sábado, 1 de junho de 2024

MPF espera que vídeo da Mongabay no Supremo do Chile influencie julgamento histórico no Brasil

A exibição de um vídeo da Mongabay sobre o assassinato do líder indígena Paulo Paulino Guajajara, de 26 anos, na Suprema Corte do Chile este mês, intensificou o clamor internacional para o caso, que ainda não foi a julgamento depois de quase cinco anos. O Ministério Público Federal (MPF) espera que a exibição pressione para a obtenção de um veredicto histórico contra a impunidade dos assassinatos de povos indígenas no Brasil.

vídeo foi exibido no Chile como um dos casos de destaque do seminário “Crise ambiental: O papel do sistema judicial para garantir a segurança da voz crítica” na Suprema Corte, em 2 de maio, como parte da Conferência do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa da UNESCO, em Santiago.

Paulo fazia parte dos Guardiões da Floresta, um grupo de indígenas Guajajara da Terra Indígena Arariboia que arriscam suas vidas para proteger seu território ancestral contra a extração ilegal de madeira, a caça e outros crimes ambientais em meio à falta de fiscalização do governo na região.

Nos últimos 20 anos, 53 Guajajara foram assassinados no Maranhão, sem que nenhum dos autores tenha sido julgado, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Desse total, 24 foram mortos na TI Arariboia, segundo dados do CIMI; seis eram guardiões, segundo o povo Guajajara.

O caso de Paulo será um marco jurídico no país como o primeiro assassinato de um líder indígena a ser julgado por um júri federal. O caso foi elevado à esfera federal porque o MPF afirma que seu assassinato representou uma agressão a toda a comunidade Guajajara e à cultura indígena. Na maioria dos casos, os assassinatos são considerados crimes contra indivíduos e são julgados por um júri estadual.

Conforme reportagem da Mongabay em novembro de 2023, a única pendência para o agendamento do julgamento é um laudo antropológico sobre os danos causados ao povo Guajajara em decorrência do crime. Na época, Alfredo Falcão, procurador federal à frente do caso, disse que a estimativa era que o julgamento ocorresse no primeiro semestre deste ano. Mas o laudo antropológico demorou mais do que o previsto.

“O julgamento não pode passar desse ano!”, disse Falcão à Mongabay em uma entrevista por telefone. “Eu acho que já passou da hora inclusive”.

Para ele, a repercussão internacional “espetacular” que o caso está ganhando com a exibição do vídeo do Mongabay no Chile é fundamental para pressionar o sistema judicial no Brasil a acelerar o julgamento. “É muito impactante [o vídeo] estar sendo exibido na sala Supremo Tribunal do Chile”, disse Falcão. “Os olhos nacional e internacional estão apontados, direcionados para esse caso e se espera que o julgamento ocorra em prazo razoável, ainda este ano”.

Caso contrário, disse Falcão, “não descarto levar a instâncias internacionais caso haja uma demora indevida”, referindo-se à Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Para chegar à Corte Interamericana de Direitos Humanos teria que mostrar que o sistema de justiça nacional está tendo algum obstáculo para fazer o seu papel. E a demora de julgamento pode ser um”.

Uma das principais vozes no vídeo do Mongabay, o guardião da floresta Laércio Guajajara, testemunha e sobrevivente do ataque que matou Paulo, espera que a divulgação do caso fora do Brasil ajude a pressionar o sistema judiciário a cumprir o seu papel e acelerar o julgamento para punir os autores do crime. “Eu acho que quanto mais divulgação, a justiça ficará com mais pressão [por parte] dos [nossos] apoiadores de todo mundo”, disse Laércio à Mongabay em uma mensagem de voz. “O que eu espero é que os responsáveis pelo assassinato do Paulo paguem por isso. A gente não quer ter conflito com ninguém, a gente não quer perder mais nenhum guardião”.

Depois de atrasos para obter o orçamento dos custos do laudo antropológico, o último obstáculo agora é conseguir a liberação do juiz dos recursos de um fundo judicial para arcar com os custos. Em nota à Mongabay por e-mail, a 1ª Vara Federal do Maranhão, onde o caso tramita, disse que emitiu um despacho em 28 de maio intimando o Ministério Público Federal, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e os advogados dos réus a se manifestarem sobre os honorários apresentados pela perícia. Para efetuar a perícia “serão necessários 66 dias, conforme proposta apresentada pelo perito”, disse a nota. ” Sendo assim, não há como prever, no momento, a data em que será realizado o júri”.

Falcão ressaltou a urgência para a conclusão do laudo antropológico, dada a “boa notícia” de que já há uma lista de jurados federais aprovados para o julgamento, o que é considerado “o mais difícil” para esse tipo de caso.

Falcão disse que vai usar trechos do vídeo da Mongabay no julgamento, sobretudo o depoimento do pai do Paulo narrando os impactos do assassinato em sua família. Ela também apresentará no julgamento trechos da entrevista do Paulo sobre sua “morte anunciada”, nove meses antes de seu assassinato, a esta repórter e ao documentarista Max Baring para um documentário filmado em 2019 para a Fundação Thomson Reuters (cuja plataforma de notícias foi renomeada Context em setembro de 2022).

“É importante mostrar os dois”, disse Falcão, “essa ideia desse distanciamento que eu quero que os jurados percebam, quanto a dizer que essas matérias todas são feitas da forma mais isenta possível e a respeito do conflito e do sofrimento dos povos indígenas”. Sobre o documentário de 2019, que ganhou quatro prêmios internacionais, Falcão disse que representa “não só um distanciamento temporal, mas algo que você fez antes de ter um contato maior com o caso”.

Falcão disse que as reportagens de texto também serão fundamentais para o julgamento. “Linda matéria. Muito bem escrita: com dados históricos da comunidade, com coisas técnicas, mas, ao mesmo tempo, sem perder a emoção. Isso se chama talento!”, escreveu o procurador a esta repórter em mensagem telefônica logo após a publicação da matéria sobre o julgamento em novembro de 2023.

Ele também está considerando mostrar alguns trechos da exibição do vídeo na Suprema Corte do Chile para mostrar o alcance internacional do caso, que foi transmitido para todo o país pelo canal de TV Poder Judicial Chile.

Durante o painel, esta repórter anunciou que usaria a maior parte do seu tempo de fala para exibir o vídeo de 10 minutos, “para dar voz àqueles que normalmente não têm voz”. Após a apresentação, foram recebidos muitos elogios, incluindo os co-palestrantes do painel Ricardo Perez Manrique, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, e Giovanni Salvi, ex-procurador-geral da Suprema Corte da Itália.

Na conferência da UNESCO, o caso de Paulo também foi destacado em um workshop promovido pelo Pulitzer Center sobre investigações guiadas por dados, no qual foi apresentada a reportagem de novembro de 2023 e elementos de uma investigação baseada em dados que liga a violência e os crimes ambientais na Arariboia que será publicada em breve.

 

¨      Justiça por Pau D’arco: atividades fazem memória às vítimas do massacre e cobram o fim da impunidade

 

Entre os dias 24 e 26 de maio, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Xinguara e a Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Nova Vitória realizaram uma programação que marcou os 7 anos do episódio de extrema violência no campo ocorrido em 24 de maio de 2017, nacionalmente conhecido como Massacre de Pau D’arco. A atividade ocorreu na Ocupação Jane Júlia, Fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’arco/PA, e a programação contou com diversas atividades em memória às vítimas e em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais e da reforma agrária.

24/05/2024 – O primeiro dia começou com uma celebração religiosa ecumênica, realizada na sede do Barracão da Associação Nova Vitória, localizada na Ocupação Jane Júlia. O objetivo principal foi celebrar a memória das dez vítimas do massacre e de outros mártires da terra. Durante a celebração, foram lidos os nomes das vítimas e as cruzes, que simbolizam cada um dos trabalhadores assassinados, foram dispostas em um círculo. Todos os presentes entoaram um grito de dor e esperança: JUSTIÇA POR PAU D’ARCO!.

O grito por justiça ecoa os sete anos de impunidade que assombram as famílias, os amigos e a memória das vítimas. Passados sete anos das mortes, os mandantes do massacre não foram identificados, mesmo tendo sido objeto de investigação pela Polícia Federal. Os 17 policiais, entre civis e militares, acusados de serem os autores dos crimes, ainda respondem em liberdade, exercendo suas funções normalmente na região, enquanto se aguarda a realização do Tribunal do Júri, que deveria ocorrer em 2019, mas que segue na morosidade da justiça brasileira.

Ainda no primeiro dia, houve a leitura da Bíblia, que foi seguida por reflexões feitas por um pastor e um padre da comunidade local. Ao final, todos acenderam suas velas conjuntamente, estimulados a lembrar que se deve ser luz uns para os outros na caminhada e, em seguida, colocaram suas velas ao lado das cruzes.

25/05/2024 – No segundo dia, a programação seguiu com a Feira da Agricultura Familiar, promovida pelas famílias acampadas na área, realizada na quadra coberta da cidade de Pau D’arco/PA. Na feira, foram expostos e vendidos produtos produzidos pelas famílias, como cacau, arroz, mandioca, inhame, mamão, queijo, amendoim, abóbora e banana.

A comunidade local e representantes de diversas entidades, incluindo o  Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Instituto Zé Cláudio e Maria (IZM) e o Governo Municipal, participaram do evento. As famílias doaram parte dos produtos à venda para a IZM, a fim de serem utilizados na 9ª Romaria dos Mártires da Floresta, que ocorrerá de 31 de maio a 02 de junho, em Nova Ipixuna, no Pará. Durante a feira, ainda houve um momento político de denúncia dos despejos, que ameaçam mais de 800 trabalhadores sem-terra no Sul do Pará, dentre estes, as famílias da ocupação Jane Júlia.

26/05/2024 – O terceiro e último dia se iniciou com o Café da Reforma Agrária, servido pela Associação, composto por muitos alimentos produzidos pelos trabalhadores/as da ocupação. Após o café, teve início o ato de caminhada até o memorial das vítimas, erguido no local onde os dez trabalhadores foram assassinados.

Estiveram presentes discentes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) de Xinguara, sendo alunos dos cursos de História e Geografia, representantes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI) do Pará, da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF) do Pará, e pessoas de várias ocupações e cidades vizinhas. Também participaram representantes do INCRA, incluindo o superintendente de Marabá/PA, Andreik Maia Sobrinho, recém empossado no cargo. Importante ressaltar que foi a primeira vez nestes sete anos que um superintendente do INCRA esteve no local onde ocorreu a chacina, participando do ato em memória às vítimas e visitando a ocupação.

O ato também contou com a presença de membros da Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo, como a ouvidoria agrária nacional Dra. Cláudia Dadico, bem como representantes do Ministério de Desenvolvimento Agrário, do Ministério das Mulheres e dos Povos Indígenas, além de representante da Defensoria Pública da União (DPU).

Pela manhã, todos presentes realizaram uma caminhada pelo percurso percorrido pelas vítimas do massacre, até o memorial erguido em sua memória. Durante a caminhada, houve resgates dos acontecimentos daquele dia trágico, em que dez trabalhadores rurais sem terra – nove homens e uma mulher – tiveram suas vidas brutalmente interrompidas pela violência no campo, em uma ação criminosa praticada por policiais militares e civis do estado do Pará.

No memorial, um momento ecumênico foi realizado, seguido pela apresentação dos dados de violência no campo, conforme o relatório “Conflitos no Campo Brasil 2023”, da CPT. Segundo os dados, o Pará foi o segundo estado com mais registro de conflitos no campo em 2023, com 227 ocorrências, e com dois assassinatos resultados da violência no campo. Após as falas de diversos representantes no memorial, o grupo retornou ao Barracão da Associação Nova Vitória para um almoço comunitário servido pelas famílias.

Durante o dia, a Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo (CNEVC) aproveitou a oportunidade e, a pedido da CPT, realizou a escuta ativa de movimentos sociais da região do Sul do Pará e comunidades locais. A programação se encerrou com uma roda de conversa, coordenada pela representante da CPT de Xinguara, Jamyla Carvalho. Neste momento, representantes do INCRA, da CNEVC e o advogado da Associação discutiram a situação das famílias da ocupação e os próximos passos a serem dados, a fim de garantir sua permanência na área e a solução deste conflito que se arrasta há tantos anos e a tantas perdas.

Ainda durante a roda, as famílias também realizaram um agradecimento especial à Comissão, entregando uma cesta de produtos e frutos da terra para os seus membros. Ao final, elas receberam a notícia de que o registro pelo INCRA para inserção no cadastro de beneficiários da reforma agrária se iniciaria no dia seguinte. A informação foi recebida com alegria pelos presentes, que lutam pelo direito à terra e vida digna, reacendendo a esperança de que a Justiça por Pau D’arco seja enfim concretizada.

 

Fonte: Mongabay/CPT

 

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