“A OTAN é uma máquina de guerra e pertence
ao lixo da história”, diz Kristine Karch
No próximo mês de
julho, em Washington, DC, Estados Unidos, acontecerá uma
nova Cúpula da OTAN, que
recentemente completou 75 anos. Organizações pela Paz de diversos lugares do
mundo também se reunirão na capital estadunidense para expressar a sua rejeição
a esta aliança militar, envolvida nas guerras ocorridas na ex-Iugoslávia, Afeganistão, Líbia, Iraque e Ucrânia.
Abaixo, um diálogo
com Kristine Karch, coordenadora da Rede Internacional Não à Guerra –
Não à OTAN.
<><> Eis a
entrevista.
·
Você pode se apresentar e nos dizer como
chegou à ‘Rede Internacional Não à Guerra - Não à OTAN’?
Meu nome
é Kristine Karch, sou cientista da computação, atuante no movimento
pacifista desde os anos 1980, mais tarde também no Solidariedade a Cuba e
à América Latina. Nos anos 1980, lutamos contra as novas armas nucleares (dos Estados Unidos) que seriam implantadas
na Alemanha.
Sou membro fundadora
(1996) da EcoMujer e.V. – Feministas e Meio Ambiente: um
intercâmbio entre mulheres de Cuba, América Latina e Alemanha; coautora do
livro em alemão Vom Süden lernen – Lateinamerikas Alternativen zum
Neoliberalismus (Aprendendo com o Sul: Alternativas da América Latina
ao neoliberalismo), publicado em 2008.
No outono de 2008,
quando soubemos que a OTAN estava planejando o seu 60º aniversário
com uma cúpula dupla, nos dois lados do Reno: em Estrasburgo, França, e Kehl,
Alemanha, ficou claro que tínhamos de organizar protestos a nível europeu e
internacional. Todas as nossas quase 400 organizações-membro, de 43 países,
assinaram a nossa declaração de fundação Apelo de Stuttgart, que
lamentavelmente permanece relevante. A OTAN é uma máquina de guerra e
pertence ao lixo da história.
Sou membro fundadora
da campanha Stop Air Base Ramstein, a maior base aérea estadunidense fora
dos Estados Unidos, responsável pelas guerras com aviões não tripulados dos Estados Unidos, que é sede de comandos
da OTAN e meio para o transporte de soldados, armas e munições, não
só para a Ucrânia, mas também para a Ásia Ocidental.
No verão, desde 2015,
realizamos uma Semana pela Paz com um Acampamento pela Paz,
eventos públicos, oficinas, reuniões e ações de desobediência civil. Em
julho de 2023, a campanha me concedeu o Prêmio da Paz devido ao meu
compromisso.
·
Por que a Rede Internacional ‘No NATO,
No War’ se opõe à OTAN?
A OTAN é a
maior aliança militar que já existiu. A história da OTAN está
encharcada de sangue. A aliança militar e vários de seus estados-membro
ajudaram a iniciar golpes de Estado e apoiaram ditaduras. Travaram guerras em
todo o mundo, desestabilizando países como Argélia, Vietnã,
os Balcãs, Afeganistão, Iraque e Líbia,
resultando em milhões de vítimas inocentes e nos chamados “Estados falidos”. Em
1999, com a guerra contra o Kosovo/ex-Iugoslávia,
a OTAN devolveu a guerra à Europa, pela primeira vez, após 1945. Isto
não tem nada a ver com a democracia e a participação.
A OTAN é uma
aliança militar agressiva, apresenta a Rússia e a China com imagens inimigas e demoniza sobretudo
a Rússia e a China, estigmatizando-as como “rivais sistêmicos”,
com recomendações que conduzirão a um confronto crescente. As soluções não
militares, sem dominação e agressão, são impensáveis para a OTAN. Isto
inclui até desafios como a mudança climática, a perda de biodiversidade e a proteção do meio
ambiente.
A Rede Não à
Guerra – Não à OTAN se opõe à política de armamento nuclear da OTAN,
em violação dos compromissos de desarmamento nuclear do TNP (Tratado
de Não Proliferação Nuclear) e condena a campanha de desinformação da aliança contra
o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN).
Três países
da OTAN (Estados Unidos, Reino Unido e França) possuem
armas nucleares e todos estão trabalhando para renová-las. No marco do
intercâmbio nuclear, proibido pelo TNP, existem armas nucleares
estadunidenses em cinco países europeus da OTAN: Alemanha, Bélgica, Países
Baixos, Itália e Turquia. Agora, também retornarão ao Reino
Unido.
Ainda que apenas os
membros da União Europeia considerem que se apegam a uma política de
neutralidade e que não são membros da OTAN, o relatório sugere aprofundar
os vínculos institucionais com a União Europeia em assuntos militares.
As capacidades de defesa europeias independentes e complementares e as ações
militares alinhadas com os objetivos da OTAN são bem-vindas como
parte de uma agenda de divisão de responsabilidades que fortalece o poder militar da OTAN. A OTAN e a União Europeia compartilham o
objetivo de gastar 2% do PIB em fins militares.
A Rede Não à
Guerra – Não à OTAN rejeita o enfoque militarista da segurança expresso na
estratégia da OTAN, que levará a uma escalada maior das guerras atuais e
aumentará a probabilidade de um confronto militar direto entre a OTAN e a
Rússia.
Nossa sociedade
precisa de desarmamento, diplomacia e cooperação, investimento em
cuidados de saúde, serviços sociais e medidas para evitar a mudança
climática. Só uma segurança integral, na qual sejam alcançados acordos
diplomáticos com a Rússia e a China sobre
o desarmamento, medidas de fomento da confiança e a cooperação econômica e
política, pode trazer uma paz justa e duradoura.
A União
Europeia não deve ser reduzida a um ramo da OTAN. Junto com os seus
Estados-membro, deve aplicar uma política de segurança autônoma, pacífica e
desmilitarizada, baseada nos princípios da Ata Final de Helsinque.
O documento OTAN
2030 confirma a OTAN como uma aliança de guerra que serve aos
interesses do complexo industrial-militar, não aos do povo. Não trará segurança
humana.
A Rede
Internacional Não à Guerra – Não à OTAN pede a revogação do
estabelecimento de 2% para gastos militares e a obrigação de armamento (20% dos
orçamentos militares), decididos de forma antidemocrática na cúpula
da OTAN, no País de Gales. Ao contrário, os recursos devem ser
utilizados para combater a pandemia de COVID-19 e melhorar a
segurança humana em geral. A exigência da OTAN de aumentar o gasto militar impede que os países invistam adequadamente em atenção
médica, serviços sociais e ação climática. O desarmamento é o desafio
central.
<><><>
Dissolução da OTAN e fortalecimento da ONU”
A Rede Não à
Guerra – Não à OTAN continuará pressionando pela dissolução da OTAN.
Trabalhará para empoderar a Organização das Nações Unidas, bem como as
instituições civis, regionalmente inclusivas, na busca de plataformas
internacionais competentes para a resolução de conflitos, a segurança comum e o
desenvolvimento sustentável.
Portanto, a Rede
Não à Guerra – Não à OTAN rejeita firmemente a agenda OTAN 2030. Ao
desviar a atenção e os recursos para o militarismo, a OTAN
2030 também tornará impossível que a comunidade internacional alcance os
objetivos climáticos urgentes do Acordo de Paris e
do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas,
com metas para 2030.
Precisamos
da solidariedade global e da cooperação internacional para
resolver os nossos desafios comuns: a pandemia, a emergência
climática e a desigualdade. Com a diplomacia,
o desarmamento e o desenvolvimento sustentável através do
sistema da Organização das Nações Unidas, não há necessidade desta aliança
militar anacrônica dominada pelo hemisfério ocidental. Seguimos reivindicando a
dissolução da OTAN.
·
Existe a possibilidade de um envolvimento
muito maior dos países da OTAN com a guerra na Ucrânia? Isto é perigoso? Quais
são as consequências?
A guerra na
Ucrânia se torna cada dia mais perigosa, já que vai ficando cada vez mais
claro que a Ucrânia não pode vencer a guerra. Os Estados
Unidos se retiram do financiamento e a União Europeia quer
seguir fornecendo, ao passo que a Alemanha se tornou o maior
financiador e fornecedor de armas. Zelensky está
ficando sem materiais e soldados.
Na semana passada,
a Ucrânia atacou pela segunda vez o aeroporto de Saratov, mas
“felizmente” não o atingiu, porque ali não está apenas a força aérea com
capacidade nuclear, mas também os mísseis nucleares. Se tivessem sido atacados,
não estaríamos mais sentados aqui.
É bem provável que os
estados da OTAN tenham de se envolver ainda mais na guerra do que
antes. Macron fala em tropas terrestres e sabe-se que são
utilizados militares de várias patentes e qualificações
da França, Reino Unido e Alemanha, principalmente como
treinadores. O tempo passa e temos de enviar diplomatas em vez de armas.
Existem planos de
negociação e esta é a única forma de alcançar uma paz justa, caso contrário,
a OTAN produzirá o próximo Estado falido. O desarmamento para o
desenvolvimento está na ordem do dia. Precisamos de dinheiro para a
reconstrução e a proteção social, ecológica e climática. Não está claro por
quanto tempo o chanceler Scholz manterá
sua recusa em fornecer (mísseis) Taurus.
·
Descobriu-se que militares alemães
“falavam” em atacar uma ponte na Crimeia. A Alemanha está em guerra com a
Rússia? Quais são as consequências disto?
Isto é um escândalo,
mas para mim tem mais a ver com o conteúdo do vazamento do que o vazamento em
si. A Alemanha não está em guerra com a Rússia,
mas os generais estão orgulhosos de suas armas e queriam mostrar o que podem
fazer para receberem sinal verde para a missão, mas a participação
da Alemanha não deve ser visível. Pergunto-me por que não há sinais
de ação disciplinar. Qual é o verdadeiro escândalo que, atualmente, permanece
sendo encoberto?
·
Alguns sustentam que a Europa perdeu a sua
independência em relação aos Estados Unidos, que impõem a sua agenda e
interesses. Qual é a sua opinião?
Primeiro, devemos
esclarecer se é a União Europeia ou a Europa.
A Europa é mais do que a União Europeia. Deveríamos falar
de União Europeia, porque estes são os países econômica e militarmente
mais fortes. O quintal dos fundos dos Estados Unidos mudou e
a União Europeia é o cão fraldiqueiro dos Estados Unidos, em
detrimento da União Europeia e da Alemanha, em particular.
A economia alemã está estagnada, os preços, especialmente os da energia, estão
aumentando e a inflação também. As sanções são um tormento para
a Alemanha, ainda consumimos gás russo,
mas agora não diretamente, vem através da Índia e custa muito mais. A
economia russa está crescendo.
·
No que diz respeito à Ucrânia, por que o
Ocidente prefere continuar a guerra, em vez de apoiar as negociações?
Não sei, talvez porque
sejam apaixonados pela guerra e ligados à indústria armamentista. Não
conheço nenhuma razão racional para a continuação.
·
Por que a Alemanha apoia o governo
israelense que está cometendo um verdadeiro genocídio na Palestina?
É incompreensível para
mim o que levou o governo alemão a multiplicar por dez as exportações de
armas para Israel, após o 7 de outubro. Fecha os olhos para tudo o que acontece
por causa do Holocausto. E também não quer reconhecer o seu próprio genocídio, o
primeiro genocídio do século passado contra os Hereros.
Os Estados
Unidos e a Alemanha poderiam deter este genocídio se parassem a
exportação de armas e o financiamento. Um de nossos lemas na caminhada
da Páscoa deste ano foi: “A Alemanha financia – Israel massacra”.
<><> Atividades contra a OTAN
A Rede Internacional Não à Guerra – Não à OTAN organiza, junto
com a Campaign for Nuclear Disarmament, CODEPINK, DSA
International Committee, Global Network Against Weapons & Nuclear
Power in Space, Global Women for Peace United Against
NATO, International Peace Bureau, NC Peace Action, Nuclear Age
Peace Foundation, RootsAction.org, United National Antiwar
Coalition, Veterans For Peace, Vrede, Women’s International
League for Peace and Freedom US e World BEYOND War, um final de
semana de protesto (de 5 a 7 de julho) contra a cúpula de guerra
da OTAN que acontecerá em Washington, DC, de 9 a 11 de
julho.
¨ OTAN aproxima guerra mundial com cada
semana, diz Orbán
O premiê da Hungria
criticou a abordagem ocidental de apoio à Ucrânia, que vê como aproximando as
tropas da Rússia da Aliança Atlântica.
As discussões sobre o
envio de instrutores militares da OTAN para a Ucrânia e a permissão dada às
Forças Armadas ucranianas de forma a usarem armas ocidentais para atacar o
território da Rússia estão aproximando rapidamente o Ocidente da guerra, vê o
primeiro-ministro da Hungria.
"A cada semana
estamos nos aproximando da guerra", disse Viktor Orbán em declarações à
Rádio Kossuth húngara.
O alto responsável
húngaro chamou de absurdo o desejo da OTAN de arrastar toda a Europa para uma
guerra contra a Rússia e lembrou que a aliança é defensiva, não militar. Ele
referiu a missão de coordenação da aliança na Ucrânia supostamente para
resolver o conflito.
"A OTAN […] não
foi criada para organizar missões como a da Ucrânia, por meio da qual a OTAN se
envolve em um conflito armado fora de seu território e, assim, criamos a ameaça
de uma guerra mundial. Isso é um absurdo [...] o mesmo que um bombeiro decidir
que um incêndio pode ser apagado com um lança-chamas."
Além disso, o Ocidente
precisa entender que quanto mais armas de longo alcance der a Kiev, mais o
Exército russo avançará, pois "sem a OTAN, a Ucrânia não poderia
bombardear as cidades russas".
"A Rússia
declarou que avançará na Ucrânia até que haja um território através do qual os
ucranianos não possam chegar […] ao território da Rússia e prejudicar
populações e cidades. Ou seja, o avanço dos russos depende das armas com as
quais os ucranianos atingem o território russo. Quanto mais armas poderosas
forem atingidas, mais longe os russos irão", disse Orbán.
Segundo ele, os países
ocidentais "precisam ver" que os ucranianos que disparam contra o
território russo "aproximam os russos" dos países da OTAN.
Fonte: Entrevista com
Kristine Karch, por Pablo Ruiz, para Rebelión, - tradução do Cepat,
em IHU/Sputnik Brasil
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