O que muda na campanha de vacinação contra
covid-19, doença que já matou 3,5 mil brasileiros em 2024
"É como se
um avião caísse toda semana."
Essa é a comparação
feita pelo médico Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de
Imunizações (SBIm), para lembrar que a covid-19 ainda causa
cerca de 200 mortes no Brasil a cada sete dias.
Até o final de maio, o
país havia registrado mais de 3,5 mil óbitos relacionados à infecção causada
pelo Sars-CoV-2, o coronavírus por trás da pandemia.
"É claro que
tivemos períodos mais graves, em que chegamos a contabilizar 4 mil mortes em um único dia", pondera
Kfouri.
Em 2021, o ano mais
grave da crise sanitária, o Brasil teve 424 mil mortes por covid-19. Desde
então, esses números caíram de forma dramática: foram 74 mil óbitos em 2022, 14
mil em 2023 e 3,5 mil nesses primeiros cinco meses de 2024.
A queda coincide com a
chegada das vacinas a partir de 2021 e o aumento do número de pessoas que
tomaram as doses preconizadas.
"A vacinação foi
a grande responsável por conseguirmos conter essa doença tão ameaçadora",
constata a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp).
A médica Isabella
Ballalai, também da SBIm, concorda: "A vacinação contra a covid-19 no
Brasil foi um sucesso e nos tornamos um dos primeiros países a ter mais de 80%
da população imunizada. Isso mostra que o brasileiro acredita nas
vacinas".
Os dados
recém-divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua revelam que, no
primeiro trimestre de 2023, 188,3 milhões de brasileiros haviam tomado pelo
menos uma dose de vacina contra a covid-19. Isso representa 93,9% da população.
Cerca de 11 milhões (ou 5,6% do total) declararam que não se imunizaram.
"Hoje, ainda
temos muitas mortes por uma doença para a qual existem doses disponíveis",
lamenta Ballalai.
Passados mais de três
anos desde que as primeiras doses que protegem contra o coronavírus começaram a
chegar aos postos de saúde, muita coisa mudou.
Alguns imunizantes —
que foram essenciais para conter a pandemia — acabaram aposentados, por
diferentes motivos.
As faixas da população
que devem tomar reforços periódicos também sofreram uma série de ajustes.
E ainda há um grande
debate sobre quando e como as doses devem ser atualizadas para proteger contra
as mais recentes variantes do coronavírus.
A seguir, a BBC News
Brasil resume as principais informações sobre a nova campanha de vacinação
contra a covid-19, que foi iniciada pelo Ministério da Saúde no final de maio.
·
Algumas vacinas são
aposentadas, e outras entram em cena
Ao longo das campanhas
de 2021 a 2023, o Brasil chegou a adotar quatro tipos diferentes de vacinas
contra a covid-19: a CoronaVac (Sinovac/Butantan), a Comirnaty (Pfizer), a
Vaxzevria (AstraZeneca/FioCruz) e a Jcovden (Janssen).
"Todas foram
extremamente importantes naquele momento", avalia Stucchi, que também
integra a SBIm.
Mais recentemente,
três dessas opções saíram de cena nos postos de saúde brasileiros: as vacinas
CoronaVac, da AstraZeneca e da Janssen não são mais aplicadas.
Do grupo
"original", restaram as doses fabricadas pela Pfizer — que também
passaram por atualizações para proteger contra as variantes do vírus.
Além delas, o país
também começará a usar na atual campanha o imunizante Spikevax, produzido pela
farmacêutica Moderna.
Pfizer e Moderna usam
a tecnologia do mRNA. Isso significa que as doses trazem uma pequena sequência
de material genético capaz de instruir as células do nosso próprio corpo a
fabricarem a proteína spike, uma estrutura presente na superfície
do coronavírus.
Esse material é
identificado pelo sistema imunológico, que cria uma resposta para conter uma
infecção pelo patógeno e as consequências mais graves da covid-19 no organismo,
que estão relacionadas à hospitalização e morte.
Há ainda uma terceira
vacina recém-aprovada no Brasil: a Covovax, desenvolvida pelo laboratório
Novavax e licenciada no país pela Zalika Farmacêutica.
Ela é uma vacina de
subunidade proteica, uma tecnologia também usada nos imunizantes que protegem
contra o HPV e a hepatite B.
Neste caso, proteínas
do coronavírus são injetadas diretamente no corpo, para que as células de
defesa aprendam a identificar e a lidar com essa ameaça.
Por ora, não há
previsão de quando a Covovax será utilizada na rede pública de saúde
brasileira.
Mas, afinal, o que
motivou a "aposentadoria" de algumas vacinas e a "promoção"
de outras?
"Hoje, sabemos
que as vacinas de mRNA [Pfizer e Moderna] induzem uma resposta imunológica mais
robusta e uma maior proteção", explica Stucchi.
Em comparação, os
resultados obtidos com a CoronaVac se mostraram inferiores — e, por esse
motivo, ela foi deixada de lado conforme os estoques foram se esgotando, embora
ainda seja recomendada em algumas situações para as crianças.
Além disso, a
experiência de vida real revelou que as vacinas de vetor viral (AstraZeneca e
Janssen, entre outras) estão relacionadas a um efeito colateral raro em algumas
populações, como as gestantes: a trombose com trombocitopenia.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em
inglês) dos Estados Unidos calcula que
esse evento adverso afeta 4 pessoas a cada 1 milhão de doses administradas.
"A trombose com
trombocitopenia é um efeito colateral raro, mas sério, que provoca coágulos em
grandes vasos sanguíneos, além de diminuir as plaquetas", explica o CDC.
Ballalai explica que,
em um contexto de pandemia, quando havia um altíssimo número de casos e mortes
por covid-19, o uso dos produtos de AstraZeneca ou Janssen era justificado.
"Nesse contexto,
essas vacinas continuaram a ser utilizadas, porque a relação risco-benefício
era muito grande", explica Ballalai.
Os pesquisadores
também colocaram na balança o fato de que a própria infecção pelo coronavírus
representa um risco relativamente mais alto de desenvolver quadros de trombose
quando comparada à vacinação com essas opções.
"Ou você
simplesmente deixava as pessoas morrerem de covid, ou apenas não aplicava essas
doses naqueles grupos onde havia mais risco de desenvolver esse evento
adverso", destaca a médica.
À época, as
autoridades de saúde optaram pela segunda alternativa: as vacinas de
AstraZeneca e Janssen seguiram na campanha, mas deixaram de ser utilizadas em
mulheres grávidas, por exemplo.
"Com o passar do
tempo, passamos a ter mais quantidade de outras vacinas, especialmente da
Pfizer. Com isso, as doses de AstraZeneca foram sendo usadas com menor
frequência, até que elas deixaram de ser utilizadas nas campanhas",
complementa Ballalai.
Esse debate voltou à
tona recentemente, quando a AstraZeneca divulgou no início de maio que deixaria
de fabricar sua vacina.
A farmacêutica disse
que estava "incrivelmente orgulhosa" dos resultados obtidos: "De
acordo com estimativas independentes, mais de 6,5 milhões de vidas foram salvas
apenas no primeiro ano de vacinação".
"Nossos esforços
foram reconhecidos por governos de todo o mundo e são apontados como amplamente
decisivos para acabar com a pandemia global", disse o laboratório.
A notícia recente não
significa, porém, que a AstraZeneca só reconheceu agora que a vacina está
relacionada aos (raros) casos de trombose com trombocitopenia, como sugerem
alguns textos com informações falsas compartilhados em sites e redes sociais.
Há documentos divulgados pela farmacêutica desde 2021 que citavam claramente esse evento adverso — e propunham
protocolos para minimizar os riscos ou fazer o diagnóstico precoce dos casos.
·
Vacinação contra a
covid: quem deve tomar as doses de reforço?
Se anteriormente os
imunizantes contra o coronavírus estavam disponíveis praticamente a todas as
idades (com raríssimas exceções), agora eles serão priorizados a alguns
públicos-alvo específicos.
Kfouri diz que a
definição de grupos prioritários tem a ver com o contexto atual. "A
vacinação universal contra a covid não faz mais sentido, pois não estamos
diante do mesmo risco que enfrentávamos há quatro anos", avalia o médico.
"Alcançamos uma
imunidade populacional, e dificilmente um adulto jovem saudável vai parar no
hospital por causa dessa doença agora."
No entanto, existem
alguns grupos que continuam altamente vulneráveis, seja porque eles ainda não
tiveram contato algum com o Sars-CoV-2 ou porque têm um sistema imunológico
mais frágil, que precisa ser lembrado com frequência sobre como combater esse
patógeno.
Também há uma
diferença na periodicidade de aplicação dos reforços. Alguns grupos precisarão
receber uma dose por ano, enquanto outros devem tomar a injeção a cada seis
meses.
A campanha de 2024
traçada pelo Ministério da Saúde estabelece o seguinte.
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Duas doses por ano, com um intervalo mínimo de seis meses entre elas para:
- Pessoas com mais de 60 anos;
- Indivíduos imunocomprometidos com mais de 5 anos;
- Gestantes e puérperas.
Os
"imunocomprometidos" são pessoas que têm qualquer condição que altera
o funcionamento do sistema imunológico, como é o caso de pacientes que fazem
tratamento contra o câncer, por exemplo.
Já o grupo das
puérperas inclui as mulheres que deram à luz nos últimos 45 a 60 dias.
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Uma vacina por ano, com um intervalo mínimo de três meses em relação à última
dose aplicada para:
- Pessoas que vivem em instituições de longa permanência;
- Trabalhadores de instituições de longa permanência;
- Indígenas;
- Ribeirinhos;
- Quilombolas;
- Trabalhadores da saúde;
- Pessoas com deficiência permanente;
- Pessoas com comorbidades;
- Pessoas privadas de liberdade com mais de 18 anos;
- Funcionários do sistema prisional;
- Adolescentes e jovens que cumprem medidas socioeducativas;
- Pessoas em situação de rua.
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Para quem nunca foi vacinado contra a covid:
- Crianças de 6 meses a 5 anos: duas doses de vacina, com um
intervalo de quatro semanas entre elas;
- Crianças de mais de 5 anos: uma dose do imunizante;
- Pessoas imunocomprometidas com mais de 5 anos: três doses.
A segunda é aplicada quatro semanas após a primeira. Já a terceira vem
após oito semanas da segunda.
"Temos uma
preocupação grande com as crianças, porque vemos muitos casos de covid nessa
faixa etária que exigem hospitalização e apresentam risco de morte",
alerta Ballalai.
"Precisamos
aumentar a proteção desse público."
Os especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil aprovam a estratégia adotada pelo Ministério da
Saúde contra a covid-19 e observam que ela se assemelha ao que é feito há anos
na vacinação contra o influenza, o vírus causador da gripe.
·
Doses que resguardam
contra as novas variantes
Por fim, o último
aspecto da vacinação que passou por uma mudança relevante tem a ver com a
atualização das doses, para que garantam um bom nível de proteção contra as
variantes do coronavírus que circulam com mais intensidade no momento.
Isso é necessário
porque o patógeno sofre mutações genéticas o tempo todo. Algumas dessas
mudanças conferem alguma vantagem a ele — como uma facilidade maior para ser
transmitido de uma pessoa para outra, por exemplo.
Os imunizantes,
portanto, precisam ser capazes de "treinar" células imunes para as
ameaças em voga.
A vacina que será
ofertada agora no Brasil foi desenhada para fazer frente à cepa XBB.1.5.
Embora já existam
outras variantes de preocupação ou em monitoramento, como a JN.1 e a KP.2, as
autoridades consideram que essa versão do imunizante em uso (contra a XBB)
confere um bom nível de proteção, ao reduzir o risco de hospitalização e morte
por covid-19.
No entanto, os médicos
entrevistados pela reportagem entendem que esse processo de atualização das
vacinas contra o coronavírus precisará passar por ajustes nos próximos anos.
"A Organização
Mundial da Saúde recomenda atualmente que as vacinas contra a covid sejam
revisadas uma vez ao ano, no mês de junho. Mas essa orientação parece
privilegiar o Hemisfério Norte, que terá acesso às doses mais atualizadas
durante o inverno em comparação com o Hemisfério Sul", critica Stucchi.
Os especialistas
sugerem aqui a adoção do mesmo modelo utilizado na imunização contra o
influenza, em que a composição das doses que serão usadas nas campanhas é
definida em fevereiro para o Hemisfério Norte e em setembro para o Hemisfério
Sul.
Kfouri aponta que
ainda é preciso observar o comportamento do coronavírus por mais tempo para
entender a sazonalidade dele.
"Com o influenza,
temos muitos anos de vigilância, o que nos garante uma previsibilidade das
cepas de vírus que vão circular em cada temporada", compara ele.
"Já com o
coronavírus, isso ainda não está bem definido. Tivemos picos de casos em pleno
janeiro, durante o verão", argumenta o médico.
De acordo com o
Ministério da Saúde, a meta da nova campanha de vacinação contra a covid-19 é
proteger cerca de 70 milhões de brasileiros.
"A covid-19 não
acabou. Ela ainda tem um impacto importante na saúde pública e privada",
alerta Stucchi.
"A vacinação é a
estratégia que pode mudar a história ao garantir um quadro mais leve para a
grande maioria das pessoas."
Fonte: BBC News Brasil
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