Rodrigo Chagas: Que respostas o capitalismo
pode dar à crise climática?
Nenhuma.
Dentro da lógica de produção e ocupação do território imposta pelo capitalismo
no Brasil, nenhuma resposta. Nos últimos 11 anos, 94% dos municípios
brasileiros sofreram consequências diretas da crise
climática. É um caminho sem volta. Pelo menos,
dentro das perspectivas que este sistema nos dá.
Mas aqui,
no Brasil de Fato, a gente trata de outros mundos possíveis e de experiências de bem viver, pautadas pelo respeito aos direitos humanos e à natureza. Esta
newsletter é sobre isso. Só que antes de chegar lá, precisamos discutir os
rumos a que estamos sendo conduzidos pelo capitalismo em crise.
Para além da especulação que jamais pisa o solo – o capital fictício –, a exploração direta e irrestrita
de recursos naturais em países da periferia capitalista é a saída possível
para dar sobrevida à irracional meta de ganâncias sempre crescentes.
Avança o lucro,
e não sobra espaço para as pessoas, para os rios, para as florestas. Tudo precisa virar latifúndio
e monocultura. Isso explica por que quase 90% do desmatamento ocorrido no Brasil em
2023 esteve concentrado em menos de 1% das propriedades rurais.
Aliás, do ponto de
vista do 1%, a crise climática é, na verdade, uma oportunidade, um terreno
fértil para um novo ciclo de acumulação. Fecham as pequenas lojas, ficam as
Havans. Morrem os pequenos parreirais, ficam as grandes Auroras. Concentram-se
terras, lucros, recursos, poder!
A reconstrução de
territórios devastados por catástrofes também se tornou um negócio. Se não há
tempo para debate e não há participação social, o chamado “capitalismo de
desastre” já tem a receita pronta.
O termo cunhado pela
jornalista Naomi Klein no livro A doutrina do choque se refere ao uso, por
parte de gestores privados e públicos, de experiências de choque – como
catástrofes – para fazer avançar oportunidades de negócios de maneira que, em
situações de normalidade, não seria possível.
No caso do Rio Grande
do Sul, que vive há um mês a pior tragédia de sua
história, esse caminho fica escancarado na
contratação, em meio à crise, das empresas estadunidenses de consultoria Alvarez & Marsal (A&M) e Mckinsey, pelo governador Eduardo Leite (PSDB)
e pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB).
É disso que trata a
reportagem da Gabriela Moncau, publicada hoje no Brasil de Fato. No que
depender de Melo, Leite e da elite econômica gaúcha, a reconstrução será pautada pela lógica de
mercado, aprofundando a dinâmica de ocupação do
território que causou uma tragédia dessas proporções.
Desse modelo,
espera-se um prato cheio para especulação imobiliária e para novas ondas
privatistas. Em Nova Orleans, nos EUA, onde a A&M atuou em 2005 após a
passagem do furacão Katrina, restaram apenas 4 escolas públicas – 318 passaram
para iniciativa privada.
·
Outros mundos possíveis
“A catástrofe não foi
criada pelas nuvens que choveram”, lembrou ao BdF o pesquisador do Observatório das Metrópoles Tarson Nuñes. “Elas poderiam não ter tido um impacto tão
grande se os campos da Serra não tivessem sido aplainados para plantar soja, o
que reduziu a cobertura vegetal, assoreou os rios, fez a água cair mais
rápido.”
Há um modelo econômico
causador desse processo e é evidente que os mais pobres são os mais
atingidos. Foi assim no RS, nós estávamos lá e vimos de perto. A crise climática gera um prejuízo de US$ 125 bilhões anuais
no mundo todo, mas 90% dessas perdas estão no Sul Global, de acordo com o estudo 'A Anatomia de uma Crise Silenciosa'.
Mas alternativas potentes também vêm do sul
global. É o que o Brasil de
Fato evidencia diariamente no podcast Bem
Viver e, semanalmente, no Bem Viver na TV.
Outro exemplo foi a
cobertura das etapas regional e mundial da Conferência Internacional Dilemas da
Humanidade, quando movimentos populares de diferentes
países se reuniram para mostrar suas experiências de outras formas de
organização.
Mais de 140
organizações de 70 países estiveram reunidas em Joanesburgo para unificar enfrentamento ao neoliberalismo. As alternativas vêm da África do Sul, da Índia, da Tanzânia,
da Tunísia, na Venezuela, em Cuba, no Brasil. São iniciativas que apostam na
solidariedade no lugar do lucro, na cooperação no lugar da competição.
São alternativas como
a agroecologia, uma lógica de produção e ocupação dos territórios compatível
com a preservação da vida. Agroecologia não é brincadeira. É futurista. Combina
ciência com ancestralidade para provar que dá para produzir comida sem veneno,
preservando os mananciais, recuperando nascentes. As alternativas ao modelo
capitalista precisam ser levadas a sério.
O arroz agroecológico do MST, cuja produção foi diretamente atingida pela tragédia no RS, tornou-se referência de produção em larga escala com respeito
aos recursos naturais. E há mais experiências bem sucedidas nos
assentamentos da reforma agrária, nas
terras indígenas, quilombolas, nos bairros e comunidades.
Imagina o que seria
possível com investimentos? E se a grana que vai pro agronegócio fosse
redirecionada? E se a reconstrução do Rio Grande do Sul,
por exemplo, apontasse para o caminho da reforma agrária?
Para prevenir novas
tragédias, o RS – e todo o Brasil – precisa devolver o espaço que tirou dos
rios e florestas. É possível fazê-lo sem democratizar o acesso à terra, às
cidades? Para que alternativas reais floresçam, é preciso superar o
capitalismo.
Seguiremos noticiando
os outros mundos possíveis.
Um abraço!
Fonte: Brasil de Fato
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