sábado, 1 de junho de 2024

Da catástrofe capitalista no RS à greve das federais: impactos no projeto de país da Frente Ampla

Considerando a quantidade de mortos, outros eventos deixaram mais vítimas, como da Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011 que deixou 918 mortos, ou mesmo Petrópolis em 2022 com 235 mortos. No entanto, a magnitude do que ocorre no Rio Grande do Sul ocorre não apenas pela quantidade de vítimas fatais, mas também pelo nível de destruição generalizado atingindo milhões de pessoas.

Segundo dados da Defesa Civil, dos 497 municípios do estado, 446 foram atingidos. Estima-se que mais de 80 mil pessoas estão nos abrigos, e quase 600 mil perderam suas casas. Considerando pessoas atingidas direta ou indiretamente, os afetados estão na casa dos milhões. Portanto, desse ponto de vista, é o maior desastre climático da história do país.

As federações patronais do comércio, dos serviços, da indústria e da agropecuária (Federasul, Fecomércio-RS, Fiergs e Farsul) estimam perda de pelo menos R$ 40 bilhões na atividade econômica do estado. Valores que representariam uma contração do PIB do Estado em 6,5%, considerando a produção de 2023.

Portanto, não é exagero dizer que o que ocorre no Rio Grande do Sul poderá marcar uma linha divisória no país, em especial, nos temas relativos à questão ambiental e climática, em um contexto de maior agudização da crise ambiental em nível global.

Uma “corrida” dos planos de reconstrução

Toda essa situação, vale dizer, não é um desastre natural, mas fruto da destruição do meio ambiente, não só no Brasil mas em todo mundo. No Rio Grande do Sul, Eduardo Leite promoveu inúmeros ataques ao meio ambiente, modificando quase 500 artigos do Código Ambiental. Ele e o prefeito de Porto Alegre, o negacionista da crise climática Sebastião Melo são responsáveis por privatizações e cortes no orçamento que poderiam ter evitado as enchentes. E fazem isso se apoiando nos inúmeros ataques que também foram aprovados em âmbito nacional pelo Congresso nos últimos anos.

Mas do ponto de vista do governo federal, há, evidentemente, responsabilidades e uma agenda que contribui para a destruição do meio ambiente. Basta pensar que um dos principais responsáveis pelo desmatamento no Brasil é o agronegócio, setor que recebeu de presente de Lula mais de 364 bilhões de reais, no maior Plano Safra da história.

Frente a uma destruição tão ampla, diferentes setores buscam seus próprios planos, e alguma resposta para essa situação.

Eduardo Leite se referiu ao seu plano de reconstrução como um Plano Marshall, agora nomeado de Plano Rio Grande. Quem chefiará esse plano será Pedro Capeluppi, economista que já assessorou o ultraneoliberal Paulo Guedes. Não é difícil supor que será um projeto recheado de intervenção do setor privado, que poderá lucrar bilhões com a reconstrução do estado.

Esse projeto prevê, entre outras coisas, a construção das chamadas "cidades temporárias", que na realidade são alojamentos precários com os quais o governo pretende substituir os abrigos. Buscam concentrar em um mesmo lugar uma grande quantidade de desabrigados de maneira ainda mais precária, com as forças de repressão do Estado, como a Brigada Militar controlando essas regiões, isolando os desabrigados dos grandes centros urbanos.

De imediato, é possível dizer que esse projeto irá aprofundar as desigualdades do estado, o que irá atingir a população mais pobre e negra. E isso já ocorreu em um evento com impactos parecidos.

Geógrafos, urbanistas e engenheiros que estudaram o pós-Katrina, afirmam que decisões tomadas no plano de recuperação agravaram problemas de desigualdade na cidade, e a impediram de recuperar a população. A maioria daqueles que não conseguiram voltar é formada pelos mais pobres, sobretudo os negros. Antes dois terços de New Orleans eram negros, hoje essa parcela é ligeiramente maior do que a metade. Um verdadeiro êxodo negro, que poderá se repetir em várias cidades do Rio Grande do Sul.

Por outro lado, Lula quer aparecer no pólo oposto da postura de Bolsonaro diante das enchentes na Bahia, quando ficou marcado pelos passeios de jet-ski do ex-presidente enquanto milhares de pessoas foram atingidas pelas chuvas.

Lula já foi ao estado três vezes, sendo a última para anunciar os principais programas, visitando abrigos e sendo atacado por parte da grande imprensa como “comício”. Nesse evento, anunciou o pix de 5,1 mil reais para cada atingido pela enchente e a compra de imóveis pelo governo federal para ser entregue para as pessoas que ficaram sem casa (a estimativa de imóveis disponíveis ou que ficarão prontos até o final de 2025 para a compra é de 5 mil imóveis, o que não chega nem perto da demanda).

Por proposta do governo, foi votada a suspensão do pagamento da dívida do estado pelos próximos 3 anos. Ou seja, após esse período ela precisa voltar a ser paga. Uma dívida fraudulenta, como explicamos aqui. Vergonhosamente, durante essa sessão PT, PSOL e PCdoB votaram contra a anulação da dívida do estado, com exceção de alguns poucos parlamentares.

Além dessas medidas, o banco dos BRICS, chefiado por Dilma, vai destinar 5,7 bilhões ao RS, sem contar as várias outras medidas que o governo já vinha anunciando, como créditos e isenções para empresas, antecipação de benefícios sociais, liberação de FGTS, distribuição de cestas básicas, etc. Por fim, Lula confiou a Paulo Pimenta, que é muito próximo a ele, a tarefa de ser a representação do governo federal no RS, o que também tem objetivos políticos já que Pimenta é um possível candidato ao governo Gaúcho e já teve inúmeros enfrentamentos públicos com Leite.

Com esse conjunto de medidas, Lula declarou que a recuperação do Rio Grande do Sul é possibilidade de fazer a economia do país crescer mais. Ainda que seja difícil uma previsão desse tipo, e tão pouco parece razoável crer que isso geraria números de crescimento muito maiores, essas declarações revelam a importância que Lula vai querer dar para esse projeto de reconstrução.

·        Impactos políticos

Até agora as medidas anunciadas mostram o governo querendo atuar frente à crise no Rio Grande do Sul, e que podem ter impacto social relevante. No entanto, a devastação é muito grande, e contradições maiores poderão se colocar.

Por ora, parecem distantes de servirem como capital político para o governo recompor maiores níveis de aceitação. Os objetivos, ao menos iniciais, parecem se relacionar com a busca de conter uma crise maior. Ao mesmo tempo, o impacto político dessas medidas especificamente no Rio Grande do Sul está em aberto, vai depender do desenrolar da situação, pois elas vêm sendo recebidas de forma bastante positiva e não está descartada a hipótese de elas significarem um “novo momento” para o petismo no estado.

Todas essas medidas, dos distintos governos, também se relacionam ao fato de que a percepção social é de que diferentes entes eram responsáveis pela situação do Rio Grande do Sul. Antes dessas medidas serem anunciadas, conforme mostrou essa pesquisa, o principal ente a ser responsabilizado pela tragédia é o governo estadual (68%), seguido pelas prefeituras (64%) e pelo governo federal (59%). Em geral, mostram uma “crise orgânica” aguda, que fora os aspectos mais gerais do país, aprofundou-se com a crise capitalista-climática.

Por ora, Leite vem tentando dividir, o máximo que pode, o ônus com o governo federal. É por isso que algumas vezes teve atritos com o governo federal, ainda que medindo bem até onde vai porque não quer aparecer como quem não quer a “união nacional” para reconstruir o RS.

No entanto, sua responsabilização direta, assim como Melo, é inevitável, e inclusive estão sendo expostos na imprensa, como o baixo investimento para a prevenção de “desastres ambientais”. Lembremos que Leite é um dos poucos remanescentes do PSDB, já foi uma aposta nacional e agora está em uma situação muito delicada. Outros governos estaduais e municipais viram suas perspectivas eleitorais derreterem, com tragédias ambientais, como por exemplo o PSB em Pernambuco e Recife que demorou anos para se reerguer.

No entanto, há um movimento, com algumas expressões da própria mídia burguesa local do RS, que vem tentando colocar Melo e Leite como “lideranças assertivas” que “estão tentando de tudo” diante de uma “tragédia inevitável”, como neste editorial. Nas chuvas da última semana que, embora não tenham subido tanto o nível do Guaíba, alagaram e colapsaram Porto Alegre, mesmo a filial da Globo no estado teve que se relocalizar em relação à gestão de Melo na capital, admitindo que os novos episódios de enchentes estavam ligados à falta de manutenção nos sistemas de bombeamento e escoamento de água e esgoto da capital.

Nesse contexto, a extrema direita tenta conquistar sua influência, com a produção de um mar de fake news, além de ações demagógicas como o deputado Marcel Van Hattem que defendeu a anulação da dívida do estado. Fazem isso também para tentar poupar a prefeitura de Melo, alinhada com setores como o reacionário Brasil Paralelo. Inundam as redes sociais não só com fake news, mas com teorias conspiratórias das mais lunáticas possíveis.

E isso não é apenas porque é um método em geral da extrema direita, mas particularmente porque seu discurso de negacionismo climático, e a marca deixada pelo governo Bolsonaro em tudo relacionado ao meio ambiente (como o caso do passar a boiada de Salles) os deixam com dificuldades frente a essa situação. É por isso que se apoiam mais no discurso que o “povo unido” está ajudando mais que os governos, para tentar ganhar influências através da crise orgânica.

No entanto, isso não é simples e inclusive Bolsonaro e setores próximos a ele não estão sendo ofensivos no tema, o que também revela essas dificuldades. O próprio Luciano Hang afirmou não ser o momento de polarizar “uma catástrofe como essa”, se descolando um pouco dessa base mais dura radicalizada que está se expressando no RS.

Assim, para nenhum dos setores envolvidos está colocada, neste momento, uma “oportunidade” para dar um salto em sua localização frente a tragédia. Ao contrário, todos correm atrás do prejuízo, e no fim das contas ganha mais quem perde menos. Evidentemente que isso é dinâmico e poderá se transformar a depender da atuação de cada frente no processo de “reconstrução”.

Além disso, a agenda de destruição desenfreada do meio ambiente que vinha sendo implementada há alguns anos irá ganhar obstáculos consideráveis. A situação não é mais a mesma, e até mesmo Pacheco teve que vir a público dizer que as pautas do Congresso têm responsabilidade ambiental. O que ele não pode esconder é que de todas as propostas em trâmite atualmente - são 25 projetos de lei e três emendas constitucionais - visam o afrouxamento de leis ambientais, dando permissão, por exemplo, para a regularização de quem grilou terra pública, reduzindo reservas ambientais e anistiando crimes ambientais.

Além disso, o conflito entre os poderes no regime está mais arrefecido na opinião pública, devido ao espírito de união nacional. Lula, o STF, Lira, Pacheco e as Forças Armadas estão todos atuando em conjunto. Claro que isso não é uma situação estrutural, e tende a se decompor com o tempo, mas é importante ver essa conjuntura.

Ao mesmo tempo, a extrema direita segue tentando se reacomodar no regime político, e Tarcísio de Freitas, por ora, vem se colocando como aquele que quer ser o representante desse setor. Para isso, implementa um programa reacionário, baseado em privatizações e ataques aos trabalhadores e a população mais pobre. Para as privatizações, conta com o apoio do BNDES, recebendo bilhões do governo Lula para isso. Seu projeto repressivo também segue a todo vapor. Não bastasse a chacina na baixada santista, agora até mesmo as câmeras acopladas aos policiais ele quer retirar, para que seus planos de massacrar a população mais pobre fique ainda mais agressivo e impune, com toda licença para matar.

No outro pólo, considerando a situação das greves e das mobilizações que vinham se desenvolvendo, em particular das greves da educação federal, é um fator muito importante da situação política nacional. É a primeira vez que a classe trabalhadora vem enfrentando na prática diversas medidas do governo de Frente Ampla, do ponto de vista nacional. O governo Lula está com uma linha intransigente, querendo impor que os professores e trabalhadores técnico-administrativos fiquem com nenhum reajuste no ano de 2024, o que na prática é uma política de arrocho salarial.

Uma expressão, de que para atingir o “equilíbrio fiscal” e obedecer as regras do Arcabouço Fiscal, o governo está disposto a atacar os trabalhadores da educação, não atendo suas reivindicações em detrimento dos interesses do capital financeiro. Mas também é uma forma de tentar disciplinar esse importante batalhão da classe operária, e por essa via fazer com que a nossa classe de conjunto cada vez menos veja na frente um instrumento da sua luta. Enquanto concede bilhões para o agronegócio e os militares, Lula quer desmoralizar a greve para que os trabalhadores e a juventude aceitem somente o caminho da conciliação, mas na prática a conciliação só vem fortalecendo a extrema direita.

O governo demorou mais de um mês para aceitar fazer uma nova negociação com os grevistas, depois marcou negociação separada por categoria buscando dividir a greve. Agora junto à burocracia sindical ligada ao PT, como a direção do Proifes, prepara uma manobra contra a categoria, retomando o mesmo método que o PT usou contra a histórica greve das federais em 2012, estabeleceu uma ameaça de romper unilateralmente as negociações caso professores não aceitem a proposta do governo no próximo dia 27 de maio. E vêm tentando bloquear a mobilização e enterrar a greve, o que vem sendo impedido por uma forte vanguarda estendida nacionalmente, que está votando a continuidade da greve bravamente. É uma nova experiência de um setor importante do funcionalismo público, que tem que se enfrentar diretamente com o governo de Frente Ampla e suas políticas que atendem ao capital financeiro. Em outras palavras, pode ser o despontar de uma nova vanguarda, que inicia seus processos de choques mais profundos com a política econômica do governo Lula, e que pode ser parte da constituição de uma nova subjetividade em setores de vanguarda nacionalmente.

Uma conjuntura transitória diante de uma situação reacionária no Rio Grande do Sul

Devido a esse conjunto de fatores, que considera a destruição generalizada de grande parte do estado, e a ausência, até o momento, de grandes manifestações e revoltas contra essa situação do ponto de vista da situação política, é possível identificar a predominância de elementos reacionários no Rio Grande do Sul, ainda que em uma conjuntura transitória, aberta a giros bruscos.

Além do mais, vale dizer, a situação reacionária não é sinônimo que a extrema direita vá capitalizar. Como dissemos, são grandes as dificuldades para todos os setores. O que vemos é um nível importante de destruição das condições de vida e de decomposição social que se expressa desde já e tende a aumentar caso se consolide uma situação de miséria generalizada principalmente entre os setores mais pobres atingidos diretamente, mas também entre aqueles que perderam suas fontes de renda.Inclusive são poucas expressões de manifestações e ações da luta de classes por ora, mas não podem ser descartado que venham a aumentar com expressões abruptas, sobretudo considerando o nível de crise econômica que se colocará como parte dos efeitos da tragédia.

Já é sentido no estado um aumento importante nos preços dos alimentos (que já vinham subindo), gás e outros serviços, e há possibilidade de muitas demissões nas empresas atingidas, além de inúmeros pequenos estabelecimentos que podem fechar as portas, cidades e regiões inteiras cujas principais atividades econômicas foram alagadas e estão paralisadas neste momento. A nível nacional, a medida do governo federal de importação de arroz para evitar uma alta descontrolada dos preços em todo o país é expressão disso, já que o RS produz 70% do arroz consumido no Brasil e toda a safra plantada e parte da colheita armazenada foram perdidas.

Não será simples a liberação de recursos para o estado, considerando a economia nacional. As perspectivas é que o país cresça um pouco abaixo dos 1,8%, e a inflação continue controlada, apesar dos patamares dos alimentos permanecerem altos. A demissão de Prates da Petrobrás e a nomeação de Magda Chambreard também não está desvinculada desse cenário econômico, já que diferente de Prates ela é adepta da reativação do estaleiros e outras medidas de investimento, que poderiam gerar algumas dezenas de milhares de empregos pelo Brasil e ajudar Lula em alguns lugares a usar inclusive isso nas eleições de outubro.

De um ponto de vista mais geral, a situação econômica do país segue estável, com relativo crescimento de vagas de emprego, controle da inflação e crescimento econômico, ainda que mais baixo que em 2023. Como viemos afirmando, é um cenário econômico sujeito à abalos, frente a uma situação internacional atravessada por inúmeras tensões. Agora voltou a ser um braço de ferro a questão dos juros, o que pode indicar maiores tensões da política econômica do governo com alas do capital financeiro.

·        A questão ambiental ocupando um novo lugar

Produto dessa situação, novos fenômenos ideológicos e políticos podem se expressar com mais força. A pauta ambiental que já vinha ganhando espaço no país, tende a crescer ainda mais. A percepção de que o capitalismo está ameaçando até mesmo a vida humana, pode fazer com que novos setores, queiram atuar contra a destruição do meio ambiente.

É um fato cada vez mais aceito que a tragédia das enchentes no sul é fruto do conjunto da exploração predatória dos bens naturais comuns no Brasil, com peso do agronegócio do centro-oeste, que vem sendo sustentado por todos os governos, inclusive o da Frente Ampla. Isso ocorre inclusive devido à submissão do país ao imperialismo através de reafirmar o papel de exportador de matérias-primas como a soja, carne e hidrocarbonetos na economia internacional. Todas essas as atividades responsáveis pelo aquecimento global, seja pelas emissões diretas através da combustão, pela geração de metano (ruminantes), ou pela destruição de “sumidouros de carbono” (florestas nativas, áreas úmidas, etc.).

Então para enfrentar profundamente essa situação e para realmente evitar novos eventos climáticos extremos que destroem a vida da nossa classe, é necessário uma política também anti-imperialista e que se enfrente com o conjunto dos interesses desses setores e aponte para um novo modo de produção, no qual se busque a harmonia entre as necessidades dos seres humanos e os bens naturais comuns. Por isso, mais do que nunca é importante dar um basta a lógica capitalista que aquece o planeta e destrói o meio ambiente, combinado com todas as medidas de assistências aos afetados por essa crise, com todos os recursos que sejam necessários para isso.

A construção de milhares de moradias populares, e a reconstrução da infraestrutura do Rio Grande do Sul, não será possível com o Arcabouço Fiscal que estrangula o orçamento federal para o pagamento da dívida pública. Defender o fim do Arcabouço Fiscal e o não pagamento da dívida pública são medidas básicas para atender aos interesses da população mais pobre e trabalhadora do estado. E isso não somos nós que dizemos, mas os representantes das classes dominantes, como Eduardo Leite que admitiu que a agenda fiscal era mais importante do que risco de novas enchentes.

Mais do que nunca, a agenda do agronegócio precisa ser enfrentada, combatendo seus representantes não só no governo estadual do Rio Grande do Sul, mas também no governo Lula e no Congresso Nacional. É preciso enterrar de vez a tentativa de aprovação do Marco Temporal, e outras ofensivas, que degradem ainda mais o meio ambiente, além de atacar direitos históricos dos povos indígenas. Na atual tragédia, cerca de 30 mil indígenas de aldeias foram afetados pela catástrofe.

Não basta planos parciais de redução do desmatamento. É preciso de um projeto nacional de reflorestamento, que se efetive em base a reforma agrária radical de grandes latifúndios que destruíram o meio ambiente, com o recursos provenientes do confisco do patrimônio desses grandes proprietários que lucraram por década às custas de provocarem eventos climáticos como esses. Junto a isso, e utilizando-se do maquinário mais avançado hoje utilizado para atender os interesses de um punhado de capitalistas, promover a produção de alimentos em grande escala, em um plano que seja articulado com a preservação do meio ambiente. Para isso, também é fundamental usar e fomentar uma produção científica de uma forma não mercantilizada, para aproveitar a biodiversidade e, juntamente com as comunidades locais, planejar maneiras de produzir alimentos sustentáveis.

Junto com isso, é preciso lutar contra as empresas e segmentos que lucram bilhões emitindo gases poluentes que contribuem para o efeito estufa. A Petrobrás, por exemplo, para atender aos interesses de grandes acionistas, é uma das empresas mais poluentes do país. É preciso lutar por uma outra Petrobrás, e portanto outra relação com os grandes acionistas privados estrangeiros e nacionais, outra matriz energética no país e outra relação com o meio ambiente.

Isso só seria possível com uma Petrobrás 100% estatal e administrada democraticamente pelos trabalhadores junto a ambientalistas e outros especialistas eleitos em universidades públicas. Assim seria possível construir um plano racional e prático de abandono da produção e consumo de combustíveis fósseis para produção de energia. Esse plano teria que se relacionar com exigir mais transporte público e outros modais de transporte de mercadorias no país para reduzir a necessidade de queima de combustíveis fósseis, além da garantia do acesso à energia a baixo custo a toda população.

Inclusive, essa é parte de uma luta internacional, para combater o interesse das grandes petroleiras que seguem destruindo o meio ambiente no mundo. Uma luta contra os interesses do imperialismo, que pode se apoiar no enorme fenômeno internacional de luta da juventude contra o genocídio do povo palestino e que vêm dando fôlego para uma nova subjetividade que se dispõe a enfrentar a barbárie capitalista no mundo todo.

Mas além da Petrobrás, é preciso atacar os interesses dos grandes capitalistas que destroem o meio ambiente com a mineração de carvão e termoelétrica, e acabar com a mega mineração poluidora. O Rio Grande do Sul é um dos estados que mais concentra a exploração de mineração de carvão no país, sendo um dos fatores que mais colabora para que o setor minero-siderúrgico seja responsável por até 27% das emissões diretas e indiretas de gases que causam o efeito estufa no mundo. É preciso uma transição energética que combata essa exploração predatória, e essa transição só pode ser controlada pelos trabalhadores, garantindo empregos e condições necessárias para que essa fonte de energia destrutiva deixe de ser utilizada.

Além do mais, para que a reconstrução do estado não aprofunde as desigualdades sociais e implemente um projeto de urbanização racista e excludente, é fundamental que os sindicatos, movimentos sociais, organizações de bairro, estudantes e especialista UFRGS, possam elaborar o plano de obras públicas, cabendo ao Estado fornecer todos os recursos necessários, inclusive com medidas emergenciais como pagamento de auxílios e fornecimento de moradias.

De maneira articulada, essas mesmas organizações devem fazer parte da elaboração de planos de contingência climáticas, que devem vir junto ao fim imediato das privatizações das empresas de águas e saneamento básico, com a reestatização daquelas que já foram entregues à iniciativa privada, sob controle operário.

E para isso será preciso exigir um plano de lutas concreto das grandes centrais sindicais, que hoje são parte do governo e atuam para a contenção de qualquer descontentamento. Como mostrou o completo esvaziamento do 1º de maio impulsionado pelo governo e as grandes burocracias sindicais, a agenda do governo é para manter e aprofundar os ataques que foram aprovados nos últimos anos, como a reforma trabalhista, da previdência e o teto de gastos à revelia dos interesses das grandes maiorias trabalhadoras.

Lula e o governo de Frente Ampla, ao invés de proporem soluções para essa crise, não podem mais do que oferecer paliativos, enquanto são parte da produção de crises cada vez maiores e mais produtivas. O comprometimento do governo com o agronegócio é umbilical, sem contar seus projetos de exploração predatória, como a exploração de petróleo na Margem Equatorial, que poderá colocar em risco biomas inteiros, além de seguir aumentando a produção de petróleo. É nesse sentido que podemos dizer que há um consenso predatório e extrativista que sustenta o capitalismo brasileiro administrado pelo PT.

A “união nacional” que falam os representantes dos três poderes diante da situação do Rio Grande do Sul, na realidade, é a união para preservar os interesses do agronegócio, do capital financeiro, das petroleiras e do imperialismo. Todos esses esses comprometidos em preservar os lucros desses setores burgueses poderosos e não podem oferecer uma solução estrutural para o problema climático e ambiental, ao contrário, são parte fundamental de agravar essa situação.

A resposta para a crise climática e ecológica gerada pelo capitalismo, assim como o reconstrução das condições de vida daqueles que perderam tudo no Rio Grande do Sul só será possível se a classe trabalhadora se transformar em um sujeito político atuando junto a aliados fundamentais, como ambientalistas, movimentos sociais, e o movimento estudantil. É preciso construir essa força social, em cada local de estudo e trabalho, para apresentar uma alternativa à crise climática gerada pelo capitalismo que ameaça a vida de milhões de pessoas por todo o mundo, e colocar de joelho esse sistema destrutivo, calcado na exploração e na opressão.

A solidariedade que se expressa nas inúmeras iniciativas que a população leva adiante atualmente na catástrofe do sul poderia ser ponto de partida para a construção de uma sociedade imensamente superior, baseada na auto-organização da classe trabalhadora e na qual ela se coloque como portadora de novas relações sociais junto a todos os oprimidos, contra todo individualismo e irracionalidade capitalistas, e restabeleça uma relação harmônica entre ser humano e natureza, colocando a tecnologia a serviço de enfrentar toda a crise ambiental.

 

Fonte: Esquerda Diário

 

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