sábado, 1 de junho de 2024

Qual o impacto da sentença histórica da condenação de Trump na eleição?

A condenação criminal de Donald Trump traz um conjunto notável de novidades históricas, embora não torne o republicano inelegível.

Ele é o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a ser considerado culpado por um crime; ele também é o primeiro pré-candidato de um grande partido a se tornar um criminoso condenado.

A condenação inclui ainda uma nova aplicação de leis estaduais e federais sobre fraude e financiamento de campanha – no caso dele, envolvendo o pagamento secreto à ex-atriz pornô Stormy Daniels antes das eleições presidenciais de 2016.

Embora Trump provavelmente esteja planejando apresentar um recurso e aguarde uma sentença que poderá ir de uma multa pesada até mesmo a prisão – embora a detenção seja vista como improvável por especialistas –, não é cedo para considerar as possíveis consequências da condenação na vida política do republicano.

Fazer essa avaliação sobre o futuro pode não ser fácil, no entanto.

"Muitas vezes, olhamos para a história para encontrar alguma pista do que vai acontecer", diz Jeffrey Engel, diretor do Centro de História Presidencial da Universidade Metodista do Sul, nos EUA.

"Mas não há nada no passado que chegue sequer perto disso."

Trump garantiu a nomeação presidencial republicana durante as primárias no início deste ano e deverá liderar a chapa do partido quando a sigla realizar a sua convenção nacional, em julho.

As pesquisas indicam que ele está em um empate técnico com o presidente Joe Biden e mantém uma ligeira vantagem em muitos Estados que devem decidir a eleição.

Mas essas pesquisas também indicam que a condenação pode mudar tudo isso.

Nas pesquisas de boca de urna realizadas nas primárias republicanas, um percentual de eleitores na casa dos dois dígitos disse que não votaria no ex-presidente se ele fosse condenado por um crime.

Nas primárias de março na Carolina do Norte, 32% dos eleitores republicanos disseram que Trump não estaria apto à presidência se fosse condenado.

Uma pesquisa de abril realizada pela Ipsos e pela ABC News mostrou que 16% dos que apoiam Trump reconsiderariam o seu voto em tal situação.

Essas eram opiniões hipotéticas, no entanto.

O ex-presidente enfrenta outros três processos criminais – envolvendo as suas tentativas de anular as eleições presidenciais de 2020 e o tratamento de documentos confidenciais após deixar a Casa Branca.

Todos foram adiados indefinidamente, deixando o veredicto no caso Stormy Daniels como o único resultado certo este ano.

Doug Schoen, um pesquisador que trabalhou com o presidente democrata Bill Clinton e com o prefeito independente de Nova York, Michael Bloomberg, diz que os eleitores americanos podem ter sentimentos diferentes com base neste caso específico.

"O que os eleitores estarão pensando em novembro é na inflação, na fronteira ao sul, na concorrência com a China e a Rússia e no dinheiro que está sendo gasto em Israel e na Ucrânia."

Ele acrescenta que esta condenação, por tratar de acontecimentos ocorridos há oito anos, não terá o mesmo impacto político que o tipo de condenação que os eleitores podem ter imaginado quando foram entrevistados no início deste ano.

Mesmo uma ligeira queda no apoio a Trump, no entanto, pode ser suficiente para fazer diferença no tipo de corrida apertada que esta disputa presidencial está se desenhando para ser.

Se alguns milhares de eleitores que, sem uma condenação, poderiam apoiar o ex-presidente, ficarem em casa, num Estado-chave como o Wisconsin ou a Pensilvânia, isso poderia fazer toda a diferença.

"Acho que isso terá um impacto e o prejudicará como candidato", diz Ariel Hill-Davis, cofundadora do Mulheres Republicanas pelo Progresso, um grupo que tem procurado afastar o partido de Trump.

Ela diz que os eleitores mais jovens, aqueles com formação universitária e que vivem nos subúrbios estão preocupados com o comportamento de Trump e a sua postura ao governar.

"Esses eleitores estão realmente hesitantes em voltar a alinhar-se com o Partido Republicano liderado por Donald Trump", diz ela.

"O veredicto de culpado reforçará ainda mais essas preocupações."

Por oito anos, especialistas e opositores têm previsto o colapso político iminente de Trump, mostrando-se repetidamente equivocados.

A campanha presidencial de 2016 foi pontuada por erros e escândalos que teriam derrubado um político típico, incluindo uma conversa gravada de Trump falando sobre apalpar mulheres – que, inclusive, foi citada várias vezes no julgamento sobre o pagamento oculto a Stormy Daniels.

O partido de Trump manteve-se em grande parte ao seu lado durante dois pedidos de impeachment e o fim caótico da sua presidência, quando o Capitólio foi atacado por uma multidão de seus apoiadores.

Nada disso impediu o ex-presidente de renascer politicamente e chegar a uma posição competitiva para reconquistar a Casa Branca em novembro.

"O apoio contínuo a Trump, apesar do tipo de escândalo que teria afundado literalmente qualquer outro candidato anterior na história americana, é verdadeiramente surpreendente", diz Engel.

A condenação histórica desta quinta-feira pode revelar-se diferente – especialmente se os recursos de Trump falharem e ele enfrentar a perspectiva de prisão.

Ou poderá ser apenas o mais recente de uma longa série de acontecimentos aparentemente conturbados que, em retrospectiva, foram apenas obstáculos no caminho de Trump para o poder.

Allan Lichtman, professor da American University, construiu um modelo político que previu com sucesso o vencedor de todas as corridas presidenciais desde 1984.

Ele admite, no entanto, que a condenação de Trump pode ser o tipo de reviravolta "cataclísmica e sem precedentes" que abala o modelo e muda o curso da história.

"Os livros de história registrarão isto como um acontecimento verdadeiramente extraordinário e sem precedentes, mas muito vai depender do que acontecer depois", diz ele.

O julgamento final sobre a importância da condenação de Trump chegará às mãos dos eleitores em novembro. Se o ex-presidente for derrotado, seu veredicto de culpa provavelmente será visto como uma das razões.

Se ele vencer, poderá tornar-se apenas uma nota de rodapé na tumultuada mas bem-sucedida carreira política de Trump.

"A história é escrita pelos vencedores, como todos sabemos", diz Engel.

¨      Condenação de Trump passa a ditar o ritmo da campanha

Principal candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump tem uma campanha pela frente, agora sob o rótulo de criminoso, após ser condenado em todas as 34 acusações por ter fraudado os registros do pagamento de US$ 130 mil para comprar o silêncio da ex-atriz pornô Stormy Daniels.

A condenação, a cinco meses das eleições, passa a ditar o ritmo da campanha. O impacto inicial se refletiu num e-mail para angariar fundos em que o candidato apela: “Sou um prisioneiro político!”.

E nas palavras de Trump, que se vitimizou, ao deixar o tribunal, definindo-se como “um homem muito inocente”, e esbravejou contra o veredicto: "Este foi um julgamento fraudado e vergonhoso. O verdadeiro veredicto será dado pelo povo em 5 de novembro, e todos sabem o que aconteceu aqui".

Analistas da Fox News corroboraram a ladainha do candidato republicano. “Nós caímos de um precipício”, disse a âncora Jeanine Pirro, ao enumerar erros no caso.

Há ainda um caminho tortuoso nesta condenação. Os advogados de defesa devem recorrer da decisão, e o juiz Juan Merchan deverá determinar a sentença no dia 11 de julho, quatro dias antes do início da convenção do Partido Republicano, em Milwaukee, Wisconsin.

Espera-se, até lá, que o ex-presidente e seus aliados intensifiquem o trabalho para semear dúvidas sobre a condenação e usar a narrativa de vitimização, como já vêm fazendo desde que o julgamento começou. E que seu principal concorrente, o presidente Joe Biden, fixe, por repetição, a marca de condenado em Trump.

Durante as audiências, figuras proeminentes do Partido Republicano desfilaram pelo tribunal para desqualificar as acusações e prestar solidariedade ao ex-presidente. O próprio

Trump transformou o cercadinho na parte externa do tribunal de Nova York em palanque, repetindo duas vezes por dia a sua ladainha de acusações.

As pesquisas sugerem que o veredito inédito na condenação de um ex-presidente terá pouca influência no voto do eleitor-raiz de Trump; dificilmente, ele mudará de ideia. Mas numa eleição disputada, como esta, o rótulo de criminoso deverá pesar entre os indecisos.

 

¨      Trump fica inelegível? 6 perguntas para entender o que acontece com ex-presidente dos EUA. Por Holly Honderich, da BBC

Trinta e quatro acusações, um juiz muitas vezes exasperado e um verdadeiro desfile de testemunhas.

Após dois dias de deliberações, 12 jurados nova-iorquinos consideraram Donald Trump culpado de todas as acusações no processo de pagamento de suborno.

Ele foi condenado por falsificar registros financeiros para ocultar um pagamento feito à ex-atriz pornô Stormy Daniels, pouco antes das eleições de 2016.

É um veredicto histórico após um julgamento histórico. Trump é agora o primeiro ex-presidente dos EUA com uma condenação criminal, e o primeiro candidato de um grande partido a concorrer à Casa Branca como criminoso.

Mas o que vai acontecer a seguir?

Abaixo, estão algumas questões importantes a serem levadas em consideração.

<><> Ele ainda pode concorrer à presidência?

Sim. A Constituição dos EUA estabelece relativamente poucos requisitos de elegibilidade para os candidatos à presidência: eles devem ter pelo menos 35 anos, ser cidadãos americanos "nascidos no país", e morar nos EUA há pelo menos 14 anos. Não há regras que proíbam candidatos com ficha criminal.

Mas sua condenação ainda pode influenciar as eleições presidenciais de novembro. Uma pesquisa da Bloomberg e da Morning Consult, realizada no início deste ano, mostrou que 53% dos eleitores nos principais Estados pêndulo se recusariam a votar no republicano se ele fosse condenado.

Esses Estados são aqueles em que a maioria do eleitorado não está historicamente definida para um determinado partido, podendo variar de um para outro em cada eleição. Por essa característica são considerados Estados com grande poder de definir uma eleição.

Outra pesquisa, realizada pela Universidade Quinnipiac neste mês, revelou que 6% dos eleitores de Trump estariam menos propensos a votar nele — o que pode ser significativo em uma disputa tão acirrada.

<><> O que acontece com Trump agora?

Trump responde ao processo em liberdade, e isso não mudou depois que o veredicto foi apresentado na quinta-feira (30/5) — o republicano deixou o tribunal como um homem livre.

Ele vai voltar ao tribunal em 11 de julho — data marcada pelo juiz Juan Merchan para anunciar a sentença.

O juiz tem vários fatores para levar em consideração na hora de definir a pena, incluindo a idade de Trump, 77 anos.

A sentença pode envolver multa, liberdade condicional ou até mesmo pena de prisão.

É quase certo que Trump vai recorrer da decisão — classificada por ele como uma "desgraça" —, um processo que pode levar meses ou até mais.

Sua equipe jurídica deve enfrentar então a Divisão de Apelações em Manhattan e, possivelmente, o Tribunal de Apelações.

Tudo isso significa que, mesmo após a leitura da sentença, é altamente improvável que Trump saia do tribunal algemado, uma vez que se espera que ele permaneça em liberdade enquanto recorre.

<><> Quais seriam os fundamentos do recurso?

As evidências apresentadas por Stormy Daniels — cuja suposta relação sexual com Trump estava no cerne do processo — podem ser um dos argumentos para um recurso.

"O nível de detalhe fornecido [por Daniels] realmente não é necessário para contar a história", avalia Anna Cominsky, professora de direito na New York Law School.

"Por um lado, os detalhes tornam a história convincente e, como promotor, você quer fornecer detalhes suficientes para que o júri acredite no que ela tem a dizer. Por outro lado, há um limite em que isso pode se tornar irrelevante e prejudicial."

A equipe de defesa de Trump pediu duas vezes a anulação do julgamento durante o depoimento de Daniels – ambas as petições foram negadas pelo juiz.

Além disso, a estratégia jurídica adotada pelo promotor distrital no processo também pode fornecer fundamentos para um recurso.

A falsificação de registros financeiros empresariais pode ser um delito de menor grau em Nova York, mas Trump enfrentou acusações criminais mais graves devido a um suposto segundo crime, uma suposta tentativa ilegal de influenciar as eleições de 2016.

Os promotores alegaram de modo geral que violações das leis eleitorais federais e estaduais, assim como fraude fiscal, se aplicavam a este processo. Mas eles não especificaram ao júri exatamente qual delas foi infringida.

Especialistas jurídicos dizem que há questões relacionadas ao escopo e à aplicação da lei federal que poderiam servir de base para um recurso. Nunca antes um promotor estadual invocou um crime federal sem acusação formal, e há dúvidas se o promotor distrital de Manhattan tinha jurisdição para fazer isso.

<><> Trump pode ir para a prisão?

É possível, embora altamente improvável, que Trump cumpra pena atrás das grades.

As 34 acusações são todas relacionadas a crimes de classe E em Nova York, a categoria mais baixa para punições no Estado. Cada acusação prevê uma pena máxima de quatro anos.

Como mencionado anteriormente, há várias razões pelas quais o juiz Merchan pode escolher uma punição mais branda, incluindo a idade de Trump, a ausência de antecedentes criminais e o fato de as acusações envolverem um crime não violento.

Ele pode levar em consideração ainda as violações das ordens de silêncio do tribunal.

Também é possível que o juiz pondere sobre a natureza sem precedentes do caso, talvez optando por evitar colocar um ex-presidente e atual candidato atrás das grades.

Existe também uma questão de praticidade. Trump, como todos os ex-presidentes, tem direito à proteção vitalícia do Serviço Secreto. Isso significa que alguns agentes precisariam protegê-lo na prisão.

Mesmo assim, seria extremamente difícil gerenciar um sistema prisional com um ex-presidente como detento. Seria um risco enorme à segurança dele, além de caro mantê-lo seguro.

"Os sistemas prisionais se preocupam com duas coisas: a segurança da instituição e manter os custos baixos", observa Justin Paperny, diretor da empresa de consultoria penitenciária White Collar Advice.

Com Trump, "seria um espetáculo de horrores... nenhum diretor prisional permitiria isso", acrescenta.

<><> Ele pode votar?

É provável que Trump possa votar em novembro.

De acordo com a lei da Flórida, residência eleitoral de Trump, uma pessoa com uma condenação criminal de outro Estado é inelegível para votar apenas "se a condenação tornar a pessoa inelegível para votar no Estado em que a pessoa foi condenada".

Trump foi condenado em Nova York, onde criminosos estão autorizados  a votar, desde que não estejam encarcerados.

Isso significa que, a menos que Trump esteja atrás das grades em 5 de novembro, ele deve ter direito a votar.

<><> Ele pode conceder indulto a si mesmo?

Não. Pelo menos não nesse caso já concluído. Os presidentes podem conceder indultos àqueles que cometeram crimes federais. O processo sobre o suborno em Nova York é uma questão estadual, o que significa que estaria fora da alçada de Trump se ele voltar a ser presidente.

O mesmo se aplica ao processo contra Trump na Geórgia, onde ele foi acusado de conspirar criminalmente para reverter sua derrota apertada para o atual presidente, Joe Biden, no Estado durante as eleições de 2020. Este processo está atualmente parado, enquanto um recurso apresentado por Trump é analisado.

O poder de indulto não é claro para os dois processos federais de Trump — um relativo à suposta manipulação indevida de documentos confidenciais, e outro sobre conspiração para alterar o resultado das eleições de 2020.

No primeiro caso, uma juíza nomeada por Trump na Flórida adiou indefinidamente o julgamento, dizendo que seria "imprudente" estabelecer uma data antes de resolver questões relacionadas às evidências. O segundo processo federal pendente também foi adiado, enquanto um recurso de Trump é analisado.

É improvável que estes julgamentos aconteçam antes das eleições de novembro, mas mesmo que aconteçam, acadêmicos de direito constitucional discordam sobre se o poder de indulto de um presidente inclui a si mesmo. Trump pode ser o primeiro a tentar.

 

Fonte: Por Anthony Zurcher, correspondente da BBC na América do Norte/g1

 

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