Como empresas internacionais lidam com
discussão sobre política no trabalho
Em meados de abril,
dezenas de funcionários do Google foram demitidos após realizarem um protesto
nos escritórios da companhia na Califórnia, exigindo o fim dos contratos da
empresa de tecnologia com o governo de Israel.
No início do mesmo
mês, a NPR, a emissora pública de rádio dos Estados Unidos, suspendeu o editor
Uri Berliner depois que ele publicou um artigo acusando o meio de comunicação
de viés político. Berliner pediria demissão mais tarde.
E o jornal americano
The New York Times lançou uma investigação sobre sua própria equipe após o
vazamento de informações relativas à cobertura do conflito em Gaza.
Episódios de tensão
semelhantes estão sendo registrados em ambientes de trabalho no mundo todo,
dividindo os funcionários e pressionando as empresas a tomar uma atitude.
"A política é,
cada vez mais, algo que já não se limita apenas à arena política", afirma
Edoardo Teso, professor de economia empresarial e ciências da decisão na
Northwestern University, nos EUA, acrescentando que a opinião pessoal pode
"transbordar" para o local de trabalho.
À medida que eleições
são realizadas em dezenas de países neste ano — incluindo Reino Unido, EUA,
Índia, Paquistão e Bélgica —, a discussão política pode vir à tona em ambientes
de trabalho, deixando para os líderes empresariais a tarefa de decidir como isso
vai ser tratado, e quais circunstâncias passam dos limites.
• 'No lugar errado, na hora errada'
Em 2020, os líderes da
empresa global de software Intuit começaram a procurar formas de ajudar os
funcionários a conversar de forma construtiva sobre questões políticas.
Eles notaram um
aumento da tensão nas discussões políticas à medida que a pandemia de covid-19
avançava, e os profissionais discordavam sobre as diretrizes de cuidados com a
saúde e vacinação.
Após o assassinato de
George Floyd, os funcionários também passaram a falar de forma acalorada sobre
relações raciais.
Na sequência, a Intuit
estabeleceu uma barreira em relação a como os funcionários podem falar sobre
assuntos polêmicos nos canais da empresa.
"Queremos que
você se concentre em como está se sentindo, e em como as coisas estão afetando
você como pessoa, e menos em usar nossos canais internos como uma plataforma
para suas opiniões políticas", previa abordagem da empresa, conforme Humera
Shahid, diretora de diversidade, equidade e inclusão da Intuit, contou à BBC.
Há moderadores,
geralmente da área de recursos humanos, que monitoram os canais da empresa para
detectar "linguagem que possa ser ofensiva ou excludente”, de acordo com a
política da empresa. E eles são solicitados a retirar conteúdo que possa ser incendiário.
"Descobrimos que,
em 99,9% dos casos, a intenção é muito boa", diz Shahid. "Eles
simplesmente não reconhecem que podem estar causando danos a outro
funcionário."
Alguns empregadores
proíbem totalmente as discussões políticas no trabalho. Uma delas é a empresa
de tecnologia 37Signals, dona da plataforma de gerenciamento de projetos
Basecamp.
Em 2021, o CEO da
companhia, Jason Fried, pediu aos funcionários que se abstivessem de conversas
sobre política nos canais de comunicação da empresa.
Como resultado,
aproximadamente um terço dos funcionários da Basecamp pediu demissão.
"Isso causou
muita dor às pessoas", diz Fried. "Eu me senti mal com isso.
Prevíamos que haveria alguma reação interna e provavelmente externa, mas não
tanta. Acho que isso desestabilizou a empresa por um breve período de
tempo."
Fried conta que tomou
esta decisão porque muitos funcionários se cansaram de ser arrastados para
discussões políticas durante o expediente.
"Algumas pessoas
diziam: 'Olha, eu tenho as minhas opiniões, meus colegas de trabalho têm suas
opiniões, mas não quero debater e discutir os acontecimentos mundiais no
trabalho'."
Foram estes
funcionários que permaneceram após o anúncio de Fried.
A política não mudou,
e Fried mantém a decisão tomada há três anos.
"Foi a decisão
certa naquela época. Seria a decisão certa agora", diz ele.
"Foi uma decisão
mais difícil naquela época, apenas devido ao clima. Foi provavelmente uma das
melhores decisões que já tomamos. Estamos muito mais focados agora. Não há
conversas que fujam do assunto, e estamos aqui para fazer o que fazemos, que é desenvolver
software de gerenciamento de projetos. Não paramos por [política]."
A empresa adicionou
sua nova política não apenas ao manual dos funcionários, mas também às vagas de
emprego abertas.
"Respeitamos o
direito de todos de participar de manifestações e ativismo político, mas
evitamos debates políticos em nossos sistemas de comunicação internos no
trabalho. A 37signals, como empresa, não opina publicamente sobre política,
fora de temas diretamente relacionados ao nosso negócio."
Desde então, "não
tivemos uma única situação em que tivéssemos que dizer algo a alguém
internamente", afirma Fried.
"As pessoas que
se opuseram fortemente [à política] acabaram saindo logo, e aqueles que
permaneceram concordam totalmente com o ponto de vista. Tem sido bastante
tranquilo desde então."
A GrowthScribe, uma
pequena empresa de software de marketing com sede nos EUA, também tomou a
decisão de proibir totalmente o tema política no local de trabalho. O fundador
da companhia, Kartik Ahuja, conta que as relações entre os funcionários
azedaram em 2022, quando dois profissionais iniciaram uma discussão sobre o
presidente dos EUA, Joe Biden. A divergência se transformou em uma troca de
xingamentos.
Foi quando Ahuja
decidiu proibir este tipo de discussão.
"Estava
acontecendo no lugar errado, e na hora errada", diz ele, acrescentando que
esse tipo de conflito interfere no resultado do trabalho.
Ahuja afirma que a
política foi amplamente bem recebida, e não houve resistência imediata à
proibição inicial de falar sobre política. Mas quando aconteceu outra
discussão, ele acrescentou as regras ao manual do funcionário, assim como a
37signals.
"O assédio e o
comportamento excludente são inaceitáveis, incluindo… discutir sobre partidos
políticos."
• 'Faz parte do diálogo'
Em alguns casos, as
discussões políticas são inevitáveis — até mesmo parte do trabalho diário. Mas
alguns dizem que estas conversas também precisam de algum tipo de
gerenciamento.
A Quorum, empresa que
fabrica software para profissionais de políticas públicas, está acostumada com
isso. A companhia — que tem cerca de 400 funcionários nos EUA, no Brasil, na
Bélgica e na Moldávia — dá liberdade aos funcionários para falar sobre assuntos
relacionados à política e temas delicados no trabalho.
Brook Carlon, diretora
de recursos humanos da Quorum, explica que, por causa da natureza do trabalho
da empresa, é esperado que haja conversas sobre política entre os funcionários.
"A maioria se
interessa muito sobre o ambiente político, como a política acontece, como as
leis são feitas, e o que os candidatos estão fazendo", diz ela. "É
algo que sempre fez parte do diálogo."
Os profissionais pisam
em ovos em algumas áreas, ela acrescenta. Por exemplo, as conversas tendem a
ser sobre escolhas políticas, e não sobre o apoio a candidatos específicos. Mas
as divergências vêm à tona. Um tema que esquentou o debate foi a guerra entre
Israel e o Hamas em Gaza. Entre os funcionários, o apoio a um dos lados do
conflito era visto como uma condenação generalizada do outro.
A empresa rapidamente
interveio para estabelecer regras: esteja ciente de como suas declarações podem
ser recebidas por alguém que não concorda com sua opinião; coloque um link para
um documento com a opinião mais aprofundada para que os canais não fiquem
abarrotados; e se você estiver inseguro em relação à linguagem, o RH pode
revisar.
Alguns funcionários
são mais propensos a usar o fórum aberto da companhia.
"Nossos
funcionários baseados nos EUA ficam muito mais felizes em participar desse
diálogo e ter essas conversas, do que os membros da nossa equipe na Moldávia ou
no Brasil", observa Carlon.
• Implicações mais amplas
Para além da forma
como as discussões políticas podem complicar o relacionamento entre os
funcionários, alguns pesquisadores também descobriram que o alinhamento — ou
desalinhamento — entre os subordinados e a liderança pode afetar, inclusive, as
decisões de contratação.
Acadêmicos que estudam
a relação entre emprego e política nos ambientes de trabalho brasileiros,
mostraram que os donos de empresas são mais propensos a contratar pessoas que
compartilham da sua visão política.
Os pesquisadores
constataram que os profissionais que compartilham da mesma visão política que o
empregador têm de 48% a 72% mais chance de serem contratados, do que aqueles
que não compartilham.
Eles não determinaram
exatamente por que é que os empregadores discriminam a favor de membros ou
simpatizantes do seu partido político, embora Teso, um dos autores do estudo,
suspeite que alguns empregadores pensam que um local de trabalho em que os funcionários
possuem convicções políticas semelhantes é provavelmente um ambiente produtivo.
"Esta é
provavelmente a razão pela qual muitas empresas proíbem falar sobre política no
trabalho, porque pensam que isso pode levar a conflitos", diz ele.
Embora Teso esperasse
ver algum favoritismo relacionado à linha partidária, ele ficou surpreso com a
influência que a política pode ter nas contratações.
Segundo ele, o
alinhamento político parece ser um fator determinante mais forte do que a raça
ou o gênero nas decisões de contratação.
"A magnitude
disso é algo que [nós] não esperávamos encontrar."
Fonte: BBC Worklife
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