Você se irrita ao
ver alguém inquieto? Pode ser misocinesia
"Se eu vir
alguém batendo os dedos em uma mesa, meu pensamento imediato é cortar os dedos
da pessoa com uma faca", confidenciou um paciente anônimo a um
pesquisador.
"Quando vejo
alguém fazendo movimentos repetitivos muito pequenos, como meu marido dobrando
os dedos dos pés, me sinto fisicamente mal. Eu seguro, mas tenho vontade de
vomitar", afirmou outra.
Parece familiar? Se
sim, talvez você também tenha uma condição chamada misocinesia — uma aversão à
inquietação ou movimento diagnosticável.
Os cientistas estão
se esforçando para entender mais sobre o fenômeno que, até o momento, não tem
causa conhecida.
Na pesquisa mais recente, publicada na
revista científica PLoS One, os especialistas realizaram entrevistas aprofundadas
com 21 pessoas que fazem parte de um grupo de apoio às pessoas com misocinesia.
Os gatilhos mais
comuns registrados foram os movimentos das pernas, das mãos ou dos pés — como
balançar as coxas, mexer os dedos e arrastar os sapatos.
Clicar na caneta e
enrolar o cabelo também foram identificados como gatilhos, embora não com a
mesma frequência.
Muitas vezes, as
pessoas relataram alguma sobreposição com outra condição mais conhecida,
chamada misofonia — uma aversão
intensa aos ruídos de outras pessoas, como a respiração pesada ou o barulho da
mastigação.
É impossível saber
exatamente quantas pessoas podem estar sofrendo de misocinesia. Um estudo
canadense recente sugeriu que talvez um em cada três de nós possa ser afetado
negativamente pela inquietação de outras pessoas, vivenciando sentimentos
intensos de raiva, tortura e repulsa.
Conversei com Jane
Gregory, psicóloga clínica da
Universidade de Oxford, no Reino Unido, que tem estudado e tratado tanto a
misocinesia quanto a misofonia.
"As duas andam
juntas com muita frequência. Muitas vezes, as pessoas têm as duas ao mesmo
tempo", diz ela à BBC News.
Embora não haja
dados confiáveis, Gregory afirma que as condições são provavelmente
surpreendentemente comuns.
"Obviamente,
as pessoas têm vivenciado isso há muito tempo, mas simplesmente não havia um
nome para isso."
Segundo ela, a
gravidade da aversão das pessoas à inquietação varia.
"Algumas
pessoas podem ficar realmente incomodadas com a inquietação ou com movimentos
repetitivos, mas isso não afeta muito a vida cotidiana", diz ela.
Outros, no entanto,
podem "ter uma reação emocional muito forte — raiva, pânico ou angústia —
e simplesmente não conseguem filtrá-las".
No trabalho de
Gregory, ela tende a encontrar pessoas com sintomas mais extremos. Muitos são
adultos que sofrem de misocinesia há anos, mas alguns estão no início da
adolescência e vivenciando a condição pela primeira vez.
·
'Simplesmente
explode dentro de você'
Andrea, de 62 anos,
diz que desenvolveu misofonia e misocinesia aos 13 anos, mas que isso não foi
reconhecido na época.
Uma de suas
primeiras lembranças da condição é a de ter ficado angustiada com uma menina na
escola que estava cutucando as unhas.
"A maior parte
da misocinesia tende a focar nas mãos das pessoas — no que elas estão fazendo
com as mãos e o que estão tocando", explica.
Outro gatilho para
ela é quando as pessoas cobrem parcialmente a boca com a mão enquanto falam —
ela se esforça para ver, e sente que sua própria boca está ficando dolorida
quando faz isso.
Andrea afirma que a
raiva que ela sente é explosiva e instantânea.
"Não há nenhum
processo racional nisso. Não há lógica. Simplesmente explode dentro de você, e
é por isso que é tão angustiante."
Ela me disse que
tentou diferentes estratégias para gerenciar sua condição, mas não consegue
bloqueá-la.
Agora, ela se
protege da sociedade, morando sozinha e trabalhando de casa, e diz que toda a
sua vida foi projetada para evitar as coisas que poderiam perturbá-la.
Andrea conta que
tem muitos amigos que a apoiam, e que entendem que, às vezes, ela precisa mudar
a forma como interage com eles.
"É mais fácil
simplesmente se retirar. Tentar sobreviver. Você não pode ficar pedindo às
outras pessoas que não façam as coisas."
Ela explica que não
culpa os outros por sua inquietação, e entende que a maioria das atitudes das
pessoas não é intencional — e, sim, realizada pela força do hábito.
Andrea diz que
compartilhar suas experiências com um grupo de apoio no Facebook tem sido de
grande ajuda.
·
'Eu
fico com muita raiva'
Jill, de 53 anos, é
outro membro desse grupo. Ela relata que a misocinesia faz seu coração
disparar.
"Qualquer
coisa pode ser um gatilho para mim, desde balançar as pernas até a aparência e
a forma como alguém segura o garfo."
"Eu fico com
raiva, muita raiva", acrescenta. "Meu coração começa a bater muito
rápido. É como uma [reação de] luta ou fuga."
Bola de ansiedade
Julie, de 54 anos,
diz que a principal sensação que tem por conta da misocinesia é a angústia.
"Outro dia, eu
estava no ônibus, e havia uma senhora passando, e seus dois braços estavam
balançando. Eu não conseguia tirar os olhos dela. Eu estava ficando muito
ansiosa com isso, não com raiva."
"São coisas
bobas, como alguém que está preparando uma xícara de chá para mim, e pega o
saquinho de chá e balança para cima e para baixo, para cima e para baixo, para
cima e para baixo. Por quê?"
"Ou se alguém
estiver sentado balançando a perna. Não consigo tirar os olhos. E, se eu
desviar o olhar, tenho que olhar para trás para ver se a pessoa ainda está
fazendo isso."
Ela contou à BBC
que a sensação desagradável que se segue pode consumi-la por horas.
"Não sou uma
pessoa irritada. Isso só me faz sentir como se houvesse uma bola no meu
estômago prestes a explodir. Não é raiva, é um sentimento interno de ansiedade."
Julie afirma que
não tem receio de pedir às pessoas que parem de fazer algo que ela está achando
angustiante — mas, em vez disso, ela tende a se afastar.
Ela me diz que a
misocinesia a deixa infeliz.
"Me faz
internalizar isso. Não gosto de mim mesma por me sentir assim."
·
Suricato
interior hipervigilante
Gregory destaca que
a condição pode ser extremamente debilitante, e impedir que as pessoas se concentrem
e façam coisas normais.
"Parte de seu
cérebro está constantemente pensando nesse movimento", ela explica.
"Imagens
violentas podem surgir na cabeça delas. Eles querem agarrar a pessoa e forçá-la
a parar... mesmo que não estejam irritadas em suas vidas normais."
Com relação ao
motivo pelo qual algumas pessoas são suscetíveis, Gregory diz que pode ser um
instinto de sobrevivência básico intensificado, como um suricato atento ao
perigo.
Ela compara a
sensação com a de ver "alguém apressado à distância" ou
"perceber passos atrás de você".
"No caso de
algumas pessoas, você não desliga mais. Seu cérebro está monitorando
continuamente."
Ela observa que, na
vida moderna barulhenta e agitada, isso não é muito útil.
E se o gatilho
continuar, a frustração e a raiva podem aumentar.
Para algumas
pessoas, os hábitos de estranhos são os mais incômodos, enquanto para outras,
são os de seus entes queridos.
Uma maneira comum
de as pessoas tentarem controlar a condição é evitar olhar para a inquietação
ou se distrair, diz Gregory.
Outros podem tentar
evitar as pessoas por completo, na medida do possível.
Se houver apenas um
gatilho visual isolado — como enrolar o cabelo —, a especialista afirma que, às
vezes, é possível usar a terapia de reenquadramento (reframing) para ajudar a
pessoa a ver a situação de uma forma mais positiva.
"Você pode
olhar para aquilo deliberadamente, e criar uma nova história de fundo para
explicar por que alguém está fazendo aquele movimento."
Isso pode ajudar a
reduzir a raiva e a ansiedade, segundo ela.
"Muitas
pessoas se sentem realmente constrangidas ou envergonhadas por terem reações
tão fortes", acrescenta Gregory.
"Isso, por si
só, pode ser um problema, porque suprimir suas emoções pode intensificá-las e
piorá-las."
Fonte: Por Michelle
Roberts, editor digital de saúde da BBC News
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