráticos deixaram a Papuda por determinação
Moraes neste mês. Nas 48 horas depois do 8 de janeiro, a reportagem analisou
cerca de 26 horas de transmissões ao vivo, listas de passageiros de ônibus,
postagens em redes sociais e centenas de imagens que foram posteriormente
utilizadas pela PF para encontrar vândalos.
Fabrício Quitito, que se autointitula “missionário”
e gravou um vídeo durante os ataques afirmando que o ex-presidente Bolsonaro
retornaria para a Presidência da República, foi uma das pessoas soltas. “Jair
Messias Bolsonaro, você vai estar voltando para essa nação para continuar o seu
governo”, disse, no início do ano.
Também foi liberada Vanessa Harume Takasaki, que
invadiu o Palácio do Planalto de peruca rosa e subiu a rampa interna até o
terceiro andar, onde fica o gabinete presidencial. Moradora de Tupã, no
interior de São Paulo, ela foi presa ainda no Planalto.
Publicitária radicada em Mato Grosso, Simone Tosato
também foi solta. Ela gravou uma live durante os ataques antidemocráticos em
sua conta pessoal no Instagram.
Foi solto ainda Luiz Fernando de Sousa Alves, que
participou dos ataques ao Congresso Nacional e gravou um vídeo dizendo que
estava “invadindo aquela bosta”. Ele era mais conhecido como o “Sabugueiro de
Mirassol d’Oeste”, em referência à cidade do Mato Grosso onde mora. Outro
mato-grossense liberado foi o engenheiro Leandro Alves Martins.
STF
começa a julgar bolsonaristas que tentaram golpe
O Supremo Tribunal Federal (STF) liberou para
julgamento quatro ações penais relacionadas aos atos golpistas do dia 8 de
janeiro. São os primeiros processos do caso a ficarem prontos para serem
analisados pelos ministros. A data do julgamento ainda não foi marcada, mas a
expectativa é que ocorra em setembro.
Na sexta-feira, as ações foram enviadas pelo
relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, ao c Em seguida, Nunes Marques
liberou para serem pautadas. Cabe à presidente do STF, ministra Rosa Weber,
marcar a data.
As ações penais envolvem pessoas dentro das sedes
dos Três Poderes no dia 8, considerados “executores” dos atos golpistas. Eles
estão sendo acusados de associação criminosa armada, abolição violenta do
Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência
e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Já no caso dos réus considerados incitadores, que
foram presos em acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, Moraes
reconheceu a possibilidade da assinatura de acordos de não persecução penal.
Com isso, a tramitação de 1.114 ações foi interrompida.
Os acordos precisam ser firmados individualmente.
Cada réu deve assumir a culpa pelo crime e aceitar as sanções estabelecidas,
como reparação do dano, pagamento de multa e prestação de serviços à comunidade
ou a entidades públicas.
Bolsonarista
que criou “dia do patriota” se diz arrependido
O ex-vereador Alexandre Bobadra (PL), idealizador
do ‘Dia Municipal do Patriota’ e que foi cassado por abuso de poder econômico
há duas semanas, afirmou que se arrepende de ter escolhido a data de 8 de
janeiro para a celebração. O político, que é apoiador do ex-presidente Jair
Bolsonaro, disse ainda que preferia ter colocar a comemoração no 7 de setembro,
feriado da Independência do Brasil. As declarações foram dadas em entrevista ao
portal GZH.
— Se pudesse voltar no tempo, colocaria no dia 7 de
setembro. O projeto é bacana, é legal, mas poderia ser dia 7 de setembro —
afirmou Bobadra, após críticas pela definição da dada no mesmo dia que
apoiadores de Bolsonaro depredaram os prédios dos Três Poderem em Brasília.
A Câmara de Porto Alegre aprovou a inclusão do Dia
Municipal do Patriota em seu calendário no início de agosto, capitaneada pelo
presidente da Casa, Hamilton Sossmeier (PTB). O projeto de lei, no entanto, não
faz qualquer menção à justificativa da escolha de 8 de janeiro para a
celebração.
Após repercussão da nova data comemorativa, lideranças
políticas pediram a revogação do projeto. O ministro do Desenvolvimento Agrário
e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, diz que a data deveria ser considerada
“o dia do golpista ou da tentativa de criar uma ditadura no país”, e não “dia
do patriota”. Ele pede que o STF derrube a decisão.
O deputado estadual Leonel Radde (PT-RS) diz ter
ajuizado uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) junto ao
Supremo contra a lei aprovada e contra o prefeito de Porto Alegre, Sebastião
Melo. Ele chama a ideia de “clara apologia ao crime”.
As críticas ganharam coro de deputados federais
como Guilherme Boulos (PSOL-SP), Tabata Amaral (PSB-SP) e Túlio Gadêlha
(Rede-PE), entre outros.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao
STF que declare o Dia do Patriota de Porto Alegre inconstitucional, segundo a
RBS TV, afiliada da TV Globo no Rio Grande do Sul. Além do pedido de liminar
para a suspensão imediata da lei, a PGR requer que sejam solicitadas
manifestações do prefeito da Capital, Sebastião Melo (MDB), do presidente da
Câmara de Vereadores, Hamilton Sossmeier (PTB) e da Advocacia-Geral da União.
Bobadra teve o mandato cassado, em segunda
instância, por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de
comunicação. A decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio
Grande do Sul em 15 de agosto, que tornou nulos os votos recebidos por ele.
Apesar do afastamento imediato, Bobadra pode
recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele foi alvo de ação eleitoral
feita por três candidatos do antigo PSL (hoje União Brasil após fusão com o
DEM), que o acusaram de concentrar os recursos do fundo eleitoral e do tempo de
propaganda eleitoral na campanha de 2020.
Nas redes sociais, Bobadra se define como
“conservador” e “cristão”. Ele costuma aderir a teses bolsonaristas para
afastar o ex-presidente de assuntos negativos. Ele chama, por exemplo, a
investigação da PF sobre uma suposta organização criminosa no entorno de
Bolsonaro para venda ilegal de patrimônio público de “narrativa das joias”.
Fonte: Agencia Estado/O Globo
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