Gerson Almeida: Lutas ambientais e produção
científica
Por que as
decisões sobre o clima não são cumpridas?
O órgão máximo junto
às Nações Unidas para conter a emissão de gases do efeito estufa e evitar as
mudanças climáticas é a Convenção das Partes (COP), que terá a seus 29°. edição
no final deste ano. Mas esse assunto é discutido desde a Convenção de Estocolmo
(1972), a primeira grande discussão global sobre o clima.
Ao longo dessas cinco
décadas, um precioso conhecimento sobre a dinâmica das mudanças climáticas foi
produzida – assim como previsões cada vez mais detalhadas de suas consequências
sociais, econômicas e ambientais. A ocorrência desses eventos climáticos extremos
em todos os continentes mostra a correção dos modelos desenvolvidos pelos
pesquisadores do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), a
maior rede colaborativa de produção de conhecimento da atualidade. As lutas
ambientais levadas a cabo pelos mais diferentes segmentos sociais, na defesa
dos recursos naturais, contra a poluição do solo, da água e do ar, contra os
agrotóxicos e todas as formas de emissão de CO² na atmosfera, têm sido
fundamentais para a produção de alternativas .
A interação entre as
lutas ambientais e a produção científica tem sido garantida para garantir os
principais avanços nas COP's, como o Protocolo de Quioto (COP3/1997), que
propôs metas de contenção das emissões de gases de efeito de estufa; a
elaboração dos planos nacionais para adaptação e o Fundo para sua implantação
nos países menos avançados (COP7/2001); a produção das “Intenções de
Contribuições Nacionalmente Determinadas” (INDC), para limitar o aumento da
temperatura terrestre em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais; a
responsabilidade dos países desenvolvidos de aplicar US$ 100 bilhões/ano, a
partir de 2020, para a mitigação e adaptação dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas (COP15/2019), são apenas alguns exemplos.
No entanto, o balanço
da sua implantação é negativo, pois há uma acção sistemática dos principais
países emissores de CO² para evitar que esses compromissos sejam de cumprimento
obrigatório. Os Estados Unidos, por exemplo, abandonaram o Protocolo de Kyoto,
em 2001, justificando que as metas condicionais comprometeriam seu
desenvolvimento econômico e foram seguidas pelo Canadá. Nem o Acordo de Paris,
que o substituiu em 2015, não vem sendo cumprido.
Enquanto países como
os Estados Unidos estão firmemente contra a obrigação das metas de redução do
CO ² , age de forma rigorosa contra qualquer
descumprimento dos acordos feitos em outras instâncias do sistema
internacional, como a OMC, o Banco Mundial e o FMI, apoiando a aplicação de
duras avaliações. Na Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo, o
Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) e o Acordo sobre Aspectos de
Direito de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPS), possuem
instâncias de solução de controvérsias que são resolutivas sobre os signatários
desses acordos.
Não é, portanto,
estranho ao sistema de relações internacionais que os acordos firmados tenham
poder vinculante. A decisão de proteger os interesses econômicos, comerciais e
o pagamento das dívidas e desproteger as situações que são danos com a
ocorrência de eventos climáticos extremos é restrição política.
A fratura produzida
pelo neoliberalismo exige, simultaneamente, uma melhora na concentração de
riqueza e nas mudanças climáticas. Ambas são construídas nas ações cotidianas
de desregulamentação das normas de proteção dos setores sociais mais
vulneráveis, do meio ambiente e da privatização dos serviços essenciais,
tornando a questão social e a ambiental uma só luta. Isso fica explícito na
maior tragédia climática do Brasil, potencializada pelo governador do Rio
Grande do Sul, que alterou 500 itens do Código Ambiental Gaúcho e se envolveu
na privatização dos serviços essenciais.
O prefeito de Porto
Alegre, ciente de todas as necessidades de manutenção do sistema de proteção da
cidade, preferiu estimular a ocupação das áreas até então protegidas e
impermeabilizar os parques ao longo da orla do Guaíba, para o júbilo da
construção civil. Não contente, sucateou as empresas essenciais, tornando-as
ineficazes para o cumprimento adequado das suas tarefas no momento da crise.
Esse é apenas um exemplo das consequências nefastas desse trabalho cotidiano de
governos neoliberais em favor da concentração de renda, do afrouxamento das
normas ambientais e do papel regulador do Estado.
A naturalização de uma
sociedade na qual os (2020/2023), enquanto cinco bilhões de pessoas (60% da
população mundial), tiveram seus ganhos minguados no mesmo período (Oxfam,
relatório Desigualdade SA) e submete as pessoas ao sofrimento das inundações,
às secas inclementes, ou aos incêndios furiosos? Ao combinar desigualdades
obscenas, com mudanças climáticas aceleradas, esse modelo serve apenas aos
interesses de 1% que estão sendo beneficiados e exclui os demais 99%, para os
quais não há lugar disponível.
Lutar por ações
efetivas contra as mudanças climáticas não é outra coisa, senão defender a
civilização.
Fonte: A Terra é
Redonda
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