Qual o impacto da sentença histórica da
condenação de Trump na eleição?
A condenação criminal
de Donald Trump traz um conjunto
notável de novidades históricas, embora não torne o republicano inelegível.
Ele é o primeiro
ex-presidente dos Estados Unidos a
ser considerado culpado por um crime; ele também é o primeiro pré-candidato de
um grande partido a se tornar um criminoso condenado.
A condenação inclui
ainda uma nova aplicação de leis estaduais e federais sobre fraude e
financiamento de campanha – no caso dele, envolvendo o pagamento secreto
à ex-atriz
pornô Stormy Daniels antes das eleições presidenciais de 2016.
Embora Trump
provavelmente esteja planejando apresentar um recurso e aguarde uma sentença
que poderá ir de uma multa pesada até mesmo a prisão – embora a detenção seja vista como improvável por especialistas –, não é cedo para considerar as possíveis consequências
da condenação na vida política do republicano.
Fazer essa avaliação
sobre o futuro pode não ser fácil, no entanto.
"Muitas vezes,
olhamos para a história para encontrar alguma pista do que vai acontecer",
diz Jeffrey Engel, diretor do Centro de História Presidencial da Universidade
Metodista do Sul, nos EUA.
"Mas não há nada
no passado que chegue sequer perto disso."
Trump garantiu a nomeação presidencial republicana durante as
primárias no início deste ano e deverá liderar
a chapa do partido quando a sigla realizar a sua convenção nacional, em julho.
As pesquisas indicam
que ele está em um empate técnico com o presidente Joe Biden e mantém uma
ligeira vantagem em muitos Estados que devem decidir a eleição.
Mas essas pesquisas
também indicam que a condenação pode mudar tudo isso.
Nas pesquisas de boca
de urna realizadas nas primárias republicanas, um percentual de eleitores na
casa dos dois dígitos disse que não votaria no ex-presidente se ele fosse
condenado por um crime.
Nas primárias de março
na Carolina do Norte, 32% dos eleitores republicanos disseram que Trump não
estaria apto à presidência se fosse condenado.
Uma pesquisa de abril
realizada pela Ipsos e pela ABC News mostrou que 16% dos que apoiam Trump
reconsiderariam o seu voto em tal situação.
Essas eram opiniões
hipotéticas, no entanto.
O ex-presidente
enfrenta outros três processos criminais – envolvendo as suas tentativas de
anular as eleições presidenciais de 2020 e o tratamento de documentos
confidenciais após deixar a Casa Branca.
Todos foram adiados
indefinidamente, deixando o veredicto no caso Stormy Daniels como o único
resultado certo este ano.
Doug Schoen, um
pesquisador que trabalhou com o presidente democrata Bill Clinton e com o
prefeito independente de Nova York, Michael Bloomberg, diz que os eleitores
americanos podem ter sentimentos diferentes com base neste caso específico.
"O que os
eleitores estarão pensando em novembro é na inflação, na fronteira ao sul, na
concorrência com a China e a Rússia e no dinheiro que está sendo gasto em
Israel e na Ucrânia."
Ele acrescenta que
esta condenação, por tratar de acontecimentos ocorridos há oito anos, não terá
o mesmo impacto político que o tipo de condenação que os eleitores podem ter
imaginado quando foram entrevistados no início deste ano.
Mesmo uma ligeira
queda no apoio a Trump, no entanto, pode ser suficiente para fazer diferença no
tipo de corrida apertada que esta disputa presidencial está se desenhando para
ser.
Se alguns milhares de
eleitores que, sem uma condenação, poderiam apoiar o ex-presidente, ficarem em
casa, num Estado-chave como o Wisconsin ou a Pensilvânia, isso poderia fazer
toda a diferença.
"Acho que isso
terá um impacto e o prejudicará como candidato", diz Ariel Hill-Davis,
cofundadora do Mulheres Republicanas pelo Progresso, um grupo que tem procurado
afastar o partido de Trump.
Ela diz que os
eleitores mais jovens, aqueles com formação universitária e que vivem nos
subúrbios estão preocupados com o comportamento de Trump e a sua postura ao
governar.
"Esses eleitores
estão realmente hesitantes em voltar a alinhar-se com o Partido Republicano
liderado por Donald Trump", diz ela.
"O veredicto de
culpado reforçará ainda mais essas preocupações."
Por oito anos,
especialistas e opositores têm previsto o colapso político iminente de Trump,
mostrando-se repetidamente equivocados.
A campanha
presidencial de 2016 foi pontuada por erros e escândalos que teriam derrubado
um político típico, incluindo uma conversa gravada de Trump falando sobre apalpar mulheres –
que, inclusive, foi citada várias vezes no julgamento sobre o pagamento oculto
a Stormy Daniels.
O partido de Trump
manteve-se em grande parte ao seu lado durante dois pedidos de impeachment e
o fim caótico da sua presidência, quando o Capitólio foi atacado por uma multidão de seus
apoiadores.
Nada disso impediu o
ex-presidente de renascer politicamente e chegar a uma posição competitiva para
reconquistar a Casa Branca em novembro.
"O apoio contínuo
a Trump, apesar do tipo de escândalo que teria afundado literalmente qualquer
outro candidato anterior na história americana, é verdadeiramente
surpreendente", diz Engel.
A condenação histórica
desta quinta-feira pode revelar-se diferente – especialmente se os recursos de
Trump falharem e ele enfrentar a perspectiva de prisão.
Ou poderá ser apenas o
mais recente de uma longa série de acontecimentos aparentemente conturbados
que, em retrospectiva, foram apenas obstáculos no caminho de Trump para o
poder.
Allan Lichtman,
professor da American University, construiu um modelo político que previu com
sucesso o vencedor de todas as corridas presidenciais desde 1984.
Ele admite, no
entanto, que a condenação de Trump pode ser o tipo de reviravolta
"cataclísmica e sem precedentes" que abala o modelo e muda o curso da
história.
"Os livros de
história registrarão isto como um acontecimento verdadeiramente extraordinário
e sem precedentes, mas muito vai depender do que acontecer depois", diz
ele.
O julgamento final
sobre a importância da condenação de Trump chegará às mãos dos eleitores em
novembro. Se o ex-presidente for derrotado, seu veredicto de culpa
provavelmente será visto como uma das razões.
Se ele vencer, poderá
tornar-se apenas uma nota de rodapé na tumultuada mas bem-sucedida carreira
política de Trump.
"A história é
escrita pelos vencedores, como todos sabemos", diz Engel.
¨
Condenação de Trump passa
a ditar o ritmo da campanha
Principal candidato
republicano, o ex-presidente Donald Trump tem uma campanha pela frente, agora
sob o rótulo de criminoso, após ser condenado em todas as 34 acusações por ter fraudado os registros do pagamento de US$ 130 mil
para comprar o silêncio da ex-atriz pornô Stormy Daniels.
A condenação, a cinco
meses das eleições, passa a ditar o ritmo da campanha. O impacto inicial se
refletiu num e-mail para angariar fundos em que o candidato apela: “Sou um
prisioneiro político!”.
E nas palavras de Trump, que se vitimizou, ao deixar o tribunal, definindo-se como “um homem muito
inocente”, e esbravejou contra o veredicto: "Este foi um julgamento
fraudado e vergonhoso. O verdadeiro veredicto será dado pelo povo em 5 de
novembro, e todos sabem o que aconteceu aqui".
Analistas da Fox News
corroboraram a ladainha do candidato republicano. “Nós caímos de um
precipício”, disse a âncora Jeanine Pirro, ao enumerar erros no caso.
Há ainda um caminho
tortuoso nesta condenação. Os advogados de defesa devem recorrer da decisão, e
o juiz Juan Merchan deverá determinar a sentença no dia 11 de julho, quatro
dias antes do início da convenção do Partido Republicano, em Milwaukee, Wisconsin.
Espera-se, até lá, que
o ex-presidente e seus aliados intensifiquem o trabalho para semear dúvidas
sobre a condenação e usar a narrativa de vitimização, como já vêm fazendo desde
que o julgamento começou. E que seu principal concorrente, o presidente Joe
Biden, fixe, por repetição, a marca de condenado em Trump.
Durante as audiências,
figuras proeminentes do Partido Republicano desfilaram pelo tribunal para
desqualificar as acusações e prestar solidariedade ao ex-presidente. O próprio
Trump transformou o
cercadinho na parte externa do tribunal de Nova York em palanque, repetindo
duas vezes por dia a sua ladainha de acusações.
As pesquisas sugerem
que o veredito inédito na condenação de um ex-presidente terá pouca influência
no voto do eleitor-raiz de Trump; dificilmente, ele mudará de ideia. Mas numa
eleição disputada, como esta, o rótulo de criminoso deverá pesar entre os indecisos.
¨ Trump fica inelegível? 6 perguntas para entender o que acontece
com ex-presidente dos EUA. Por Holly Honderich, da BBC
Trinta e quatro
acusações, um juiz muitas vezes exasperado e um verdadeiro desfile de
testemunhas.
Após dois dias de
deliberações, 12 jurados nova-iorquinos consideraram Donald Trump culpado de todas as acusações no
processo de pagamento de suborno.
Ele foi condenado por
falsificar registros financeiros para ocultar um pagamento feito à ex-atriz
pornô Stormy
Daniels, pouco antes das eleições de 2016.
É um veredicto
histórico após um julgamento histórico. Trump é agora o primeiro ex-presidente
dos EUA com uma condenação criminal, e o primeiro candidato de um grande partido a concorrer à Casa
Branca como criminoso.
Mas o que vai
acontecer a seguir?
Abaixo, estão algumas
questões importantes a serem levadas em consideração.
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Ele ainda pode concorrer à presidência?
Sim. A Constituição
dos EUA estabelece relativamente poucos requisitos de elegibilidade para os
candidatos à presidência: eles devem ter pelo menos 35 anos, ser cidadãos
americanos "nascidos no país", e morar nos EUA há pelo menos 14 anos.
Não há regras que proíbam candidatos com ficha criminal.
Mas sua condenação
ainda pode influenciar as eleições presidenciais de novembro. Uma pesquisa da Bloomberg e da Morning Consult, realizada no
início deste ano, mostrou que 53% dos eleitores nos principais Estados pêndulo
se recusariam a votar no republicano se ele fosse condenado.
Esses Estados são
aqueles em que a maioria do eleitorado não está historicamente definida para um
determinado partido, podendo variar de um para outro em cada eleição. Por essa
característica são considerados Estados com grande poder de definir uma
eleição.
Outra pesquisa,
realizada pela Universidade Quinnipiac neste mês, revelou que 6% dos eleitores
de Trump estariam menos propensos a votar nele — o que pode ser significativo
em uma disputa tão acirrada.
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O que acontece com Trump agora?
Trump responde ao
processo em liberdade, e isso não mudou depois que o veredicto foi apresentado
na quinta-feira (30/5) — o republicano deixou o tribunal como um homem livre.
Ele vai voltar ao
tribunal em 11 de julho — data marcada pelo juiz Juan Merchan para anunciar a
sentença.
O juiz tem vários
fatores para levar em consideração na hora de definir a pena, incluindo a idade
de Trump, 77 anos.
A sentença pode
envolver multa, liberdade condicional ou até mesmo pena de prisão.
É quase certo que
Trump vai recorrer da decisão — classificada por ele como uma
"desgraça" —, um processo que pode levar meses ou até mais.
Sua equipe jurídica
deve enfrentar então a Divisão de Apelações em Manhattan e, possivelmente, o
Tribunal de Apelações.
Tudo isso significa
que, mesmo após a leitura da sentença, é altamente improvável que Trump saia do
tribunal algemado, uma vez que se espera que ele permaneça em liberdade
enquanto recorre.
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Quais seriam os fundamentos do recurso?
As evidências
apresentadas por Stormy Daniels — cuja suposta relação sexual com Trump estava
no cerne do processo — podem ser um dos argumentos para um recurso.
"O nível de
detalhe fornecido [por Daniels] realmente não é necessário para contar a
história", avalia Anna Cominsky, professora de direito na New York Law
School.
"Por um lado, os
detalhes tornam a história convincente e, como promotor, você quer fornecer
detalhes suficientes para que o júri acredite no que ela tem a dizer. Por outro
lado, há um limite em que isso pode se tornar irrelevante e prejudicial."
A equipe de defesa de
Trump pediu duas vezes a anulação do julgamento durante o depoimento de Daniels
– ambas as petições foram negadas pelo juiz.
Além disso, a
estratégia jurídica adotada pelo promotor distrital no processo também pode
fornecer fundamentos para um recurso.
A falsificação de
registros financeiros empresariais pode ser um delito de menor grau em Nova
York, mas Trump enfrentou acusações criminais mais graves devido a um suposto
segundo crime, uma suposta tentativa ilegal de influenciar as eleições de 2016.
Os promotores alegaram
de modo geral que violações das leis eleitorais federais e estaduais, assim
como fraude fiscal, se aplicavam a este processo. Mas eles não especificaram ao
júri exatamente qual delas foi infringida.
Especialistas
jurídicos dizem que há questões relacionadas ao escopo e à aplicação da lei
federal que poderiam servir de base para um recurso. Nunca antes um promotor
estadual invocou um crime federal sem acusação formal, e há dúvidas se o
promotor distrital de Manhattan tinha jurisdição para fazer isso.
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Trump pode ir para a prisão?
É possível, embora
altamente improvável, que Trump cumpra pena atrás das grades.
As 34 acusações são
todas relacionadas a crimes de classe E em Nova York, a categoria mais baixa
para punições no Estado. Cada acusação prevê uma pena máxima de quatro anos.
Como mencionado
anteriormente, há várias razões pelas quais o juiz Merchan pode escolher uma
punição mais branda, incluindo a idade de Trump, a ausência de antecedentes
criminais e o fato de as acusações envolverem um crime não violento.
Ele pode levar em
consideração ainda as violações das ordens de silêncio do tribunal.
Também é possível que
o juiz pondere sobre a natureza sem precedentes do caso, talvez optando por
evitar colocar um ex-presidente e atual candidato atrás das grades.
Existe também uma
questão de praticidade. Trump, como todos os ex-presidentes, tem direito à
proteção vitalícia do Serviço Secreto. Isso significa que alguns agentes
precisariam protegê-lo na prisão.
Mesmo assim, seria
extremamente difícil gerenciar um sistema prisional com um ex-presidente como
detento. Seria um risco enorme à segurança dele, além de caro mantê-lo seguro.
"Os sistemas
prisionais se preocupam com duas coisas: a segurança da instituição e manter os
custos baixos", observa Justin Paperny, diretor da empresa de consultoria
penitenciária White Collar Advice.
Com Trump, "seria
um espetáculo de horrores... nenhum diretor prisional permitiria isso",
acrescenta.
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Ele pode votar?
É provável que Trump
possa votar em novembro.
De acordo com a lei da
Flórida, residência eleitoral de Trump, uma pessoa com uma condenação criminal
de outro Estado é inelegível para votar apenas "se a condenação tornar a
pessoa inelegível para votar no Estado em que a pessoa foi condenada".
Trump foi condenado em
Nova York, onde criminosos estão autorizados a votar, desde que não
estejam encarcerados.
Isso significa que, a
menos que Trump esteja atrás das grades em 5 de novembro, ele deve ter direito
a votar.
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Ele pode conceder indulto a si mesmo?
Não. Pelo menos não
nesse caso já concluído. Os presidentes podem conceder indultos àqueles que
cometeram crimes federais. O processo sobre o suborno em Nova York é uma
questão estadual, o que significa que estaria fora da alçada de Trump se ele
voltar a ser presidente.
O mesmo se aplica
ao processo contra Trump na Geórgia, onde ele foi acusado de conspirar criminalmente para reverter
sua derrota apertada para o atual presidente, Joe Biden, no Estado durante as
eleições de 2020. Este processo está atualmente parado, enquanto um recurso
apresentado por Trump é analisado.
O poder de indulto não
é claro para os dois processos federais de Trump — um relativo à suposta manipulação indevida de documentos confidenciais, e outro sobre conspiração para alterar o resultado das eleições de 2020.
No primeiro caso, uma
juíza nomeada por Trump na Flórida adiou indefinidamente o julgamento, dizendo
que seria "imprudente" estabelecer uma data antes de resolver
questões relacionadas às evidências. O segundo processo federal pendente também
foi adiado, enquanto um recurso de Trump é analisado.
É improvável que estes
julgamentos aconteçam antes das eleições de novembro, mas mesmo que aconteçam,
acadêmicos de direito constitucional discordam sobre se o poder de indulto de
um presidente inclui a si mesmo. Trump pode ser o primeiro a tentar.
Fonte: Por Anthony
Zurcher, correspondente da BBC na América do Norte/g1
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