MPF espera que vídeo da Mongabay no Supremo
do Chile influencie julgamento histórico no Brasil
A exibição de um vídeo
da Mongabay sobre o assassinato do líder indígena Paulo Paulino Guajajara, de
26 anos, na Suprema Corte do Chile este mês, intensificou o clamor
internacional para o caso, que ainda não foi a julgamento depois de quase cinco
anos. O Ministério Público Federal (MPF) espera que a exibição pressione para a
obtenção de um veredicto histórico contra a impunidade dos assassinatos de
povos indígenas no Brasil.
O vídeo foi exibido no Chile como um dos casos de destaque do
seminário “Crise ambiental: O papel do sistema judicial para garantir a
segurança da voz crítica” na Suprema Corte, em 2 de maio, como parte da
Conferência do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa da UNESCO, em Santiago.
Paulo fazia parte dos
Guardiões da Floresta, um grupo de indígenas Guajajara da Terra Indígena
Arariboia que arriscam suas vidas para proteger seu território ancestral contra
a extração ilegal de madeira, a caça e outros crimes ambientais em meio à falta
de fiscalização do governo na região.
Nos últimos 20 anos,
53 Guajajara foram assassinados no Maranhão, sem que nenhum dos autores tenha
sido julgado, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Desse total,
24 foram mortos na TI Arariboia, segundo dados do CIMI; seis eram guardiões, segundo
o povo Guajajara.
O caso de Paulo será
um marco jurídico no país como o primeiro assassinato de um líder indígena a
ser julgado por um júri federal. O caso foi elevado à esfera federal porque o
MPF afirma que seu assassinato representou uma agressão a toda a comunidade
Guajajara e à cultura indígena. Na maioria dos casos, os assassinatos são
considerados crimes contra indivíduos e são julgados por um júri estadual.
Conforme reportagem da Mongabay em novembro de 2023, a única pendência para o agendamento
do julgamento é um laudo antropológico sobre os danos causados ao povo
Guajajara em decorrência do crime. Na época, Alfredo Falcão, procurador federal
à frente do caso, disse que a estimativa era que o julgamento ocorresse no
primeiro semestre deste ano. Mas o laudo antropológico demorou mais do que o
previsto.
“O julgamento não pode
passar desse ano!”, disse Falcão à Mongabay em uma entrevista por telefone. “Eu
acho que já passou da hora inclusive”.
Para ele, a
repercussão internacional “espetacular” que o caso está ganhando com a exibição
do vídeo do Mongabay no Chile é fundamental para pressionar o sistema judicial
no Brasil a acelerar o julgamento. “É muito impactante [o vídeo] estar sendo
exibido na sala Supremo Tribunal do Chile”, disse Falcão. “Os olhos nacional e
internacional estão apontados, direcionados para esse caso e se espera que o
julgamento ocorra em prazo razoável, ainda este ano”.
Caso contrário, disse
Falcão, “não descarto levar a instâncias internacionais caso haja uma demora
indevida”, referindo-se à Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Para
chegar à Corte Interamericana de Direitos Humanos teria que mostrar que o
sistema de justiça nacional está tendo algum obstáculo para fazer o seu papel.
E a demora de julgamento pode ser um”.
Uma das principais
vozes no vídeo do Mongabay, o guardião da floresta Laércio Guajajara,
testemunha e sobrevivente do ataque que matou Paulo, espera que a divulgação do
caso fora do Brasil ajude a pressionar o sistema judiciário a cumprir o seu
papel e acelerar o julgamento para punir os autores do crime. “Eu acho que
quanto mais divulgação, a justiça ficará com mais pressão [por parte] dos
[nossos] apoiadores de todo mundo”, disse Laércio à Mongabay em uma mensagem de
voz. “O que eu espero é que os responsáveis pelo assassinato do Paulo paguem
por isso. A gente não quer ter conflito com ninguém, a gente não quer perder
mais nenhum guardião”.
Depois de atrasos para
obter o orçamento dos custos do laudo antropológico, o último obstáculo agora é
conseguir a liberação do juiz dos recursos de um fundo judicial para arcar com
os custos. Em nota à Mongabay por e-mail, a 1ª Vara Federal do Maranhão, onde o
caso tramita, disse que emitiu um despacho em 28 de maio intimando o Ministério
Público Federal, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e os advogados
dos réus a se manifestarem sobre os honorários apresentados pela perícia. Para
efetuar a perícia “serão necessários 66 dias, conforme proposta apresentada
pelo perito”, disse a nota. ” Sendo assim, não há como prever, no momento, a
data em que será realizado o júri”.
Falcão ressaltou a
urgência para a conclusão do laudo antropológico, dada a “boa notícia” de que
já há uma lista de jurados federais aprovados para o julgamento, o que é
considerado “o mais difícil” para esse tipo de caso.
Falcão disse que vai
usar trechos do vídeo da Mongabay no julgamento, sobretudo o depoimento do pai
do Paulo narrando os impactos do assassinato em sua família. Ela também
apresentará no julgamento trechos da entrevista do Paulo sobre sua “morte
anunciada”, nove meses antes de seu assassinato, a esta repórter e ao
documentarista Max Baring para um documentário
filmado em 2019 para a Fundação Thomson
Reuters (cuja plataforma de notícias foi renomeada Context em setembro de
2022).
“É importante mostrar
os dois”, disse Falcão, “essa ideia desse distanciamento que eu quero que os
jurados percebam, quanto a dizer que essas matérias todas são feitas da forma
mais isenta possível e a respeito do conflito e do sofrimento dos povos indígenas”.
Sobre o documentário de 2019, que ganhou quatro prêmios internacionais, Falcão
disse que representa “não só um distanciamento temporal, mas algo que você fez
antes de ter um contato maior com o caso”.
Falcão disse que as
reportagens de texto também serão fundamentais para o julgamento. “Linda
matéria. Muito bem escrita: com dados históricos da comunidade, com coisas
técnicas, mas, ao mesmo tempo, sem perder a emoção. Isso se chama talento!”,
escreveu o procurador a esta repórter em mensagem telefônica logo após a
publicação da matéria sobre o julgamento em novembro de 2023.
Ele também está
considerando mostrar alguns trechos da exibição do vídeo na Suprema Corte do
Chile para mostrar o alcance internacional do caso, que foi transmitido
para todo o país pelo canal de TV Poder Judicial
Chile.
Durante o painel, esta
repórter anunciou que usaria a maior parte do seu tempo de fala para exibir o
vídeo de 10 minutos, “para dar voz àqueles que normalmente não têm voz”. Após a
apresentação, foram recebidos muitos elogios, incluindo os co-palestrantes do
painel Ricardo Perez Manrique, juiz da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, e Giovanni Salvi, ex-procurador-geral da Suprema Corte da Itália.
Na conferência da
UNESCO, o caso de Paulo também foi destacado em um workshop
promovido pelo Pulitzer Center sobre investigações guiadas por dados, no qual
foi apresentada a reportagem de novembro de 2023 e elementos de uma
investigação baseada em dados que liga a violência e os crimes ambientais na
Arariboia que será publicada em breve.
¨ Justiça por Pau D’arco: atividades fazem memória às vítimas do
massacre e cobram o fim da impunidade
Entre os dias 24 e 26
de maio, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Xinguara e a Associação de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Nova Vitória realizaram uma programação
que marcou os 7 anos do episódio de extrema violência no
campo ocorrido em 24 de maio de 2017, nacionalmente conhecido como Massacre
de Pau D’arco. A atividade ocorreu na Ocupação Jane Júlia, Fazenda Santa
Lúcia, no município de Pau D’arco/PA, e a programação contou com diversas
atividades em memória às vítimas e em defesa dos direitos dos
trabalhadores rurais e da reforma agrária.
24/05/2024 – O
primeiro dia começou com uma celebração religiosa ecumênica, realizada na
sede do Barracão da Associação Nova Vitória, localizada na Ocupação Jane Júlia.
O objetivo principal foi celebrar a memória das dez vítimas do massacre e
de outros mártires da terra. Durante a celebração, foram lidos os nomes das
vítimas e as cruzes, que simbolizam cada um dos trabalhadores assassinados,
foram dispostas em um círculo. Todos os presentes entoaram um grito de dor
e esperança: JUSTIÇA POR PAU D’ARCO!.
O grito por justiça
ecoa os sete anos de impunidade que assombram as famílias, os amigos e a
memória das vítimas. Passados sete anos das mortes, os mandantes do
massacre não foram identificados, mesmo tendo sido objeto de investigação pela
Polícia Federal. Os 17 policiais, entre civis e militares, acusados de
serem os autores dos crimes, ainda respondem em liberdade, exercendo suas
funções normalmente na região, enquanto se aguarda a realização do Tribunal do
Júri, que deveria ocorrer em 2019, mas que segue na morosidade da justiça
brasileira.
Ainda no primeiro dia,
houve a leitura da Bíblia, que foi seguida por reflexões feitas por um pastor e
um padre da comunidade local. Ao final, todos acenderam suas velas
conjuntamente, estimulados a lembrar que se deve ser luz uns para os
outros na caminhada e, em seguida, colocaram suas velas ao lado das
cruzes.
25/05/2024 – No
segundo dia, a programação seguiu com a Feira da Agricultura Familiar,
promovida pelas famílias acampadas na área, realizada na quadra coberta da
cidade de Pau D’arco/PA. Na feira, foram expostos e vendidos produtos
produzidos pelas famílias, como cacau, arroz, mandioca, inhame, mamão, queijo,
amendoim, abóbora e banana.
A comunidade local e
representantes de diversas entidades, incluindo o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Instituto Zé Cláudio e Maria (IZM) e o
Governo Municipal, participaram do evento. As famílias doaram parte dos produtos
à venda para a IZM, a fim de serem utilizados na 9ª Romaria dos Mártires da
Floresta, que ocorrerá de 31 de maio a 02 de junho, em Nova Ipixuna, no Pará.
Durante a feira, ainda houve um momento político de denúncia dos despejos,
que ameaçam mais de 800 trabalhadores sem-terra no Sul do Pará, dentre estes,
as famílias da ocupação Jane Júlia.
26/05/2024 – O
terceiro e último dia se iniciou com o Café da Reforma Agrária, servido
pela Associação, composto por muitos alimentos produzidos pelos
trabalhadores/as da ocupação. Após o café, teve início o ato de caminhada
até o memorial das vítimas, erguido no local onde os dez trabalhadores foram
assassinados.
Estiveram presentes
discentes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) de
Xinguara, sendo alunos dos cursos de História e Geografia, representantes da
Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI) do Pará, da Federação dos
Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF) do Pará, e
pessoas de várias ocupações e cidades vizinhas. Também participaram
representantes do INCRA, incluindo o superintendente de Marabá/PA, Andreik Maia
Sobrinho, recém empossado no cargo. Importante ressaltar que foi a primeira vez
nestes sete anos que um superintendente do INCRA esteve no local onde ocorreu a
chacina, participando do ato em memória às vítimas e visitando a ocupação.
O ato também contou
com a presença de membros da Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no
Campo, como a ouvidoria agrária nacional Dra. Cláudia Dadico, bem como
representantes do Ministério de Desenvolvimento Agrário, do Ministério das
Mulheres e dos Povos Indígenas, além de representante da Defensoria Pública da
União (DPU).
Pela manhã, todos
presentes realizaram uma caminhada pelo percurso percorrido pelas vítimas
do massacre, até o memorial erguido em sua memória. Durante a caminhada, houve
resgates dos acontecimentos daquele dia trágico, em que dez trabalhadores rurais
sem terra – nove homens e uma mulher – tiveram suas vidas brutalmente
interrompidas pela violência no campo, em uma ação criminosa praticada por
policiais militares e civis do estado do Pará.
No memorial, um
momento ecumênico foi realizado, seguido pela apresentação dos dados de
violência no campo, conforme o relatório “Conflitos no Campo Brasil 2023”,
da CPT. Segundo os dados, o Pará foi o segundo estado com mais registro de
conflitos no campo em 2023, com 227 ocorrências, e com dois assassinatos
resultados da violência no campo. Após as falas de diversos representantes no
memorial, o grupo retornou ao Barracão da Associação Nova Vitória para um
almoço comunitário servido pelas famílias.
Durante o dia, a
Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo (CNEVC) aproveitou a
oportunidade e, a pedido da CPT, realizou a escuta ativa de movimentos
sociais da região do Sul do Pará e comunidades locais. A programação se
encerrou com uma roda de conversa, coordenada pela representante da CPT de
Xinguara, Jamyla Carvalho. Neste momento, representantes do INCRA, da CNEVC e o
advogado da Associação discutiram a situação das famílias da ocupação e os
próximos passos a serem dados, a fim de garantir sua permanência na área e
a solução deste conflito que se arrasta há tantos anos e a tantas perdas.
Ainda durante a roda,
as famílias também realizaram um agradecimento especial à Comissão, entregando
uma cesta de produtos e frutos da terra para os seus membros. Ao final, elas
receberam a notícia de que o registro pelo INCRA para inserção no cadastro de
beneficiários da reforma agrária se iniciaria no dia seguinte. A informação foi
recebida com alegria pelos presentes, que lutam pelo direito à terra e
vida digna, reacendendo a esperança de que a Justiça por Pau D’arco seja enfim
concretizada.
Fonte: Mongabay/CPT
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