Documentos ligam Amazon e
Embraer a investigados por garimpo em áreas indígenas
AMAZON, EMBRAER E GOOGLE são
algumas das multinacionais que podem estar usando, em sua cadeia de produção,
ouro fornecido por um grupo brasileiro investigado pela compra e exportação do
minério de garimpos ilegais no Pará. A Polícia Federal também suspeita que,
desde 2021, parte desse ouro foi extraído ilegalmente de territórios indígenas
e unidades de conservação.
Dados alfandegários
acessados pela Repórter Brasil indicam que, nos últimos quatro anos, a refinadora indiana
Sovereign Metals realizou diversas aquisições de ouro da Fenix Metais do
Brasil, com escritório em Cuiabá (MT). A Fenix Metais do Brasil e a Fenix
Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, empresas do mesmo grupo
econômico, são apontadas como integrantes de esquemas de exploração e
“esquentamento” de ouro, de acordo com investigações da PF acessadas pela
reportagem.
Em 2023, uma decisão
judicial chegou a determinar o bloqueio de dez cargas de ouro compradas da
Fenix Metais pela Sovereign (mais detalhes abaixo).
Em esquemas de
“esquentamento de ouro”, títulos minerários de áreas regularizadas são
apontados falsamente em notas fiscais como a origem do minério comercializado.
O objetivo é dar um ar de legalidade ao produto extraído de garimpos ilegais.
Além da Amazon, do Google (por
meio da Alphabet Inc., sua
controladora) e da brasileira Embraer, a refinadora
indiana consta na lista de potenciais fornecedores de ouro de empresas
como Philips, Sony, Canon (fabricante
de equipamentos fotográficos), Dolby (laboratório
de tecnologias de áudio), 3M (fabricante
de produtos para área de saúde, segurança e materiais de escritório) e até da
rede Starbucks, que
comercializa máquinas de café com filamentos de ouro em sua composição.
A informação dessa relação
comercial é indicada pelas próprias companhias em seus Relatórios de Minerais
de Conflito referentes ao ano de 2023. A lista de fornecedores desses minérios
– que podem ser adquiridos indiretamente, via fornecedores externos – é de
divulgação obrigatória para empresas listadas nas bolsas de valores dos Estados
Unidos que adquirem estanho, tungstênio, tântalo e ouro.
A Repórter Brasil procurou todas as multinacionais citadas.
A Amazon respondeu que está
comprometida em “oferecer produtos e serviços produzidos ou fornecidos de uma
forma que respeite os direitos humanos e o meio ambiente” e em “evitar o uso de
minerais que alimentam conflitos”.
A Philips afirmou que não
compra diretamente da Sovereign. “Ela está listada em nosso Relatório de
Minerais de Conflito 2023 porque aparece como uma fornecedora de uma de nossas
fornecedoras, mas não temos confirmação que esteja ligada a algum de nossos
produtos”, diz a nota.
A Embraer negou ter relações
comerciais com a Sovereign Metals e afirmou que o ouro não é um item relevante
na cadeia produtiva de seus fornecedores. “Iniciamos uma diligência mais
aprofundada quanto ao tema para compreender se existe qualquer relação entre
fornecedores da empresa e a extração de ouro no Brasil, incluindo
questionamento quanto a potenciais ações mitigadoras de riscos”.
A Starbucks afirmou ser
comprometida com o fornecimento ético em sua cadeia e não possuir contratos
vigentes com a Sovereign ou a Fenix.
A 3M respondeu que a
refinadora indiana não é sua fornecedora.
Sony, Canon, Dolby e Google
não responderam aos questionamentos enviados pela Repórter Brasil até o fechamento desta reportagem.
O Grupo Fênix respondeu que
suas atividades “são pautadas na legalidade, transparência e em conformidade”
com padrões internacionais. “Quanto às investigações mencionadas na matéria,
que tramitam em segredo de justiça, as empresas estão à disposição das
autoridades competentes para prestar quaisquer informações”.
A Sovereign Metals não
respondeu às tentativas de contato de reportagem. Em documento que detalha sua
política de aquisição de metais preciosos, a refinadora garante que os produtos
adquiridos pela empresa vêm de “fontes legais e éticas” e que “se recusa a
adquirir metais de garimpos ilegais ou de fornecedores que não cumprem as
legislações locais e internacionais”.
·
Monitoramente falho
“As empresas vão dizer que
não estão consumindo desse ator [Sovereign Metals], que está claramente
envolvido com o ouro de garimpo, porque simplesmente não estão pesquisando e
investindo no rastreamento de suas cadeias”, avalia Christian Pointer, diretor
da organização Amazon Watch. “É uma preocupação enorme que empresas que
consomem grandes quantidades de ouro não saibam de onde vem esse minério”,
complementa.
Para a Amazon Watch, as
compradoras de minério devem identificar e divulgar a origem de todo o ouro
brasileiro usado em sua cadeia de suprimentos, idealmente até a mina de
origem.
·
Os negócios entre Fenix e Sovereign
Registros alfandegários
acessados pela Repórter Brasil mostram que, entre novembro de 2021 e setembro de 2024, a
Sovereign realizou 256 compras da Fenix Metais e duas aquisições da Grama
Metais do Brasil, empresa do mesmo grupo e registrada no mesmo endereço da
Fenix em Cuiabá (MT). Além de barras de ouro, a refinadora indiana também
adquiriu prata das duas empresas. Essas transações somaram 565,6 milhões de
dólares (cerca de R$ 3,3 bilhões).
A Polícia Federal acredita
que o ouro adquirido ilegalmente pela Fenix DTVM é efetivamente comercializado
para o exterior pela Fenix Metais.
Em setembro de 2023, no
âmbito da Operação Ouropel, da PF, uma decisão judicial determinou o bloqueio de dez cargas de ouro
compradas da Fenix Metais pela Sovereign que tinham como destino o aeroporto de
Nova Delhi, na Índia. Foram apreendidos um total de 137,3 kg de metal, cujos
valores somavam R$ 38,8 milhões. As autoridades suspeitam que parte desse
minério pode ter sido extraído ilegalmente de garimpos na Amazônia.
·
O que dizem as investigações sobre o grupo Fenix
Segundo investigações da
Polícia Federal, um dos esquemas de esquentamento de ouro envolvendo as
empresas do grupo Fenix utilizava, desde abril de 2021, Permissões de Lavra
Garimpeira (PLGs) em nome de José Barbosa de Lima em Itaituba, no Sudoeste do
Pará.
Embora um desses títulos
minerários estivesse sendo declarado como local de grande movimentação de ouro,
imagens de satélite indicaram não haver exploração mineral na área.
De acordo com levantamento
da PF, as PLGs vinculadas a Lima teriam esquentado, entre 2021 e 2022, um total
de 988,2 kg de ouro, com vendas que alcançaram R$ 257,4 milhões. A Fênix DTVM
foi a principal compradora, responsável por R$ 126,5 milhões desse total.
Procurado pela reportagem,
José Barbosa de Lima não respondeu aos questionamentos até o fechamento deste
texto.
Outro esquema apontado pela
Polícia Federal teria como local de esquentamento um título minerário fruto de
uma parceria entre a Cooperativa dos Garimpeiros do Sudoeste do Pará
(Coopersupa) e o proprietário de uma área em Itaituba. Ele receberia 10% do
valor da produção.
À PF, o dono das terras
afirmou ter sido surpreendido com a emissão de notas fiscais entre 2022 e 2023
referentes a quantias de ouro extraídas no local e vendidas pela cooperativa
para a Fenix DTVM sem que a área tivesse sido explorada. Segundo o
proprietário, ao denunciar o fato para a empresa, a Fenix teria alegado que seu
departamento de compliance não havia detectado nenhuma irregularidade referente
a esse título minerário.
A PF apurou que 130,7 kg de
ouro – correspondentes a R$ 32,7 milhões – foram esquentados nessa PLG, que
tinha a Fenix DTVM como única compradora. Novamente, a suspeita é que há
“grande chance” de que a real origem do minério seja áreas protegidas, “dada a
proximidade dessa cidade [Itaituba] com unidades de conservação e terras
indígenas”, de acordo com os investigadores.
As terras indígenas Kayapó, Munduruku e Yanomami são as
mais afetadas pelo garimpo ilegal no país, segundo dados da plataforma Mapbiomas.
Procurada, a Coopersupa não
enviou resposta até o fechamento desta reportagem.
·
Suspensão de atividades e sócio preso
No âmbito da investigação
sobre os dois esquemas, a Polícia Federal realizou, em setembro de 2023,
uma operação de busca e apreensão na Fenix DTVM, que incluiu o bloqueio de bens e a retenção, no aeroporto de
Guarulhos, das dez cargas que seriam exportadas pela Fenix Metais para a
Sovereign. Outras empresas e indivíduos também foram alvo da operação. Em
novembro do mesmo ano, a Justiça do Pará determinou a suspensão das
atividades da DTVM no estado.
Em setembro de 2024, Pedro
Eugênio Gomes Procópio da Silva, um dos sócios da Fenix DTVM e da Fenix Metais,
foi um dos 13 presos em outra operação da PF.
Dessa vez, os investigadores
apontaram que a Mineradora Dente Di Leone, com sede em Redenção, no Sul do
Pará, comprava ouro extraído ilegalmente da Terra
Indígena Kayapó e de outras lavras irregulares no Pará,
Amazonas, Mato Grosso e Roraima. A empresa, segundo a PF, vendeu 3,1 toneladas
de ouro ilegal entre 2021 e 2023 para apenas duas companhias, entre elas a
Fênix DTMV.
Pedro da Silva foi solto no
final do mês de outubro após obter um habeas corpus. A Repórter Brasil tentou contato com o empresário por meio do seu telefone pessoal e dos
seus advogados, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
<><><> Posicionamentos enviados
<><> Grupo Fênix
Em atenção aos
questionamentos realizados, o Grupo Fênix esclarece que as suas atividades são
pautadas na legalidade, transparência e em conformidade com os mais rigorosos
padrões internacionais de Compliance. Quanto às investigações mencionadas na
matéria, que tramitam em segredo de justiça, as empresas estão à disposição das
autoridades competentes para prestar quaisquer informações.
<><> Philips
Philips does not source
directly from this smelter. It is listed in our 2023 Conflict Minerals Report
because it appears as a supplier to one of our suppliers, but we have no
confirmation that it is linked to any of our products. Due diligence for our
2024 report is currently ongoing.
<><> Embraer
A Embraer não compra ouro
nem mantém relações comerciais com a Sovereign Metals Ltd. E é relevante
informar que o ouro não é um item expressivo na cadeia de valor de nossos
fornecedores. Contamos com um modelo de Governança Corporativa que é referência
por atender aos mais altos padrões nacionais e internacionais de qualidade,
transparência e ética. No relacionamento com mais de 5 mil fornecedores, a
Embraer usa como diretrizes um código de conduta e requisitos legais,
ambientais e sociais baseados no Pacto Global da ONU – e incluídos em seus
contratos -, a fim de garantir conformidade em toda a sua operação.
A Embraer possui políticas
para seleção e análise dos seus milhares de fornecedores e busca cumprir com os
mais altos padrões internacionais de avaliação. Iniciamos uma diligência mais
aprofundada quanto ao tema para compreender se existe qualquer relação entre
fornecedores da empresa e a extração de ouro no Brasil, incluindo questionamento
quanto a potenciais ações mitigadoras de riscos.
<><> Starbucks
Starbucks is committed to
ethical sourcing in our supply chain, and we do not have contracts in place
with Sovereign Metals or Fenix.
<><> Amazon
Amazon is committed to
providing products and services that are produced or supplied in a way that
respects human rights and the environment. All products provided to Amazon must
be manufactured, produced, or provided in accordance with our Supply Chain
Standards and all applicable laws, and we engage with suppliers that are
committed to these same principles. Amazon is committed to avoiding the use of
minerals that have fueled conflict. Our process for mapping and addressing our
risks related to mineral sourcing can be found in our most recent Conflict
Minerals Report filed with the United States Securities and Exchange
Commission. We’ll continue to partner closely with our businesses and engage
suppliers and upstream actors on the importance of responsible mineral sourcing
auditing mechanisms and smelter certification.
<<> 3M
Informamos que a empresa
Sovereign Metals não é um fornecedor 3M.
As empresas Sony, Canon,
Dolby e Google não responderam aos questionamentos enviados pela Repórter Brasil até o
fechamento desta reportagem.
Fonte: Repórter
Brasil
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