Da catástrofe capitalista no RS à greve das
federais: impactos no projeto de país da Frente Ampla
Considerando a
quantidade de mortos, outros eventos deixaram mais vítimas, como da Região
Serrana do Rio de Janeiro em 2011 que deixou 918 mortos, ou mesmo Petrópolis em
2022 com 235 mortos. No entanto, a magnitude do que ocorre no Rio Grande do Sul
ocorre não apenas pela quantidade de vítimas fatais, mas também pelo nível de
destruição generalizado atingindo milhões de pessoas.
Segundo dados da
Defesa Civil, dos 497 municípios do estado, 446 foram atingidos. Estima-se que
mais de 80 mil pessoas estão nos abrigos, e quase 600 mil perderam suas casas.
Considerando pessoas atingidas direta ou indiretamente, os afetados estão na casa
dos milhões. Portanto, desse ponto de vista, é o maior desastre climático da
história do país.
As federações
patronais do comércio, dos serviços, da indústria e da agropecuária (Federasul,
Fecomércio-RS, Fiergs e Farsul) estimam perda de pelo menos R$ 40 bilhões na
atividade econômica do estado. Valores que representariam uma contração do PIB
do Estado em 6,5%, considerando a produção de 2023.
Portanto, não é
exagero dizer que o que ocorre no Rio Grande do Sul poderá marcar uma linha
divisória no país, em especial, nos temas relativos à questão ambiental e
climática, em um contexto de maior agudização da crise ambiental em nível
global.
Uma “corrida” dos
planos de reconstrução
Toda essa situação,
vale dizer, não é um desastre natural, mas fruto da destruição do meio
ambiente, não só no Brasil mas em todo mundo. No Rio Grande do Sul, Eduardo
Leite promoveu inúmeros ataques ao meio ambiente, modificando quase 500 artigos
do Código Ambiental. Ele e o prefeito de Porto Alegre, o negacionista da crise
climática Sebastião Melo são responsáveis por privatizações e cortes no
orçamento que poderiam ter evitado as enchentes. E fazem isso se apoiando nos
inúmeros ataques que também foram aprovados em âmbito nacional pelo Congresso
nos últimos anos.
Mas do ponto de vista
do governo federal, há, evidentemente, responsabilidades e uma agenda que
contribui para a destruição do meio ambiente. Basta pensar que um dos principais
responsáveis pelo desmatamento no Brasil é o agronegócio, setor que recebeu de
presente de Lula mais de 364 bilhões de reais, no maior Plano Safra da
história.
Frente a uma
destruição tão ampla, diferentes setores buscam seus próprios planos, e alguma
resposta para essa situação.
Eduardo Leite se
referiu ao seu plano de reconstrução como um Plano Marshall, agora nomeado de
Plano Rio Grande. Quem chefiará esse plano será Pedro Capeluppi, economista que
já assessorou o ultraneoliberal Paulo Guedes. Não é difícil supor que será um projeto
recheado de intervenção do setor privado, que poderá lucrar bilhões com a
reconstrução do estado.
Esse projeto prevê,
entre outras coisas, a construção das chamadas "cidades temporárias",
que na realidade são alojamentos precários com os quais o governo pretende
substituir os abrigos. Buscam concentrar em um mesmo lugar uma grande quantidade
de desabrigados de maneira ainda mais precária, com as forças de repressão do
Estado, como a Brigada Militar controlando essas regiões, isolando os
desabrigados dos grandes centros urbanos.
De imediato, é
possível dizer que esse projeto irá aprofundar as desigualdades do estado, o
que irá atingir a população mais pobre e negra. E isso já ocorreu em um evento
com impactos parecidos.
Geógrafos, urbanistas
e engenheiros que estudaram o pós-Katrina, afirmam que decisões tomadas no
plano de recuperação agravaram problemas de desigualdade na cidade, e a
impediram de recuperar a população. A maioria daqueles que não conseguiram
voltar é formada pelos mais pobres, sobretudo os negros. Antes dois terços de
New Orleans eram negros, hoje essa parcela é ligeiramente maior do que a
metade. Um verdadeiro êxodo negro, que poderá se repetir em várias cidades do
Rio Grande do Sul.
Por outro lado, Lula
quer aparecer no pólo oposto da postura de Bolsonaro diante das enchentes na
Bahia, quando ficou marcado pelos passeios de jet-ski do ex-presidente enquanto
milhares de pessoas foram atingidas pelas chuvas.
Lula já foi ao estado
três vezes, sendo a última para anunciar os principais programas, visitando
abrigos e sendo atacado por parte da grande imprensa como “comício”. Nesse
evento, anunciou o pix de 5,1 mil reais para cada atingido pela enchente e a
compra de imóveis pelo governo federal para ser entregue para as pessoas que
ficaram sem casa (a estimativa de imóveis disponíveis ou que ficarão prontos
até o final de 2025 para a compra é de 5 mil imóveis, o que não chega nem perto
da demanda).
Por proposta do
governo, foi votada a suspensão do pagamento da dívida do estado pelos próximos
3 anos. Ou seja, após esse período ela precisa voltar a ser paga. Uma dívida
fraudulenta, como explicamos aqui. Vergonhosamente, durante essa sessão PT,
PSOL e PCdoB votaram contra a anulação da dívida do estado, com exceção de
alguns poucos parlamentares.
Além dessas medidas, o
banco dos BRICS, chefiado por Dilma, vai destinar 5,7 bilhões ao RS, sem contar
as várias outras medidas que o governo já vinha anunciando, como créditos e
isenções para empresas, antecipação de benefícios sociais, liberação de FGTS,
distribuição de cestas básicas, etc. Por fim, Lula confiou a Paulo Pimenta, que
é muito próximo a ele, a tarefa de ser a representação do governo federal no
RS, o que também tem objetivos políticos já que Pimenta é um possível candidato
ao governo Gaúcho e já teve inúmeros enfrentamentos públicos com Leite.
Com esse conjunto de
medidas, Lula declarou que a recuperação do Rio Grande do Sul é possibilidade
de fazer a economia do país crescer mais. Ainda que seja difícil uma previsão
desse tipo, e tão pouco parece razoável crer que isso geraria números de crescimento
muito maiores, essas declarações revelam a importância que Lula vai querer dar
para esse projeto de reconstrução.
·
Impactos políticos
Até agora as medidas
anunciadas mostram o governo querendo atuar frente à crise no Rio Grande do
Sul, e que podem ter impacto social relevante. No entanto, a devastação é muito
grande, e contradições maiores poderão se colocar.
Por ora, parecem
distantes de servirem como capital político para o governo recompor maiores
níveis de aceitação. Os objetivos, ao menos iniciais, parecem se relacionar com
a busca de conter uma crise maior. Ao mesmo tempo, o impacto político dessas
medidas especificamente no Rio Grande do Sul está em aberto, vai depender do
desenrolar da situação, pois elas vêm sendo recebidas de forma bastante
positiva e não está descartada a hipótese de elas significarem um “novo
momento” para o petismo no estado.
Todas essas medidas,
dos distintos governos, também se relacionam ao fato de que a percepção social
é de que diferentes entes eram responsáveis pela situação do Rio Grande do Sul.
Antes dessas medidas serem anunciadas, conforme mostrou essa pesquisa, o principal
ente a ser responsabilizado pela tragédia é o governo estadual (68%), seguido
pelas prefeituras (64%) e pelo governo federal (59%). Em geral, mostram uma
“crise orgânica” aguda, que fora os aspectos mais gerais do país, aprofundou-se
com a crise capitalista-climática.
Por ora, Leite vem
tentando dividir, o máximo que pode, o ônus com o governo federal. É por isso
que algumas vezes teve atritos com o governo federal, ainda que medindo bem até
onde vai porque não quer aparecer como quem não quer a “união nacional” para reconstruir
o RS.
No entanto, sua
responsabilização direta, assim como Melo, é inevitável, e inclusive estão
sendo expostos na imprensa, como o baixo investimento para a prevenção de
“desastres ambientais”. Lembremos que Leite é um dos poucos remanescentes do
PSDB, já foi uma aposta nacional e agora está em uma situação muito delicada.
Outros governos estaduais e municipais viram suas perspectivas eleitorais
derreterem, com tragédias ambientais, como por exemplo o PSB em Pernambuco e
Recife que demorou anos para se reerguer.
No entanto, há um
movimento, com algumas expressões da própria mídia burguesa local do RS, que
vem tentando colocar Melo e Leite como “lideranças assertivas” que “estão
tentando de tudo” diante de uma “tragédia inevitável”, como neste editorial.
Nas chuvas da última semana que, embora não tenham subido tanto o nível do
Guaíba, alagaram e colapsaram Porto Alegre, mesmo a filial da Globo no estado
teve que se relocalizar em relação à gestão de Melo na capital, admitindo que
os novos episódios de enchentes estavam ligados à falta de manutenção nos
sistemas de bombeamento e escoamento de água e esgoto da capital.
Nesse contexto, a
extrema direita tenta conquistar sua influência, com a produção de um mar de
fake news, além de ações demagógicas como o deputado Marcel Van Hattem que
defendeu a anulação da dívida do estado. Fazem isso também para tentar poupar a
prefeitura de Melo, alinhada com setores como o reacionário Brasil Paralelo.
Inundam as redes sociais não só com fake news, mas com teorias conspiratórias
das mais lunáticas possíveis.
E isso não é apenas
porque é um método em geral da extrema direita, mas particularmente porque seu
discurso de negacionismo climático, e a marca deixada pelo governo Bolsonaro em
tudo relacionado ao meio ambiente (como o caso do passar a boiada de Salles) os
deixam com dificuldades frente a essa situação. É por isso que se apoiam mais
no discurso que o “povo unido” está ajudando mais que os governos, para tentar
ganhar influências através da crise orgânica.
No entanto, isso não é
simples e inclusive Bolsonaro e setores próximos a ele não estão sendo
ofensivos no tema, o que também revela essas dificuldades. O próprio Luciano
Hang afirmou não ser o momento de polarizar “uma catástrofe como essa”, se
descolando um pouco dessa base mais dura radicalizada que está se expressando
no RS.
Assim, para nenhum dos
setores envolvidos está colocada, neste momento, uma “oportunidade” para dar um
salto em sua localização frente a tragédia. Ao contrário, todos correm atrás do
prejuízo, e no fim das contas ganha mais quem perde menos. Evidentemente que
isso é dinâmico e poderá se transformar a depender da atuação de cada frente no
processo de “reconstrução”.
Além disso, a agenda
de destruição desenfreada do meio ambiente que vinha sendo implementada há
alguns anos irá ganhar obstáculos consideráveis. A situação não é mais a mesma,
e até mesmo Pacheco teve que vir a público dizer que as pautas do Congresso têm
responsabilidade ambiental. O que ele não pode esconder é que de todas as
propostas em trâmite atualmente - são 25 projetos de lei e três emendas
constitucionais - visam o afrouxamento de leis ambientais, dando permissão, por
exemplo, para a regularização de quem grilou terra pública, reduzindo reservas
ambientais e anistiando crimes ambientais.
Além disso, o conflito
entre os poderes no regime está mais arrefecido na opinião pública, devido ao
espírito de união nacional. Lula, o STF, Lira, Pacheco e as Forças Armadas
estão todos atuando em conjunto. Claro que isso não é uma situação estrutural,
e tende a se decompor com o tempo, mas é importante ver essa conjuntura.
Ao mesmo tempo, a
extrema direita segue tentando se reacomodar no regime político, e Tarcísio de
Freitas, por ora, vem se colocando como aquele que quer ser o representante
desse setor. Para isso, implementa um programa reacionário, baseado em
privatizações e ataques aos trabalhadores e a população mais pobre. Para as
privatizações, conta com o apoio do BNDES, recebendo bilhões do governo Lula
para isso. Seu projeto repressivo também segue a todo vapor. Não bastasse a
chacina na baixada santista, agora até mesmo as câmeras acopladas aos policiais
ele quer retirar, para que seus planos de massacrar a população mais pobre
fique ainda mais agressivo e impune, com toda licença para matar.
No outro pólo,
considerando a situação das greves e das mobilizações que vinham se
desenvolvendo, em particular das greves da educação federal, é um fator muito
importante da situação política nacional. É a primeira vez que a classe
trabalhadora vem enfrentando na prática diversas medidas do governo de Frente
Ampla, do ponto de vista nacional. O governo Lula está com uma linha
intransigente, querendo impor que os professores e trabalhadores
técnico-administrativos fiquem com nenhum reajuste no ano de 2024, o que na
prática é uma política de arrocho salarial.
Uma expressão, de que
para atingir o “equilíbrio fiscal” e obedecer as regras do Arcabouço Fiscal, o
governo está disposto a atacar os trabalhadores da educação, não atendo suas
reivindicações em detrimento dos interesses do capital financeiro. Mas também é
uma forma de tentar disciplinar esse importante batalhão da classe operária, e
por essa via fazer com que a nossa classe de conjunto cada vez menos veja na
frente um instrumento da sua luta. Enquanto concede bilhões para o agronegócio
e os militares, Lula quer desmoralizar a greve para que os trabalhadores e a
juventude aceitem somente o caminho da conciliação, mas na prática a
conciliação só vem fortalecendo a extrema direita.
O governo demorou mais
de um mês para aceitar fazer uma nova negociação com os grevistas, depois
marcou negociação separada por categoria buscando dividir a greve. Agora junto
à burocracia sindical ligada ao PT, como a direção do Proifes, prepara uma manobra
contra a categoria, retomando o mesmo método que o PT usou contra a histórica
greve das federais em 2012, estabeleceu uma ameaça de romper unilateralmente as
negociações caso professores não aceitem a proposta do governo no próximo dia
27 de maio. E vêm tentando bloquear a mobilização e enterrar a greve, o que vem
sendo impedido por uma forte vanguarda estendida nacionalmente, que está
votando a continuidade da greve bravamente. É uma nova experiência de um setor
importante do funcionalismo público, que tem que se enfrentar diretamente com o
governo de Frente Ampla e suas políticas que atendem ao capital financeiro. Em
outras palavras, pode ser o despontar de uma nova vanguarda, que inicia seus
processos de choques mais profundos com a política econômica do governo Lula, e
que pode ser parte da constituição de uma nova subjetividade em setores de
vanguarda nacionalmente.
Uma conjuntura
transitória diante de uma situação reacionária no Rio Grande do Sul
Devido a esse conjunto
de fatores, que considera a destruição generalizada de grande parte do estado,
e a ausência, até o momento, de grandes manifestações e revoltas contra essa
situação do ponto de vista da situação política, é possível identificar a predominância
de elementos reacionários no Rio Grande do Sul, ainda que em uma conjuntura
transitória, aberta a giros bruscos.
Além do mais, vale
dizer, a situação reacionária não é sinônimo que a extrema direita vá
capitalizar. Como dissemos, são grandes as dificuldades para todos os setores.
O que vemos é um nível importante de destruição das condições de vida e de
decomposição social que se expressa desde já e tende a aumentar caso se
consolide uma situação de miséria generalizada principalmente entre os setores
mais pobres atingidos diretamente, mas também entre aqueles que perderam suas
fontes de renda.Inclusive são poucas expressões de manifestações e ações da
luta de classes por ora, mas não podem ser descartado que venham a aumentar com
expressões abruptas, sobretudo considerando o nível de crise econômica que se
colocará como parte dos efeitos da tragédia.
Já é sentido no estado
um aumento importante nos preços dos alimentos (que já vinham subindo), gás e
outros serviços, e há possibilidade de muitas demissões nas empresas atingidas,
além de inúmeros pequenos estabelecimentos que podem fechar as portas, cidades
e regiões inteiras cujas principais atividades econômicas foram alagadas e
estão paralisadas neste momento. A nível nacional, a medida do governo federal
de importação de arroz para evitar uma alta descontrolada dos preços em todo o
país é expressão disso, já que o RS produz 70% do arroz consumido no Brasil e
toda a safra plantada e parte da colheita armazenada foram perdidas.
Não será simples a
liberação de recursos para o estado, considerando a economia nacional. As
perspectivas é que o país cresça um pouco abaixo dos 1,8%, e a inflação
continue controlada, apesar dos patamares dos alimentos permanecerem altos. A
demissão de Prates da Petrobrás e a nomeação de Magda Chambreard também não
está desvinculada desse cenário econômico, já que diferente de Prates ela é
adepta da reativação do estaleiros e outras medidas de investimento, que
poderiam gerar algumas dezenas de milhares de empregos pelo Brasil e ajudar
Lula em alguns lugares a usar inclusive isso nas eleições de outubro.
De um ponto de vista
mais geral, a situação econômica do país segue estável, com relativo
crescimento de vagas de emprego, controle da inflação e crescimento econômico,
ainda que mais baixo que em 2023. Como viemos afirmando, é um cenário econômico
sujeito à abalos, frente a uma situação internacional atravessada por inúmeras
tensões. Agora voltou a ser um braço de ferro a questão dos juros, o que pode
indicar maiores tensões da política econômica do governo com alas do capital
financeiro.
·
A questão ambiental ocupando um novo lugar
Produto dessa
situação, novos fenômenos ideológicos e políticos podem se expressar com mais
força. A pauta ambiental que já vinha ganhando espaço no país, tende a crescer
ainda mais. A percepção de que o capitalismo está ameaçando até mesmo a vida
humana, pode fazer com que novos setores, queiram atuar contra a destruição do
meio ambiente.
É um fato cada vez
mais aceito que a tragédia das enchentes no sul é fruto do conjunto da
exploração predatória dos bens naturais comuns no Brasil, com peso do
agronegócio do centro-oeste, que vem sendo sustentado por todos os governos,
inclusive o da Frente Ampla. Isso ocorre inclusive devido à submissão do país
ao imperialismo através de reafirmar o papel de exportador de matérias-primas
como a soja, carne e hidrocarbonetos na economia internacional. Todas essas as
atividades responsáveis pelo aquecimento global, seja pelas emissões diretas
através da combustão, pela geração de metano (ruminantes), ou pela destruição
de “sumidouros de carbono” (florestas nativas, áreas úmidas, etc.).
Então para enfrentar
profundamente essa situação e para realmente evitar novos eventos climáticos
extremos que destroem a vida da nossa classe, é necessário uma política também
anti-imperialista e que se enfrente com o conjunto dos interesses desses setores
e aponte para um novo modo de produção, no qual se busque a harmonia entre as
necessidades dos seres humanos e os bens naturais comuns. Por isso, mais do que
nunca é importante dar um basta a lógica capitalista que aquece o planeta e
destrói o meio ambiente, combinado com todas as medidas de assistências aos
afetados por essa crise, com todos os recursos que sejam necessários para isso.
A construção de
milhares de moradias populares, e a reconstrução da infraestrutura do Rio
Grande do Sul, não será possível com o Arcabouço Fiscal que estrangula o
orçamento federal para o pagamento da dívida pública. Defender o fim do
Arcabouço Fiscal e o não pagamento da dívida pública são medidas básicas para
atender aos interesses da população mais pobre e trabalhadora do estado. E isso
não somos nós que dizemos, mas os representantes das classes dominantes, como
Eduardo Leite que admitiu que a agenda fiscal era mais importante do que risco
de novas enchentes.
Mais do que nunca, a
agenda do agronegócio precisa ser enfrentada, combatendo seus representantes
não só no governo estadual do Rio Grande do Sul, mas também no governo Lula e
no Congresso Nacional. É preciso enterrar de vez a tentativa de aprovação do Marco
Temporal, e outras ofensivas, que degradem ainda mais o meio ambiente, além de
atacar direitos históricos dos povos indígenas. Na atual tragédia, cerca de 30
mil indígenas de aldeias foram afetados pela catástrofe.
Não basta planos
parciais de redução do desmatamento. É preciso de um projeto nacional de
reflorestamento, que se efetive em base a reforma agrária radical de grandes
latifúndios que destruíram o meio ambiente, com o recursos provenientes do
confisco do patrimônio desses grandes proprietários que lucraram por década às
custas de provocarem eventos climáticos como esses. Junto a isso, e
utilizando-se do maquinário mais avançado hoje utilizado para atender os
interesses de um punhado de capitalistas, promover a produção de alimentos em
grande escala, em um plano que seja articulado com a preservação do meio
ambiente. Para isso, também é fundamental usar e fomentar uma produção
científica de uma forma não mercantilizada, para aproveitar a biodiversidade e,
juntamente com as comunidades locais, planejar maneiras de produzir alimentos
sustentáveis.
Junto com isso, é
preciso lutar contra as empresas e segmentos que lucram bilhões emitindo gases
poluentes que contribuem para o efeito estufa. A Petrobrás, por exemplo, para
atender aos interesses de grandes acionistas, é uma das empresas mais poluentes
do país. É preciso lutar por uma outra Petrobrás, e portanto outra relação com
os grandes acionistas privados estrangeiros e nacionais, outra matriz
energética no país e outra relação com o meio ambiente.
Isso só seria possível
com uma Petrobrás 100% estatal e administrada democraticamente pelos
trabalhadores junto a ambientalistas e outros especialistas eleitos em
universidades públicas. Assim seria possível construir um plano racional e
prático de abandono da produção e consumo de combustíveis fósseis para produção
de energia. Esse plano teria que se relacionar com exigir mais transporte
público e outros modais de transporte de mercadorias no país para reduzir a
necessidade de queima de combustíveis fósseis, além da garantia do acesso à
energia a baixo custo a toda população.
Inclusive, essa é
parte de uma luta internacional, para combater o interesse das grandes
petroleiras que seguem destruindo o meio ambiente no mundo. Uma luta contra os
interesses do imperialismo, que pode se apoiar no enorme fenômeno internacional
de luta da juventude contra o genocídio do povo palestino e que vêm dando
fôlego para uma nova subjetividade que se dispõe a enfrentar a barbárie
capitalista no mundo todo.
Mas além da Petrobrás,
é preciso atacar os interesses dos grandes capitalistas que destroem o meio
ambiente com a mineração de carvão e termoelétrica, e acabar com a mega
mineração poluidora. O Rio Grande do Sul é um dos estados que mais concentra a
exploração de mineração de carvão no país, sendo um dos fatores que mais
colabora para que o setor minero-siderúrgico seja responsável por até 27% das
emissões diretas e indiretas de gases que causam o efeito estufa no mundo. É
preciso uma transição energética que combata essa exploração predatória, e essa
transição só pode ser controlada pelos trabalhadores, garantindo empregos e
condições necessárias para que essa fonte de energia destrutiva deixe de ser
utilizada.
Além do mais, para que
a reconstrução do estado não aprofunde as desigualdades sociais e implemente um
projeto de urbanização racista e excludente, é fundamental que os sindicatos,
movimentos sociais, organizações de bairro, estudantes e especialista UFRGS,
possam elaborar o plano de obras públicas, cabendo ao Estado fornecer todos os
recursos necessários, inclusive com medidas emergenciais como pagamento de
auxílios e fornecimento de moradias.
De maneira articulada,
essas mesmas organizações devem fazer parte da elaboração de planos de
contingência climáticas, que devem vir junto ao fim imediato das privatizações
das empresas de águas e saneamento básico, com a reestatização daquelas que já
foram entregues à iniciativa privada, sob controle operário.
E para isso será
preciso exigir um plano de lutas concreto das grandes centrais sindicais, que
hoje são parte do governo e atuam para a contenção de qualquer
descontentamento. Como mostrou o completo esvaziamento do 1º de maio
impulsionado pelo governo e as grandes burocracias sindicais, a agenda do
governo é para manter e aprofundar os ataques que foram aprovados nos últimos
anos, como a reforma trabalhista, da previdência e o teto de gastos à revelia
dos interesses das grandes maiorias trabalhadoras.
Lula e o governo de
Frente Ampla, ao invés de proporem soluções para essa crise, não podem mais do
que oferecer paliativos, enquanto são parte da produção de crises cada vez
maiores e mais produtivas. O comprometimento do governo com o agronegócio é
umbilical, sem contar seus projetos de exploração predatória, como a exploração
de petróleo na Margem Equatorial, que poderá colocar em risco biomas inteiros,
além de seguir aumentando a produção de petróleo. É nesse sentido que podemos
dizer que há um consenso predatório e extrativista que sustenta o capitalismo
brasileiro administrado pelo PT.
A “união nacional” que
falam os representantes dos três poderes diante da situação do Rio Grande do
Sul, na realidade, é a união para preservar os interesses do agronegócio, do
capital financeiro, das petroleiras e do imperialismo. Todos esses esses comprometidos
em preservar os lucros desses setores burgueses poderosos e não podem oferecer
uma solução estrutural para o problema climático e ambiental, ao contrário, são
parte fundamental de agravar essa situação.
A resposta para a
crise climática e ecológica gerada pelo capitalismo, assim como o reconstrução
das condições de vida daqueles que perderam tudo no Rio Grande do Sul só será
possível se a classe trabalhadora se transformar em um sujeito político atuando
junto a aliados fundamentais, como ambientalistas, movimentos sociais, e o
movimento estudantil. É preciso construir essa força social, em cada local de
estudo e trabalho, para apresentar uma alternativa à crise climática gerada
pelo capitalismo que ameaça a vida de milhões de pessoas por todo o mundo, e
colocar de joelho esse sistema destrutivo, calcado na exploração e na opressão.
A solidariedade que se
expressa nas inúmeras iniciativas que a população leva adiante atualmente na
catástrofe do sul poderia ser ponto de partida para a construção de uma
sociedade imensamente superior, baseada na auto-organização da classe
trabalhadora e na qual ela se coloque como portadora de novas relações sociais
junto a todos os oprimidos, contra todo individualismo e irracionalidade
capitalistas, e restabeleça uma relação harmônica entre ser humano e natureza,
colocando a tecnologia a serviço de enfrentar toda a crise ambiental.
Fonte: Esquerda Diário
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